terça-feira, 29 de setembro de 2009

A esquerda e seus trágicos caminhos: a vingança armada da direita

O lema “sejamos realistas, exijamos o impossível” mostra bem os limites do movimento de 1968. Lacan captou muito bem esse limite quando disse “Como revolucionários, vocês são histéricos que exigem um novo mestre. Vocês vão ganhar um”. No lema, o “exijamos” é direcionado para quem? Fazer exigências impossíveis que sabemos que, a priori não podem ser atendidas faz parte da lógica histérica por um Mestre. A pergunta que fica é: hoje, a herança dos anos 1960 do hedonismo tolerante não a prática dominante da esquerda pós-moderna? Considerando que hoje essas demandas histéricas não são produtivas no campo da esquerda, talvez seja hora de outro lema: “sejamos realistas, arrisquemos o impossível”. Depender do Outro para assegurar o Ato é o sonho liberal, um Ato sem Ato.

O espantoso resultado ideológico de 1968 é que, desde lá, a conhecida “globalização capitalista” trouxe como resultado a naturalização radical do sistema-regime capitalista impondo-se como limite ontológico do desenvolvimento humano na história. O que a esquerda pós-moderna faz é exatamente aceitar esse prognóstico. Entretanto, teríamos chegado mesmo ao fim da história? Talvez, mas não da forma com que Francis Fukuyama a apresentou.

Fukuyama estava certo num ponto: a utopia liberal é o fim da história numa transformação conjuntural infinita. Diante dessa crise, entretanto, essa utopia liberal (que articula muito dos movimentos emancipatórios hoje) entra em parafuso diante da impossibilidade estrutural de dar uma resposta minimamente plausível diante do tsunami econômico e político global. Diante disso, é possível esperar da conduta liberal de hoje apenas uma forma semelhante da sua relação com o fascismo: a neutralidade estéril. Fazendo um simples exercício intelectual, pensemos: é possível ficar neutro em relação a Hitler, por exemplo? A posição liberal de neutralidade diante da atual crise só abre portas mais radicais para a extrema direita. Esse não é um desvio de conduta, mas o cerne mais profundo da posição liberal diante das calamidades sociais e ecológicas que presenciamos. Sua visão de mundo baseada num Todo orgânico que precisa só de “melhoramentos empíricos” já que o capitalismo é o pressuposto para liberdade, democracia, tolerância etc claro que não está do lado da luta política de esquerda que enfatiza a irredutibilidade de um antagonismo que corta esse Todo e trazendo, assim, a necessidade de repensar radicalmente as políticas de emancipação e sua forma.

É trágico que a esquerda hoje detenha sua esterilidade nas políticas de emancipação que se estruturam na prática estritamente dentro do jogo democrático. Portanto, diante desse panorama, concordo com Zizek quando escreve que “fidelidade ao consenso democrático” significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar já que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-liberal é cúmplice nos fenômenos que ela condena além de oficialmente condenar qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sociopolítica diferente.

Em suma, significa: diga e escreva o que quiser – desde que não se questione ou perturbe, na prática, o consenso político dominante. [...] No momento em que questionamos seriamente o consenso liberal existente, somos acusados de abandonar a objetividade científica em troca de posições ideológicas ultrapassadas. Esse é o ponto “leninista” do qual não se pode nem se deve abrir mão: hoje, a verdadeira liberdade de pensamento significa liberdade para questionar o consenso democrático-liberal “pós-ideológico” dominante – ou não significa nada (Zizek, 2005, p. 173, 174).

Nesse ponto não podemos mais nos enganar sobre o caráter estrutural que a democracia desempenha na sustentação da ordem simbólica capitalista global. Hoje, o inimigo não é o Império e sim a democracia: “o que impede o questionamento radical do próprio capitalismo é exatamente a crença na forma democrática da luta contra o capitalismo” (Zizek, 2008, p. 420). O mesmo ponto é enfatizado por Badiou em sua 15º tese sobre arte contemporânea: “É melhor não fazer nada do que contribuir para a invenção de maneiras formais de tornar visível o que o Império já reconhece como existente”. É sob a crença na forma democrática de transformação social que a noção de ato político radical (com excessos) para ir além desse impasse democrático é piamente reprovada pelos liberais.

