domingo, 31 de janeiro de 2010

Por uma nova figura militante: vamos aprender com as quedas?

Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor!

Samuel Beckett

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Penso que precisamos urgentemente de uma nova figura militante. Esse texto é uma contribuição nesse sentido. A busca pela nova figura militante é demandada para suceder aquela cujo lugar Lênin e os bolcheviques ocuparam no início do século passado. Naturalmente não são palavras finais sobre o tema que esta emergindo e necessita reflexão de todos para reconstruirmos uma transição viável ao socialismo.

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Com a entrada histórica da crise estrutural do capital, desde meados de 1970, uma estratégia ofensiva de transformação radical corresponde, em primeiro lugar, ao desconfortável fato negativo de que algumas formas de ação anteriores (“as políticas de consenso”, “pleno emprego, “a expansão do Estado de bem-estar-social”, “keynesianismo para todos” etc.) estão objetivamente bloqueadas, impondo reajustes profundos na sociedade como um todo – e não apenas em alguma parte específica. Estar partindo dessa “negatividade brutal” inicial não significa que os reajustamentos serão positivos, mobilizando as forças de transformação num esforço consciente para se apresentarem como portadoras de uma ordem social alternativa capaz de superar a sociedade capitalista em crise. Como essas mudanças exigidas são muito drásticas, em vez de prontamente aceitarmos o “salto para o desconhecido”, é mais provável que se prefira seguir a “linha de menor resistência” ainda por um tempo considerável, mesmo que isso signifique derrotas significativas para as forças socialistas. Por isso, como salientou István Mészáros, “somente quando as opções da ordem predominante se esgotarem se poderá esperar por uma virada espontânea para uma solução radicalmente diferente”. Esse “salto para o desconhecido” é correlato ao “salto de fé” de Kierkagaard que, não tendo a aprovação do Outro, é o momento em que o que era aparentemente impossível se materializa. Portanto, a lição de Rosa Luxemburgo continua mais válida do que nunca: não existem condições objetivas perfeitas para essa transformação radical já que elas são retroativamente criadas pelo próprio movimento. Assim como o amor, quem espera por tal transformação de forma “natural” espera para sempre.



Entrementes, essa práxis ofensiva necessita de uma bússola, uma visão que anime o que deve ser feito e por que. É uma lacuna que emerge entre o “movimento real” e a articulação com uma alternativa viável. Assim, o momento de crise profunda como a que vivemos é uma oportunidade histórica para se repensar profundamente a transição social na construção de uma alternativa radical em novas bases organizacionais, de consciência e ação. Que alternativa seria essa?



A lição que talvez sejamos forçados a aprender de nossas condições econômicas e políticas atuais é que um capitalismo humano, social, ecológico e verdadeiramente democrático e igualitário é mais irreal, ilusório e utópico do que o Comunismo. Assim, é tempo de voltar ao Comunismo? Entretanto, qual Comunismo? Ou então, um outro Comunismo é possível?



Vale frisar que stalinismo e o fracasso do socialismo real não invalidam o horizonte de emancipação radical que é o Comunismo. Por isso, é preciso reabilitar e ressignificar urgentemente o Comunismo. Stálin tornou uma ala do partido uma espécie de representação do Espírito Absoluto, perdendo qualquer capacidade de aprendizagem, um princípio socialista fundamental. Stálin introduziu duas novas características ao partido, que não estavam postuladas por Lênin, que intensificaram o seu monolitismo totalitário. Foram às sementes do stalinismo e que precisamos simbolizar e apreender criticamente para retomar o projeto Comunista hoje. Elas consistem em: 1) tornar as frações e minorias um “inimigo interno” incompatibilizando sua própria existência e 2) depuração dos elementos oportunistas. A primeira medida (adotada no X Congresso) procura tornar uma medida temporalmente específica em princípio permanente e, assim, extinguindo as diferentes tendências e minorias no interior do partido. A segunda medida busca assegurar uma composição do partido sempre favorável ao núcleo dirigente central. Essas duas características stalinistas par excellence necessitam ser verificadas constantemente em qualquer movimento anticapitalista e não apenas nos partidos políticos.



