quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Estado de Exceção Global

Uma longa leitura entre ciência política e psicanálise lacaniana para as férias.



A história do estado de exceção não é nova. No decreto de 8 de julho de 1791 da Assembléia Constituinte francesa foi instituído um decreto chamado “estado de sítio” que possibilitava a suspensão da constituição aplicando-se, inicialmente, apenas em casos extremos em portos militares e praças-fortes. Com Napoleão, em 1811, essa suspensão podia ser declarada pelo imperador devida à situação onde uma cidade estaria sitiada ou militarmente ameaçada. Desde então, esse dispositivo explodiu em utilização se espalhando sob o ordenamento jurídico da Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e Estado Unidos em diversas situações de emergência durante os séculos XIX e XX. Portanto, é próprio da modernidade política (da tradição democrático-revolucionária) o princípio em que o poder de suspender as leis cabe ao poder em si mesmo (normalmente sendo em nome da construção de uma “normalidade” diante de perigos a segurança externa ou interna). Logo na emanação das constituições, o estado de exceção foi uma entidade jurídica constitutiva (da qual a teoria liberal nunca deu importância). Entretanto, o estado de exceção, ou de sítio, emergência, urgência ou lei marcial, não é um tipo qualquer de suspensão da lei.



Como explica Carl Schmitt (sim, um teórico da direita), ao confundir a ordem do esquema racional, o estado de exceção suspende o direito em função de um direito a autopreservação eliminando a norma. A ascensão de Hitler em 1933 teve ligação direta com esse mecanismo de suspensão. Logo no artigo 48º da Constituição de Weimar se estabelecia que “se, no Reich alemão, a segurança e a ordem pública estiverem seriamente conturbados ou ameaçados, o presidente do Reich pode tomar as medidas necessárias para o restabelecimento da segurança e da ordem pública, eventualmente com a ajuda das forças armadas. Para esse fim, ele pode suspender total ou parcialmente os direitos fundamentais...”. O que significa estar seriamente conturbando ou ameaçando a ordem pública? Conturbando e ameaçando a quem? Nos últimos anos da República de Weimar, o estado de exceção foi integral. Hitler não teria tomado o poder na Alemanha se não houvesse um regime de ditadura presidencial e a suspensão do funcionamento do Parlamento por quase três anos. Logo após subir ao poder, Hitler promulgou o Decreto para a proteção do povo e do Estado onde suspendeu a Constituição de Weimar do que dizia respeito às liberdades individuais. Como esse decreto nunca foi revogado, com o comando de Hitler, a Alemanha nazista ficou doze anos em estado de exceção (com a promessa que duraria mil anos).



Podemos entender a partir desse exemplo o estatuto paradoxal do estado de exceção: a partir dele se existe a possibilidade de que de dentro da ordem se possa suspender a ordem. Por que não fazemos um exercício intelectual e pensemos como seria a ordem pública estando conturbada ou ameaçada sob a eminência de Hitler e como a ordem pública estaria sendo conturbada e ameaçada hoje. O terrorista não tem esse papel de conturbador da ordem pública, pelo menos nos Estados Unidos e na Europa ocidental? Ou ainda, em outra perspectiva, não é pela conturbação da ordem pública que passa o caminho da transformação social radical?



Voltando a Schmitt, a importância do estado de exceção se encontra exatamente no seu estatuto de exceção. Por isso, numa linguagem quase lacaniana ele escreve que,



"A filosofia da vida concreta não pode subtrair-se à exceção e ao caso extremo, mas deve interessar-se ao máximo por ele. Para ela, a exceção pode ser mais importante do que a regra, não por causa da ironia romântica do paradoxo, mas porque deve ser encarada com toda a seriedade de uma visão mais profunda do que as generalizações das repetições medíocres. A exceção é mais interessante do que o caso normal. O normal não prova nada, a exceção prova tudo; ela não só confirma a regra, mas a própria regra só vive da exceção. Na exceção, a força da vida real rompe a crosta de uma mecânica cristalizada na repetição"



Nessa linha, para Giorgio Agamben, o estado de exceção é a lacuna fictícia nem externa e nem interna ao ordenamento jurídico que busca salvaguardar a existência da norma, “uma zona de indiferença, em que dentro e fora vão se excluem, mas que indeterminam. A suspensão da norma não significa sua abolição e a zona de anomia por ela instaurada não é (ou, pelo menos, não pretende ser) destituída de relação com a ordem jurídica”.



"A lacuna não é interna à lei, mas diz respeito à sua relação com a realidade, à possibilidade mesma de sua aplicação. É como se o direito contivesse uma fratura essencial entre o estabelecimento da norma e sua aplicação e que, em caso extremo, só pudesse ser preenchido pelo estado de exceção, ou seja, criando-se uma área onde essa aplicação é suspensa, mas onde a lei, enquanto tal, permanece em vigor"



Numa estrutura topológica, o estado de exceção está fora e ao mesmo tempo pertence à estrutura jurídica. Por isso que sob o estado de exceção a lei se torna força de lei sem lei – um espaço vazio onde o direito e as determinações jurídicas se interrompem fazendo com que a distinção entre público e privado seja desconstruída[1]. Esse espaço vazio de direito parece ser,



"Tão essencial à ordem jurídica que esta deve buscar, por todos os meios, assegurar uma relação com ele, como se, para se fundar, ela devesse manter-se necessariamente em relações com uma anomia. Por um lado, o vazio jurídico de que se trata no estado de exceção parece absolutamente impensável pelo direito; por outro lado, esse impensável se reveste, para a ordem jurídica, de uma relevância estratégica decisiva e que, de modo algum, se pode deixar escapar".