Podemos refletir sobre esses limites da ação de resistência que, sob a democracia-liberal, desconsideram a possibilidade de uma transformação radical em completa conformidade com a situação política contemporânea, isso é, o centramento da esquerda e direitização da direita. Em termos zizekianos, a linha divisória já não é mais entre a esquerda e a direita, mas entre o campo “moderado” da pós-política e a repolitização da extrema direita que dá corda para o movimento político. Em outras palavras, a esquerda foi incapaz de se repetir ou, em termos dialéticos, voltar a si mesma, de estar de acordo com sua atualidade histórica. O resultado mais claro é o vácuo ideológico e político que foi apropriado pela agenda liberal que reduz a luta por emancipação para além do capital a lutas por tolerância e multiculturalismo na era do capitalismo global. Hoje, entretanto, essa despolitização mostra uma ironia histórica quando percebemos que a agenda liberal de centro não se diferencia radicalmente da agenda da extrema-direita.

No Brasil esse processo de transformação da esquerda é dramático. Assim como os Estados Unidos que acabaram por polarizar a disputa política entre dois partidos que, no final de contas, são farinha do mesmo saco, no Brasil o PT cria uma unidade dialética com o PSDB. Um não funciona sem o outro já que o condicionamento é mútuo. Criado como uma força extraparlamentar, hoje o PT encontra-se afundado na ideologia do “lulismo” enquanto presenciamos uma repolitização da direita e seus queridos Aécio Neves, Geraldo Alckmin, José Serra, Fernando Henrique (que, por hora, é o excluído da vez). A ofensiva da direita encontra seu estado embrionário na América Latina com o exemplo vivo de Honduras que, desde o golpe de estado da canalha fascista, matou mais de cem pessoas. Atentemo-nos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Luto




De http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=927717&tit=Morre-aos-79-anos-o-escritor-Walmor-Marcellino

Morreu, na manhã desta sexta-feira (25), o poeta, escritor e jornalista Walmor Marcellino, aos 79 anos de idade. Nascido em Araranguá, Santa Catarina, Marcelino destacou-se em Curitiba na militância contra a ditadura militar, a qual levou à frente entre as décadas de 1970 e 1980. Como jornalista trabalhou em diversos meios de comunicação, entre eles o jornal Gazeta do Povo. Casado duas vezes, Marcellino teve quatro filhos, um deles já falecido.

De acordo com nota divulgada pela Agência Estadual de Notícias, órgão de notícias do governo do estado, ele estava internado na Santa Casa de Misericórdia, na capital paranaense, com problemas renais e cardíacos. Seu corpo será velado a partir das 15 horas na capela 3 do Cemitério Municipal de Curitiba, no bairro São Francisco, e cremado no sábado (26), às 9 horas.

Escritor com forte atuação política, publicou mais de 30 livros, entre poesia, ficção e textos de opinião. Na década de 1970, participou do Centro Popular de Cultura em Curitiba, e de grupos de teatro da Universidade Federal do Paraná. Sempre crítico à ditadura militar, chegou a ser preso político durante o regime.

Repercussão

Diversos amigos ex-colegas comentaram sua trajetória à agência de notícias do governo estadual. “Walmor Marcellino foi um militante persistente, que nunca se desviou de seu caminho. Alguns o chamavam de fundamentalista, mas eu sempre entendi suas atitudes como integridade”, declarou o governador Roberto Requião.

“Era um homem de extrema coragem e todos que lutaram pela democracia sabem o papel que teve este grande intelectual. Ele foi um dos responsáveis pela reorganização do movimento estudantil e sindical durante a ditadura militar e um grande orientador para minha geração”, disse o advogado Geraldo Serathiuk, que o conheceu na década de 1970, na Casa do Estudante.

“Ele era um dramaturgo, repórter policial de alto nível e um líder da resistência durante a ditadura militar. Apenas quem conviveu com ele sabe mensurar esta perda”, lamentou o jornalista Cícero Catani, que conviveu com Marcellino no início da década de 1960, na redação do jornal Última Hora. Segundo Catani, uma das grandes qualidades do escritor era a de transformar a redação em uma sala de aula. “Era um intelectual e um verdadeiro professor de jornalismo. O Paraná perde um dos seus maiores valores.”

O jornalista Luiz Geraldo Mazza, destacou a militância, tanto política quanto cultural de Marcelino. “Ele foi uma pessoa de firmeza e caráter, guerreiro que participou dos movimentos importantes do nosso Estado, e um dos grandes desencadeadores do desenvolvimento cultural”, contou.

“Sempre polêmico, nunca fez uma crítica não embasada, por isso, era respeitado mesmo por aqueles que tinham posições contrárias”, afirmou o poeta e escritor Ewaldo Schleder, que publicou um livro a quatro mãos com Marcellino.

