segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Justiça Infinita Reloaded

Depois de receber o prêmio Nobel do Cinismo 2009, o presidente Barack Obama – de férias no Haiti – recebeu um grande desafio que o introduz na lógica política do terrorismo que até então havia sido apenas herdado de seu predecessor. Os ataques de 11 de setembro tiveram uma resposta específica da coalização neoconservadora de Georg Bush ao iniciar um período de estado de sítio internacional invadindo o Afeganistão e o Iraque num tom “quem não está conosco está contra nós”. Com o esgotamento político do mandado neoconservador, se abriu a oportunidade do novo: Barack Obama, o Lula norte-americano.

Seu discurso humanista demonstrou um tom de revitalização da ala democrata. Muitas esperanças foram depositadas sobre o novo presidente que aparentava poder transformar positivamente os aspectos negativos em que os Estados Unidos estavam metidos: crise econômica severa, guerra contra o terrorismo, desemprego em alta, falta de legitimação internacional, criminalização dos imigrantes e da pobreza em geral, etc. Entretanto, quando subiu ao poder sua margem de manobra política se mostrou muito mais limitada do que poderia esperar os “amantes da esperança negra”, aplicando uma política de continuísmo aberto, entretanto sob uma face mais harmoniosa, humana, tolerante e multiracial. A esperança se tornou uma farsa com o não-fechamento de Guantánamo – o campo de concentração pós-moderno -, políticas econômicas neoliberais sustentadas pelo Estado, aumento da agressividade bélica no Afeganistão, no Iraque, no Paquistão, no Iêmen e no Irã, continuação das políticas anti-imigrantes e um distanciamento de qualquer tipo de acordo internacional pela desaceleração da destruição ecológica global. Além disso, deu suporte ao “golpe de Estado democrático” em Honduras, aumentou a influência bélica na América Latina com novas bases no estado de exceção colombiano com um claro tom de aviso prévio ao Brasil e a Venezuela.

Para melhorar esse panorama, o espectro do terrorismo voltou. Não foi tão bombástico como o 11 de setembro, mas já deu o alerta para ficarmos atentos. Os ataques de 11 de setembro tiveram como resposta a melhor manobra conservadora possível para enfraquecer os movimentos alternativos de transformação social além de aprofundar a crença da democracia-liberal como limite histórico intransponível. Embasbacada, grande parte da esquerda aceitou a divisão entre Democracia x Terrorismo como a ação política progressista numa espécie de auto-enclausuramento. Afinal de contas, quem seria a favor do terrorismo?

Primeiramente é necessário conceber o que ocorreu no dia 11 de setembro no contexto dos antagonismos do capitalismo global. Para o filósofo esloveno Slavoj Zizek, a leitura padrão dos acontecimentos é basicamente segundo a qual existiu uma intrusão do Real que estilhaçou nossa esfera ilusória. Que o impossível ocorreu acabando com as idealidades sobre as formas com que se reproduzia a sociedade americana. Porém, ele propõe uma visão contrária: antes dos ataques ao WTC a realidade era ver os horrores pelo mundo, em especial do Terceiro Mundo como algo que estava completamente deslocado da realidade social, como algo que existia apenas como um fantasma espectral nos televisores. O que aconteceu no 11 de setembro foi uma entrada abrupta desse fantasma na realidade estadunidense. “Não foi a realidade que invadiu a nossa imagem: foi à imagem que destruiu a nossa realidade (ou seja, as coordenadas simbólicas que determinam o que sentimos como realidade). Dessa forma, “os EUA ganharam aquilo que haviam fantasiado – e essa foi a maior surpresa”.
Um importante desdobramento político do 11 de setembro foi tornar o significante terrorista um equivalente universal a todos os males sociais. Hoje é possível alugar um DVD e na sempre ridícula propaganda contra pirataria ver algo como “quando você pirateia filmes você está ajudando os terroristas”. O terrorista se tornou um x equiparável ao Judeu Errante unificando a imagem do fundamentalista reacionário e o militante de esquerda numa ótima obra política sem dúvidas fukuyamista – da qual grande parte da esquerda bateu palmas.

Sabemos que diante desse último ataque terrorista capenga e falho que só podemos ouvir falar pela mídia burguesa internacional, a segurança nacional (interna e externa) vai aumentar sua atuação a partir dessa desculpa política. A primeira resposta governamental de Obama ao ataque foi: “aqueles que matariam homens, mulheres e crianças inocentes precisam saber que os Estados Unidos estão fazendo mais do que simplesmente fortalecer nossas defesas".

Como resposta oficialmente terrorista ao ataque frustrado a um avião da Northwest Airlines sobre Detroit, um comunicado advindo de uma misteriosa divisão regional da Al Quaeda na península Árabe escreveu que "nós dizemos ao povo americano que, como vocês apoiam os líderes que matam nossas mulheres e crianças, nós vamos matar vocês e atacar sem nenhum alerta prévio. Nossa vingança está próxima". Em outra parte do comunicado ainda atingem a moralidade liberal-democrata escrevendo que “nós preparamos homens que amam morrer”. Que monstros!

Entrementes, em nossa era pós-política dominada pelo fetiche da democracia-liberal, é o terrorismo que dá suporte ao imaginário fukuyamista. Entretanto, Democracia e Terrorismo são os dois lados de uma mesma moeda que na sua inércia histórica encontra hoje a esquerda fora do lugar e, assim, derrapando e se auto-sabotando.
Atentemo-nos!

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