quarta-feira, 21 de março de 2012

Ainda sobre Bo Xilai e o retorno da Revolução Cultural




O que explica a empresa oficial evitar qualquer comentário sobre o afastamento de Bo Xilai da liderança do Partido Comunista (PCC) em Chongqing?
Para aqueles que se arriscam a dizer algo na mídia ocidental é comum encontrar primeiramente uma grande dificuldade de caracterizar o próprio Bo Xilai. Ele costuma ser chamado ao mesmo tempo de “conservador”, “radical”, “reformista”, “esquerdista”, “populista” e “neomaoísta”. A confusão é geral.
É claro que é muito difícil saber o que está realmente acontecendo, mas podemos especular um pouco mais.
Líder de um município com mais de 30 milhões de habitantes com uma área maior que a Bélgica e a Holanda juntas que vivem um amplo crescimento econômico, como os 16% em 2011, Bo Xilai era candidato a um dos noves lugares do Politburo do PCC, a cúpula do poder na China, cuja composição será decidida no XVIII Congresso do Partido. Uma nova geração, encabeçada pelo atual vice-presidente, Xi Jinping, assumirá a liderança do país para a próxima década. Tudo parecia correr bem, mas aconteceu um revés extremamente inesperado nessa transição que parecia “pacífica e harmônica”. Um dia depois de o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao ter advertido que "uma tragédia histórica como a Revolução Cultural poderá voltar a acontecer", num alerta que parece visar a "cultura vermelha" sob a liderança de Bo Xilai, foi anunciado seu afastamento do comando do PCC em Chongqing. Ficou claro que os ecos da Revolução Cultural ainda soam na China.

(em março de 2011 quando mais de 3 mil pessoas foram a Grande Muralha de Chongqing cantando canções vermelhas)

Uma primeira lição sobre a queda de Bo Xilai é que na China ainda existem conflitos em torno do legado de Mao Zedong. O melhor exemplo desta linha política foram os chamados à mobilização popular com canções maoístas (“chang hong”), o envio de milhões de  mensagens por celular com citações do livro vermelho de Mao, fazendo retornar o fantasma revolucionário da Revolução Cultural dos anos 60. Até as propagandas foram substituídas por “programas vermelhos” com novelas narrando histórias revolucionárias. Como disse Bo, o sistema de valores socialistas centrais é o rejuvenescimento da alma, a essência da cultura socialista avançada e determina a direção para a frente do socialismo com características chinesas.

(manhã de 29 de junho de 2011 na abertura da Cerimônia da Canções Vermelhas Chinesas com cerca de 100 mil pessoas) 

Dessa forma progressivamente começou a se expandir o medo de parte de certos setores do Partido de que o “modelo Chongqing” pudesse despontar como uma alternativa de desenvolvimento chinês futuro. Com sua ênfase no retorno dos valores revolucionários de Mao, Bo se tornou o alvo daqueles que estavam descontentes com a campanha anti-corrupção e seus excessos relacionados ao legado da Revolução Cultural. Assim ele fez muitos inimigos dentro e fora do Partido, dentre a oposição de Hu Jintao. Talvez umas das razões dessa oposição de Hu Jintao a Bo tenha aumentado quando em junho de 2011 Bo enviou a Beijing centenas de cantores das “músicas vermelhas” sendo considerado como uma afronta ao Comitê Central.  Afinal, o dirigente de Chongqing abandonaria o tom de reforma e abertura de Deng Xiaoping para abarcar uma política calcada na revolução cultural maoísta? 
         Agora a coisa se torna mais complexa. O estilo "neomaoista" do ex-lider de Chongqing possui muitos admiradores. Alguns dos sites dessa corrente neomaoísta foram bloqueados na internet, como Utopia e a Bandeira de Mao. Moradores de Chongqing que costumavam se reunir em praças para cantar canções revolucionárias foram instruídos pela polícia a abandonar o hábito para não “incomodar” os vizinhos. O calendário das canções vermelhas foi cancelado. Um dos principais intelectuais neomaoístas, Sima Nan, teve bloqueada sua conta no weibo, a versão local do twitter. A ironia é que a censura agora atinge músicas consagradas pelo próprio Partido Comunista e seu líder máximo, Mao Zedong.
Será o fim do “modelo de Chongqing” ou o retorno da Revolução Cultural?
A situação está longe do fim. 



sexta-feira, 16 de março de 2012

É tempo de cantar canções vermelhas – sobre a queda de Bo Xilai e a tempestade política na China