O procurador-geral do Estado, Carlos Marés, era presidente do movimento estudantil quando conheceu o escritor, na época um intelectual ligado às causas dos estudantes. “Era muito respeitado, ele dirigia o Teatro do Estudante Universitário e eu ajudava na contra-regra. Era um grupo chamado de engajado, contra a ditadura e contra o capitalismo. Walmor teve uma vida muito coerente nas suas idéias e no modo de agir, isso só se vê no fim da vida.”

O jornalista Nego Pessoa comentou que as diferenças políticas entre os dois eram enormes. “Mas a nossa amizade era justamente pela ligação com a arte. Walmor era um grande conhecedor de poesia e amante do jazz”, contou. Nego Pessoa destacou os livros de poesia do amigo, segundo ele, a melhor produção de Marcellino.

“Era de um caráter sensacional, grande jornalista e um dos mais importantes escritores paranaenses. Autêntico e também um teatrólogo sensacional, atuou contra a ditadura militar de maneira ímpar. Ele é uma pessoa que vai ficar inscrita na nossa história”, disse o advogado Edésio Passos, que também conheceu Marcellino na década de 1960.

Amadeu Geara, político e advogado, lembrou que Walmor foi um dos colaboradores na organização do MDB no Paraná. “Nunca dizia uma palavra de agrado que não fosse sincera, muito menos fazia uma crítica que não fosse fundamentada. Foi o pensador que nos auxiliou, na formação dos quadros do partido”.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Brasil: o país do futuro

O espírito reacionário dos legionários fascistas à espera da ocasião domina o atraso cultural e político brasileiro inclusive daquele semelhante “ser humano” com que às vezes se dialoga (até alegremente em algumas ocasiões). Com um pequeno empurrão essa canalha se revela e se esforça para difundir suas “idéias medianas” alimentadas pelo “senso comum” ou pelo “bom senso”. Definitivamente, o Brasil não é um país sério:

A melhor revista é a Veja;

O melhor jornal é Folha de São Paulo;

O melhor escritor é Paulo Coelho;

O melhor narrador é Galvão Bueno;

O maior pensador é Arnaldo Jabor;

O maior cineasta é Glauber Rocha;

A esquerda é contaminada pelo “lulismo”; e, finalmente,

Tivemos uma ditadura militar por mais de 20 anos que envolveu perseguições e torturas amplamente aceitas pelas camadas médias da sociedade que hoje vangloriam o modelo democrático com o mesmo entusiasmo e oportunismo.

sábado, 19 de setembro de 2009

Nota sobre a centralidade do trabalho

Já estamos presenciando a universalização do modelo oriental de produção capitalista – o japonês e chinês. A reforma para “a nova configuração do capitalismo” é dupla: uma forma de produção dominantemente “toyotista” e uma crescente hibridização entre capital e Estado numa “chineização global” – isso é, o Estado direcionado para administrar a crise permanentemente com práticas excessivas como modelo normal de governo (sobre essa transformação podemos lembrar o cerceamento de favelas, a brutalidade policial em relação a pobreza, legislações anti-trabalhistas e anti-imigrantes, privatização do sistema penitenciário). Hoje, do ponto de vista do capital, guerra e crime são praticamente sinônimos.

O desdobramento desse processo é conjunto com uma ampla ideologia baseada no "fim da centralidade do trabalho" para o ser social. O trabalho não seria mais uma categoria social central - seja pelo intensivo processo de automação, pelo consumo, pela fragmentação e precarização do proletariado. Muitos da esquerda chegam as mesmas conclusões aludindo, consequentemente, que a força de transformação social passou a ser aqueles que demandam integração no sistema capitalista: demandas raciais, de gênero, espécie, tolerância, multiculturalismo, etc. Como a transformação social não pode mais ser baseada no trabalho, os apetites oportunistas de diversas demandas desconexas se tornam o horizonte humano numa aceitação aberta do conto do "fim da história".

Entretanto, grande parte do “debate sobre o fim da centralidade do trabalho” se ampara sob uma compreensão altamente superficial da emergência do desemprego estrutural no sistema do capital. Os mais exagerados apologistas dizem que “quando o trabalhador é despedido isso demonstra que a sociedade contemporânea está criando tempo livre para o desenvolvimento do trabalho imaterial” ou propõem que “com o progressivo fim dos empregos, o capitalismo cria condições para que o desempregado possa vender sua experiência no mercado e ganhar uma boa renda”. Alguns ainda relatam que entramos magicamente numa fase qualitativamente diferente do capitalismo (como se isso fosse possível naturalmente) que, com “o fim da centralidade do trabalho”, a emancipação necessita ser baseada num “desejo de democracia”, por mais que seja exatamente a longa tradição da “democracia liberal”, também nos países mais avançados, que esteja construindo hoje formas de repressão contra os desempregados que, do ponto de vista do capital, necessitam ser ejetados com o aprofundamento da crise estrutural.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Reflexôes sobre as potencialidades do capital

Peço desculpas ao leitos pela linguagem mais truncada.

