segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

2010 – “Um outro Comunismo é possível?”

O ano de 2010 será um ano de grandes viradas políticas e econômicas no plano internacional. Estamos diante de um aprofundamento da crise crônica de superprodução mundial, um iminente estouro no sistema financeiro internacional, militarização regional, esgotamento dos recursos naturais renováveis, criminalização dos movimentos sociais e políticos, estreitamento dos interesses entre Capital e Estado, aumento do desemprego, precarização do trabalho, crescente desigualdade social e internacional, etc. O que falta nesse mapeamento geral é efetivamente “apenas” a esquerda.



A turbulência da crise financeira comprovou o refluxo político – neoliberalização e governo Lula no Brasil – das últimas décadas e a desordem ideológica, política e organizacional da esquerda. O trauma foi tão grande que deixou muito gente ainda mais atordoada que antes. Assim, grande parte da esquerda acabou por não sinalizar as ações coletivas que poderiam desembocar numa luta anti-capitalista efetiva e ampla.



Em outras palavras, a condição defensiva da esquerda mostrou sua esterilidade política. A esquerda bateu num muro – os limites históricos do capital. Alguns ainda estão confusos com a forte batida e outros estão trabalhando na negação desse muro conjuntamente com a afirmação de uma “nova forma histórica”. Por estarmos nas primeiras etapas da crise mundial, o sacudido foi tanto mostrou muito mais a impotência da esquerda do que sua organização revolucionária. Retomemos um pouco o debate.



Tese: a atual esquerda que se auto-enclausura em reivindicações como “mais tolerância”, “mais direitos humanos”, “mais democracia” continua essencialmente nos horizontes da social-democracia clássica. Desconsiderando a crise estrutural do capital que se aprofunda e seus antagonismos explosivos, aceitam explicitamente uma quebra radical no aspecto revolucionário das reivindicações sociais do socialismo dando a elas uma feição democrática. As palavras de Marx parecem ressoar perfeitamente sobre as diretrizes políticas dos movimentos emancipatórios que, sob o Significante-Mestre da democracia liberal, desconsideram a progressiva atuação excessiva do Estado em nome da democracia e da tolerância:



O caráter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com os dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e convertê-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade via democrática, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia. Só que não se deve formar a concepção estreita de que a pequena burguesia, por princípio, visa a impor um interesse egoísta. Ela acredita, pelo contrário, que as condições particulares para sua emancipação são as condições gerais sem as quais a sociedade moderna não pode ser salva nem evitada a luta de classes... O que os torna representantes da pequena burguesia é o fato de que sua mentalidade não ultrapassa os limites que esta não ultrapassa na vida, de que são conseqüentemente impelidos, teoricamente, para os mesmos problemas e soluções para os quais o interesse material e a posição social impelem, na prática, a pequena burguesia (Marx, 18 Brumário, p. 54, 55).



Nesse sentido, não é exatamente essa crença na forma democrática para a emancipação social que caracteriza o reformismo – impregnado na esquerda - hoje? Os argumentos utilizados são basicamente os seguintes: a sociedade contemporânea é caracterizada por uma crescente fragmentação, uma diversificação dos estilos de vida, uma multiplicação das identidades, uma pluralidade de experiências. Nesse mundo “pós-moderno” o antagonismo de classe se dissolveu nessa crescente diversidade tornando-se uma diferença como as outras. Como conseqüência, qualquer concepção de Universalidade teria ficado para trás. Essas mudanças ampliaram enormemente as oportunidades de escolha, tanto no nível do consumo quanto na possibilidade de criação de estilos de vida variados. A esquerda, a partir daí, deve criar suas políticas baseadas na multiplicidade e na diversidade. É necessário, portanto, abrir mão da noção de socialismo por algo mais abrangente: a democracia que não privilegia o conceito de classe. A questão é: o elogio as diferenças e identidade pós-moderna não revela suas limitações, teóricas e políticas, quando trata exatamente da situação de classe numa visão democrática? É possível imaginar as diferenças de classe sem exploração e dominação? A “diferença” que define uma classe como “identidade” é, por definição, uma relação de desigualdade e poder, de uma forma que não é necessariamente a das “diferenças” sexual ou cultural. Uma sociedade verdadeiramente democrática tem condições de celebrar diferenças de estilo de vida, de cultura ou de preferência sexual; mas em que sentido seria “democrático” celebrar as diferenças de classe? Se se espera de uma concepção de liberdade ou igualdade adaptada a diferenças culturais ou sexuais que ela amplia a concepção de liberdade humana, pode-se fazer a mesma afirmação de uma concepção de liberdade e igualdade que acomode as diferenças de classe?



