domingo, 30 de maio de 2010

Nota sobre a pós-política petista

A gestão da pós-política do Estado feita pelo PT e seus partidos de base já começam, cerca de um mês antes do início oficial da campanha eleitoral, a implementar a famosa expressão “somos todos contra a direita” que quer privatizar, vender o estado brasileiro para as transnacionais, etc, etc. Essa discurso histérico é falso. Segundo pesquisa da Folha de São Paulo, apenas 32% dos simpatizantes do PT se declaram de “esquerda”. Afinal, depois de oito anos de extrema despolitização social e emburrecimento dos petistas, essas divisões entre esquerda e direita não são mais funcionais para gestar o Estado brasileiro. Portanto, diria que, inclusive para os petistas, é necessário dissociar PT e esquerda nestas eleições. Ok, se o PT se transformou numa máquina burocrática de poder seja isso sem problemas. Afinal, está cada vez mais claro que bandeiras como igualdade, autonomia de classe, soberania, etc. não são questões antinômicas das implementadas e experimentadas pelo governo petista. Até mesmo um crente petista reconhece que o programa de Dilma é, no máximo, de centro e não coloca nenhum tipo de alternativa ao Estado, o capital financeiro, a crescente inserção de transnacionais brasileiras na América Latina, etc, etc. Faz parte do processo mundial de neokeynesianização financeira do Estado. Em outras palavras se quer mudar os fenômenos e não a essência da política brasileira. Com a figura do Serra como candidato oficial da direita – com cerca de 25% da população que se autodeclara de direita - não devemos nos assustar e apontar o PT como alternativa de esquerda. Dilma é centro, mas centro que Lula. Sua luta não é histórica, é contra os sem-terra, a favor da ampliação do capital financeiro no Brasil, a independência do Banco Central, etc, etc. A questão é: Dilma é de centro, mas quer aparentar ser de esquerda. Serra é de direita, mas quer aparentar ser de centro. Nesta confusão ideológica quem se perde é o que resta da esquerda brasileira. Como dizia Marx, a vergonha já é uma revolução. Sem dúvida! A vergonha dos petistas ou se concretiza de forma ampliada ou temos a estabilização do fim da história no capitalismo em crise. Entretanto, porque isso iria ocorrer quando a institucionalização do PT no Estado capitalista é enorme e grande parte dos personagens institucionalizados esta ganhando – não pouco! – com isso nos partidos, sindicatos e movimentos sociais?

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Carta de Longe

Hipótese existencial da figura militante: marxismo sem militância é oco e militância sem marxismo é vazio. Mas de que marxismo estamos falando? Aparentemente duas tendências se abrem: uma vertente que se refere a Marx como um nômade do pensamento histórico e o reduzem a uma “totalidade” completamente fragmentada, desfigurada e, em última análise, extremamente reducionista em relação a revolução que Marx configurou na história do pensamento inumano do século XIX. Emergem coisas como “Marx é, no final de contas, um filósofo importante para entender a sociedade capitalista, mas fica por aí sua contribuição que já a prática marxista teria se mostrado historicamente (?) um grande fracasso (leia-se o inconsciente do STALINISMO)”. Bem, quem cala consente: não é a toa que essa vertente do marxismo seja muito ligada ao que se costumou chamar de “filósofos da pós-modernidade” numa geléia ideológica pós-ideológica, pós-industrial, pós-trabalho, pós-capitalismo, pós-Estado, pós-sentido e, conseqüentemente pós-político - que se comprova por sua práxis auto-repressora. Essa seria uma espécie de militância sem marxismo originária da academia hoje.


