quinta-feira, 11 de março de 2010

SObre a formação de quadros revolucionários hoje - parte 2

Os quadros sabem que é necessário fazer todo o trabalho útil a revolução e que, por exemplo, passar da linha de frente de combate para atividades como recolher lenha tem a mesma importância estratégica. Por isso que, como dizia Ho Chi Mihn, a formação dos quadros deve dar toda a importância necessária à transformação ideológica. É preciso compreender bem os alunos para poder desenvolver suas aptidões e eliminar seus defeitos. É preciso ensinar e inventar. Ensinar é fazer aprender, forjar é desembaraçar o cérebro de seus vícios. Por exemplo: atualmente os nossos quadros são afligidos por um defeito grave: o orgulho e a insolência. É preciso extirpá-lo a qualquer preço. Senão o saber adquirido pelo estudo seria até nefasto. É por orgulho e presunção que os quadros ambicionam as altas funções. Exemplo: um quadro servindo no nível zona se queixará e se desencorajará se a organização transferi-lo para o nível província. Ele considera esta transferência indigna de suas capacidades que deveriam normalmente lhe valer um posto mais elevado! Esta inclinação para os altos postos deve ser extirpada. É necessário fazer todo trabalho útil a revolução, ao partido, ao movimento, etc: não existe trabalho nobre nem trabalho vil.

O recado de Rosa Luxemburgo é mais válido do que nunca: “com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo. A sociedade socialista precisa de homens que estejam, cada um em seu lugar, cheios de paixão e entusiasmo pelo bem-estar coletivo”. Assim, do militante socialista se impõem uma coragem e perseverança baseada numa clareza interior que não coloca em dúvidas a causa pela qual se está lutando. Por isso o militante pode se definido sumariamente por uma autodisciplina voluntária voltada a uma seriedade moral e ao senso de dignidade e responsabilidade etico-política e social por “pensar como massa”. Esse pensar, é claro, não diz respeito a suposições supersticiosas individuais, mas do contato ativo-social de criar e expandir a convicção social de que a participação política de todos nas decisões que permeiam as questões fundamentais da vida em sociedade não são apenas possíveis como necessárias. A natureza associativa do militante busca demonstrar que a força coletiva supre as fraquezas individuais num trabalho de organização permanente para colaborar em ações concretas para que os grupos sociais conjuguem seus esforços visando objetivos comuns - tanto negativos em relação a ordem existente como positivos (muito mais difíceis) no sentido de serem mediações transitórias rumo uma nova sociedade.

Não é a toa que, como dizia Gramsci, “odeio os indiferentes porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes”. Como salienta Slavoj Zizek, “não existem espectadores inocentes nos momentos cruciais de decisão revolucionária, porque, em tais momentos, a própria inocência – que isenta de tomar decisão, que me autoriza a preceder como se a luta que estou testemunhando realmente não me concernisse – é a mais alta traição. Quer dizer, o medo de ser acusado de traição é a minha traição, porque, mesmo que “nada tenha feito contra a revolução”, esse próprio medo, o fato de que ele surja dentro de mim, demonstra que minha posição subjetiva é externa à revolução, que eu vivo a “revolução” como força externa que me ameaça”. Por isso, “todo revolucionário autentico tem de assumir a atitude de abstrair completamente, e mesmo desprezar, a imbecil particularidade de sua própria existência imediata”. Aqui a rejeição do hábito é crucial: em muitas situações políticas as escolhas são dadas sob a condição de que façamos a escolha certa. Por isso o quadro militante é politicamente extraparlamentar ao suspender a ordem legal como o horizonte da ação revolucionária. Não existem “garantias” para a ação ético-política do militante. A busca por “garantias” (as condições ainda não estão maduras, não temos o apoio da maioria do povo, é cedo demais para a revolução, a revolução não será democrática o suficiente, etc.) é o medo do abismo do agir.
Como dizia Lênin, a partir do momento em que as tarefas eram bem definidas e em que se possuía bastante força tentar realizá-las novamente, os fracassos momentâneos eram apenas um meio já que a experiência revolucionária e a habilidade de organização são coisa que se adquirem. “É preciso apenas desenvolver em nós mesmos qualidades necessárias! É preciso que tenhamos consciência de nossos defeitos, o que, no trabalho revolucionário, já é mais de meio caminho para corrigir”. Estamos neste momento hoje. Assim, como sempre, é necessário aprofundar e ampliar constantemente o trabalho de influencia entre as massas ou se deixa de ser revolucionário. Aqui a importância do quadro militante aprender na escola, nos livros, com outros e, não menos importante, junto das massas.

Meu avô costumava dizer que sem quadros revolucionários a militância social é cega os quadros revolucionários são a expressão de qualidade na quantidade de militância. Por isso que no movimento social, a formação de militantes políticos em coexistência com partidos de experiência histórico-concreta na luta de massas e com o horizonte definido para uma revolução socialista sempre foi o grande desafio, debaixo do dispersionismo, do voluntarismo e espontaneísmo das massas e, de outro lado, o revolucionarismo pequeno-burguês querendo impor-lhes “disciplinas” autoritárias.

Uma vez Che falou que, mesmo correndo o risco de parecer ridículo, o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. Seria impossível pensar num militante sem essa qualidade. Entretanto, que amor seria esse? Acredito que essa concepção de amor é muito parecida com a de Jacques Lacan: amor é dar o que não se tem para quem não quer. O militante não se limita a dar, mas recebe, em alguns momentos, muito mais do que aquilo que dá: adquire novas experiências, maturidade política, aprende como vivem nossos camponeses e trabalhadores, novas formas de contato humano, aprende a lidar com o inimigo, etc. Por isso o estímulo do militante não depende do Outro para que regulamente ou ordene sendo um exercício de autodisciplina contínua e sem fim. O fato de que as formalidades da vida militar não adaptarem a militância não exclui a disciplina estrita e informal que nasce da convicção profunda do combate que estamos integrados e que depende de todos. Assim, o intuito do militante é o auto-controle com a consciência de dever com a sociedade que estamos construindo.

A coragem do quadro militante deve ser construída progressivamente e conscientemente em atos cotidianos que sirvam de exemplos-vivos para afinarmos nossos espíritos revolucionários. A coragem é a virtude que se manifesta pela materialização do impossível. Por isso o quadro revolucionário militante se considera constantemente morto de antemão. Vai para suas batalhas sem nenhuma pretensão de retornar. Somente uma posição tão radical pode romper com o marasmo da forma política do capitalismo contemporâneo.

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