Essa postagem é uma colagem pós-moderna, um pastiche diria Fredric Jameson. O que é isso? Usarei um texto base de um rapaz chamado Walden Bello para fazer alguns desvios teóricos pessoais a lá Debord. Quem o ler vai encontrar um texto sem citações minhas ou dele, mas sim um texto único com uma construção de pensamento duplo (sem o consentimento dele, diga-se de passagem). Pena!, diria meu amigo Urso.
Nas notícias diárias vemos que estamos numa crise. Entretanto, o que ela significa? Tentando responder essa complexa pergunta, vamos fazer uma viagem no tempo! Uhuw! Para os mais entusiasmados, cuidado. Para os mais céticos, uma mirada. Para os pessimistas, algumas premissas teóricas. Para alguns pensadores como István Mészáros, Robert Brenner, David Harvey, Robert Kurz, Anselm Jappe, Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi, Walden Bello, etc, temos apenas algumas conclusões óbvias. Por ser um blog independente, vamos fazer diferente essa postagem: vou criar perguntas e desenvolver algumas respostas que acredito serem pertinentes com uma concisão máxima para que os leitores possam refletir sobre cada afirmação dada.
O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? O pior já passou? O que a crise de superprodução dos anos 70 tem a ver com os acontecimentos recentes? Qual a relação entre a política de reestruturação neoliberal, adotada para superar a crise de superprodução, e o colapso de Wall Street? Como se formam, crescem e explodem as bolhas e como se formou a atual bolha imobiliária?
Todos nós fazemos as seguintes perguntas sobre a atual crise financeira: O pior já passou? O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? Foi a cobiça? Foi Wall Street um caso de "alguacil endemoniado"? Foi falta de regulação? Não há nada mais? Não há nada sistêmico? O que a crise de superprodução dos anos 70 tem a ver com os acontecimentos recentes? Então, o que aconteceu? Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução? Em que consistiu a reestruturação neoliberal? Em que medida a globalização dos 80 e 90 foi uma resposta à crise dos 70? Por que a financeirização é tão volátil? Como se formam, crescem e explodem as bolhas? E como é possível que os titãs de Wall Street desabem como um castelo de cartas? O que acontecerá agora? Com efeito, todos nós fazemos essas perguntas.
O desmoronamento de Wall Street não se deve somente à cobiça e à falta de regulação estatal de um setor hiperativo. Procede, sobretudo, da crise de sobreprodução que vem minando o capitalismo remundializado desde meados dos anos 70: a crise estrutural do metabolismo global do capital. Entre 1 e 3 bilhões de dólares de ativos financeiros evaporados. Wall Street, nacionalizado, com o Banco Central e o Departamento do Tesouro tomando todas as decisões estratégicas importantes no setor financeiro e tudo isso com um governo que, por trás do resgate da AIG, passa a dirigir a maior companhia seguradora do mundo. O maior resgate desde a grande depressão, com 700 milhões de dólares levantados desesperadamente para salvar o sistema financeiro. As explicações habituais já não bastam. Os acontecimentos extraordinários precisam de explicações extraordinárias. Mas, antes...O pior já passou?Não! Se algo ficou claro com os movimentos contraditórios dessas últimas semanas, em que, no momento em que se permitia a quebra do Lehman Brothers se nacionalizava a AIG e se programava a tomada de controle da Merril Lynch pelo Bank of America, é que não há uma estratégia para enfrentar a crise. Há, em resumo, respostas táticas, como bombeiros que pisam na mangueira, atrapalhados com a magnitude do incêndio. O resgate de 700 milhões de dólares das obrigações hipotecárias respaldadas pelo poder dos bancos não é uma estratégia, senão basicamente um esforço desesperado para restaurar a confiança no sistema, para prevenir a erosão da fé nos bancos e em outras instituições financeiras e para evitar a afluência massiva de retirada de fundos dos bancos, como a que desencadeou a Grande Depressão de 1929. Entretanto, antes de nos empolgarmos, vamos responder algumas perguntas...
1) O que significa crise para o capitalismo?
O estado natural do capital é de crise. A incapacidade de resolução dessas crises é que constitui a dinâmica de seu desenvolvimento histórico rumo ao atendimento de seus imperativos existenciais de acumulação e expansão, independentemente das necessidades humanas. O que diferencia a atual crise é que ela um dos “pontos de culminância” da crise estrutural do metabolismo global do capital, desde meados de 1970. Em que consiste essa crise? Basicamente na incapacidade de expansão do capital por chegar a um limite tanto histórico quanto lógico de seu desenvolvimento: a globalização é uma resposta última desse processo que Rosa Luxemburgo já havia detectado no início do século XX. É o desenvolvimento máximo das forças produtivas capitalistas, dizendo num linguajar marxista.
