Para a surpresa de muitos, na China ainda existem
conflitos em torno do legado de Mao Zedong. Um dos principais responsáveis por
reviver este antigo fantasma é Bo Xilai que, nesta quinta-feira, 16 de março, foi destituído como
secretário do Partido Comunista de Chongqing, a maior megalópole do mundo com
quase 40 milhões de habitantes no sudoeste da China. Carismático e controverso,
Bo tinha chance de chegar ao núcleo de direção do Partido Comunista Chinês.
Filho de Bo Yibo, um dos “Oito Imortais” que junto com
Deng Xiaoping articularam as reformas pós-Mao, Bo Xilai fez licenciatura em
história mundial e pós-graduação em jornalismo internacional. Começou sua
carreira no Partido na província de Liaoning para depois mover-se ao governo
nacional (ministro do comércio) e assumir a secretaria geral do partido em
Chongqing, a maior das quatro municípios autônomos do país (juntamente com
Pequim, Shangai e Tianjin). Além
disso, Bo Xilai também tinha a difícil tarefa de articular medidas contra a
corrupção, a deterioração ambiental e as enormes disparidades sociais. Apesar
das dificuldades, Bo Xilai conseguiu articular cinco grandes frentes de
políticas públicas para transformar Chongqing: Chongqing segura,
Chongqing habitável, Chongqing accessível, Chongqing saudável e Chongqing verde
- este último voltado para o desenvolvimento sustentável da cidade. Foram
feitas casas acessível para população mais pobre, aumento na oferta de emprego,
proteção ambiental, infraestrutura moderna e acessível, programas de saúde
pública, grande estímulo a atividades esportivas e medidas contundentes de
segurança para prevenir crimes e desarticular células de crime organizado – com
mais de 3 mil prisões que incluem juízes e membros do Partido Comunista. Estas
políticas foram acompanhadas por chamados a mobilização popular com canções
maoístas (“chang hong”) em conjunto com
grupos de ópera e outras instituições educativas da cidade, através de
discursos de Bo que fazem referência ao papel da cidade na história da luta
comunista contra os nacionalistas, com a Chogqing Mobile e outras operadores de
telefonia celular enviando milhões de mensagens com citações do livro vermelho
de Mao fazendo retornar o fantasma revolucionário da Revolução Cultural dos
anos 60. A estação de TV também apresenta filmes feitos logo após a vitória
comunista em 1949 relatando a vida e as batalhas de antigos revolucionários e
as propagandas foram substituídas por “programas vermelhos” com novelas
narrando histórias revolucionárias. Quando houve uma greve de taxistas e professores
seu método de encontrar uma solução não foi enviando a polícia para
reprimi-los. O Partido Comunista de Chongqing convidou as lideranças para
encontrar um acordo num estúdio de TV onde ao vivo debateram a questão para
todos os cidadãos da cidade. Com sua ênfase no retorno dos valores
revolucionários de Mao, Bo se tornou o alvo daqueles que estavam
descontentes com a campanha anti-corrupção e seus excessos relacionados ao
legado da Revolução Cultural. Assim ele fez muitos inimigos dentro e fora do Partido.
Não
é a toa que sua destituição acontece logo após as advertências de Wen Jiabao
para acelerar as reformas políticas, pois se não forem implementadas, poderia
fazer ressurgir o espírito da Revolução Cultural. Sem tais transformações, “uma
tragédia histórica como a Revolução Cultural poder acontecer de novo”, disse
ele. Wen estava criticando abertamente Bo Xilai, suas canções vermelhas e tudo
mais que faça o povo lembrar da Revolução Cultural.
Logo
após 20 horas de o primeiro-ministro Wen Jiabao
ter pedido reformas políticas para evitar “uma nova Revolução Cultural” no
final do Congresso, Bo foi substituído por Zhang Dejiang, um vice-premiê
conservador que já foi chefe do Partido
nas províncias de Jilin, Zhejiang e Guangdong, entre 1995 e 2007. A causa do afastamento de Bo continua sendo um
mistério, mas provavelmente está relacionada com o medo de parte de certos
setores do Partido de que o “modelo Chongqing” desponte como uma alternativa de
desenvolvimento chinês futuro. Sem dúvida esse processo irá balançar a política
chinesa. Além disso, o Partido está realmente preocupado que a figura de Bo se
torne algo como Mao Tsé-Tung ou Deng Xiaoping. Mesmo Hu Jintao já estava
descontente com Bo. Oficialmente ele foi afastado na sequência do "caso
Wang Lijun", ex-chefe da polícia de Chongqing, que no início de fevereiro
se dirigiu ao consulado dos Estados Unidos em Chengdu, onde passou um dia
inteiro e terá pedido asilo político. Movimento similar foi feito por
Jiang Zemin quando afastou Chen Xitong como secretário do Partido em Beijing.
Agora, o caso Wanj Lijun foi uma boa desculpa para iniciar uma investigação
interna em Bo. O objetivo subjacente é realizar uma transição suave da geração
no poder na China, nada que nos faça lembrar da Revolução Cultural quando
milhões de pessoas cantavam músicas comunistas contra a burocracia do Partido e
seus ímpetos selvagens de avançar no caminho capitalista.
Para o susto de muitos, a batalha em torno do legado maoísta
simboliza mudanças ideológicas importantes na China, principalmente entre
aqueles que advogam uma liberalização maior da economia e do sistema político e
aqueles que rejeitam qualquer coisa parecida com o modelo ocidental falido de
democracia-liberal procurando novos caminhos para o socialismo com características
chinesas. Como disse recentemente um professor chinês, o modelo Chongqing (e Bo
Xilai) é a única esperança para a China, somente ele pode salvar o comunismo.
Mais do que nunca, é tempo de cantar as canções vermelhas.
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