quarta-feira, 10 de março de 2010

Sobre a formação de quadros revolucionários hoje - parte 1

“A revolução se faz através do homem, mas o homem tem que forjar dia a dia seu espírito revolucionário” Che Guevara

A questão da formação de quadros é urgente em nossos dias. Em tempos que, como diz István Mészáros, “a humanidade não tem uma infinidade de tempo a sua disposição, pois, na realidade, ela é forçada a enfrentar o perigo de potencial auto-aniquilação em razão da aparente incontrolabilidade de seu modo de reprodução sociometabólica sob o domínio do capital”, a forma da ação é, não apenas na época de Che Guevara, mas mais ainda hoje, “uma tarefa inadiável no momento”.

O conceito “quadro” vem da teoria militar francesa onde se designava o conjunto de oficiais que comandavam as tropas. Ou seja, faz parte da estrutura de comando militar em ação. Traduzindo este conceito para a política, é os dirigentes ou as lideranças que conduzem as massas rumo a um objetivo claro. Quando Che Guevara falou de “quadros”, os denominou como “coluna vertebral da revolução”. Significam sustentáculo. Aqueles que garantem mobilidade e funcionamento da estrutura da organização. Por isso precisam ter “alto nível de desenvolvimento político”. Como “alto nível de desenvolvimento político” não se deve entender só o aprendizado da teoria marxista; deve-se também exigir a responsabilidade do indivíduo pelos seus atos, a disciplina que restringe qualquer debilidade transitória e que não esteja em conflito com uma alta dose de iniciativa, a preocupação constante por todos os problemas da Revolução. Para desenvolvê-lo é necessário começar por estabelecer o princípio seletivo na massa, é ali onde é necessário buscar as personalidades nascentes provadas no sacrifício ou que começam agora a mostrar suas inquietudes, e levá-las a escola especiais, ou, na falta delas, para cargos de maior responsabilidade que ponha à prova no trabalho prático.

Como diz Che, um quadro é “um indivíduo que alcança o suficiente desenvolvimento político para poder interpretar as grandes diretrizes emanadas do poder central troná-las suas e transmiti-las como orientação à massa, percebendo, além disso, as manifestações dessa massa com aos seus desejos e motivações. É um indivíduo de disciplina ideológica e administrativa que conhece e pratica o centralismo democrático e sabe avaliar as contradições existentes no método para aproveitar ao máximo suas múltiplas facetas; quem sabe praticar, na produção, o princípio da discussão coletiva e responsabilidade única; cuja finalidade está provada e cujo valor físico e moral desenvolveu-se no compasso de seu desenvolvimento ideológico, de tal maneira que está sempre disposto a enfrentar qualquer debate e responder até com sua vida pela boa marcha da Revolução. É além disso, um indivíduo com capacidade de análise própria, o que lhe permite tomar decisões necessárias e praticar a iniciativa criadora de modo que não se choque com a disciplina. O quadro, pois, é o criador, é um dirigente de alta estatura, um técnico de bom nível político que pode, raciocinando dialeticamente, levar adiante seu setor de produção ou desenvolver a massa desde o seu posto político de direção”. Como diz Ademar Bogo, “se a organização é de natureza revolucionária, os quadros tenderão a buscar formas de enfrentar os inimigos, acumular forças, elevar o nível de consciência das massas e a multiplicar quadros para assumirem as tarefas cada vez mais difíceis dentro do processo revolucionário que se vai construindo ... a organização é sempre, mais do que uma referência política, ela ganha status de lugar, onde pensamos, planejamos, atuamos e convivemos coletivamente. Esta é a melhor escola. A organização e a participação voltadas para os desafios, se constituem na referência básica para a multiplicação de quadros. Mas estes não saem todos iguais como em uma linha de montagem. Cada momento histórico imprime características novas na conduta e natureza dos quadros, precisamos estar atentos para manter vivo o espírito revolucionário em cada período”. Aqui a necessidade de quadros disciplinados, coerentes, virtuosos com capacidade de propor questões e saídas de fácil entendimento. Que saibam se comunicar sem fadigar junto as massas, que estas sempre queiram ouvir mais um pouco e sintam certo desapontamento quando se deixa de falar.

Conhecer a formação dos quadros não é uma tarefa fácil. Para ter êxito nessa tarefa é necessário conhecê-la muito bem. Por isso, a primeira pergunta é: quem é o formador de quadros? O formador de quadros nas organizações populares deve ser um modelo do ponto de vista ideológico, moral e de seus métodos de trabalho. O formador de quadros deve sempre aprender. Como dizia Lênin, devemos “aprender, aprender e ainda aprender sempre”. Ou ainda, segundo Ho Chi Mihn, os quadros devem estudar para se corrigir ideologicamente: entregar-se à revolução com ardor, é elogiável. Mas enquanto não se tem ainda idéias exatamente revolucionárias, é necessário estudar, para retificar. É somente quando a ideologia é justa que a ação é isenta de erro e que se pode levar em bom termo sua tarefa revolucionária. Deve-se também estudar para cultivar a moral revolucionária: é necessário possuir as virtudes revolucionárias, saber devotar-se ate o sacrifício pela revolução, para poder dirigir as massas e conduzir a revolução à vitória. Estudar para ter confiança: confiança na Organização, no povo, no futuro da nação, no futuro da revolução. Estudar para agir: o estudo e a ação devem-se acompanhar. Não há estudo útil sem ação. Não há ação que tenha bom êxito sem estudo. Por isso que um quadro procura sempre a auto-educação.

O que é preciso ensinar o formador de quadros?

Teoria. Não basta conhecer a teoria marxista para apenas falar sobre ela, isso é, sem aplicá-la na transformação revolucionária. Aperfeiçoa-se a teoria ao colocá-la em ação. Assim como agir sem teoria é como andar numa floresta escura com os pés amarrados, teoria sem a verificação prática-coletiva não tem utilidade alguma na transformação social. Muitos consideram a teoria uma perda de tempo, mas, ao contrário, ela economiza muito tempo de práticas sem sentido permitindo tomar medidas justas e além de aplicá-las corretamente por ajudar a compreender a sociedade, o movimento, a organização popular, a estratégia, as táticas, etc. Como diz Che, se não somos “teóricos”, também não podemos ser “ignorantes”.

Prática. É necessário ensinar o trabalho prático. Por exemplo, é necessário saber como explicar ao povo porque a mobilização e a organização têm como objetivo a transformação viável da sociedade, como mobilizá-las no plano moral, organizar o trabalho, etc. No campo dos quadros militares é necessário identificar as aptidões físicas e morais dos combatentes, ensinar técnicas, táticas, movimentos, etc. Como bem sabia Mao, saber guerrear é, em primeiro lugar, saber se defender. O quadro ganha respeito dos trabalhadores por sua ação sendo imprescindível que conte com o apoio, amor e carinho dos e das camaradas a que deve guiar no caminho da revolução e da construção cotidiana de uma sociedade para além do capital.

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