A outra vertente do marxismo vou chamar de “ortodoxa”: numa perversa qualidade de “comissário” da verdade de Marx, Lênin e Trotsky procura trazer a tona as contradições do capitalismo pela teoria para solucioná-la também pela teoria: é um marxismo sem militância. Estranhamente essa última tendência também assola os partidos burocráticos e coletivos verticais típicos se uma seqüência política que já se esgotou. Aparentemente tão discordantes, ambas correntes têm algo em comum: excluir de seu “conhecimento marxista” um projeto de emancipação social no século XXI construído pela militância. Os primeiros não se importam com isso porque as coisas estão aí para ficar e, além disso, como “o político” não tem relevância não se criam espaços de militância politizadora do tecido social em jogo. Na realidade não há nada em jogo, apenas as “saídas fáceis” como multiculturalismo ou pós-colonialismo para-pós-moderno (desse último fazem parte aqueles que preferem manter um distanciamento ATÉ MESMO do pós-modernismo: é uma nova safra de “parasitas filosóficos”). Os segundos ainda vivem no século XX. Acreditam na revolução (por mais que não saiba o que seja ela) e defendem a autonomia da classe trabalhadora organizada para combater a burguesia exploradora. Bem, penso que esse marxismo já não é válido historicamente. Além de se cair facilmente no fetiche do partido ou da classe trabalhadora não sabem “quem é a classe trabalhadora hoje” e suas formas de organização. Quem levar a “consciência revolucionária” aos sindicatos, partidos, etc. Sua explicação sobre o mundo passa normalmente pela questão da “traição” de alguém que não era revolucionário (e marxista) o suficiente para levar a revolução até as últimas conseqüências. Fazem parte da tradição do “marxismo stalinista” que veio ao Brasil nos anos 20 e que passou por uma reformulação nos anos 50 e 60 – por mais que muitos sejam paradoxalmente trotskistas – a ainda acreditam, em última instância, que o partido como entendemos ele no século XX será o instrumento “legítimo pela história” para fazer a revolução no século XXI. São cheios de programas e postulam um Estado Socialista por vir.


Discordo de ambas vertentes. Elas são os dois de uma mesma moeda. Minha fé é que esse dois marxismos não estão preparados para o século XXI. Além de não responder a Causa da Emancipação viável, possível e necessária. Outra vertente, essa seminal para o pensamento hoje, se refere a Marx advindo principalmente de uma geração política passada do marxismo no Brasil e na América Latina e, em sua grande parte, tem como orientação central as transformações laborais, econômicas, políticas e culturais do capitalismo contemporâneo problematizando seriamente as estratégias vigentes da esquerda existente apontando as dimensões negativas do capitalismo e, algumas vezes, a dimensão positiva da questão da emancipação social no século XXI. Quando estou falando de marxismo, portanto, estou me referindo ao Marxismo Latino-Americano, de Mariategui a Che Guerava, de Adolfo Sanchez Vasquez a Rui Mauro Marini, de Aníbal Quijano a Florestan Fernandes, de Atílio Bóron a Francisco de Oliveira além de um incontável número de destacados nomes que, cada um de sua forma, busca reconstruir o marxismo para reconstruir nosso continente, nossos países, nossas cidades, nossas economias dependentes, nossas revoluções, nossa esquerda, nossa historia, etc, etc, etc. Ao militante latino-americano, portanto, coloca-se o problema de decifrar essa Esfinge do Marxismo Latino-Americano nas suas múltiplas dimensões.


Para finalizar penso que existe uma questão para nós: as instituições de luta emancipatória demonstram um esgotamento próprio de um processo global de crise estrutural do capital-parlamentarismo e a falta de uma estratégia abrangente que aponte para o Novo. Elas tiveram seu importante papel historicamente, mas, agora, não estão dando respostas para sua própria crise. Isso não quer dizer, como dizem alguns, que devem ser descartados. Ao contrário, o desafio é reestruturá-los profundamente nas suas reciprocidades comuns. Um exemplo simples: quando cerca de 75% da força de trabalho empregada nos callcenters (mais de 1 milhão no Brasil hoje) é feminina e jovem e cerca de 75% dos sindicatos é composta por homens algo esta errado com a estrutura dessa instituições que não esta se atualizando diante do processo de transformação histórica. Naturalmente algo parecido acontece com os partidos: quando seu horizonte último é o “internismo” ou o poder do Estado “para gerir de forma diferente” a sociedade capitalista também não estamos falando de uma época que já passou e que vimos ser uma tragédia que não deve se repetir?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Nota sobre a atual crise: uma nova tese: superexploração do trabalho planetário

A atual crise é uma resposta da crise entre que se manifestou no centro do centro do sistema do capital entre dezembro de 2007 e julho de 2009. Ela foi erroneamente encarada como uma crise específica do sistema financeiro (inclusive pela esquerda) e que, assim, para solucioná-la seria necessário apenas um novo tipo de regulamentação internacional dos fluxos de capital financeiro. Como o Estado interveio para assegurar o salvamento de bancos e instituições financeiras com cifras na escala de bilhões, agora a conta deve ser paga. Mas com que dinheiro?