Como já notava Carl Schmitt, o paradoxo do estado de exceção é próprio do soberano – “soberano é aquele que decide sobre o Estado de exceção” (p. 87). Ele tem o poder de suspender a lei colocando-se legalmente fora da lei. Sendo externo a ordem vigente, o soberano pode (e deve) decidir se o estado normal das coisas é predominante ou não, detendo dessa forma o monopólio da decisão sobre a necessidade de um estado de exceção. É nesse sentido que Agamben frisa que a exceção é uma espécie de exclusão caracterizada por ser aquilo que não está absolutamente fora da relação com a norma, mas que mantém uma forma específica de existência desaplicando a norma. Nas palavras de Agamben, “a norma se aplica à exceção desaplicando-se, retirando-se desta. O estado de exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta da sua suspensão. Neste sentido, a exceção é verdadeiramente, segundo o étimo, capturada fora (ex-capere) e não simplesmente excluída” (Agamben, 2002, p. 25). O fetiche da democracia não apresenta esse interstício da lei que serve para legitimar a violência constitutiva do estado de exceção. Próprio da democracia, o estado de exceção surge porque é sempre já existente. Ele não é, dessa forma, um acidente, mas sim um fenômeno constituinte da modernidade política capitalista. É o pensamento liberal acerca do Estado que não permite captá-lo já que desconsidera a existência de um resto dentro da totalidade orgânica do todo. Paulo Arantes nota que essa anomalia constitutiva da modernidade política reside no fato de que a definição jurídica do estado de exceção tenha sido elaborada ao mesmo tempo em que se implantava o Estado constitucional liberal. Essa seria a raiz da miragem liberal que Schmitt reduziu a pó.



Tumultos e motins poderiam produzir desordem, mas a homogeneidade não estaria seriamente ameaçada por algum corpo social estranho. Assim sendo, o enquadramento dos recalcitrantes – individualidades possessivas isoladas – não careceria mais de medidas excepcionais, ou melhor, o estado de sítio previsto em lei seria sempre fictício porque se deixaria gerir juridicamente como a própria normalidade.



Entrementes, o estado de exceção não é a exceção que subtrai a regra e sim a suspensão da regra dando lugar à exceção que, desse modo, se constitui como regra quando necessário. A exceção é, portanto, um “paradoxal limiar de indiferença” que não pode ser definida como uma situação de fato e nem como situação de direito (assim como não pode ser definida como caos ou situação normal). Em termos a lá Alain Badiou, a exceção é um “resíduo impossível” que se caracteriza por não poder ser incluído no todo ao qual pertence e não pode pertencer ao conjunto no qual está desde sempre incluído. A pergunta que fica é: o que significa esse resíduo impossível dentro da estrutura simbólica do ordenamento jurídico? Ou ainda, por que é necessário para o Estado democrático-liberal o estado de exceção?



Primeiramente devemos tirar uma lição de Lógica do Sentido de Gilles Deleuze. Existe uma necessidade quando se constrói uma ordem simbólica: a da diferença que é estabelecida entre o lugar estrutural (vazio) e o elemento que ocupa esse lugar. O resultado dessa operação é que no nível formal do significante vazio e dos significantes que preenchem esse espaço vazio da estrutura nunca existe uma sobreposição de um ao outro. Dessa forma, sempre há uma entidade que simultaneamente encontra-se vazia perante a estrutura e em relação ao preenchimento do espaço vazio é excessiva, dessa forma não tendo lugar na estrutura. Em termos lacanianos essa é a relação entre o sujeito barrado e o objeto a, que formam dois lados de uma faixa de Moebius. Enquanto o sujeito ocupa um vazio na estrutura, o objeto a é seu excesso que sempre falta à estrutura, um resto deslizante que possibilita a mobilidade dos significantes – o objeto a é “aquele X insondável que sempre escapa a compreensão simbólica e, portanto, causa a multiplicidade de pontos de vista simbólicos”, como escreve Zizek.



Não devemos concluir que, no ordenamento jurídico, o estado de exceção tem a mesma caracterização do objeto a, aquele X vazio que sustenta seu funcionamento “normal”? O estado de exceção não é o +1 “mais que si mesmo” do ordenamento jurídico que tem como função constituir e fazer funcionar todo o sistema já que, ao se retirar, todos seus elementos se individualizariam completamente perdendo radicalmente a dinâmica do poder e seu inerente excesso? Não será por isso que, normalmente, quando se fala sobre democracia em sua divisão entre os poderes executivo (Real), legislativo (Simbólico) e judiciário (Imaginário) não se exclua o estado de exceção, esse excesso constitutivo? Nesse sentido, não é esse excesso que sustenta a fantasia da naturalização eterna do capitalismo e seu sistema normativo?