Para a surpresa de muitos, na China ainda existem conflitos em torno do legado de Mao Zedong. Um dos principais responsáveis por reviver este antigo fantasma é Bo Xilai que, nesta quinta-feira, 16 de março, foi destituído como secretário do Partido Comunista de Chongqing, a maior megalópole do mundo com quase 40 milhões de habitantes no sudoeste da China. Carismático e controverso, Bo tinha chance de chegar ao núcleo de direção do Partido Comunista Chinês.
Filho de Bo Yibo, um dos “Oito Imortais” que junto com Deng Xiaoping articularam as reformas pós-Mao, Bo Xilai fez licenciatura em história mundial e pós-graduação em jornalismo internacional. Começou sua carreira no Partido na província de Liaoning para depois mover-se ao governo nacional (ministro do comércio) e assumir a secretaria geral do partido em Chongqing, a maior das quatro municípios autônomos do país (juntamente com Pequim, Shangai e Tianjin). Além disso, Bo Xilai também tinha a difícil tarefa de articular medidas contra a corrupção, a deterioração ambiental e as enormes disparidades sociais. Apesar das dificuldades, Bo Xilai conseguiu articular cinco grandes frentes de políticas públicas para transformar Chongqing: Chongqing segura, Chongqing habitável, Chongqing accessível, Chongqing saudável e Chongqing verde - este último voltado para o desenvolvimento sustentável da cidade. Foram feitas casas acessível para população mais pobre, aumento na oferta de emprego, proteção ambiental, infraestrutura moderna e acessível, programas de saúde pública, grande estímulo a atividades esportivas e medidas contundentes de segurança para prevenir crimes e desarticular células de crime organizado – com mais de 3 mil prisões que incluem juízes e membros do Partido Comunista. Estas políticas foram acompanhadas por chamados a mobilização popular com canções maoístas (“chang hong”) em conjunto com grupos de ópera e outras instituições educativas da cidade, através de discursos de Bo que fazem referência ao papel da cidade na história da luta comunista contra os nacionalistas, com a Chogqing Mobile e outras operadores de telefonia celular enviando milhões de mensagens com citações do livro vermelho de Mao fazendo retornar o fantasma revolucionário da Revolução Cultural dos anos 60. A estação de TV também apresenta filmes feitos logo após a vitória comunista em 1949 relatando a vida e as batalhas de antigos revolucionários e as propagandas foram substituídas por “programas vermelhos” com novelas narrando histórias revolucionárias. Quando houve uma greve de taxistas e professores seu método de encontrar uma solução não foi enviando a polícia para reprimi-los. O Partido Comunista de Chongqing convidou as lideranças para encontrar um acordo num estúdio de TV onde ao vivo debateram a questão para todos os cidadãos da cidade. Com sua ênfase no retorno dos valores revolucionários de Mao, Bo se tornou o alvo daqueles que estavam descontentes com a campanha anti-corrupção e seus excessos relacionados ao legado da Revolução Cultural. Assim ele fez muitos inimigos dentro e fora do Partido.
Não é a toa que sua destituição acontece logo após as advertências de Wen Jiabao para acelerar as reformas políticas, pois se não forem implementadas, poderia fazer ressurgir o espírito da Revolução Cultural. Sem tais transformações, “uma tragédia histórica como a Revolução Cultural poder acontecer de novo”, disse ele. Wen estava criticando abertamente Bo Xilai, suas canções vermelhas e tudo mais que faça o povo lembrar da Revolução Cultural.

Logo após 20 horas de o primeiro-ministro Wen Jiabao ter pedido reformas políticas para evitar “uma nova Revolução Cultural” no final do Congresso, Bo foi substituído por Zhang Dejiang, um vice-premiê conservador que já foi chefe do Partido nas províncias de Jilin, Zhejiang e Guangdong, entre 1995 e 2007. A causa do afastamento de Bo continua sendo um mistério, mas provavelmente está relacionada com o medo de parte de certos setores do Partido de que o “modelo Chongqing” desponte como uma alternativa de desenvolvimento chinês futuro. Sem dúvida esse processo irá balançar a política chinesa. Além disso, o Partido está realmente preocupado que a figura de Bo se torne algo como Mao Tsé-Tung ou Deng Xiaoping. Mesmo Hu Jintao já estava descontente com Bo. Oficialmente ele foi afastado na sequência do "caso Wang Lijun", ex-chefe da polícia de Chongqing, que no início de fevereiro se dirigiu ao consulado dos Estados Unidos em Chengdu, onde passou um dia inteiro e terá pedido asilo político. Movimento similar foi feito por Jiang Zemin quando afastou Chen Xitong como secretário do Partido em Beijing. Agora, o caso Wanj Lijun foi uma boa desculpa para iniciar uma investigação interna em Bo. O objetivo subjacente é realizar uma transição suave da geração no poder na China, nada que nos faça lembrar da Revolução Cultural quando milhões de pessoas cantavam músicas comunistas contra a burocracia do Partido e seus ímpetos selvagens de avançar no caminho capitalista.
Para o susto de muitos, a batalha em torno do legado maoísta simboliza mudanças ideológicas importantes na China, principalmente entre aqueles que advogam uma liberalização maior da economia e do sistema político e aqueles que rejeitam qualquer coisa parecida com o modelo ocidental falido de democracia-liberal procurando novos caminhos para o socialismo com características chinesas. Como disse recentemente um professor chinês, o modelo Chongqing (e Bo Xilai) é a única esperança para a China, somente ele pode salvar o comunismo. Mais do que nunca, é tempo de cantar as canções vermelhas.   

quarta-feira, 7 de março de 2012

Uma NEP em escala chinesa: a respeito da questão da propriedade dos meios de produção no socialismo







 “Hoje assistimos a uma espécie de colonização da consciência histórica dos comunistas”
Domenico Losurdo