Essa resposta só pode ser solucionada a partir da crise que está se desenvolvendo neste momento cujo epicentro é a Europa. Passamos da crise de crédito imobiliário para a crise fiscal do Estado capitalista. O primeiro sintoma que emerge nesta situação é a Grécia. Com um endividamento público em 115% do PIB, tornou-se imperativo para salvaguardar o capitalismo reduzir o déficit público do Estado, principalmente com a redução dos salários e prestações sociais além do congelamento das aposentadorias. Com a Grécia é o elo fraco da cadeia, assim como o lugar onde a combatividade contra essas reformas está sendo concreta e em larga escala, começamos a enxergar certas convulsões sociais que precisam cada vez mais do Estado para utilizar a violência policial para serem contidas. Essa crise está se espalhando para outros países europeus que já estão implementaram ou estão em vias de implementar grandes pacotes de austeridade como Letônia, Espanha, Portugal, Grã-Bretanha, Irlanda e Itália. Assim, como está sendo resolvida, do ponto de vista do capital, esta crise?

Sabemos que o capital restabelece suas taxas de acumulação, segundo Marx, a partir de duas formas principais: exploração da mais-valia absoluta com o aumento do tempo de trabalho e mais-valia relativa com a introdução da tecnologia como mediação do homem com a máquina. Ruy Mauro Marini acreditava que nos países periféricos ainda existia outra forma de exploração denominada de superexploração do trabalho a partir, fundamentalmente, da expropriação do fundo de consumo dos trabalhadores. Mas o que isso tem a ver com a atual crise?

Como a atual crise não é fundamentalmente uma crise financeira e sim uma crise dos mecanismos de produção de valor, a “solução” dessa crise para necessariamente pela piora nas condições de vida dos trabalhadores, até mesmo nos países chamados “desenvolvidos”. Assim a recuperação do capital está sendo feita sob um regime de superexploração do trabalho, agora inclusive dos países “desenvolvidos”. A superexploração do trabalho toma, agora, uma dimensão planetária. Estamos vivendo momentos parecidos com aqueles prévios a 1968 onde a ebulição social leva ao transbordamento da luta de classes, ainda sem uma forma estabelecida.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sobre a situação da crise mundial hoje: um sintoma chamado Grécia: o início da etapa européia da crise dos tesouros.

Resolvi retomar os escritos sobre a crise do capitalismo internacional. Escrevi bastante sobre ela entre agosto de 2008 até meados de setembro de 2009. Resolvi parar de escrever porque havia concluído que em junho de 2009 marcou-se o estancamento da crise após uma excepcional intervenção estatal. A intervenção do estado da bancarrota capitalista não foi apenas grande, foi com qualidade. Bem, em 2010, como havia sido notado nos textos de 2008 e 2009, seria o início de uma nova etapa da crise internacional do capitalismo dominado pelas finanças: e a havia denominado algo como neokeynesização financeira acelerada do Estado.
De forma espetacular um aprendizado dessa lição fica claro: o CRASH de 1929 foi adiado pelo conhecimento e poder econômico do FED norte-americano. Depois de frenéticas intervenções do governo para estabilizar a “confiança”, o sistema financeiro foi salvo com elegância enquanto, é claro, de setembro de 2008 a junho de 2009 foram despedidos 6 milhões de pessoas. Outra lição da crise de 2008 é que existem instituições financeira que “grandes demais para quebrar” e que seu colapso pode criar efeitos sistêmicos e catastróficos. São empresas que são grandes demais não apenas para quebrar. São grandes demais para existir. Sua complexidade torna impossível uma administração que não seja corrupta, inclusive na sua ligação com o estado. Aqui devemos encarar a dialética entre 11 de setembro e o colapso do Lemann Brothers dia 15 de setembro de 2008. Ambos acontecimento “pararam o tempo”. Foram dois choques que esgotaram o “fim da historia” da esquerda fukuyamista. Temos que tomar o sistema financeiro na sua relação com o capitalismo contemporâneo que não consegue mais se reproduzir sem a criação constante de capital fictício. Ele pauta a economia política em sua totalidade de tal forma que está produzindo um “estado de exceção planetário” da qual a importância do Estado se reduz a conter as manifestações com extrema violência enquanto não se tem a recuperação econômica.
Com as convulsões sociais na Grécia essa nova etapa da crise se escancara e ainda vai demorar algum tempo para se desdobrar. Trata-se da passagem da crise de crédito imobiliário para a crise dos tesouros. Coloca-se na ordem do dia o esgotamento dos tesouros que pagaram o preço da última crise em 2008-2009. Além disso, o epicentro da crise está contagiando o outro lado do atlântico e põem em risco o projeto do euro e União Européia em sua totalidade.


