Continuemos nossa recuperação filosófica do amor. Numa era marcada pelo medo como afeto central de nossas sociedades contemporâneas em conjunto com as demandas por segurança como motor da ação política, em que pé estão as relações intersubjetivas amorosas? O que será do amor nesta época de transformação da relação entre sexos?
Para Alain Badiou o amor é a invenção da verdade acerca da diferença, da diferença absoluta entre a posição masculina e feminina. Como disse certas vezes Lacan, a relação sexual não existe. Existe uma ilusão acerca da pura liberdade sexual: a ilusão de que podemos encontrar por ali uma experiência de conexão com o outro. Aí se compromete com a repetição e não com a criação. Entretanto, o que é verdade acerca da diferença? É a experiência da diferença mediante a construção de um novo ponto de vista sobre o mundo. É uma nova experiência do mundo do ponto de vista do Dois. O começo de qualquer experiência coletiva é a experiência do Dois. A amizade também detém a experiência do Dois, mas é uma experiência muito mais débil que o amor. Na bela síntese de Badiou, “a amizade é um amor calmo; o amor uma amizade excessiva”. Entrementes a amizade também é uma dimensão do amor. Sua distinção encontra-se não na intensidade ou nos afetos e sim no projeto. De qualquer forma são mais tensões que diferenças qualitativas que se encontram entre amor e amizade.
Em suma o amor é corajosa aventura, mas que precisa ser obstinada. Como escreve Badiou “abandonar a empreitada ao primeiro obstáculo, à primeira divergência séria ou aos primeiros problemas é desfiguração do amor. Amor verdadeiro é o que triunfa duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem”. Badiou lembra como a sociabilidade contemporânea parece fascinada pelo "amor seguro contra todos os riscos". Busca se medir a relação a partir de custos e benefícios, algo como "um arranjo prévio que evita todo acaso, todo encontro e finalmente toda poesia existencial, isto em nome da ausência de risco". É o amor descafeínado típico de nossa era pós-política.
O amor é uma construção de verdade. O sentido do amor é uma experimentação radical da diferença e sua construção singular. No amor se trata de saber “o que é ser dois?”, enfrentar a questão sobre como se vê o mundo sendo dois. Tudo começa com um encontro. Depois vem o compromisso, a construção de algo novo que se poderá descobrir algo de verdade, algo sobre a própria construção. Para isso é necessário tempo. Diante dessa empreitada, renunciar é mais fácil. O imperativo é continuar sem renunciar, manter a confiança diante dos obstáculos, fracassos e impossibilidades. A fidelidade vem depois da confiança.
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