Estranhamente (mas não tanto), nessas novas teorizações sobre o capitalismo contemporâneo, o que desaparece é o próprio capitalismo aceitando-o como futuro inexorável (que tipo de ações e organização em conseqüência?). A tentativa de suprir a lacuna de classe, portanto, se direcionou para sua supressão intelectual numa miríade de identidades e diversidades politicamente "fukuyamistas".



Tese 2: A lição que talvez sejamos forçados a aprender de nossas condições econômicas e políticas atuais é que um capitalismo humano, social, ecológico e verdadeiramente democrático e igualitário é mais irreal e utópico do que o Comunismo. Entretanto, qual Comunismo? Um outro Comunismo é possível?



Entrementes, aonde vai o capitalismo também vai a Idéia Comunista. O Comunismo é a alternativa específica ao capitalismo. Sem o capitalismo, não precisamos do Comunismo; aceitamos conceitos muito difusos e indeterminados de democracia que não se oponham especificamente a nenhum sistema identificável de relações sociais, na verdade nem chegam a reconhecer um sistema assim. Nada permanece além de uma pluralidade fragmentada de opressões e de lutas emancipatórias. Assim aquele que se afirma como projeto mais inclusivo do que o Comunismo na verdade é o menos inclusivo. Em vez de aspirações universalistas do Comunismo e da política integradora da luta contra a exploração de classe, temos uma pluralidade de lutas particulares que terminam na submissão ao capitalismo. É possível que o novo pluralismo esteja, na verdade, se inclinando na direção da aceitação do capitalismo, no mínimo com a melhor ordem social a que teremos acesso. Aqui a divisao entre esquerda e direita está se modifiicando consideravelmente nos últimos anos.



Atendemo-nos nesse ponto exatamente porque talvez esteja na hora de novas políticas emancipatórias compostas por uma explosiva combinação de diferentes agente e não um particular. Vivemos em tempos apocalípticos, tempos de emergência, de “estado de exceção” em que o fim está próximo e podemos apenas nos preparar para ele.



Uma questão relevante é que o “desastre obscuro” do stalinismo e o fracasso do socialismo real não invalidam o horizonte de emancipação radical que é o Comunismo. Por isso, é preciso reabilitar e ressignificar o Comunismo. Mas como? Socialmente. Como disse recentemente Badiou, “no momento, o que interessa é a prática da organização política direta no seio das massas populares e de experimentar novas formas de organização” orientadas pela “idéia de uma sociedade cujo motor não seja a propriedade priva­da, o egoísmo e a avidez”. Nesse sentido ainda, enfatizaria que apenas a “violência popular” pode permitir as classes expropriadas se fazerem ouvir nas democracias-liberais contemporâneas. Nessa “violência popular” se impõem uma severa (e justa) crítica as experiências socialistas a partir das próprias ações coletivas, isso é, na tríade - consciência, organização e ação - temos como desafio a verificação constante dos princípios socialistas – contra o sectarismo stalinista, por exemplo. Por isso verificarmos nossas ações contra o centralismo político revestido de “verticalismo anti-democrático” fazendo com que o limite interno da democracia se imponha a si mesma (a cada tendência, organização, etc.) e não um limite exterior imposto desde cima ou fora dela é um desafio emancipatório que, acredito eu, temos que lidar de frente.



Contra o dogmatismo e sectarismo que os militantes de esquerda necessitam lutar aqui e agora, numa recente carta endereçada por Alain Badiou a Slavoj Zizek, encontramos uma bela definição não apenas do que é ser comunista, como ainda do momento atual do comunismo perante o seu próprio “fator” como invariante histórica de emancipação - sendo que outra invariante a humanidade não dispõe:


“Nós encontramo-nos no limiar de um ponto de método essencial e no qual, creio-o bem, não há entre nós nenhum desacordo de princípio. Tratando-se de figuras históricas como Robespierre, Saint-Just, Babeuf, Blanqui, Bakounine, Marx, Engels, Lenine, Trotski, Rosa Luxemburgo, Estaline, Mao Tse-Tung, Chou Enlai, Enver Hoxha, Guevara, Castro e alguns outros (e penso nomeadamente em Jean Bertrand Aristide [Haiti]), é ponto capital, sobre todos eles, nada ceder perante as tentativas de criminalização reacionárias ou perante as anedotas eriçadas com que o capital os pretende fechar e anular. Nós podemos e devemos discutir entre nós (um ‘nós’ que sinaliza aqueles para quem o capitalismo e as suas formas políticas são um horror, um ‘nós’ que nós somos para quem a emancipação igualitária é a única máxima de valor universal) o uso que fazemos, ou não fazemos, dessas figuras históricas. Essa discussão pode ser eventualmente viva e fortemente antagônica, mas ela dá-se ‘entre Nós’, e a nossa regra opõe-se absolutamente a toda a conspiração de latidos do adversário”.

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