A Grécia é o sintoma da crise do euro e, ao mesmo tempo, o elo mais fraco da cadeia fiscal dos estados europeus (ao lado da Espanha, Portugual, Islandia e Irlanda). A Grécia representa o início da etapa européia da crise do tesouro. Aparentemente existem duas saídas dentro do capitalismo europeu: a zona do euro se torna um sistema federal para solucionar a crise fiscal do bloco ou a Grécia abdica da zona do euro. Sem centralização fiscal o euro não conseguirá se estabilizar. A crise da Grécia faz intensificar a integração da zona do euro para transformando-se numa federação que emita moeda.


No mesmo disso tudo com a intervenção do estado se inicia uma luta para superar a crise rapidamente e o crescimento do descontentamento da população grega que, por hora, representa greves gerais no centro e no interior do país pondo em risco a “ordem pública” coletivamente. Assim a intervenção do Estado é dupla: econômica e política. Assegura a circulação de dinheiro com altos custos sociais e assegura a ordem pública com a violência policial e militar. As subelevações de 2010 contra a crise financeira na Grécia já estão sendo contidas como se os manifestantes fossem terroristas. A tragédia do 11 de setembro foi realmente europeu. A esquerda ao dicotomizar democracia x terrorismo acabou caindo na estratégia da direita e agora terá que lutar contra si mesmo. A síntese de 11 de setembro e a crise de 2008 é que somente agora o terrorista se transforma nos agentes de transformação social. Para conter a crise é necessário combater a luta de classes como se a esquerda fosse terrorista: na mesma lista estaria Al Quaeda, Hugo Chavéz, MST, etc.


Indo a Portugal, as medidas do governo Sócrates já apontam para a “eliminação antecipada das medidas anti-crise” já que o País teria entrado numa fase de recupeção econômica. Portugal é um dos países da União Européia onde as medidas de estímulo fiscal à economia tiveram menor peso. De acordo com Relatório sobre a Reforma do Sistema Fiscal apresentado recentemente, essas medidas corresponderam, em Portugal, em 2009 a cerca de 0,9% do PIB, quando a média na UE atingiu 1,1% do PIB. E a previsão para 2010, era de 0,1% do PIB em Portugal e entre 0,7% e 0,8% a média na U.E. E é neste contexto, em que a economia e a sociedade portuguesa estão mergulhados numa profunda crise, que ainda por cima, é estrutural que PS e PSD se unem para eliminar todas as medidas anti-crise; para aumentar a carga fiscal, reduzindo assim o poder de compra da população, aumentando as dificuldades das empresas que não conseguem vender uma grande parte daquilo que produzem; para reduzir o investimento público, quando ele é tão necessário, face à quebra do investimento privado; e para eliminar as poucas medidas anti-crise. Atentemo-nos a Portugal que, junto com Espanha, prometem sacudir as certezas no capitalismo pós-crise. As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao país pela União Europeia e o FMI já iluminam nestes dias a amplitude e complexidade de uma crise sem precedentes.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A crise à grega