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Costumamos subestimar a potencialidade do capital como metabolismo de exploração, dominação, opressão e controle social. Porém, o que queremos dizer com potencialidade do capital?

Potencialidade vem de uma força potencial. Para que exista e se reproduza, qualquer potencialidade necessita, assim, de leis próprias para conduzir diversas relações a determinadas potencialidades. Por exemplo, uma dinamite tem a potencialidade de explodir sobre o efeito de determinadas relações causais que dizem respeito a sua função primordial. Uma dinamite não foi feita para alimentar gado. Desde seu intuito inventivo a dinamite já tem a potencialidade de explodir mesmo que possa não o fazer. Essa é uma potencialidade. Algo que segundo suas regras lógicas têm uma tendência a ocorrer ou então seus próprios mecanismos para existência não conseguem ter funcionalidade e acabam por ser extintos. Se não explodir a dinamite em um determinado prazo, ela pode simplesmente estragar. Nessa lógica se não respeitar suas regras de funcionamento que, nesse caso, seria explodir, ela não respeita suas potencialidades e perde sentido.

O mesmo ocorre com o sistema do capital. Se ele não atender certas potencialidades que condizem com suas regras de funcionamento suas formas de reprodução perdem sentido. É possível, por exemplo, pensarmos em empresas que não busquem o lucro? As regras do sistema do capital como um metabolismo social é essa e suas potencialidades são aquelas que tentam possibilitar em diferentes tempos e espaços melhores formas para atender a essas demandas envolvendo assim, a totalidade da sociedade. István Meszáros escreve que

O capital não é simplesmente uma “entidade material” [...] mas é, em última análise, uma forma incontrolável de controle sociometabólico. A razão principal por que este sistema forçosamente escapa a um significativo grau de controle humano é precisamente o fato de ter, ele próprio, surgido no curso da história como uma poderosa – na verdade, até o presente, de longe, a mais poderosa – estrutura “totalizante” de controle à qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menos unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos

Por esse poder, pode-se dizer assim que o capital tornar-se o sujeito da criação das novas possibilidades sistêmicas a partir de conflitos sociais e dentro de sua própria dinâmica contraditória. Por ter potencialidades para atender as necessidades de seu sistema, o capital pode se reproduzir até determinados limites que transgridem as próprias lógicas de existência quando as aplicabilidades dessas necessidades pelas potencialidades não são atendidas devidas à intensidade e potencialidade de contra-tendências sistêmicas e as próprias crises internas.
O sistema do capital tem necessidades que precisa atender: acumulação e expansão. O sistema do capital também necessita de aplicabilidade de suas medidas que envolvem diretamente a legitimidade, a alienação, o desenvolvimento da luta de classes, as possibilidades materiais, métodos de fragmentação social, as mediações culturais, as demandas por igualdade e cada vez mais sustentabilidade ecológica. Mesmo que muitas vezes contraditórias, o sistema do capital consegue para sua reprodutibilidade aplicar mecanismos que vão contra essas especificações de forma a transformar tais limites em sua própria valorização, como é o caso da ecologia. Slavoj Zizek aponta que

o capitalismo tem uma incrível capacidade de transformar a catástrofe numa nova forma de acesso. O capitalismo é capaz de transformar todos os limites externos a seu desenvolvimento num desafio para novos investimentos capitalistas. Por exemplo, vamos presumir que ocorra uma grande catástrofe ecológica. Creio que o capitalismo pode simplesmente transformar a própria ecologia num novo campo de concorrência do mercado, algo assim como quem produzirá o melhor produto, qual deles será ecologicamente melhor

Não é exatamente isso o que o Mercado de Créditos de Carbono propõe? Um site especializado explica que

as empresas poluidoras compram em bolsa ou diretamente das empresas empreendedoras as toneladas de carbono seqüestradas ou não emitidas através de um bônus chamado Certificado de Redução de Emissões (CER). Cada tonelada de carbono está cotada hoje (agosto/2006) entre $15 e $18 euros (há um ano eram $5 euros), valor que deve ir a $30 ou $40 Euros entre 2008 e 2012, quando a economia de 5,2% tornar-se obrigatória... As quantidades de toneladas de CO2 ou outros gases economizadas ou seqüestradas da atmosfera, são calculadas por empresas especializadas de acordo com determinações de órgãos técnicos da ONU. Por exemplo, uma tonelada de óleo diesel trocado por biodiesel gera o direito a 3,5 toneladas de créditos. Um hectare de floresta de eucalipto absorve por hectare, por ano, 12 toneladas de gás carbônico. Um grande aterro sanitário que capte o metano e o transforme em eletricidade, pode ter o direito a milhões de toneladas de créditos por ano


Essa é uma potencialidade do capital: transformar para sua necessidade de valorização tendências que são a priori impossíveis de ser valorizadas pelo mercado. Continuando no exemplo da ecologia, Ulrich Beck escreve sobre a incalculabilidade das conseqüências e danos sobre o meio-ambiente. Ele cita o exemplo do processo legal contra a fábrica de cristal de chumbo no município de Altenstadt na Alemanha.