Quando se fala de socialismo do século XXI é necessário diferenciá-lo do socialismo do século XX. Este último foi marcado profundamente pela experiência soviética. Não é a toa que quando caiu o muro de Berlim muitos falaram da “crise do socialismo real”, como se a experiência da URSS fosse a única e melhor possibilidade de construção do socialismo e que, assim, as experiências de China, Vietnam e Cuba fossem seguir o mesmo caminho de restauração do capitalismo e que estavam inexoravelmente fadadas ao fracasso.
Mas qual seria a principal marca do socialismo do século XX? Vários processos são apontados como marcas importantes, mas talvez um dos pontos que mais chame atenção foi a ineficiência econômica devido ao papel do Estado desde 1950. Afinal, a forma encontrada de socialização dos meios de produção foi a estatização total. Isso se repetiu na experiência cubana e no primeiro momento da chinesa. Sob esse formato, socialismo e estatismo pareciam ser irmãos.  
Como salienta Wladimir Pomar, o que diferencia o PC da China dos partidos comunistas da União Soviética e do Leste Europeu é que ele levou a sério o fracasso das tentativas de construir o socialismo sem completar o desenvolvimento das forças produtivas, que cabia ao capitalismo realizar. Por outro lado, embora utilizando o mercado e formas de propriedade privada, o PC chinês não concorda que o mercado e a propriedade privada subordinem o Estado a seus interesses. Na China, a economia é de mercado, mas o mercado e a propriedade privada encontram-se sob a direção do Estado, com a propriedade social tendo um peso relevante. Não por acaso, os principais "críticos" ocidentais do modelo chinês se voltam contra o que chamam de "Estado do sistema de partido único". Segundo eles, tal Estado impediria a China de construir um arcabouço jurídico de concorrência, o que limitaria sua competitividade, e de construir um regime democrático e uma sociedade civil ativa, o que a impediria de ocupar uma posição de liderança global. Na verdade, para esses críticos, com partido único ou multipartidarismo, o problema é a existência de um Estado que direciona e regula a ação do mercado e das formas de propriedade. E, ao contrário do que afirmam, tem capacidade de estimular a competitividade, a democracia e a sociedade civil além de ocupa uma posição cada vez mais importante no cenário mundial.
Talvez seja por isso que a experiência chinesa cause tanto incomodo para setores progressistas e de esquerda. A maioria considera que a China é capitalista porque seria impossível conviver tanto tempo com a influência do setor privado e que, assim, o “modelo chinês” não pode se apresentar como uma alternativa estrutural e estratégica ao capitalismo em geral. Mas qual é a novidade da experiência chinesa pós-Mao de socialismo?
Por mais que os comunistas chineses não gostem na analogia, é possível encarar o socialismo de mercado como uma repetição da NEP (Nova Política Econômica) implantada na Rússia na década de 1920 - só que melhorada, gigantesca e numa escala de tempo maior. O resultado deste processo é a ascensão da China na hierarquia mundial de poder e riqueza sendo este um dos fenômenos mais importantes da economia política internacional contemporânea. Mas quais são as causas do seu estonteante crescimento econômico nas últimas décadas? Quais são os impactos da Economia Socialista de Mercado num contexto de crise mundial do capitalismo?
Desde a formação da China moderna em 1949, seu ciclo econômico vem apresentando alto ritmo de crescimento dos investimentos em capital fixo. A partir de 1980 a China é o país que mais cresce no mundo. Com um território de cerca de 9.597.000 de quilômetros quadrados e uma população de 1,5 bilhão de pessoas, a China é a principal oficina do mundo liderando a produção de milhares de mercadorias. Em 2005 a China ultrapassou os Estados Unidos na produção manufatureira chegando a 13,1% da produção global. Essa liderança chinesa não se restringe a produtos de baixo valor agregado como brinquedos e calçados, mas corresponde, por exemplo, a cerca de 30% da fabricação mundial de equipamentos de computador. O PIB chinês teve um crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de 10% entre 1980 e 2010 e um crescimento do PIB per capita de US$ 205,1 em 1980 para US$ 4.282,9 em 2010. Esse processo dinâmico e altamente produtivo deixa claro que o mundo depende cada vez mais da China, em especial num meio internacional de recessão econômica e desnorteamento político generalizado. Como escreve Giovanni Arrighi, 

As conseqüências da ascensão da China são grandiosas. A China não é vassala dos Estados Unidos, como o Japão ou Taiwan, nem é uma reles cidade-Estado como Hong Kong e Cingapura. Embora seu poderia militar empalideça quando comparado ao dos Estados Unidos e o crescimento de suas indústria ainda dependa das exportações para o mercado norte-americano, a riqueza e o poder dos Estados Unidos dependem igualmente, ou ainda mais, da importação de mercadorias chinesas baratas e da comprar, por parte da China, de títulos do Tesouro norte-americano. O mais importante é que, cada vez mais, a China vem substituindo os Estados Unidos como principal motor da expansão comercial e econômico na Ásia oriental e em outras partes do mundo (2008, p. 23).    