As soluções para a crise grega continuam em suspenso. Ao mesmo tempo em que os planos de austeridade impostos a população ascendem chamas políticas que levaram cerca de 100 mil manifestantes as ruas, num plano macroeconômico as contribuições ao pacote de resgate a Grécia está abrindo o precedente de enxugar os cofres públicos da zona rica do euro. A Alemanha contribuirá com até 22,4 bilhões de euros (US$ 28,6 bilhões) para o pacote de três anos de 110 bilhões de euros (US$ 140 bilhões) disponibilizado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e pela zona do euro à Grécia. O governo italiano aprovou nesta sexta-feira um decreto de lei que contempla 14,8 bilhões de euros (US$ 18,83 bilhões) em empréstimos à Grécia. Holanda e Espanha também já aprovaram leis para repassem de recursos a Grécia que na zona do euro já somam cerca de 110 bilhões de euros. O primeiro-ministro George Papandreou até afirmou que o pacote de ajuda financeira da UE e do FMI é a "única esperança" para evitar a bancarrota do país. Assim, como concluiu Papandreu “o futuro da Grécia está em jogo”.



Naturalmente para que esse plano de ajuda de emergência tenha algum impacto serão necessárias medidas de austeridade radical que, ao que parece, a população não está disposta a deixar acontecer tão facilmente. Afinal de contas, esse plano de austeridade cria um verdadeiro estado de emergência econômico na classe trabalhadora. Evitar a bancarrota grega parece nesse momento muito mais difícil do que o plano apresentado. O país vive uma crise política grave que coloca em risco a “ordem pública”.



Segundo o plano de austeridade publicado nesta semana, os gregos terão que enfrentar cortes drásticos nos próximos três anos numa economia de 30 bilhões de euros (cerca de R$ 80 bilhões), o déficit orçamental do país que se encontra em 13,6% do PIB precisa diminuir para 8,1% neste ano caindo para 2,4% em 2014, o plano também prevê o congelamento dos salários dos funcionários públicos por três anos, os aposentados perderão os 13º e 14º salários se suas pensões forem acima de 2.500 euros mensais, foi também estabelecida uma idade mínima para aposentadoria (65 anos para as mulheres), subida dos impostos de propriedade de terra, além de reduzir os investimentos públicos. Naturalmente os gastos militares (2,8 do PIB da Grécia contra 1,3% da Alemanha) e as medidas contra a evasão fiscal das grandes fortunas continuaram intactos.



Terça feira, dia 04 de maio, como sinal de mobilização social contra esse plano, cerca de 200 militantes comunistas ocuparam durante horas a Acrópole de Atenas onde exibiram uma bandeira gigantesca convocando a luta e a mobilização. Nas ruas foram vistos diversos cartazes como "Não daremos um centavo sequer pela crise", "Quando a injustiça se converte na única via, a resistência é um dever", "Nossa reação não pode outra do que a luta permanente". Esse dia de mobilização que reuniu 100 mil pessoas foi marcado por extrema violência policial e, ao mesmo tempo, falta de uma organização social que lide diretamente com a questão do poder e o esgotamento da democracia como forma de Estado que lide com a bancarrota capitalista grega. Dizer que não haverá socialização dos prejuízos não dá uma resposta positiva para a situação.



De qualquer forma, equiparável a Argentina em 2001, a crise econômica grega, acredito eu, só poderá ser superada com uma saída do campo do euro com o objetivo posterior de desvalorizar sua moeda. Enquanto a crise econômica não for superada haverá um amplo espaço para a esquerda de mobilizar e, não menos importante, se radicalizar diante da falta de respostas viáveis para o povo dado pelo governo.



A lição política da crise na Grécia é clara: o “poder de paz” diante de uma crise como essa é “remediada” pela polícia democrática. Qualquer iniciativa de massa contra a crise endêmica que vivemos será “contida” pela violência. Nos noticiários a polícia aparece como apaziguadora das situações violentas. Entretanto, a violência que emerge dos “de baixo” é apenas uma resposta a uma violência constitutiva do capitalismo internacional que não deixa dúvidas que, em nosso tempo histórico, não existirá solução para a multiplicidade de crise que vivemos – econômica, política, ambiental, energética, urbana, social, etc – sem a violência emancipatória que coloca a baixo a podridão de nosso sistema social.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os marxistas e a crise: temos soluções políticas a vista?