Em termos lacanianos, o estado de exceção é o objeto-causa do ordenamento político moderno. Sempre resistindo à simbolização jurídica, é esse excesso que dá a dinâmica das atividades políticas que, quando são transbordadas pela luta de classes, pode ser acessado diretamente causando um curto-circuito na tríade (executivo, legislativo e judiciário) em que é fundado o Estado constitucional fundando uma não-lei. Esse +1 tem uma funcionalidade transcendental já que possibilita suspender a normatividade e assegura o “bem agir” politicamente correto que assegura a ordem pública. Qualquer distúrbio na ordem pública se torna um artifício para que a normalidade da lei seja suspensa, principalmente em temos de crise – normalmente buscando legitimar uma guerra. Como encarar isso quando milhares de pessoas são desempregadas e jogadas no lixo social já que são supérfluas para a reprodução ampliada do capital? Como lidar com isso numa sociedade que é estruturalmente dividida e progressivamente destrutiva pela necessidade imperiosa de expansão do valor de troca, polarização de renda, concentração e centralização de capital, precarização do trabalho, desemprego estrutural? Buscando assegurar que essas condições objetivas de crise não se tornem faíscas para a mobilização política, o fetiche da representação democrática é atravessado pelo “não dito” do estado de exceção – a verdade da modernidade política. Dessa forma, a democracia é a ficção que sustenta a contingência do estado de exceção.



Se o estado de exceção não se encontra nem dentro e nem fora da lei, sua posição topológica se encontra na lacuna que excede a capacidade de simbolização democrática constantemente na interface entre dentro e fora, interior e exterior. Sua dinâmica não para já que, sendo a interface entre dentro e fora da lei, se encontra num processo de transformação constante sob a modificação de seu objeto – a representação democrática. Dessa forma, qualquer tipo de análise sobre o estado de exceção hoje não pode nem considerar a hipótese, por exemplo, de que vamos enfrentar os mesmos dilemas ocorridos na ascensão do fascismo na década de 1930 – podemos fazer apenas uma comparação de princípios que demonstrem o caráter repetitivo da história, mesmo que os mecanismos de suspensão da lei se transformem historicamente.



Com sua existência sempre atualizada, esse resto excessivo não é descartável para o ordenamento jurídico – é ele que sustenta estrategicamente o próprio ordenamento jurídico sob a possibilidade de sua suspensão radical da lei. Sem esse excesso da qual o ordenamento pode se sustentar para se reproduzir, a própria ordem é impensável. A segurança do ordenamento jurídico é, portanto, dependente estrutural do estado de exceção – não existe possibilidade de sua existência sem esse excesso constitutivo, esse resíduo impossível. Em outra terminologia, poderíamos dizer que o estado de exceção é o avesso da democracia representativa ou que o estado de exceção é o segredo fundante do ordenamento jurídico moderno. É dessa forma que se busca garantir que nenhuma mudança substancial que possibilite modificar as estruturas de poder dentro dessa mesma estrutura seja manifestada ou desenvolvida. Lembremos do caso chileno: Salvador Allende esboçava possibilidades de mudança real dentro da estrutura de poder da sociedade chilena após sua vitória via democracia[2]. Em 1973, depois do conluio com Henry Kessinger, aviões militares bombardearam o palácio de La Moneda[3]. A resposta da elite foi, portanto, à construção, depois de assassinar o presidente, de um estado de exceção que durou por mais de quinze anos. Durante o período Pinochet, o Chile foi um laboratório para os experimentos neoliberais onde o dito liberal que liberdade econômica trás liberdade política se fez mais certo: para sustentar seus experimentos de liberalização radical da economia a violência do Estado autoritário não era um capricho, mas uma necessidade.



Sobre as profundezas da força da lei, Jacques Derrida apontou que no pensamento de Pascal e Montaigne existe o que poderia ser chamado de fundamento místico da autoridade: um silêncio murado na estrutura violenta do ato fundador. Uma forma de pecado original que sustenta a autoridade das leis (que repousa no crédito que lhes concedemos). Esse ato de fé não tem caráter ontológico e nem racional, mas sim da própria exigência da crença na justiça para legitimar seu recurso a força – “a necessidade da força está pois implicada no justo da justiça” (2007, p. 19). A autoridade, dessa forma, depende de sua “força performativa” que dá significação para a força como sustentáculo de um poder legítimo. Ela dá a dinâmica da relação entre forma e força que sustenta a legitimação do ordenamento jurídico. Sob essa dinâmica é que se crê que a justiça é feita sob suas leis específicas – “as leis não são justas como leis. Não obedecemos a elas porque são justas, mas porque tem autoridade. A palavra ‘crédito’ porta toda a carga de proposição e justifica a alusão ao caráter ‘místico’ da autoridade” (idem, p. 21). O crédito dado a lei é a sua legitimação na aplicação pela força. É sua força performativa que articula sua violência constitutiva para “fazer a lei”.



