quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os marxistas e a crise: temos soluções políticas a vista?

Concordo plenamente com José Paulo Netto quando diz que o défict da esquerda hoje não é essencialmente teórico, mas sim organizativo. Naturalmente isso não exclui minha posição, que já escrevi anteriormente, que nosso desafio também é teórico diante da falta de "mapeamento cognitivo" do capitalismo contemporaneo. Esse é o passo atrás que precisamos lidar hoje para simbolizar diferentes experiencias históricas como a URSS e o PT, por exemplo. Sem teoria não haverá solução para os dilemas que nos encontramos hoje.

Em excelente tema que demonstra isso é, acredito eu, a crise do capital. A quantidade de marxistas que debatem a atual crise é enorme: François Chesnais, Robin Blackburn, Peter Gowan, Anselm Jappe, David Harvey, Costas Lapavitsas, David McNally, John Bellamy Foster, Fred Magdoff, Paul Sweezy, Paul Baran, Eric Olin Wright, Michael Aglietta, Alain Lipietz, Robert Brenner, Michael Husson, Alain Birh, Leo Panitch, Andrew Kliman, Ansar Shaikh, Alex Callinicos, Joseph Choonara, Robert Boyer, Robert Kurz, Graham Turner, Giovanni Arrighi, Immanuel Wallerstein, Ernest Mandel, István Mészáros, etc. As interpretações não são homogêneas e, paradoxalmente, têm sido feitas muitas vezes num isolamento estéril de uma em relação à outra. Alguns interpretam a atual crise como transição hegemônica dos Estados Unidos, outros como fortalecimento dessa mesma hegemonia pela expansão das finanças globais, outros a entendem como autonomização do sistema financeiro internacional, outros como crise de superprodução e superacumulação de capital, outros como crise de subconsumo, outros como crise de crédito, outros como crise do Estado-nação, outros como crise de regulação, outros como crise de civilização, ecológica, do emprego, etc.

De qualquer forma, uma coisa é certa: diante da atual crise, praticamente todos os marxistas foram forçados a reconhecer a importância e a amplitude da dimensão financeira no capitalismo contemporâneo. Existem, entretanto, duas linhas gerais dessa apreensão. Por um lado, alguns enfatizam a lógica interna da financeirização e tendem a dividir mecanicamente a economia “real” e a economia “financeira” como esferas autônomas e sem uma profunda conexão. Tudo se passa como se o capital fictício de que falava Marx fosse algo irreal e que não determinasse profundamente a economia “real”. Por outro lado, outros reconhecem a importância da dimensão financeira enfatizando que foram os problemas na economia “real” que fizeram brotar a necessidade da expansão financeira sendo ela, portanto, uma manifestação de uma crise mais grave e profunda – normalmente de superprodução e superacumulação de capital. Naturalmente, essas duas concepções não são antagônicas já que a primeira é profundamente idealista ao desconsiderar o impacto real que as finanças tem sobre a economia produtiva e a segunda materialista vulgar ao enfatizar uma relação de causa e efeito mecânica entre a dimensão produtiva e financeira. Como salientou acertadamente David Harvey, existem mais relações dialéticas entre o lado “real” e o “financeiro” da economia capitalista globalizada. Afinal, a expansão financeira foi levada a cabo pelas corporações tradicionais baseadas na economia “real” que tornou necessária a dimensão financeira para sua própria saúde econômica. O sistema do capital global tem como uma de suas características centrais uma relação de reciprocidade dialética entre a dimensão “real” e “financeira”. São os dois lados de uma mesma moeda da qual uma dimensão é irredutível a outra por mais que, as finanças por si só, não criam novo valor. A financeirização cria a ilusão de uma lucrativa e dinâmica economia já que, como Marx assentou, o capital fictício circula de acordo com suas próprias leis, diferentemente daquelas que motivam a economia “real”. Se o foco de análise for restrita a financeirização, é impossível explicar minimamente porque a crise afeta diretamente a dimensão produtiva da economia além de mascarar as interconexões com o problema de superprodução e superacumulação de capital. Para Marx, a auto-expansão do capital aparece como início e fim do processo de valorização. Assim, a perda do dinamismo das economias capitalistas avançadas advém de uma queda na lucratividade causada, primariamente, pela tendência crônica de superprodução no mundo no setor manufatureiro desde o início da década de 1970. A crise estrutural do capital que, desde 1970 vem se aprofundando, é um declínio permanente e gradual de longo prazo.

Nesse panorama o horizonte da ação política é modifica drasticamente em relação ao período de ascensão do capital. Hoje, num período pós-político, a dimensão da transformação social ampla e abrangente sob a necessidade de uma ruptura histórica é deixada de lado. Tudo se passa como se o que existe está aí para ficar e só podemos melhorar um pouco e com a devida calma das leis do Estado. É como se estivéssemos aturdidos com o estado de exceção permanente que estamos vivenciando e, assim, qualquer construção de uma alternativa estivesse fadada ao fracasso. Sem dúvida muitas das experiências passadas da esquerda estão esgotadas ou ruíram, mas isso não exclui a necessidade de tirarmos lições drásticas e radicais dessas experiências.
Em síntese diria que estamos num período em que o velho esta morrendo aceleradamente (numa mutação sem precedentes) em conjunto com as dificuldades das dores do parto do novo que, aparentemente, não esta tendo fôlego para lidar com o desafios históricos contemporâneos. Reinventar o Novo é o desafio, reinventar as coordenadas básicas de um projeto viável que vise a proliferação daquilo que Marx chamava de “consciência comunista em massa”.

Aqui a pergunta: que fazer hoje?

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