Concordo plenamente com José Paulo Netto quando diz que o défict da esquerda hoje não é essencialmente teórico, mas sim organizativo. Naturalmente isso não exclui minha posição, que já escrevi anteriormente, que nosso desafio também é teórico diante da falta de "mapeamento cognitivo" do capitalismo contemporaneo. Esse é o passo atrás que precisamos lidar hoje para simbolizar diferentes experiencias históricas como a URSS e o PT, por exemplo. Sem teoria não haverá solução para os dilemas que nos encontramos hoje.

Em excelente tema que demonstra isso é, acredito eu, a crise do capital. A quantidade de marxistas que debatem a atual crise é enorme: François Chesnais, Robin Blackburn, Peter Gowan, Anselm Jappe, David Harvey, Costas Lapavitsas, David McNally, John Bellamy Foster, Fred Magdoff, Paul Sweezy, Paul Baran, Eric Olin Wright, Michael Aglietta, Alain Lipietz, Robert Brenner, Michael Husson, Alain Birh, Leo Panitch, Andrew Kliman, Ansar Shaikh, Alex Callinicos, Joseph Choonara, Robert Boyer, Robert Kurz, Graham Turner, Giovanni Arrighi, Immanuel Wallerstein, Ernest Mandel, István Mészáros, etc. As interpretações não são homogêneas e, paradoxalmente, têm sido feitas muitas vezes num isolamento estéril de uma em relação à outra. Alguns interpretam a atual crise como transição hegemônica dos Estados Unidos, outros como fortalecimento dessa mesma hegemonia pela expansão das finanças globais, outros a entendem como autonomização do sistema financeiro internacional, outros como crise de superprodução e superacumulação de capital, outros como crise de subconsumo, outros como crise de crédito, outros como crise do Estado-nação, outros como crise de regulação, outros como crise de civilização, ecológica, do emprego, etc.

De qualquer forma, uma coisa é certa: diante da atual crise, praticamente todos os marxistas foram forçados a reconhecer a importância e a amplitude da dimensão financeira no capitalismo contemporâneo. Existem, entretanto, duas linhas gerais dessa apreensão. Por um lado, alguns enfatizam a lógica interna da financeirização e tendem a dividir mecanicamente a economia “real” e a economia “financeira” como esferas autônomas e sem uma profunda conexão. Tudo se passa como se o capital fictício de que falava Marx fosse algo irreal e que não determinasse profundamente a economia “real”. Por outro lado, outros reconhecem a importância da dimensão financeira enfatizando que foram os problemas na economia “real” que fizeram brotar a necessidade da expansão financeira sendo ela, portanto, uma manifestação de uma crise mais grave e profunda – normalmente de superprodução e superacumulação de capital. Naturalmente, essas duas concepções não são antagônicas já que a primeira é profundamente idealista ao desconsiderar o impacto real que as finanças tem sobre a economia produtiva e a segunda materialista vulgar ao enfatizar uma relação de causa e efeito mecânica entre a dimensão produtiva e financeira. Como salientou acertadamente David Harvey, existem mais relações dialéticas entre o lado “real” e o “financeiro” da economia capitalista globalizada. Afinal, a expansão financeira foi levada a cabo pelas corporações tradicionais baseadas na economia “real” que tornou necessária a dimensão financeira para sua própria saúde econômica. O sistema do capital global tem como uma de suas características centrais uma relação de reciprocidade dialética entre a dimensão “real” e “financeira”. São os dois lados de uma mesma moeda da qual uma dimensão é irredutível a outra por mais que, as finanças por si só, não criam novo valor. A financeirização cria a ilusão de uma lucrativa e dinâmica economia já que, como Marx assentou, o capital fictício circula de acordo com suas próprias leis, diferentemente daquelas que motivam a economia “real”. Se o foco de análise for restrita a financeirização, é impossível explicar minimamente porque a crise afeta diretamente a dimensão produtiva da economia além de mascarar as interconexões com o problema de superprodução e superacumulação de capital. Para Marx, a auto-expansão do capital aparece como início e fim do processo de valorização. Assim, a perda do dinamismo das economias capitalistas avançadas advém de uma queda na lucratividade causada, primariamente, pela tendência crônica de superprodução no mundo no setor manufatureiro desde o início da década de 1970. A crise estrutural do capital que, desde 1970 vem se aprofundando, é um declínio permanente e gradual de longo prazo.

