sexta-feira, 12 de março de 2010

O capitalismo ecológico das favelas no Rio

Os favelados sabem que são a “sujeira” ou a “praga” que seus governos preferem que o mundo não veja

Mike Davis

As favelas são o sintoma da globalização capitalista. Elas não fazem parte de um projeto social que deu errado ou um acidente no processo de distribuição de renda e espaço. Pelo contrário, as favelas são o resultado necessário diante do processo de concentração e centralização da riqueza. Vemos, atualmente, portanto, a criação de muros que buscam estabelecer essa lógica semelhante a um apartheid. É um resultado direto da globalização a criação de novos muros – seja entre os EUA e o México, Israel e os palestinos, nos campos de refugiados, nas favelas, alphaviles etc. Não devemos ter medo de propor que a favela é hoje o campo de concentração por excelência da globalização capitalista. Mais de 70% da população urbana no Terceiro Mundo é favelada.



Desde meados de 1970, o crescimento das favelas é maior no hemisfério sul do que a urbanização propriamente dita. Em São Paulo, por exemplo, em 1973 as favelas detinham 1,2% da população enquanto em 1993 detinha cerca de 20%, crescendo na década de 1990 num ritmo de 16,4% ao ano. Na Amazônia, 80% de seu crescimento tem-se dado nas favelas, em sua maior parte privadas de serviços públicos e transporte municipal mostrando a transformação de “urbanização” e “favelização” em sinônimos. Na Ásia essas tendências são semelhantes. Desde o final da década de 1970, após a entrada da China no mundo capitalista, estima-se que lá mais 200 milhões mudaram-se das áreas rurais para as cidades (e espera-se que mais 250 ou 300 milhões sigam-nos nas próximas décadas) fazendo com que, em 2005, já existam 166 cidades chinesas, em comparação com as 9 nos EUA, que tem a população maior que 1 milhão de habitantes.



A favela, ao mesmo tempo dentro e fora do ordenamento espacial da lei, persiste no cotidiano com um excesso de controle por parte do Estado para assegurar principalmente suas bordas, para que os conflitos sociais que possibilitaram a ascensão das favelas não se dissolvam pelo tecido social fazendo com que, ao mesmo tempo, exista um enclausuramento dos favelados. Essa violência aberta ocasiona diversas mortes aleatórias e irresolvidas.



No Rio de Janeiro, para conter a expansão das favelas está sendo colocado em prática um projeto para cercear 10 favelas. Aqui vem a questão: para acabar com a expansão das favelas o remédio dado pelas políticas públicas é a criação de eco-muros que separem radicalmente os favelados. O morro Dona Marta, na zona sul do Rio de Janeiro, está sendo a primeira experiência da criação explícita de um muro que cerceia seus habitantes. Na favela da Rocinha o projeto prevê que o muro terá cerca de 2.800 metros de extensão num total de mais de 11 mil metros de muro que serão erguidos. Esse é o significado Real da democracia-liberal hoje. Durante os preparativos dos Jogos Olímpicos de 1936, os nazistas expurgavam os sem-teto e favelados das áreas de Berlim que talvez fosse avistada por visitantes internacionais. Estamos no mesmo caminho com a Super Copa e Olimpíadas no Rio.



Outro modo interessante de lidar com as favelas no Rio é a compra da primeira aeronave não tripulada da Polícia Federal -a ser utilizada tanto na vigilância da Amazônia quanto no sobrevôo a favelas- que faz parte da frota de 15 aviões controlados à distância, comprada em outubro da empresa israelense IAI (Israel Aerospace Industries) por R$ 345 milhões. O Heron, modelo adquirido pelo governo brasileiro, é usado atualmente por órgãos de defesa de países como EUA, Canadá, Índia e Turquia. No Brasil, esses aviões - cujo nome técnico é Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) - serão usados pela PF para mapear e monitorar todo o território nacional que podem ser comandados por um piloto em terra, que fica numa base a até mil quilômetros de distância, ou voar em missões pré-programadas. Decolagem e pouso são automáticos. Cada aeronave é dotada de aparelhos que permitem captar imagens em alta resolução mesmo quando está a 10 mil metros de altitude (10 mil metros!).



Para não finalizar por aí agora sendo financiado pela concessionária Lamsa o projeto de R$ 20 milhões cobrirá 7,6 quilômetros com estruturas de acrílico, placas de aço, muros de concreto e placas forradas com isopor. Como diz uma agencia de notícias, cada um dos 200 módulos conta com 38 metros de comprimento e 3 metros de altura. O Complexo da Maré será isolado por 1.115 metros de barreiras na altura da Vila dos Pinheiros, e no Parque da Maré a proteção acústica terá 1.080 metros de placas de concreto armado e 220 metros de placas de acrílico, principalmente nos trechos residenciais. As barreiras também vão separar os moradores dos conjuntos habitacionais degradados da Cidade de Deus dos carros que trafegam na Linha Amarela (mas não problema, a prefeitira do Rio irá fazer o treinamento de 160 líderes comunitários em desenvolvimento sustentável).



Entrementes, o processo de triagem capitalista já começou e, para continuar funcionando, precisa da crescente máquina do Estado. A produção crônica de favelas também diz respeito ao enxugamento da produção capitalista que não precisa de grande parte da população trabalhadora jogando-os, normalmente sem volta, a uma completa exclusão social. Entretanto, as favelas são um dos poucos “lugares factuais autênticos” da sociedade atual já que são, literalmente, uma coleção dos que não fazem “parte de parte alguma” e que, conseqüentemente, não tem nada a perder “senão as correntes”. São os elementos excedentes da sociedade em que a lei policial pode utilizar de forma discriminatória o uso e a funcionalidade de suas ações repressoras. Por isso a necessidade urgente de formas mínimas de auto-organização.

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