Manchas de chumbo e arsênico do tamanho de uma moeda tinham caído sobre a cidade; vapores de flúor tinham manchado as folhas e corroído as janelas e desintegrando tijolos. Os residentes sofriam erupções cutâneas, náuseas e dores de cabeça. Não cabia duvidar sobre a origem de tudo aquilo. O pó branco saia desde as chaminés das fábricas. Um caso claro. Um caso claro? No décimo dia de ter encontrado o processo, o Juiz que presidia a sala ofereceu retirar os cargos em troca de uma multa de 10 000 marcos, uma solução típica aos crimes ambientais na República Federal da Alemanha (em 1996, de 21.000 casos, houve 49 condenações a pena de cárcere, 31 das quais foram suspensas. No resto foram retirados os cargos).

Como é possível encontrar parâmetros de pagamento para algo que está além de qualquer noção de troca e que com o desenvolvimento de novas tecnologias tende a ser aplicável muito além de alguma localidade específica e estar inserida em um processo global? Isso significa que é estritamente impossível resolver os problemas crescentes acerca a deterioração do meio ambiente por intermédio do mercado. O capital não tem necessidade de salvar o planeta de sua destruição e por ser um sistema que aliena dos homens o poder de intervenção livre sobre a realidade. A destruição estrutural do meio ambiente não pode ser resolvida com aplicações conjunturais de solução discutível. Mesmo que a tendência do capital de mercatilizar tudo e todos sejam aplicáveis ao meio ambiente, sua resposta não pode ser favorável as tendências atuais de destruição já que não existe possibilidade de frear o sistema de que para existir necessita se expandir mesmo que o custo disso seja a extinção da vida sobre a terra ou, em menor grau, a destruição da biodiversidade.
Com o desenvolvimento do capitalismo, as tecnologias como instrumental mediador entre homem e natureza se desenvolveram enormemente. Tornou-se visível que a tecnologia é um empreendimento com que o capital consegue se desprender de outros dispêndios para melhorar suas formas de reprodução (vale lembrar, porém, que por ser mediador essa dissociação a autonomia da tecnologia nunca pode ser total). Contra o aumento da competição cada vez mais com caráter global e dispersa no tecido internacional, a tecnologia como valor agregado torna-se um investimento seminal para a constante revolução nos modos de produzir, na construção de novas necessidades e de controle e fragmentação social pela tecnologização da vida social. Laymert Garcia dos Santos estabelece essa ligação entre as novas tecnologias, principalmente em relação à manipulação da vida, dentro do quadro das potencialidades do capital. Ele escreve que “a biotecnologia é precisamente a possibilidade de converter algo que não tinha de direito valor ambiental em algo que pode ter de fato um valor econômico. Em suma, talvez a biotecnologia não opere uma conexão entre tais valores, mas sim uma conversão de um no outro. A biotecnologia vem sendo um modo especial de destacar a biodiversidade dela mesma e transforma-la em ‘capital artificial!’” .

De forma embrionária podemos dizer então que existem alguns fatores que não são sustentavelmente mercantilizáveis, isso é, podem ser inseridas no processo de valorização do capital, porém não podem resolver de maneira nenhuma os problemas ocasionados por essa mesma dinâmica ou então trocam de valores para poderem se inserir em meio de reprodução do capital. Criam-se novas formas de matérias-primas para que o capital consiga se valorizar. O meio ambiente pode ser um fator em que o capital consiga se valorizar mas, mesmo assim, é impossível resolver os problemas que essa mesma lógica produz pois é estruturalmente inconcebível para a industria capitalista pare sua base material de produção de valor e lucro para melhorar as condições do meio ambiente pois isso acarretaria um colapso no sistema como um todo. É como dar insulina com açúcar para uma pessoa com diabetes. Tenta-se criar maneiras de curar mesmo que nisso esteja envolvido o fator principal de destruição que não pode ser removido, no caso da crise ecológica, a sua inserção no sistema do capital como fator de sua valorização.