"O próprio surgimento da justiça e do direito, o momento instituidor, fundador e justificante do direito, implica uma força performativa, isto é, sempre um força interpretadora e um apelo à crença: desta vez, não no sentido de que o direito estaria a serviço da força, instrumento dócil, servil e portanto exterior do poder dominante, mas no sentido de que ele manteria, com aquilo que chamamos de força, poder ou violência, uma relação mais interna e complexa. A justiça – no sentido do direito – não estaria simplesmente a serviço de uma força ou de um poder social, por exemplo econômico, político, ideológico, que existiria fora dela ou antes dela, e ao qual ela deveria se submeter ou se ajustar, segundo a utilidade. Se momento de fundação ou mesmo de instituição jamais é, aliás, um momento inscrito no tecido homogêneo de uma história, por ele o rasga por uma decisão. Ora, a operação de fundar, inaugurar, justificar o direito, fazer a lei, consistiria num golpe de força, numa violência performativa e portanto interpretativa que, nela mesma, não é nem justa nem injusta, e que nenhuma justiça, nenhum direito prévio e anteriormente fundador, nenhuma fundação pré-existente, por definição, poder nem garantir nem contradizer ou invalidar".



Como já frisei anteriormente, agora em termos derridadianos, o estado de exceção é esse momento que jamais é inscrito no tecido homogêneo de uma história. O segredo fundante do ordenamento jurídico que pelo seu poder performático, personificado no soberano, possibilita suspender a lei quando esse fundamento místico da lei se deteriora.



O estado de exceção é o “primeiro instante” – assim como Pascal dizia que a justiça sem força é impotente, o ordenamento jurídico sem o estado de exceção é igualmente impotente para se reproduzir diante dos desafios históricos enfrentados na busca por transformação radical do ordenamento econômico-social. Para manter assegurada a “força performativa” da lei é necessário esse excesso: todos sabem que existem limites e saber da existência desses limites é onde se assenta a legitimação da ordem. Quando se perde esse “fundamento místico” da autoridade, isso é a violência constitutiva do estado de exceção que possibilita suspender a lei, se “rasga por uma decisão” a ideologia jurídica. A abertura do estado de exceção demonstra a necessidade de separação da norma e sua aplicação (sendo essencialmente um espaço vazio, o estado de exceção suspende a aplicação do próprio direito)[4]. Vemos, dessa forma, o caráter excessivo que é constitutivo para a reprodução do poder da lei.



Badiou enfatiza que a representação do Estado em relação à sociedade, por exemplo, sempre envolve um excesso. Dessa forma, a idealização liberal da transparência do Estado não passa de um sonho já que a própria lógica do Estado é de intervenção excessiva sobre aquilo que representa. Slavoj Zizek ainda acrescenta que não existe apenas o excesso do Estado em relação à multidão que ele representa, mas também existe um excesso do próprio Estado em relação a si mesmo. Para seu funcionamento “normal” o Estado excede a si mesmo, mesmo que esse imperativo deva permanecer ignorado – o fetiche da democracia é que o processo democrático pode controlar esse excesso. Dessa forma, resumidamente, o estado de exceção é o excesso político constitutivo necessário para que se torne possível reproduzir a estrutura capitalista de poder democrático historicamente – é a representação por excelência da política moderna. A pergunta que fica é: quando o estado de exceção é um imperativo?



O estado de exceção é um imperativo necessário para assegurar as relações de poder existentes quando existe uma “crise performática” da autoridade ou o que Eric Santner chamou de “crise de investidura”. Seguindo Santner, essa “crise de investidura” consiste numa perda generalizada da eficácia simbólica por parte da autoridade (que se constitui por reprodução dos mitos). Em outras palavras, o estado de exceção é uma resposta aos impasses e conflitos que dizem respeito às mudanças na matriz fundamental da relação do indivíduo com a autoridade social e institucional, aos modos como a ele se dirigem e como ele responde aos chamamentos do poder e da autoridade “oficiais”. Esses chamamentos são processos de investidura simbólica pelo qual o indivíduo passa a ter um novo status social que modifica sua identidade perante a comunidade – nesses processos os indivíduos “se tornam quem são”. Como a estabilidade política e social (assim como a “saúde” psicológica dos indivíduos) se relaciona com a eficácia das operações simbólicas, uma “crise de investidura” tem o potencial de criar sentimentos de extrema alienação, anomia e angústias associadas ao colapso do espaço social e dos ritos da instituição no núcleo mais íntimo do sujeito (Santner, 1997). Essa crise tem conseqüências de ordem “psicotizante” devida à incapacidade de o sujeito ser exigido pelo Outro[5]. Os efeitos da recusa da dívida simbólica são mostrados, portanto, em tempos-limite em que, em termos psicanalíticos, significa que sob a falha no ideal de eu do progresso se tem como resposta a agressividade normatizada. Em outras palavras, em tempos-limite a potencialidade do estado de exceção é um imperativo.[6]Pela desintegração dos laços sociais (desconsideração radical com a experiência do outro, enfraquecimento da comunidade, perda da representação social), as dívidas simbólicas do sujeito se tornam mais difíceis de serem pagas. Dessas falhas nos processos de inserção simbólica do sujeito (anomia) é que emerge a aceitação social dos mecanismos de exceção que são instaurados progressivamente na vida política. Para Vladimir Safatle, a disposição do sujeito para estabilizar e integrar nessa situação de anomia é efeituado pelo cinismo. Como se o cinismo fosse capaz de transformar o “sofrimento de indeterminação” normativa em motivo de gozo. Alain Badiou chama essa quebra da intervenção do Significante-Mestre numa confusa multiplicidade da realidade sem-sentido de mundo “atonal”[7]. A pergunta que fica é: quando um discurso hegemônico paranóico se apropria dessa desintegração/desagregação que se insere como elemento normal do próprio ordenamento democrático sob as transformações na forma de racionalização sobre esse mesmo processo, onde estamos exatamente? Poderíamos notar, com Santner, que as perturbadoras manifestações paranóicas nos Estados Unidos pós-11 de setembro fazem parte de uma cristalização de uma cultura que não está muito longe de algum tipo de fascismo onde o medo se espalha e o pânico floresce. A questão do antraz é altamente sintomática.