Mesmo nesse panorama, os marxistas ocidentais descartam a idéia de que ainda exista algum socialismo na China, independentemente que seja de mercado ou qualquer outro tipo. Uma economia de mercado socialista seria um paradoxo insolúvel que deveria ser descartado como mais uma anomalia pós-revolucionária, como o stalinismo. Afinal, o capitalismo foi restabelecido na China?
As reformas de Deng introduziram um novo curso na “institucionalização da revolução chinesa” que não remontam ao modelo kruschoviano de “desestanilização”. Depois de sua morte, Mao não foi o culpado das dificuldades anteriores e nem demonizado, como fora Stálin. A Mao foram ligados os enormes avanços históricos conquistados na construção do partido comunista e na direção da luta revolucionária – junto com valorosos companheiros como Zhu Enlai. Também houveram críticas sobre os graves erros cometidos, em especial a partir de 1955, mas que foram colocados sob o prisma geral de um contexto de experiências extremamente complexas que acompanham o processo de construção de uma sociedade nova, sem precedentes históricos. 
Esse caminho evitou a perda de legitimidade do poder revolucionário e fez surgir gradualmente o “Socialismo de Mercado” com características chinesas. As reformas de Deng foram construídas sobre os princípios maoístas que elevaram a expectativa de vida, a alfabetização e a produção de alimentos. O governo pós-Mao também investiu na criação das Zonas de Processamento para Exportação, na expansão e modernização da educação superior, em grandes projetos de infraestrutura e intervém diretamente para promover a colaboração entre universidades e indústrias para o desenvolvimento tecnológico. O tamanho continental e o excedente populacional permitiram a China aceitar a industrialização voltada para a exportação com forte teor competitivo, induzida em parte pelo investimento estrangeiro, com a vantagem de ter uma economia nacional centrada em si mesma e resguardada pelo idioma, pelos costumes, pelas instituições e pelas redes, aos quais os estrangeiros só tinham acesso por intermediários locais. O mais interessante é que na China moderna não houve traições ao processo revolucionário e está se procurando encontrar novos caminhos (mais pragmáticos) para os dilemas de construir uma sociedade socialista, uma verdadeira negação prática do stalainismo. Depois da Revolução Cultural fica mais clara a necessidade do Partido Comunista colocar como centro político um recuo estratégico voltado para acumular forças produtivas numa situação em que o modelo soviético mostrava-se capengando e apenas a mobilização das massas não conseguiam elevar o padrão tecno-científico chinês aos dos países do centro do capitalismo mundial. Este recuo, diferentemente da experiência soviética, não promoveu a estatização total dos meios de produção e nem a coletivização forçada do campo. Essa estratégia estatista foi vista como ineficiente para o desenvolvimento das forças produtivas levando a divisão da propriedade estatal com a propriedade coletiva e privada. Por isso não se optou pela privatização das estatais, mas por sua modernização. Com isso, estas três formas de propriedade competem incentivando um maior dinamismo na economia deixando para trás a equiparação mecânica entre socialismo e estatismo. Com uma experiência fortemente empírica, o governo estimula várias formas de propriedade e com seu sucesso produtivo elas se consolidam como resultado da mistura de associações de trabalhadores estatais e coletivos com capitalistas individuais, relações público-privadas e público-público. Engraçado notar que não se costumar falar que foi a Grande Revolução Cultural do Proletariado que estimulou à criação de novas relações de produção cuja melhor representação são as empresas rurais de caráter territorial e coletivo - o “grande segredo” da experiência chinesa contemporânea, responsável por mais de um terço dos produtos exportados pelo país cumprindo um papel crucial na absorção de excedentes populacionais vindo do campo. Elas se tornaram indústrias leves e surpreendentes que impulsionam a invasão chinesa nos mercados externos com mercadorias simples que iam de camisas de seda a brinquedos e que hoje já se inserem na produção relacionada a alta pesquisa tecnológica com biogenética, fabricação de aviões, etc. Estes são os famosos “dragõezinhos” que inviabilizam qualquer equiparação com a experiência soviética deixando claro que, mesmo no século XX, existiram socialismos e não apenas a estrela-guia soviética. Talvez agora isso seja mais claro diante da ascensão chinesa e da derrocada URSS.  
Esta é uma lição para o socialismo do século XXI: se no século XX a estatização completa era o único caminho que se abria para as sociedades pós-revolucionárias, nada indica que hoje este seria a melhor saída para construir uma nova sociedade. Um ordenamento mais flexível onde a propriedade estatal dos recursos estratégicos dos meios de produção se conjuga com outras formas de propriedade pública não-estatal, com empresas mistas e diversos tipos se associação não é livre de contradições, mas é uma forma de conjugar socialismo e capitalismo em países que necessitam desenvolver forças produtivas para impulsionar os limites do capital ao seu transbordamento abrindo espaço para uma ofensiva socialista. Este processo depende da articulação competitiva entre os capitais estatais, associações público-privadas, público-público, público-cooperativas e cooperativas. Esse processo deve acabar deixando claro que a propriedade privada dos meios de produção não é necessariamente aquela mais produtiva e dinâmica. Quanto mais dinâmicas forem as iniciativas da propriedade coletiva, pública e associativa melhor. Isso com políticas macroeconômicas com capacidade de remediar as distorções do mercado pelo poder dos meios de produção públicos e estatais que devem estar a prova de constantes reformas modernizadoras para ganharem eficiência econômica e servir como instrumentos chaves para um planejamento macroeconômico capaz de dirigir e regular o mercado.
Essa forma de lidar com os meios de produção singulariza a experiência chinesa. Como resultado desta gigantesca NEP a experiência chinesa agora é calcada em bases industriais sólidas que se aproximam cada vez mais de uma verdadeira “grande indústria” no sentido marxiano com uma importante relevância no mercado mundial, política ativa em ciência e tecnologia e uma solidez financeira jamais sonhada pelas antigas gerações. A questão que se coloca para quando a NEP à chinesa se completar é se o Partido Comunista vai conseguir a mobilização popular e política para caminhar com vigor para o segundo passo ao socialismo, mas este é um risco inerente ao heterodoxo caminho chinês. Como diria Wladimir Pomar, é evidente que há, sempre, a possibilidade de a situação se inverter, e o Estado chinês subordinar-se ao mercado e à propriedade privada. Esse parece ser um dos riscos inerentes aos países em desenvolvimento, que buscam realizar processos mais profundos de transformação social. Com certeza não é o socialismo utópico tão impregnado na esquerda ocidental, mas é o socialismo real que talvez esteja mais próximo de dar início a transição para uma sociedade igualitária. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Sete pontos de um programa democrático-popular pós-neoliberal no Brasil: dialogando com Wladimir Pomar