Nesse panorama o horizonte da ação política é modifica drasticamente em relação ao período de ascensão do capital. Hoje, num período pós-político, a dimensão da transformação social ampla e abrangente sob a necessidade de uma ruptura histórica é deixada de lado. Tudo se passa como se o que existe está aí para ficar e só podemos melhorar um pouco e com a devida calma das leis do Estado. É como se estivéssemos aturdidos com o estado de exceção permanente que estamos vivenciando e, assim, qualquer construção de uma alternativa estivesse fadada ao fracasso. Sem dúvida muitas das experiências passadas da esquerda estão esgotadas ou ruíram, mas isso não exclui a necessidade de tirarmos lições drásticas e radicais dessas experiências.
Em síntese diria que estamos num período em que o velho esta morrendo aceleradamente (numa mutação sem precedentes) em conjunto com as dificuldades das dores do parto do novo que, aparentemente, não esta tendo fôlego para lidar com o desafios históricos contemporâneos. Reinventar o Novo é o desafio, reinventar as coordenadas básicas de um projeto viável que vise a proliferação daquilo que Marx chamava de “consciência comunista em massa”.

Aqui a pergunta: que fazer hoje?

sábado, 1 de maio de 2010

1º de Maio e a situação política do Brasil

Esse primeiro de maio de 2010 já manifesta como se encontra a divisão política entre direita e esquerda no Brasil hoje. Desde a subida de Lula a presidência e a progressiva institucionalização generalizada do PT, CUT e UNE no Estado redemocratizado pela ditadura estamos vivendo uma centralização política da esquerda que, repetindo Francis Fukuyama, tem hoje como horizonte uma democracia capitalista sempre mais ampla, mais assistencial [mais despolitizadora], mais popular, mais prazerosa, etc. etc... O resultado é disso tudo “o cara”, Senhor Luis Inácio Lula da Silva – a figura pura da política da Terceira Via no mundo hoje.



Neste 1º de maio Lula foi ao show unificado da força sindical, CUT e na UGT em São Paulo. Neste ano a CUT recebeu R$1 milhão de “pai” trocínio para incentivar a presença de Lula e sua boa nova: Dilma Rousseff – “aquela senhora”. Ele disse que “não é possível resolver o problema de 500 anos em oito. É preciso um sequenciamento. Dilma, você ouviu o que eu disse? Sequenciamento...". Falando para um público de 10 mil pessoas Lula disse (como um jogador de futebol) que depois da presidência ira voltar a morar no mesmo apartamento e que “dar orgulho eu poder acordar de manhã e olhar para qualquer trabalhador e dizer para ele 'bom dia, companheiro." O cinismo que brota dessa fala é visceral - quer dizer que Lula foi um trabalhador lutando pelos trabalhadores na presidência e não um excelente gestor do capitalismo brasileiro, anos-luz de FHC. Lula ainda revelou que tinha medo de não ser um bom presidente porque "demoraria mais um século para um trabalhador poder pleitear ser presidente". Agora a lição é clara: colocar um trabalhador na presidência e azeitar o capitalismo é o horizonte da democracia-liberal. Sem dúvida um projeto de emancipação necessita superar esse horizonte diante dessa centralização política da esquerda e tons de repolitização da direita que dará o tom destas eleições.



Um método que qualquer pessoa progressista de esquerda no país pode utilizar como termômetro da pequena diferença ideológica entre Dilma e Serra que vão emergir a partir de agora se encontra em suas posições acerca do MST. Nesse primeiro de maio Dilma e Serra foram ao mesmo lugar: uma feira agrícola em São Paulo chamada AgriShow – a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina. Quem freqüenta esse lugar – tirando os terceirizados que trabalham nela – são os sujeitos que ambos consideram importantes do mundo da usurpação de trabalho: latifundiários e gente com altíssimo poder aquisitivo. Ali era o local perfeito para se emitir uma posição verdadeira de ambos sobre o MST. O jornal enfatizou que eram posições contrárias. Será mesmo? Veremos.