Como atenta Susan Willis, logo após o 11 de setembro, quando a nação estadunidense ainda se recuperava dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, os meios de comunicação, aparentemente insatisfeitos com a catástrofe ocorrida, espalharam o medo de que terroristas, tendo fechado o tráfego aéreo e a Bolsa de Valores iriam continuar sua empreitada usando armas químicas e biológicas. Os temores se concretizaram com as correspondências com antraz, cinco verdadeiras e outras milhares fraudentas. A histeria se espalhou pelo país desde as áreas afastadas da zona rural até as grandes metrópoles – lugares que, até então, eram considerados de baixo risco como alvos terroristas em potencial. Agências de correio das faculdades mandaram para quarentena pacotes de biscoitos caseiros que recebiam; milhares de correspondências foram lacradas e armazenadas para testes futuros; diversos vôos comerciais foram redirecionados e forçados a pousar quando qualquer tipo de pó branco (na maioria das vezes, adoçante) era encontrado nas bandejas.



"Substâncias triviais da vida cotidiana – pó para pudim de baunilha, açúcar, farinha, talco – conseguiram fechar escolas e fábricas, reter correspondências e emperrar o ritmo usual dos negócios. O país entrou em pânico. O pó branco aparecia e todo tudo. Os cidadãos tinham medo de receber e, sobretudo, de abrir suas correspondências. Órgãos governamentais, o serviço postal e os centros para controle de doenças demoraram em emitir recomendações preventivas. E quando a recomendação era feita, intensificava a preocupação pública. Ordenaram que procurássemos envelopes suspeitos: cartas sem remetente, combinações estranhas de selos, volumes injustificados, embrulhos inusitados e, sobretudo, o pó branco. Fomos avisados para lacrar a carta suspeita num saco plástico, bem como nossas roupas, e tomarmos banho imediatamente. Acompanhando o aviso, vieram centenas de outros trotes e alarmes falsos. As pessoas começaram a encomendar e estocar Cipro, o antibiótico então recomendado. Algumas pessoas, que nunca haviam sido expostas, começaram a tomar o remédio antecipadamente, apesar da advertência médica de que a droga produziria efeitos colaterais indesejados"



A busca pela sensação de segurança é patente no mapa imaginário da proximidade do “terror”. Não é toa que essa histeria se espalhou rapidamente. Somente em Londres, no fim da terceira semana de outubro de 2001, os aliados ingleses já haviam recebido mais de quinhentas ameaças de contaminação por antraz. Não seria por isso que poderia se reconhecer no antraz o retorno do reprimido (idem, p. 37)?

Nesse sentido, é tão estranho que, logo após os ataques de 11 de setembro, a aprovação presidencial de Bush tenha ficado em torno de 90%? Não seria esse um exemplo de como uma violência horrorosa nos impede de pensar de forma séria sobre essa mesma violência? Não foi essa falta de reflexão que possibilitou a calamitosa resposta da esquerda norte-americana logo após os ataques entre as posições “essa violência é inadmissível e deve ter uma resposta clara”, “os ataques foram horrorosos, mas o que isso significa enquanto o desastre constante nos países pobres mata milhões?” ou ainda “foi um ataque aos valores democráticos ocidentais e precisa de troco”. Essa política da paranóia não se dá em períodos de crise que se abrem sob a forma de uma deslegitimação generalizada das formas de obrigação política e de repasse de autoridade? Além disso, essa forma cínica em que se sustenta a retórica das democracias-liberais não é exatamente o que sustenta a prática democrática de invasão ao Iraque, por exemplo? Não é pela forma democrática que os Estados Unidos se tornam a polícia mundial?



Diante desse panorama, podemos dizer que o estado de exceção tem uma funcionalidade específica dentro do campo moderno da política: assegurar que nenhuma mudança radical na relação entre lei e violência ultrapasse os limites da própria lei – exatamente em nome da lei que ela é suspensa articulando um tipo de relação com a violência baseada na não-lei. A regra do estado de exceção está no subsolo da gramática política moderna – ela é conveniente a estrutura ficcional do ordenamento jurídico. É por isso que a tarefa revolucionária é simbolizar o estado de exceção, nomear esse inaudito que assegura o antagonismo Real.