Wladimir Pomar nos pergunta: o que fazer diante do caráter amorfo e colonizado da “burguesia nacional brasileira”, incapaz de formular um desenvolvimento capitalista soberanamente nacional e de levar a termo o desenvolvimento das forças produtivas? O capitalismo no Brasil já teria chegado a tal nível de desenvolvimento de suas forças produtivas, que estas não mais caberiam no molde das relações de produção existentes?

Qualquer análise concreta do desenvolvimento das forças produtivas no Brasil demonstrará que ainda somos um país industrialmente atrasado. Estamos na infância da incorporação da ciência e da tecnologia como as principais forças produtivas modernas. E nossas cadeias produtivas são esgarçadas e descontínuas, cheias de lacunas, com uma força de trabalho tecnologicamente defasada. Todos esses itens de atraso foram agravados pela estagnação dos anos finais da ditadura e pela destruição criativa dos 12 anos de preponderância neoliberal.

          Para Pomar, o setor mais avançado das forças produtivas no Brasil é paradoxalmente o agronegócio. Esse setor capitalista incorpora ciência e tecnologia a seu processo produtivo mais rapidamente que os demais, em grande parte pelo apoio da Embrapa e de outros institutos estatais de pesquisa e desenvolvimento. Ao elevar sua produtividade seu mercado de trabalho é composto por apenas 2 milhões de assalariados. O problema é que neste processo, por mais avançado que seja o agronegócio e sua capacidade de agregar valor à sua produção, sua taxa de geração de riquezas é muito inferior à da indústria. Nossa indústria, entretanto, possui ramos inteiros oligopolizados por corporações empresariais estrangeiras instaladas no Brasil. Mesmo ramos nacionais, como a indústria de construção pesada, possuem pouca expressividade na indústria como um todo. É por isso que “a não ser que os indicadores sobre a conclusão da revolução burguesa sejam outros, tal conclusão ainda parece relativamente longe das terras brasileiras”.

Nessas condições, a questão do desenvolvimento capitalista ainda está colocada na ordem do dia da revolução brasileira. Nenhum governo, socialista ou não, pode se furtar dela. Mas a situação inusitada de termos um governo dirigido pelas esquerdas democrática, socialista e comunista coloca na ordem do dia a necessidade de delinear um caminho de desenvolvimento que não seja exclusivamente capitalista. Delineamento que não pode ser resolvido retirando do termo desenvolvimento seu qualificativo capitalista, ou mascarando-o com uma salutar redistribuição de renda e programas de melhoria da moradia, educação, saúde e outras condições de vida da população. Em outras palavras, no Brasil da atualidade, se os socialistas querem avançar na criação de condições para a transformação social, eles terão de desenvolver, em termos econômicos, as formas de propriedade que trazem em germe a possibilidade de sua transformação em formas socialistas. Isto é, tanto as forças produtivas capitalistas, quanto as forças produtivas estatais, cooperativas e solidárias, compreendendo que tais forças podem cooperar entre si, em determinadas circunstância, e competir e entrar em conflito, em outras. Isso, sem dúvida, inclui consórcios estatais-privados, como no caso da concessão de aeroportos, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, ferrovias, portos e outras obras de grande porte, para as quais é necessário mobilizar recursos financeiros consideráveis. E deveria incluir também a formação de novas estatais, para o aceleramento de setores de ponta, e a transformação de todas as estatais em indutoras de industrialização. É inconcebível, por exemplo, que as estatais elétricas, com enorme experiência no setor, não operem como indutoras e participantes na implantação de indústrias de turbinas, geradores e outros equipamentos de geração e transmissão de energia elétrica. Consórcios estatais-privados também deveriam atuar para o desenvolvimento das micros, pequenas e médias empresas capitalistas, industriais e agrícolas, na perspectiva de romper os oligopólios das grandes burguesias, estrangeiros e nacionais, reforçar a pequena e a média burguesia e, portanto, incentivar a competição entre elas. O mesmo deveria ser verdade em relação às cooperativas e empresas solidárias. Porém, em qualquer desses casos, é ilusão supor a possibilidade de escapar da competição do mercado capitalista, por um tempo razoavelmente longo.