Um exemplo similar a essa lógica de criar soluções dentro da lógica que produz determinadas condições é a política de aliviar a dívida dos países pobres e muito endividados (PPME). Para acabar com os atrasos nos pagamentos desses países, o FMI e o Banco Mundial (grandes personificações do capital) criaram mecanismos para que fossem criadas condições para a possibilidade desses pagamentos fazendo algo muito lógico: diminuir a dívida desses países. Como explicam Eric Toussaint e Damien Millet,

A iniciativa não visa propiciar o desenvolvimento dos PPMEs, mas sim tornar a sua dívida sustentável. A diferença é considerável: anula-se o que for necessário para obrigar os PEDs [países em desenvolvimento] a pagar no máximo das suas possibilidades. Anulam-se essencialmente os créditos impagáveis. A iniciativa PPME tem como principal objetivo garantir a perenidade dos reembolsos e dissimular o reforço do ajuste estrutural sob uma aparência generosa. Em 2000, quatro anos após a iniciativa, os 42 PPMEs transferiram quantias consideráveis para o Norte: a transferência líquida sobre a dívida foi negativa para eles em cerca de US$ 2,3 bilhões.

Paradoxal, hein?

II -


O capital tem a potencialidade de transformar dos padrões simbólicos em valor vazio. Valor vazio são os valores que atendem as necessidades do capital como sistema ou, em outras palavras, a subordinação do valor de troca em relação ao valor de uso. O consumo é um exemplo seminal: sobre o padrão fordista existia um ímpeto para o consumo de massa como escoamento da produção de mercadorias sob o espectro de grandes empresas com produtos homogeneizados, de longa durabilidade; sobre o padrão flexível se relativiza os modos de consumo a fim de criar formas intensivas de rotatividade de mercadorias mais heterogêneas com crescente tempo de giro fazendo com o tempo de vida se diminua cada vez mais sob uma roupagem de nova identidade. Marx ensina que o capital não é uma coisa e sim uma relação social. Relação essa que se estabelece pela dinâmica das necessidades do capital a partir do desenvolvimento de suas potencialidades.

O capital coloniza a riqueza das subjetividades para criar um ambiente social correto e sem restrições para suas lógicas de existência mesmo que entre elas estejam a destruição do meio ambiente, do próprio corpo, uma crescente polarização e exploração material e intelectual do ser social entre classes e Estados para assim construir e legitimar formas de dominação e controle. Como as potencialidades do capital são contrárias ao ser social, a crescente liberdade do capital é uma redução da liberdade do ser social. Uma das características da alienação é a falta de controle sobre as condições de existência e com o alargamento das esferas de atuação do capital o ser social perde espaço e necessita integrar-se a essa ordem mesmo que seja à custa de processos de triagem e exclusão atualmente já presentes no sistema do capital global.


III –

Aceleração existencial – não é um processo em que a formação existencial do ser social se constitui aceleradamente com as constantes inovações tecnológicas disponíveis no mercado de objetos tangíveis e simbólicos. A formação existencial não tem fim. O que ocorre é uma aceleração constante nos meios em que o ser social necessita atender suas demandas econômicas, políticas, culturais, simbólicas e imaginárias fazendo com que não consiga construir sua existência de forma complementar e sim com retalhos das diversas modas e costumes que andam no mesmo ritmo. Cria-se instabilidade e inconstância existencial assentada sobre frágeis relacionamentos humanos que tendem a andar sobre o mesmo ritmo de aceleração. O capital tem a potencialidade de crescente intervenção nos níveis de existência social. Sua lógica persegue a totalização de seus imperativos para a fragmentação do ser social de tal forma com que as demandas existenciais possam ser adquiridas sob o signo do capital em suas diversas mediações pós-modernas como os shoppings centers e os fast-foods de forma mais explícita. O capital torna-se um grande aglutinador de impossibilidades anteriores para novas possibilidades recheadas com o teor da liberdade de escolha criando lucro às custas do ser social e da sociedade como um todo.

A rede de fast-food SubWay é um ótimo exemplo em nível mais micro da sociedade. Ali se vendem sanduíches com uma cara natureba. Diversos pães e inúmeras combinações de recheios fazem com que no final da preparação pareça que a empresa foi feita apenas para atender os seus desejos mais profundos em relação a seus gostos. Você é quem determinou as possibilidades da produção de seu sanduíche, só precisa pegar seu refrigerante light (para combinar com o sentido pseudo-hippie do fast-food que proporciona comidas politicamente corretas) e pagar.

domingo, 13 de setembro de 2009

Leves reflexões sobre tecnologia, cyborgs, comunismo e tudo mais.