Se sob o estado de exceção se busca assegurar a impossibilidade de uma possível suspensão ainda mais radical e qualitativamente diferente seja construída, ele é, portanto, o assegurador último que o Ato revolucionário falhe – é por isso que num estado de exceção a direita silencia a esquerda a força. O estado de exceção é o elemento não-castrado do ordenamento jurídico que mostra a ligação material constitutiva entre capital e estado[8]. Por isso, o estado de exceção persiste a finitude democrática que, principalmente em tempos de crise, perde a capacidade de se sustentar econômica e politicamente. O lembrete de Walter Benjamin sobre a necessidade de criação de um verdadeiro estado de emergência revolucionário remete a suspender esse excesso não-castrado que é constitutivo da estrutura da lei[9].



A opção colocada por Rosa Luxemburgo e Lênin no início do século XX, entre voltar às armas contra as forças de opressão de classe ou lutar contra outros proletários de países diferentes em nome da “pátria”, se mostra como uma situação limite para a criação de um estado de exceção. Hoje o que mistifica essa situação é a concepção de “guerra de civilizações” criada por Samuel Huntington – que Edward Said chamou acertadamente de choque de ignorâncias. Ele traduz os conflitos políticos e econômicos dentro da totalidade do globo em conflitos culturais que são caracterizados em tipos ideais, em identidades culturais fechadas e lacradas em si mesmo. Nessa categorização conservadora a democracia recebe o mesmo significado que a “liberdade” que é exercida no ocidente. No outro lado o fundamentalismo islâmico é ligado a seres retrógados que estão indo contra a ordem natural do progresso humano e, dessa forma, são os obstáculos contra a globalização capitalista. Aqui Huntington não se distancia de Francis Fukuyama, o teórico do fim da história, para quem após o declínio da URSS a fórmula da democracia liberal é insuperável e só é possível fazer progressos dentro desse campo[10]. Como escreve Zizek, ambos concordam que o Islã fundamentalista é hoje a maior ameaça. É possível, então, que suas visões não sejam opostas, e que a verdade seja encontrada quando lemos os dois em conjunto: o “choque de civilizações” é o “fim da história”. Conflitos étnico-religiosos pseudonaturalizados são a forma de luta que se ajusta ao capitalismo global: nessa era da “pós-política”, em que a política propriamente dita é substituída pela administração social especializada, a única fonte legítima de conflito que resta é a tensão cultural (étnica e religiosa)[11].



Muitos esquerdistas aceitam implicitamente o fim da história da democracia-liberal como limite ontológico da história. Isso se sustenta pela tradução simultânea de conflitos da economia política mundial hoje em choques culturais e religiosos. Esse desaparecimento das opções políticas autênticas se dá sob uma ascensão de plataformas pós-políticas que reduzem o antagonismo que corta verticalmente a sociedade numa multiplicidade de agentes pastiches e lutas desconexas, fragmentadas e incoerentes. Por isso é possível enfatizar que o modo predominante da política hoje é pós-político onde se clama deixar para trás as velhas lutas ideológicas do passado se focando numa técnica administrativa especializada que lide melhor com as questões culturais e de identidade. O objetivo dessa pós-política é a regulação da seguridade da vida humana. Isso quer dizer que diante da despolitização social, o único modo de inserir paixão nesse campo, para mobilizar atividades sociais, é pelo medo (medo de imigrantes, medo da intolerância, medo da catástrofe ecológica, medo da depravação sexual, medo do estado excessivo), o constituinte básico da subjetividade contemporânea. Hoje, portanto, vivemos numa política do medo que se baseia na defesa de uma potencial vitimização (Zizek, 2008, p. 40). Talvez essa seja a melhor forma de assinar em baixo o dito de Margareth Thatcher de que “não há alternativa” sob uma aceitação tácita da hegemonia do capitalismo global. Não é exatamente isso que os partidos da “terceira via” fazem? Essa posição defensiva da esquerda tem como resultado a impossibilidade de articular políticas emancipatórias de acordo com a atualidade histórica posta. E sob essa renuncia ao universal, diria Badiou, é o horror universal triunfa.



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[1] Essa distinção entre público e privado não está sendo radicalmente desconstruída hoje também? Quando assistimos canais como E!, costuma-se lamentar que os detalhes mais íntimos dos sujeitos são expostos publicamente e que, conseqüentemente, a vida privada está em via de extinção. Entretanto, como aponta Zizek (2008, p. 497), a exibição pública dos detalhes íntimos extingue a própria vida pública já que a esfera pública, onde atua o agente simbólico, acaba sendo um amontuado de propriedades, desejos, traumas, indissiocrasias íntimas... O resultado é que todas as grandes questões públicas são (re)traduzidas em questões acerca da regulamentação das indissiocrasias íntimas “pessoais” e a postura diante delas. “É também por isso que, num nível mais geral, os conflitos étnico-religiosos pseudonaturalizados são a forma de luta que combina com o capitalismo global: em nossa época “pós-política”, em que a política propriamente dita é substituída cada vez mais pela administração social especializada, as únicas fontes legítimas de conflito que restam são as tensões culturais (religiosas) ou naturais (étnicas)”.