Como sustenta Pomar, nas condições em que foi eleito, o governo Lula tinha como suas principais tarefas domésticas utilizar as forças capitalistas predominantes no país para desenvolver a indústria, a agricultura e os serviços, reconstruir a infra-estrutura de energia, transportes e comunicações e a infra-estrutura urbana, estimular a criação de novos empregos, criar mecanismos de redistribuição de renda e de democratização da propriedade agrária além de dar maior musculatura ao mercado interno brasileiro. Essas tarefas, feitas muito parcialmente, não consolidaram uma reversão completa do caminho trilhado pelos governos neoliberais, por mais que algumas mudanças importantes tenham ocorrido. Por exemplo, passamos da estagnação para o crescimento econômico. Saímos da privatização das empresas públicas para a consolidação das empresas estatais, que sobraram do processo de privatização, e para as parcerias público-privadas, com concessões ao setor privado. O desmantelamento do planejamento estatal foi deixado de lado e há um processo de retomada do planejamento macroeconômico e macro-social. Considera-se importante a estratégia governamental de estimular o desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo em que aproveita essa aliança com setores da burguesia nacional e internacional para adotar mecanismos de “democratização do capital”, multiplicação das formas de propriedade e produção (estatais, públicas, solidárias, etc.) e instrumentos mais efetivos de redistribuição constante da renda e de elevação do poder de compra e da educação das camadas mais pobres da população. Nesse plano aponta-se a maior participação das empresas estatais, em especial nos setores estratégicos, estímulos para as micros e pequenas empresas privadas, urbanas e rurais inclusive com ampliação do comércio exterior. O que não significa abandonar a política de reforço das empresas privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o mercado mais caótico do que normalmente é. 

Talvez seja duro para os socialistas e comunistas brasileiros, numa situação mundial em que o capitalismo dos países desenvolvidos coloca em evidência suas contradições mais profundas, ouvir dizer que, para o desenvolvimento do Brasil, ainda está colocada na ordem do dia a utilização do capital. Não é fácil, no momento em que se proclama que um outro mundo é possível, aceitar que o resultado mais palpável do desenvolvimento desigual do capitalismo é a necessidade de empregar o capital para desenvolver as forças produtivas, mesmo que houvesse ocorrido uma revolução política no país, dirigida pela esquerda.

Dialogando com Pomar, vamos apenas identificar sumariamente alguns pontos prioritários no qual requerem medidas adequadas neste programa pós-neoliberal, que apontam planos para a industrialização, superar seus gargalos na produção, distribuição, consumo interno, logística, infra-estrutura, etc, além de identificar os setores considerados estrategicamente “especiais” para o desenvolvimento do Brasil.

1)    Adotar políticas macroeconômicas coerentes, que mantenham a inflação baixa, utilize os juros para incentivar os investimentos e trate do câmbio como instrumento de política de desenvolvimento industrial. A política de crescimento necessita se transformar em política de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico junto com políticas de apoio à existência de formas econômicas capitalistas, micro e pequenas empresas além do reforço da propriedade estatal, pública e solidária.

2)    Concentração dos investimentos estatal em áreas estratégicas e elevação da taxa nacional de investimentos para 25% a 30% do PIB levando em conta a instalação de plantas de fabricação dos setores produtivos estratégicos que possam aplicar as terras-raras brasileiras em processos e produtos de cadeias produtivas do mais alto valor agregado como na aeronáutica, automobilística, carros elétricos, defesa, softwares, tablets, além do desenvolvimento de investimentos em áreas relacionadas a biogenética; biotecnologia; nanotecnologia; biomassa; energias renováveis; indústria aeroespacial (um projeto de satélite para internet comum sul-americano?); o setor de base química, envolvendo a indústria farmacêutica, de vacinas, hemoderivados e reagentes; o setor de base mecânica e eletrônica, envolvendo as indústrias de equipamentos médicohospitalares e de materiais médicos; o setor de serviços, envolvendo a produção hospitalar, laboratorial e serviços de diagnóstico e tratamento; serviços de telecomunicações e infra-estrutura digital a partir do desenvolvimento da banda larga (comunicações, ópticas, wireless e comunicações por rádio e satélite) com ou sem fio para abrir caminho para provedores de serviços multimídia como áudio e vídeo, teleconferência, jogos interativos e telefonia de voz sobre IP (VoIP), sistemas avançados de acesso à banda larga como o FTTH e VDSL (very high data rate digital subscriber loop), TV de alta definição (HDTV) e vídeo sob demanda (VoD).