A confiança no capitalismo parece insuperável, até mesmo na esquerda. Existe certa impressão de inevitabilidade desse processo. O capitalismo seria uma espécie de Fênix que sempre renasce das cinzas e que, conseqüentemente, seria uma tremenda perda de tempo a construção de uma alternativa viável para o atual estado de coisas. Entretanto, não estamos passando por profundas transformações no próprio capitalismo que “desconstroem” seu potencial de regeneração atuando como “fortes abalos sísmicos” no seu funcionamento e que não podem mais ser descartados para seu próprio funcionamento “normal”?


Desde 1970 estamos vivenciando aquilo que Richard Fuller chama de “aceleração da aceleração tecnocientífica” que se expressa melhor nos desenvolvimento últimos das máquinas. Para Keiji Nishitani, as máquinas são “puros produtos do intelecto humano, construídas para os propósitos do próprio homem. Em lugar algum podem ser encontradas no mundo da natureza (como produtos da natureza); entretanto, a obra das leis da natureza encontra sua expressão mais pura nas máquinas, mais pura do que em qualquer produto da natureza”. Interessante notar essa condição paradoxal da tecnologia como mediação entre o homem e a natureza já se aponta para o movimento em que os seres assumem cada vez mais o controle das leis da natureza e, com isso, o controlador se torna cada vez mais o controlado tratando das leis da natureza como algo exterior. Para Nishitani, com o processo em que as leis da natureza assumem o máximo controle sobre os seres e os seres assumem o máximo de controle sobre suas leis, a barreira da humanidade do homem e a naturalidade da natureza se rompem instaurando uma mecanização do homem sob um modo de ser que se baseia no niilismo e no fatalismo. Segundo o filósofo, “desde tempos imemoriáveis o homem falou da vida respeitando a lei ou a ordem da natureza. Agora esse modo de ser foi completamente rompido. Em seu lugar surge um modo de ser no qual o homem se situa na liberdade do niilismo e comporta-se como se estivesse usando as leis da natureza completamente de fora”. Esse processo de mecanização da vida humana e transformação desse sujeito em não-racional que persegue apenas seus desejos são as duas faces de uma mesma moeda.


Quer dizer que as categorias puras de humano e de inanimado já são anacrônicas. Donna Haraway inserindo as transformações tecnocientíficas com a cultura pós-moderna do capitalismo global nos traz um conceito interessante, o de cyborgs. Para ela, o cyborg continua sendo um híbrido entre homem e máquina, mas a novidade histórica em que nos encontramos é que “todos nós somos cyborgs”. Haraway identifica três rupturas radicais em fronteiras que autorizam tal generalização: a transgressão dos limites entre humano e o animal, a quebra da distinção entre organismo humano e máquina e o apagamento dos limites entre o físico e o não físico. Essas transformações acompanham a ordem política e obedecem um projeto inédito de dominação. Nesse sentido, a autora propõem que não basta reconhecer essa transformação que está sendo feita conosco sendo preciso ainda buscar em nossa nova condição uma saída. Para isso é preciso nos transformar em “cyborgs de oposição” – eu diria "cyborgs de esquerda".


Diversas discussões emergem sobre esse tema: estaríamos passando para uma espécie pós-humana, transhumano, nanohumana, o que exatamente? A linha mestra que perpassa esses “temas” é o momento em que a referencia deixa de ser o humano e passa a ser a máquina numa falência da evolução natural. As máquinas iriam trazer a capacidade de evolução com base em organismo criados em computadores. Mesmo que de forma embrionária, Gilles Deleuze já havia tocado nesse ponto que corresponderia à forma-Além-do-Homem. De qualquer forma, essas transformações tecno-científicos, além de quebrar com a estatura clássica do ser humano, abrem profundos problemas para o próprio capitalismo. A propriedade intelectual, por exemplo, não tem a mesma funcionalidade que a propriedade privada. Muitas vezes, ao contrário dela, ela “socializa a propriedade” sendo, inerentemente, comunista. O poster acima, por mais que tenha sido feito por fanáticos de alguma associação anti-comunista, tem razão. Pena!

domingo, 6 de setembro de 2009

Nota sobre o inconsciente

Jacques Lacan costumava dizer que “o inconsciente é político”. Entretanto, como o inconsciente não é Uno, como o francês bem sabia, não podemos ficar satisfeitos com essa apreensão e, consequentemente, vamos propor que, do ponto de vista marxista, “o inconsciente é econômico político”. Hoje, com o desdobramento da crise estrutural do capital, essa lição é mais importante do que nunca já que é um eficaz método contra a ideologia cínica contemporânea “do ponto de vista do capital”.