[2] Não é exatamente isso que está em curso na Bolívia e na Venezuela? Países que nunca tiveram nenhuma repercussão internacional, por elegerem democraticamente presidentes sob demandas sociais, obtiveram uma ascensão na mídia internacional buscando trazer suas debilidades e suas recaídas (naturais da esquerda) para um totalitarismo. Essa situação que beira o ridículo foi bem mostrada por um professor liberal que tive o desprazer de ter aula que, logo após a nacionalização do gás na Bolívia clamou prontamente por uma intervenção militar que se “aqueles índios” se colocassem no seu devido lugar (?). Sobre a questão na Venezuela, um documentário interessantíssimo sobre a tentativa de tirar do poder Hugo Chavez é “a revolução não será televisionada” onde se mostra a tentativa de golpe militar apoiado pelos Estados Unidos, pela mídia oficial e pela direita venezuelana. Se quisermos nos atentar para a história do estado de exceção imposto para se manter a ordem é só olhar mais de perto a história da América Latina.

[3] Será que ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz por isso?

[4] No capital global a constituição de um Estado abertamente autoritário mantém uma ambigüidade: ao mesmo tempo em que defende a reprodução da ordem também pode romper com as formas de dominação estrutural da qual a democracia responde tão bem fazendo com que as forças sociais antagônicas encontrem-se diretamente no campo político e social.

[5] A falência da metáfora do Nome-do-Pai (o Significante-Mestre) tem duas conseqüências: as normas proibitivas simbólicas são cada vez mais substituídas por ideais imaginários (de sucesso social, beleza corporal...) e, pela ausência das proibições simbólicas são reforçadas as figuras do supereu – a lógica do capital não se assemelha ao supereu sancionando os deveres sociais no sujeito de forma a interiorizar as necessidades simbólicas sem fim? E a questão da virtualização da vida cotidiana não se coloca nesse processo como uma hiperidentificação primária do sujeito com as idealizações pré-corporais causando, dessa forma, uma crescente incidência de decepções e estranhamentos?

[6] Zizek chama de Isso-Mal a violência excessiva característica da vida contemporânea, a crueldade cujas imagens vão das matanças racistas/religiosas as explosões de violência “sem sentido” de adolescentes e sem-teto nas grandes megalópoles que não são fundadas em nenhuma razão utilitária ou ideológica. O Isso-Mal é motivado pelo desequilíbrio da relação entre Ego e jouissance, pelo curto-circuito entre o sujeito com o objeto-causa primordialmente faltante de seu desejo expondo um ódio cru a Alteridade (2008, p. 396). Essa violência que resiste a simbolização não mostra exatamente a redutibilidade do Significante-Mestre a outros significantes ordinários perdendo, dessa forma, sua eficácia simbólica? A lição lacaniana aqui não seria, para ódio mortal dos esquerdistas pós-modernos, que a multiplicidade é resultado da inconsistência do Um que não coincide consigo mesmo sendo um múltiplo de nada?

[7] Esse fato histórico do alheamento em relação ao outro faz parte sociedade brasileira. Se esse alheamento consiste numa atitude de distanciamento pela desclassificação do outro como sujeito moral onde não se enxerga o outro como um agente criador potencial de normas éticas, esse é dos grandes sustentáculos do processo de crescente violência banal (juntamente com o processo de democratização). Nesse estado de alheamento a consciência da qualidade de atos violentos desaparece já que o objeto da violência é insignificante sendo completamente reduzido em sua alteridade. Esse modelo de subjetivação, como diria Hannah Arendt, faz os homens aprenderem que são supérfluos através de um modo de vida em que o castigo nada tem a ver com o crime, que o trabalho é realizado sem proveito e, finalmente, em que a insensatez é diariamente renovada (Arendt, 1979, p. 221). Como enfatiza Jurandir Freire Costa, esse modo de subjetivação despolitiza radicalmente o mundo, reduzindo todo mal-estar cultural a questões de competência ou incompetência individual para viver. Paradoxalmente, com uma parafernália criada para curar espíritos amedrontados pela perda da juventude, pelo enfarte, pela Aids ou pelo terror do fracasso sexual e amoroso não consegue trazer o mínimo de serenidade necessária ao sentimento de satisfação individual. Pelo contrário, o ideal da “boa vida” burguesa paralisa os indivíduos num estado de ansiedade permanente, responsável, em grande parte, pela incapacidade que tem de olhar para outra coisa que não a si mesmos.

[8] E nesse sentido nele está contida historicamente a Verdade de todo o processo de representação política do antagonismo estrutural entre capital e trabalho. Considerando que para o marxismo não existe metalinguagem entre a economia e a política, o estado de exceção é a prova da singularidade da modernidade e sua capacidade de suspender a ordem em nome da reprodução da ordem.

[9] O Ato é puramente negativo, diferentemente da positividade de determinado Significante-Mestre que “harmoniza” o espaço social – o Ato não é baseado na obscenidade do supereu diria Zizek. Quando a esquerda vai ter a coragem necessária para abandonar a democracia como Significante-Mestre das lutas emancipatórias? A política do Real é feita em nome de seu antagonismo irredutível fundante da própria experiência política – hoje a resistência ao capitalismo da esquerda pós-moderna reduz o antagonismo que corta verticalmente o global em multiplicidades que reproduzem esse antagonismo historicamente sob o peso dos deslocamentos espaciais e a intensificação desse mesmo antagonismo. O próximo livro de Toni Negri e Michael Hardt, os grandes teóricos do capitalismo pós-capitalista das multidões deveria se chamar “em busca da multidão perdida”... A esquerda pós-moderna claramente não precisa ser silenciada já que aceita as coordenadas da luta pela democracia como limite de demanda e atuação.