3)    Políticas de construção de uma infra-estrutura moderna, sobretudo de malha ferroviária que cubra o território nacional, montagem dos meios para estender a navegação fluvial e de cabotagem e edificação de portos, hidrelétricas, sistemas de transportes integrado, etc. A expansão dos investimentos em infra-estrutura está ligado ao desenvolvimento industrial seja como fonte de demanda importante para sistemas industriais de insumos básicos e bens de capital seriados e sob encomenda ou enquanto um fator de competitividade que permite a redução de custos de produção, logística, transporte, distribuição e comercialização além de ter um forte impacto sobre o desenvolvimento regional, integrando e promovendo novos mercados. O vetor de demanda doméstica pode ser também uma alavanca poderosa para promover a reestruturação competitiva de setores e atividades industriais, tanto através do reforço das economias de escala empresariais quanto da intensificação do processo de inovação e difusão tecnológica. Para isso é necessário aprofundar medidas de distribuição de renda, cujos ramos principais são a poupança para a reprodução ampliada do processo produtivo, os salários, a educação, a saúde e as demais demandas sociais.

4) Articular política de exportação e importação. No plano externo, ao se consolidar como um dos maiores exportadores globais de alimentos, fornecimento de energia e de commodities minerais e metálicas, o Brasil deverá aprofundar sua integração ao sistema de produção e de consumo asiático com uma ampla cadeia logística de serviços, fornecimento, armazenagem, distribuição e transporte. É necessário elaborar políticas que guiem os investimentos estrangeiros, impulsionando o adensamento das cadeias produtivas industriais e apenas aceitando os empreendimentos com novas ou altas tecnologias associando-se em joint venture com empresas estatais ou cooperativas. Também é crucial uma política de importações que facilite a entrada de mercadorias que contribuam ao desenvolvimento industrial e científico. Sem regras claras para investimentos e importações que busquem elevar as cadeias produtivas nacionais, as empresas brasileiras não conseguiram disputar os caminhos competitivos do mercado mundial. É crucial elevar o adensamento das cadeias produtivas e da infra-estrutura com maior participação das empresas nacionais nos setores monopolizados por empresas estrangeiras e investimentos na construção de parques industriais de alta tecnologia, elevar os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento para o patamar de 2% do PIB como via da política industrial transformando a inovação em efetiva alavanca do desenvolvimento nacional. Para que isso ocorra é necessário incrementar os investimentos estratégicos, focando nas mudanças tecnológicas de produtos e processos, nas mudanças no padrão de concorrência da indústria e em investimentos focados em preencher novos mercados diante das tendências de relocalização industrial e de gestão da cadeia de valor em nível global, seja no espaço brasileiro, com a transferência de pólos de produção de outros países para o Brasil, seja no movimento de internacionalização das grandes, médias e pequenas empresas brasileiras.

5)    Uma estratégia nacional de internacionalização das empresas nacionais, com intensa participação de agências estatais e do governo de forma direta  e indireta. Estas empresas estarão alinhadas com certas prioridades do país. Atividades da Apex-Brasil como os centros de distribuição em Dubai, Frankfurt, Lisboa, Miami, Varsóvia são importantes e devem ser expandir para outros locais na África, Ásia e América Latina. Mais escritórios de cooperação internacional devem ser criados em diferentes cidades de países que o Brasil possui uma relação estratégica. Isso junto com assessoria para ajudar exportares a colocarem seus produtos no mercado internacional seja por terceirização ou incorporação técnica do comércio exterior, com inteligência comercial para dividir informações relevantes para tomada de decisões de investimentos em mercados específicos. Deve-se também ampliar as secretarias especializadas em comércio exterior nível regional, estadual e municipal. O BNDES também desempenha um papel fundamental no financiamento de operações estrangeiras das empresas nacionais, devendo se ampliar para o médio capital, criação de bases no exterior e financiamento de plantas industriais que utilizem insumos, partes, peças, ou componentes importados do Brasil. A internacionalização deve ser considerada um instrumento essencial para a sobrevivência das firmas no próprio mercado doméstico e não apenas como a busca de novos mercado no exterior. A principal motivação para a internacionalização deve ser o aumento de competitividade. Os benefícios não se restringem apenas às empresas: a necessidade de políticas de apoio deliberado à internacionalização se justifica pelos ganhos gerados para o país como um todo a partir do aumento das exportações, geração de divisas e acesso a novas tecnologias. É por isso que as ações pontuais devem se consolidar numa política de internacionalização de empresas que envolvendo o BNDES, CADE, SDE, Apex-Brasil, o Ministério das Relações Exteriores. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e até mesmo Petrobrás e Eletrobrás. Nessa linha, também é crucial fortalecer o Fundo Soberano do Brasil e utilizá-lo para comprar empresas estrangeiras (total ou parcialmente) e numa atuação contra a volatilidade cambial.    

6)    Expansão de corredores para melhorar a logística da exportação de commodities e utilizar o excedente comercial para políticas industriais, inclusive para o adensamento industrial de matérias-primas e a agroindustrialização dos assentamentos da reforma agrária, incentivando um importante instrumento de expansão de propriedades coletivas além de frear o aumento da inflação puxada principalmente pelo aumento do preço dos serviços e dos alimentos.