Dilma além de defender a alta da taxa de juros contra a inflação - defendida pelo Banco Central um dia antes – Dilma disse que “eu sou contra a tomada de locais públicos, sou contra aja invasão de terras, eu não acho razoável isso. Agora não acho também que seja correto uma atitude violenta contra os movimentos. Acho que sempre que você buscar o dialogo é melhor. Agora não pretendo, de maneira alguma, compactuar com qualquer atividade ilegal”. Depois de falar que não vai usar o boné do MST e enfatizar que “estado é estado, movimento é movimento”, Dilma já aprendeu que o diálogo conciliatório e democrático enfraquece a radicalidade das atividades sócio-políticas num adestramento do movimento. Ao mesmo tempo que deseja o diálogo não quer se compactuar com ela. Vai utilizar o capitalismo democrático para conter o MST num diálogo legal.



Serra enfatizou seu conservadorismo fascistóide dizendo que “movimento social é uma coisa, movimento político é outra. O movimento que existe no campo hoje de invasões programadas, de protestos, etc não é social, é político. É assim que tem que ser encarado.” Recebendo palmas Serra convenceu mais o público extremamente obtuso. Entretanto Serra é muito tosco e parece estar sempre tão cansado que esquece que a forma dialogal de contenção do MST é a lá Lula-Dilma é mais eficaz contra o movimento. De qualquer forma, como até o objetivo pessoal de muitos é “matar sem-terra”, Serra parece mais envolvente. Serra é pior, sem dúvida. Seus inimigos são os movimentos da esquerda organizada que coloca o status quo em perigo. Sua potencial vice – Kátia Abreu - já enfatizou até que a natureza da luta do MST contra a propriedade privada como correlata ao tráfico de drogas, pirataria e pedofilia. Enfatizando a necessidade do Estado em mediar o conflito do ponto de vista do capital Abreu diz que “a Força Nacional não tem o hábito de colaborar para evitar o tráfico de drogas, a pirataria e a pedofilia? É a mesma coisa. A Força Nacional vem para trazer paz, e não o conflito”. Quando Abreu diz que “a força nacional vem para trazer paz” a primeira pergunta é: paz para quem? Sem dúvidas Abreu utiliza paz no mesmo sentido da ação policial nas favelas do Rio: impor a paz pela força. Não seria esse um ótimo exemplo do que a pauta de centro-esquerda do PT no poder propicia ao movimento social ao se institucionalizar e criar as mediações para a “paz social” entre banqueiros nacionais e internacionais, a alta burguesia, o subproletariado, empresas transnacionais brasileiras, CUT, UNE, DEM, PMDB, bancada ruralista, Sarney, FMI, etc?



Por isso que essa posição do campo de Serra é o início da repolitização da extrema-direita no Brasil. Enquanto os problemas de Dilma são administrativos e burocráticos os de Serra são políticos identificando seus inimigos claros. Dilma não tem inimigos, é como Lula: atua pelo diálogo envolvente da democracia dominada pela oposição histórica do PT.



Como naturalmente não existe movimento político que não seja movimento social, um dos maiores desafios na democratização do país está sendo feita pelo MST e não PT ou PSDB ao auto-organizar-se e modificar a política de poder existente baseada na administração do Estado. Claramente o objetivo do MST é político, e daí? Somente um estado de emergência quer punir os inimigos políticos acusando-os de descumprir as leis da propriedade privada da terra que, no Brasil, por sinal, se encontra em limites absurdos de desigualdade. Diante deste Estado muito bem gerido pelo PT de Lula a Dilma, qual será a posição do movimento para expandir seu projeto político?



A importância do desdobramento desse projeto político do MST já foi bem sintetizava por Plínio de Arruda Sampaio do PSOL ao comentar a senhora Dilma quando pegou o boné do MST e disse: “esse é o boné da libertação do Brasil”. Se a democracia tem algum fundamento ainda, quem luta por ela está do lado do MST. Somos "Nós" que estamos lutando contra as coisas que sabotam a democracia antes de pensar em novas formas de revolução. Estamos entrando numa nova seqüência política em que o período "pós-Lula" deixa em aberto novas formas de política de esquerda e, sem dúvida, um dos principais atores dessa nossa seqüência é o MST se conseguir superar sua subordinação implícita ao estado lulista de coisas: entre Dilma e Serra existe uma falsa oposição.



A verdadeira questão é entre Dilma e Plínio de Arruda para (o que resta) da esquerda no Brasil.