sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Por que Lênin teorizava?

Precisamos urgentemente de uma teoria revolucionária explícita para nossos tempos. A pergunta “que fazer?” de Lênin demanda respostas.



Como a esquerda pode negociar com a dinâmica da atual crise? A narrativa dominante sobre a atual crise (e que grande parte da esquerda aceita como fato) diz que ela teve como causa a atuação excessiva de alguns capitalistas financeiros internacionais ambiciosos e que, assim, a solução se encontra num novo pacto regulatório entre a “economia real” e a “economia financeira” mais humano, tolerante, ecológico e harmônico. Essa saída ideológica além de isentar o próprio sistema capitalista de culpa, tem graves conseqüências políticas. Uma delas é a ascensão de um novo conservadorismo que se projeta numa mistura entre a terceira via (que eterniza a democracia-liberal) e populismo de extrema-direita com seu alvo voltado contra o inimigo: terrorista, imigrante, favelado, militante de esquerda, refugiado, etc.



Uma pergunta corrente é: o capitalismo poderá sobreviver a essa crise? Indubitavelmente sempre respondo: sem dúvida alguma! A questão é: a que custo? Também sem dúvidas com o custo de uma maior expropriação dos direitos do trabalho num intensificação da atual precarização generalizada, expansão do crédito (e dívidas), fundos de pensão, maior degradação ambiental, aumento das desigualdades de classe e, para o sucesso disso tudo, um aumento na repressão policial e política.

Então, que problemas temos pela frente? Além dos problemas das instituições de transformação social contemporâneas, uma das principais crises em que o marxismo se encontra hoje é de cunho teórico. A crise do marxismo não se deve apenas as derrotas políticas dos movimentos marxistas, mas também pelo declínio do materialismo dialético como base filosófica do marxismo.



Nas famosas Teses sobre Feuerbach, em que se verifica uma das rupturas do pensamento de Marx com todo o pensamento filosófico anterior, ele escreve que “os filósofos até hoje se contentaram em interpretar o mundo de diferentes formas, entretanto, trata-se de transformá-lo”. Contra a “razão stalinista” que se fixa apenas no processo de transformação, é necessário enfatizar a via de mão dupla entre teoria e prática. Marx nunca negou que uma filosofia idealista faça parte da realidade. Entretanto, se se trata de transformar o mundo, é preciso rejeitar a teoria que é mera interpretação e aceitar a filosofia ou a teoria que é prática, isto é, vê o mundo como objeto da práxis.



Todos nós sabemos a clássica frase de Lênin de Que fazer?: “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário possível”. O outro lado dessa frase encontra-se em “esquerdismo” e não é tão conhecida: “uma teoria revolucionária correta só se forma de maneira definitiva em estreita conexão com a experiência prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário”. Isto é, a teoria necessita da prática não só para surgir e verificar-se nela, como também para formar-se “de uma maneira definitiva”. Esse é o “a mais” de Lênin. Lênin opera com uma concepção de práxis quanto ao fazer teoria, ao organizar, dirigir e desenvolver uma prática revolucionária e, não menos importante, reflete sobre a própria práxis. Assim a concepção leniniana de práxis supõe três coisas fundamentais: uma concepção teórica cuja especificidade vem de sua unidade com a prática, uma visão da prática que provem de unidade com a teoria e, finalmente, a reflexão sobre a própria unidade tanto de uma como da outra sobre a práxis.



Entretanto, essa práxis necessita de uma bússola, uma visão que anime o que deve ser feito e por que. É uma lacuna que emerge entre o movimento real e a articulação com uma alternativa viável. Aqui algumas perguntas sobre essa alternativa, do ponto de vista da esquerda, são essenciais: É tempo de voltar ao Comunismo? Se a resposta for afirmativa, que Comunismo seria esse? Assim, parafraseando o Fórum Social Mundial, “um outro Comunismo é possível”?



O Comunismo é visto hoje como um sinônimo de Totalitarismo. Esse discurso “fukuyamista” só faz sentido quando a democracia-liberal contemporânea torna-se o horizonte ontológico da humanidade. Apenas mudanças paliativas e assistencialistas seriam possíveis e, assim, lutemos todos dentro do jogo democrático – por mais que seja essa mesma democracia o principal obstáculo a transformação social radical hoje com suas políticas de criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, sua incapacidade crônica de prover condições mínimas de vida, saúde e educação no sentido de reduzir as desigualdades sociais, o desenvolvimento de aparelhos de controle amplo como militarização e novos mecanismos próprios de um estado de exceção, etc.



Para Marx o Comunismo não é um Ideal que vamos todos chegar felizes ou sem rupturas drásticas e sim o “movimento Real” de superação dos antagonismos existentes no atual tempo histórico. Esse “movimento real” é essencialmente traumático já que quebra o ordenamento acelerado da vida no capitalismo atual que, paradoxalmente, reduz a história ao imediato. Em síntese, o Comunismo persegue superar o capitalismo criando um modo inteiramente diferente de produção e distribuição de serviços e riqueza. Por essa definição, os comunistas se definem como todos aqueles que trabalham incessantemente para produzir um futuro diferente daquele que o capitalismo pode proporcionar ou prometer histericamente. Com essa definição existem de facto milhões de comunistas ativos entre nós. Por que não?

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