O "ponto de vista do capital" é modelagem ativamente consciente que corresponde aos interesses vitais do sistema do capital e, portanto, não é imposta. Na realidade é uma espécie de incorporação ativa de ilusões convenientes que correspondem ao ponto de vista da ordem sociometabólica do capital ao assumirem, mesmo que normalmente sem ser mencionadas, “as premissas práticas fundamentais da ordem social dada em sua totalidade combinada, como um conjunto de determinações profundamente interconectadas” (István Mészáros, Estrutura social e formas de consciência, Boitempo, 2009, p. 13 - talvez o melhor livro desse início de século XXI e que abre as portas para se compreender seriamente o processo de superação dos antagonismos existentes para além do capital).

Essas premissas práticas como a separação radical entre os meios de produção e o trabalho, a atribuição de todas as funções importantes de direção e decisão às personificações do capital, a regulação do intercâmbio entre os seres humanos e a natureza e dos indivíduos entre si com base nas mediações antagônicas do capital e a determinação e o gerenciamento da estrutura social globalmente abrangente de comando político sob a forma do Estado capitalista estabelecem os limites estruturais de viabilidade do modo de produção e distribuição historicamente produzido que, de forma alguma, poderia funcionar por nenhum prazo sem alguma delas. Consequentemente se torna inadmissível o movimento de transformação social para além dessa estrutura circunscrita nas premissas fundamentais do capital por meio de uma eternização necessária para tornar plausível a “visão anistórica do sistema pretensamente inalterável de intercâmbio sociorreprodutivo” (idem, p. 15).

Portanto, o materialismo dialético torna irredutível a economia à política e vice-versa. Uma aponta para a outra numa reciprocidade, mesmo que com lógicas diferentes. Em lacanês, não existe metalinguagem entre economia e política: o Capital e a Luta de Classes são os dois lados da mesma moeda. Quando se articula apenas um em detrimento de outro, se perde toda a análise materialista dialética.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Superprodução de Frangos!

Sabemos que para Marx a superprodução é um sintoma de crise. Ela ocorre, resumidamente, quando a produção supera a capacidade de consumo. Desde 1970 estamos vendo o desdobramento de uma profunda crise em nível mundial de superprodução no terreno das manufaturas principalmente pela ascensão da Alemanha e do Japão no mercado mundial e, consequentemente, afunilando os mercados internacionais dominados pelos Estados Unidos. Entretanto, podemos notar o movimento de superprodução numa escala menor e mais específica.

No Brasil a novidade de um campo que experiência uma superprodução generalizada é a avicultura. Ao acelerar a produção e, consequentemente, elevar a oferta, a conseqüência está sendo um excesso produtivo de frangos. O alojamento de pintinhos que representa a oferta futura de carne nos supermercados superou neste mês 500 milhões de unidades. Número superior ao mês de fevereiro, por exemplo, que tinha 406 milhões. Como o movimento da crise não aumentou o consumo interno e a demanda externa teve uma leve baixa, a renda nos segmentos aviários está em crise tanto na cadeia de produtores como na de indústrias e exportadores. Essa oferta sem demanda fez o preço do quilo da ave viva recuasse para R$ 1,30 em São Paulo, valor que não era registrado desde abril do ano passado. Como disse um analista, “os produtores podem ter dado um passo maior do que a perna”. Não brinque! Quando existe um aumento de 5,1% em um mês, normalmente esse é o resultado e, portanto, não deveria ser surpresa para ninguém. Entretanto, esse é o movimento capitalista que, ao incrementar a produtividade acaba por produzir mais e, consequentemente, necessita vender para realizar seus gastos e continuar esse processo expansivo.

A crise de superprodução no Brasil não fica apenas com os frangos. O indicador de julho acerca da produção industrial também aumentou 2,2% na comparação com junho. Esse movimento é acompanhado junto com uma ofensiva contra o emprego. No Brasil, entre 1989 e 2005, o desemprego passou de 1,9 milhão de trabalhadores (3,0% da PEA) para 8,9 milhões (9,3% da PEA). Ainda no Brasil, desde 1998, o desemprego baseado numa categoria simplista encontra-se acima de 9%, podendo nos dar uma pequena dimensão quantitativa do processo de degradação do trabalho na periferia do capitalismo mundial. Entretanto, se tomarmos não somente o desemprego aberto (baseado na procura ativa, disponibilidade imediata para trabalhar e sem atividade superior a uma hora na semana da pesquisa), mas também os trabalhadores com atividades inferiores a 15 horas semanais e com remunerações abaixo de meio salário mínimo mensal, a taxa de desemprego chega a 27% do total da força de trabalho.