sexta-feira, 28 de maio de 2010

Carta de Longe

Hipótese existencial da figura militante: marxismo sem militância é oco e militância sem marxismo é vazio. Mas de que marxismo estamos falando? Aparentemente duas tendências se abrem: uma vertente que se refere a Marx como um nômade do pensamento histórico e o reduzem a uma “totalidade” completamente fragmentada, desfigurada e, em última análise, extremamente reducionista em relação a revolução que Marx configurou na história do pensamento inumano do século XIX. Emergem coisas como “Marx é, no final de contas, um filósofo importante para entender a sociedade capitalista, mas fica por aí sua contribuição que já a prática marxista teria se mostrado historicamente (?) um grande fracasso (leia-se o inconsciente do STALINISMO)”. Bem, quem cala consente: não é a toa que essa vertente do marxismo seja muito ligada ao que se costumou chamar de “filósofos da pós-modernidade” numa geléia ideológica pós-ideológica, pós-industrial, pós-trabalho, pós-capitalismo, pós-Estado, pós-sentido e, conseqüentemente pós-político - que se comprova por sua práxis auto-repressora. Essa seria uma espécie de militância sem marxismo originária da academia hoje.


A outra vertente do marxismo vou chamar de “ortodoxa”: numa perversa qualidade de “comissário” da verdade de Marx, Lênin e Trotsky procura trazer a tona as contradições do capitalismo pela teoria para solucioná-la também pela teoria: é um marxismo sem militância. Estranhamente essa última tendência também assola os partidos burocráticos e coletivos verticais típicos se uma seqüência política que já se esgotou. Aparentemente tão discordantes, ambas correntes têm algo em comum: excluir de seu “conhecimento marxista” um projeto de emancipação social no século XXI construído pela militância. Os primeiros não se importam com isso porque as coisas estão aí para ficar e, além disso, como “o político” não tem relevância não se criam espaços de militância politizadora do tecido social em jogo. Na realidade não há nada em jogo, apenas as “saídas fáceis” como multiculturalismo ou pós-colonialismo para-pós-moderno (desse último fazem parte aqueles que preferem manter um distanciamento ATÉ MESMO do pós-modernismo: é uma nova safra de “parasitas filosóficos”). Os segundos ainda vivem no século XX. Acreditam na revolução (por mais que não saiba o que seja ela) e defendem a autonomia da classe trabalhadora organizada para combater a burguesia exploradora. Bem, penso que esse marxismo já não é válido historicamente. Além de se cair facilmente no fetiche do partido ou da classe trabalhadora não sabem “quem é a classe trabalhadora hoje” e suas formas de organização. Quem levar a “consciência revolucionária” aos sindicatos, partidos, etc. Sua explicação sobre o mundo passa normalmente pela questão da “traição” de alguém que não era revolucionário (e marxista) o suficiente para levar a revolução até as últimas conseqüências. Fazem parte da tradição do “marxismo stalinista” que veio ao Brasil nos anos 20 e que passou por uma reformulação nos anos 50 e 60 – por mais que muitos sejam paradoxalmente trotskistas – a ainda acreditam, em última instância, que o partido como entendemos ele no século XX será o instrumento “legítimo pela história” para fazer a revolução no século XXI. São cheios de programas e postulam um Estado Socialista por vir.


Discordo de ambas vertentes. Elas são os dois de uma mesma moeda. Minha fé é que esse dois marxismos não estão preparados para o século XXI. Além de não responder a Causa da Emancipação viável, possível e necessária. Outra vertente, essa seminal para o pensamento hoje, se refere a Marx advindo principalmente de uma geração política passada do marxismo no Brasil e na América Latina e, em sua grande parte, tem como orientação central as transformações laborais, econômicas, políticas e culturais do capitalismo contemporâneo problematizando seriamente as estratégias vigentes da esquerda existente apontando as dimensões negativas do capitalismo e, algumas vezes, a dimensão positiva da questão da emancipação social no século XXI. Quando estou falando de marxismo, portanto, estou me referindo ao Marxismo Latino-Americano, de Mariategui a Che Guerava, de Adolfo Sanchez Vasquez a Rui Mauro Marini, de Aníbal Quijano a Florestan Fernandes, de Atílio Bóron a Francisco de Oliveira além de um incontável número de destacados nomes que, cada um de sua forma, busca reconstruir o marxismo para reconstruir nosso continente, nossos países, nossas cidades, nossas economias dependentes, nossas revoluções, nossa esquerda, nossa historia, etc, etc, etc. Ao militante latino-americano, portanto, coloca-se o problema de decifrar essa Esfinge do Marxismo Latino-Americano nas suas múltiplas dimensões.


Para finalizar penso que existe uma questão para nós: as instituições de luta emancipatória demonstram um esgotamento próprio de um processo global de crise estrutural do capital-parlamentarismo e a falta de uma estratégia abrangente que aponte para o Novo. Elas tiveram seu importante papel historicamente, mas, agora, não estão dando respostas para sua própria crise. Isso não quer dizer, como dizem alguns, que devem ser descartados. Ao contrário, o desafio é reestruturá-los profundamente nas suas reciprocidades comuns. Um exemplo simples: quando cerca de 75% da força de trabalho empregada nos callcenters (mais de 1 milhão no Brasil hoje) é feminina e jovem e cerca de 75% dos sindicatos é composta por homens algo esta errado com a estrutura dessa instituições que não esta se atualizando diante do processo de transformação histórica. Naturalmente algo parecido acontece com os partidos: quando seu horizonte último é o “internismo” ou o poder do Estado “para gerir de forma diferente” a sociedade capitalista também não estamos falando de uma época que já passou e que vimos ser uma tragédia que não deve se repetir?

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