[10] Francis Fukuyama é o teórico do TINA (“There is no alternative”) que foi elaborada por Margareth Thatcher e assinado em baixo por Ronald Reagan e Michael Gorbatchov. O que é sintomático na esquerda de hoje foi apontado por Zizek: muitos esquerdistas até tiram sarro de Fukuyama e suas alucinações pseudo-hegelianas sobre o fim da história, mas em sua prática são “fukuyamistas” já que o horizonte possível da condição humana é o capitalismo global e não existe além dele – se pode lutar, no máximo, por um capitalismo mais humano sem seus excessos. Claro que os limites de uma esquerda que tenha como pressuposto a própria limitação não está muito longe da completa esterilidade ou de jogar o jogo de que os problemas verdadeiros a serem lutados são de ordem da identidade, do gênero, etc. A conseqüência é que essa esquerda aceita acriticamente a tradução da luta política em tensões culturais – a forma pós-política por excelência de que hoje a esquerda não resolva seus fardos históricos!

[11] Poderíamos dizer que na dupla Samuel Huntington e Francis Fukuyama falta um terceiro elemento: Jeremy Rifkin. Para ele, as bases da vida moderna estão começando a se desintegrar. Por isso, as batalhas ideológicas, as revoluções e a guerra estão esmorecendo lentamente na aurora de uma nova constelação de realidades econômicas que estariam nos levando a repensar os tipos de vínculos e limites que irão definir as relações humanas no século XXI. Os verdadeiros itens de valor de troca (sua força propulsora) passam a ser conceitos, idéias e imagens. Nessa realidade os mercados cedem lugar às redes e a propriedade é substituída rapidamente pelo acesso. A propriedade, mesmo continuando existindo, seria bem menos trocada em mercados. Para Rifkin, essa transformação da propriedade em acesso faz parte de um processo de transformação na natureza do sistema capitalista. Estamos passando da produção industrial para a produção cultural: “um comércio de ponta no futuro envolverá o marketing de um vasto arranjo de experiências culturais em vez de apenas tradicionais bens e serviços industriais. A viagem e turismo global, parques e cidades temáticos, centros de entretenimento, bem-estar, moda e culinária, esportes e jogos profissionais, música, filme, televisão e os mundos virtuais do cyberespaço e o entretenimento mediado eletronicamente de todo tipo estão se tornando rapidamente o centro de um novo hipercapitalismo que comercializa o acesso a experiências culturais” (2001, p. 6). Para quem é a era do acesso? Aonde nesse processo o capitalismo transformou sua natureza é uma pergunta que deve ser feita já que é exatamente o capitalismo que possibilita essa explosão onde economia e cultura não se diferenciam mais. Portanto, a visão de Rifkin não é a utopia liberal que liberta o capitalista da propriedade? Para Rifkin, o produto cultural representa o estágio final do estilo de vida capitalista. Aqui Rifkin deve ser entendido numa tríade com Fukuyama e Huntington: o choque de civilizações é o fim da história já que o capitalismo na era do acesso faz com que a produção cultural seja o estágio final da civilização humana. Nada mais de política. Ao invés disso, o traço definidor do comércio da era do acesso é medido pela idéia de que o que é meu é seu e o que é seu é meu. A forma de competição capitalista, portanto, se transformou qualitativamente sem nenhuma ruptura deixando para trás o processo de centralização e concentração de capital numa harmônica competitividade. É como o Império de Toni Negri e Michael Hardt. De qualquer forma, além de suas debilidades (principalmente na segunda parte de seu livro onde atesta embaixo a doxa pós-moderna), Rifkin nos trás uma importante reflexão: no estágio do “capitalismo cultural” a imagem não representa um produto. É o produto que representa a imagem. Se compra determinado produto pela representação da imagem de um estilo de vida. Essa mercadificação da experiência mostra uma característica fundamental do capitalismo hoje: compramos cada vez menos produtos e objetos materiais e cada vez mais experiências de vida – sexo, alimentação, consumo cultural, participação num estilo de vida, etc. Os objetos materiais só servem de suporte para a experiência. Como nota Zizek, aqui a lógica da troca de mercado é levada a uma espécie de identidade hegeliana auto-referente: não compramos mais objetos, compramos na verdade (o tempo de) nossa própria vida. A noção de Michel Foucault de transformação do Eu numa obra de arte encontra então uma inesperada confirmação: compro meu preparo físico indo a academias de ginástica; compro minha iluminação espiritual ao me matricular em cursos de meditação transcendental; compro minha persona pública indo a restaurantes freqüentados por pessoas às quais desejo ser associado (2005, p. 314). Essa lógica não quebra com a economia de mercado capitalista, mas leva sua lógica a um clímax conseqüente. Não transforma a natureza do capitalismo, mas aprofunda os antagonismos que sustentam sua natureza. A luta pelo acesso, portanto, é que determina a posição hierárquica das empresas transnacionais, é a luta intercapitalista do século XXI.

13 comentários:

Anônimo disse...

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