O Comunismo se apresenta como uma tarefa radical e imediata na escala que se pode: trabalho, município, bairro, centro de estudo, etc. Não podemos esperar por uma grande revolução para começar um processo de autoeducação sobre nossas capacidades de autogestão e organização coletivas. Como disse recentemente Alain Badiou, “no momento, o que interessa é a prática da organização política direta no seio das massas populares e de experimentar novas formas de organização” orientadas pela “idéia de uma sociedade cujo motor não seja a propriedade priva­da, o egoísmo e a avidez”. Entretanto, como o capitalismo está fermentando uma luta planetária para enfrentar sua crise, qualquer força social e política progressista não pode ficar estagnada ao local e parcial sendo, assim, necessário se conectar concretamente com uma coordenação de todas as resistências em todos os continentes. Sem dúvida um grande desafio pela frente: unidade organizativa na diversidade heterogênea anticapitalista global.



Voltando a Marx, o Comunismo não é um Ideal que vamos todos chegar felizes ou sem rupturas drásticas e sim o “movimento Real” de superação dos antagonismos existentes no atual tempo histórico. Esse “movimento real” é essencialmente traumático já que quebra o ordenamento acelerado da vida no capitalismo atual que, paradoxalmente, reduz a história ao imediato. Em A Ideologia Alemã Marx julga que esse processo passa por uma consciência comunista numa escala de massas:



Tanto para a criação em massa dessa consciência comunista quanto para o êxito da própria causa faz-se necessária uma transformação massiva dos homens, o que só se pode realizar por um movimento prático, por uma revolução; que a revolução, portanto, é necessária não apenas porque a classe dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma, mas também porque somente com uma revolução a classe que derruba detém o poder de desembaraçar-se de toda a antiga imundice e de se tornar capaz de uma nova fundação da sociedade (p. 42)



Por essa definição, os Comunistas se definem como todos aqueles que trabalham incessantemente para produzir um futuro positivamente diferente daquele que o capitalismo pode proporcionar ou prometer num revolucionamento constante causado por sua atividade de construção dos fundamentos da revolução. Sob essa definição existem de facto milhões de Comunistas entre nós.



Naturalmente, não existe Comunismo sem Comunistas. Quem é o Comunista? Ele está engajado nas “mediações” que ligam as tarefas presentes com o futuro. No sentido comunista, essas “mediações” - instituições e organizações coletivas - demandam três características básicas: verificação constante da livre circulação de idéias e projetos (sempre no intento de expandir as práticas existentes), uma postura ofensiva socialista (diametralmente oposta da historicamente defensiva) que busca impor a construção de uma alternativa hegemônica diante da urgência histórica do aprofundamento dos antagonismos do sistema do capital e, não menos crucial, uma auto-crítica permanente que permeie pela aprendizagem todos os poros dessa instituição com o sentido de aperfeiçoar as relações entre consciência, organização e ação.



Diria também que o militante Comunista procura se acostumar a “pensar como massa” – enxerga onde está à falta e a preenche com o vazio. Não existe militante Ideal. Em termos lacanianos, todo militante é não-Todo. Sempre ser-faltante que no movimento produz novos significantes para a rearticulação da luta emancipatória. Isso quer dizer que um princípio fundamental do Comunista é a não-resistência que necessita de verificação permanente no movimento de forma cada vez mais disciplinada e sincera no sentido de um aperfeiçoamento e confiança coletiva.



O militante não é Uno. Ele é profundamente dividido. Ele não pode ser apenas inserido num partido ou num movimento social. São duas lógicas de militância que não podem ser combinadas numa síntese superior vulgar. É necessário estar em ambos e não reduzir um ao outro. Não fazer os movimentos sociais massa de manobra do partido e nem fazer do partido uma “segurança política” do movimento social. O desafio do militante é respeitar a diferença mínima existente entre eles para não forçar uma trágica unificação. Em outras palavras, o militante é um sujeito que, na realidade, é o entrelaçamento de duas subjetividades e que, ao manter ferozmente sua divisão, tem como garantia um discurso da universalidade. O real militante dessa universalidade é o destino para todos do que a constitui.



O que vemos hoje em alguns partidos de esquerda é exatamente o “pensamento partidário”, normalmente obtuso que se direciona pela lógica do poder enquanto também vemos em alguns movimentos sociais um “fetichismo do movimento” que não se orienta politicamente. É um grande desafio pela frente.



Concluindo, um ponto crucial ao militante é sua fidelidade a uma verdade que é um processo e não uma iluminação. Uma verdade é um processo concentrado e sério que jamais deve entrar em competição com as opiniões estabelecidas. Assim, desafiemos aqueles oportunistas que querem ser o grande Outro (sejam dos partidos ou dos movimentos sociais) e ser, assim, os Juízes Supremos da Verdade.



Boa militância a todos!

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