7)    Um novo modelo agrícola. Desde 2002 estamos vendo o aumento do preço de diversas commodities no mercado mundial. Por trás desse aumento encontra-se o inter-relacionamento de diversas causas como a maior demanda por parte de grandes países asiáticos – China e Índia – e o deslocamento da produção de algumas culturas, como do milho para a produção de biocombustíveis. O Brasil entrou surfando nessa onda. Entre 2000 e 2007, por exemplo, as exportações brasileiras de soja passaram de 11,5 milhões para 25,5 milhões de toneladas. A exportação de milho passou de 700 mil toneladas para 11 milhões. As commodities tornaram-se investimentos atraentes ante a menor rentabilidade dos ativos financeiros, depreciados pelas turbulências dos mercados financeiros das economias centrais. Assim com a eclosão da crise financeira a partir da deterioração do mercado de hipotecas subprime nos Estados Unidos e seu espraiamento para os demais segmentos do mercado financeiro, doméstico e internacional, os fundos de investimento especulativos (os chamados hedge funds) e outros investidores institucionais (como os fundos de pensão) direcionaram suas apostas para os mercados de commodities e seus derivativos. Os recursos alocados pelos investidores institucionais nos mercados futuros de commodities saltaram de US$ 13 bilhões para US$ 260 bilhões entre o final de 2003 e março de 2008, enquanto os preços das 25 commodities subiram, em média, 183% nesses cinco anos. Essa crescente "financeirização" gerou hiperinflação nos preços dos ativos financeiros nesses mercados internacionais, em especial petróleo e alimentos. As pressões inflacionárias tomaram as cotações de soja, milho e trigo, como forte impacto no preço de carnes, ovos e leite. Os preços das commodities podem continuar superando até as ações de empresas de grande porte, como JBS, Petrobrás e Vale. As principais commodities cotizadas são café, boi gordo, algodão, açúcar, milho, trigo, soja e petróleo. A situação, por sua gravidade, complexidade e emergência, exige estratégia ambiciosa para a agricultura brasileira tendo como foco uma maior oferta de alimentos, equilibrada com a procura crescente, e um combate as oligarquias transnacionais que fixam o alto preço dos alimentos. Conforme o Dieese, durante os últimos anos, a alimentação fora do domicílio registrou expressivo aumento de preços devido a dois fatores: (1) aumento do emprego, da massa de salários e conseqüente elevação na demanda por refeições fora de casa e (2) aumento no preço dos alimentos, fato que também provocou aumento custo da alimentação no domicílio. A alimentação no domicílio registrou grande aumento de preços devido, basicamente, ao aumento no preço dos alimentos e, de forma colateral, à elevação do preço do gás de botijão, derivado do petróleo. Uma política industrial necessita desenvolver um novo modelo agrícola baseado na pequena e na média propriedade, na prioridade à produção de alimentos para o mercado interno, na criação de uma nova matriz produtiva no campo. Qualquer dado confiável aponta que a agricultura familiar é responsável pela maioria da produção nacional voltada para alimentar a população e que, ao mesmo tempo, são os alimentos que representam o principal componente que impulsiona a inflação. O governo Dilma está procurando se antecipar em relação as eventuais altas nos alimentos durante o próximo período dando um reforço no caixa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para que em 2012 amplie fortemente as compras diretas e as aquisições da nova safra de grãos e cereais. Seu objetivo é adquirir alimentos diretamente do produtor a preços de mercado, garantindo boa remuneração no auge da colheita, e formar estoques estratégicos maiores para enfrentar uma eventual elevação das cotações ao longo da entressafra. Para o próximo período estas medidas anti-inflacionárias devem ser acompanhadas por outra frente crucial: uma política de industrialização dos assentamentos de Reforma Agrária que impulsionaria o aumento da produção para o mercado interno. Para isso também é necessário uma política de barrar a expansão da compra de terras pelo agronegócio, assentar milhares de acampados e sem-terra, estimular o crédito e o financiamento para dar início a produção de alimentos, retirar taxações pelo uso da terra e comercialização de produtos, levar estrutura básica e infra-estrutura a projetos dos assentamentos para dar acesso a saúde, escola e construir estradas que facilitem o escoamento da produção, logística rural, assessoria técnica para desenvolvimento de pesquisas de sementes e instituir todas as terras devolutas do país como território de reforma agrária.

Em suma, uma verdadeira política industrial depende de um ordenamento mais flexível que conjuga diversas formas de propriedade: estatal, privada, pública não-estatal, empresas mistas, associações público-privadas, público-público, público-cooperativas, cooperativas-privadas, empreendimentos de economia solidária. Isso com políticas macroeconômicas com capacidade de remediar as distorções do mercado pelo poder dos meios de produção públicos e estatais que devem estar a prova de constantes reformas modernizadoras para ganharem eficiência econômica e servir como instrumentos chaves para um planejamento macroeconômico capaz de dirigir e regular o mercado. É a partir daí que podemos buscar elementos mínimos para avançar no projeto democrático-popular pós-neoliberal com características brasileiras.