Em meados de 1970 também ocorre uma crise de superprodução de mercadorias (insolúvel, diga-se de passagem). Para os Estados Unidos, as crescentes porções do Japão e da Alemanha nos mercados mundiais aprofundaram (senão também causaram) a perda da capacidade concorrencial jogando para baixo as taxas de lucro possíveis. Durante a época de ouro do capitalismo, entre 1945 e 1970, existiu um crescimento rápido propiciado pela massiva reconstrução da Europa e do Leste Asiático e pela configuração social dada pelo binômio keynesianismo/fordismo. Nesse processo o Estado tornou-se o mediador per excellence dos conflitos sociais criando uma regulação dos mercados com o ímpeto de criar políticas fiscais e monotárias de minimizavam as possibilidades de recessão e, ainda, criava formas de salários indiretos para estimular a demanda por mercadorias. Esse foi o Walfare State e, na sua versão subdesenvolvida, o Estado desenvolvimentista.
Com o esgotamento desse padrão, seja simbolicamente pelos eventos de 1968 ou pelos atos políticos reacionários do neoliberalismo encabeçado por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, começa a existir uma inversão no desenvolvimento do capitalismo que, antes baseado no desenvolvimento das forças produtivas, agora é baseado no desenvolvimento de forças destrutivas. Por que? O fim do crescimento das economias do centro capitalista se viu coexistente com a necessidade de expansão do capital. Entra em cena a superprodução de mercadorias (nesse sentido é que deve ser entendida a sociedade de consumo e o pós-modernismo!) buscando novos setores para a acumulação (inclusive a natureza e o inconsciente).
Sob um crescimento depressivo, o capital encontra quatro formas de responder a essa crise estrutural: a globalização, a reestruturação produtiva e política neoliberal, a financeirização e o desenvolvimento das novas tecnologias. Não vou percorrer, nem rapidamente, cada uma delas. Vamos ao ponto que parece mais importar hoje: a financeirização.
O estado natural do capital é de crise. A incapacidade de resolução dessas crises é que constitui a dinâmica de seu desenvolvimento histórico rumo ao atendimento de seus imperativos existenciais de acumulação e expansão, independentemente das necessidades humanas. O que diferencia a atual crise é que ela um dos “pontos de culminância” da crise estrutural do metabolismo global do capital, desde meados de 1970. Em que consiste essa crise? Basicamente na incapacidade de expansão do capital por chegar a um limite tanto histórico quanto lógico de seu desenvolvimento: a globalização é uma resposta última desse processo que Rosa Luxemburgo já havia detectado no início do século XX. É o desenvolvimento máximo das forças produtivas capitalistas, dizendo num linguajar marxista.
Em meados de 1970 também ocorre uma crise de superprodução de mercadorias (insolúvel, diga-se de passagem). Para os Estados Unidos, as crescentes porções do Japão e da Alemanha nos mercados mundiais aprofundaram (senão também causaram) a perda da capacidade concorrencial jogando para baixo as taxas de lucro possíveis. Durante a época de ouro do capitalismo, entre 1945 e 1970, existiu um crescimento rápido propiciado pela massiva reconstrução da Europa e do Leste Asiático e pela configuração social dada pelo binômio keynesianismo/fordismo. Nesse processo o Estado tornou-se o mediador per excellence dos conflitos sociais criando uma regulação dos mercados com o ímpeto de criar políticas fiscais e monotárias de minimizavam as possibilidades de recessão e, ainda, criava formas de salários indiretos para estimular a demanda por mercadorias. Esse foi o Walfare State e, na sua versão subdesenvolvida, o Estado desenvolvimentista.
Com o esgotamento desse padrão, seja simbolicamente pelos eventos de 1968 ou pelos atos políticos reacionários do neoliberalismo encabeçado por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, começa a existir uma inversão no desenvolvimento do capitalismo que, antes baseado no desenvolvimento das forças produtivas, agora é baseado no desenvolvimento de forças destrutivas. Por que? O fim do crescimento das economias do centro capitalista se viu coexistente com a necessidade de expansão do capital. Entra em cena a superprodução de mercadorias (nesse sentido é que deve ser entendida a sociedade de consumo e o pós-modernismo!) buscando novos setores para a acumulação (inclusive a natureza e o inconsciente).
Sob um crescimento depressivo, o capital encontra quatro formas de responder a essa crise estrutural: a globalização, a reestruturação produtiva e política neoliberal, a financeirização e o desenvolvimento das novas tecnologias. Não vou percorrer, nem rapidamente, cada uma delas. Vamos ao ponto que parece mais importar hoje: a financeirização.
Com a tendência do capitalismo de produzir uma enorme capacidade produtiva, o resultado é rebaixar a capacidade de consumo da população, devido às desigualdades que limitam o poder de compra popular, o qual termina por erodir as taxas de lucro. Mas o que a crise estruural que envolve a superprodução de mercadorias tem a ver com os acontecimentos recentes? Muitíssimo!
2) Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução?
O capital tentou três vias de saída do atoleiro da superprodução: a restruturação neoliberal, a globalização e a financeirização. Em que consistiu a reestruturação neoliberal?A reestruturação neoliberal tomou a forma do reaganismo e do thatcherismo no Norte e do ajuste estrutural no Sul. O objetivo era a revigorização da acumulação de capital, o que foi feito: 1) removendo as restrições estatais ao crescimento, ao uso e aos fluxos de capital e de riqueza; 2) redistribuindo a renda das classes pobres e médias dentre os ricos, de acordo com a teoria de que assim os ricos seriam motivados a investir e a alimentar o crescimento econômico. O problema dessa fórmula era que, ao redistribuir a renda em favor dos ricos, estrangulava-se a renda dos pobres e das classes médias, o que provocava a restrição da demanda, sem necessariamente induzir os ricos a investir mais em produção. De fato, a reestruturação neoliberal, que se generalizou no Norte e no Sul ao longo dos anos oitenta e noventa, teve resultados pobres em termos de crescimento: o crescimento global prometido foi de 1,1% nos 90 e de 1,4 nos 80, enquanto a média nos 60 e nos 70, quando as políticas intervencionistas eram dominantes, foi, respectivamente, de 3,5% e de 2,54%. A reestruturação neoliberal não pôde terminar com a “estagflação”.
3) Em que medida a globalização foi uma resposta à crise?
A segunda via de escape global tentada pelo capital para enfrentar a estagflação foi a “acumulação extensiva” ou globalização, quer dizer, a rápida integração das zonas semi-capitalistas, não-capitalistas e pré-capitalistas à economia global de mercado. Rosa Luxemburgo, a celebrada economista e revolucionária alemã, percebeu este mecanismo há muito tempo, vendo-o nas economias metropolitanas. Como? Com o acesso de novas fontes de produtos agrícolas e de matéria-prima baratos; e criando novas áreas para investimento em infra-estrutura. A integração se produz através da liberalização do comércio, removendo obstáculos à mobilidade do capital e abolindo as fronteiras para o investimento no exterior. Nem é o preciso lembra que a China é o caso mais destacado de uma área não-capitalista integrada na economia capitalista global nos últimos 25 anos. Para compensar seus lucros declinantes, um considerável número de corporações empresariais situadas entre as primeiras 500 do ranking da revista Fortune deslocaram uma parte significativa de suas operações para a China, a fim de aproveitar as vantagens do chamado “preço chinês” (as vantagens de custos derivadas de um trabalho barato e aparentemente inesgotável). Em meados da primeira década do século XXI, entre 40 e 50% dos lucros das corporações estadunidenses procediam de suas operações e vendas no exterior, marcadamente na China.
4) Por que a globalização não pôde superar a crise?
O problema com esta via de saída do estancamento é que se exacerba o problema da superprodução, porque aumenta a capacidade produtiva. A China dos últimos 25 anos acrescentou um tremendo volume de capacidade manufatureira, o que teve por efeito deprimir os preços e os lucros. Não por acaso, os lucros das corporações estadunidenses deixaram de crescer até 1997. De acordo com um índice estatístico, as taxas de lucros das 500 maiores da Fortune passou de 7,15 em 1960-69 a 5,3 em 1980-1990, a 2,29 em 1990-99 e a 1,32 em 2000-02. Dados os limitados ganhos obtidos para conter o impacto depressivo da superprodução, seja através da reestruturação neoliberal, seja com a globalização, a terceira via de saída tornou-se vital para manter e para elevar a rentabilidade. A terceira via é a financeirização. No mundo ideal da teoria econômica neoclássica, o sistema financeiro é o mecanismo a mercê do qual os poupadores, ou quem se encontra na posse de fundos excedentes, juntam-se com os empresários que têm necessidade de seus fundos, para investir em produção. No mundo real, da crise estrutural do metabolsimo gloabl do capital, com o investimento na indústria e na agricultura gerando lucros magros, por causa da superprodução, grandes quantidades de fundos excedentes circulam e são investidas e re-investidas no setor financeiro. Quer dizer, o sistema financeiro gira sobre si mesmo: uma tautologia, assim como o espetáculo. O resultado é que se aumenta o hiato aberto entre uma economia financiera hiperativa e uma economia real estancada. Como bem observa um executivo financeiro: “tem havido uma crescente desconexão entre a economia real e a economia financeira nos últimos anos. A economia real cresceu, mas nada comparável à financeira...até que explodiu”. O que este observador nos diz é que a desconexão entre a economia real e a financeira não é acidental: que a economia financeira se distanciou precisamente para fazer frente ao estancamento gerador da superprodução da economial real. Um dos limites do capital pode ser entendido exatamente nesse ponto: o desligamento total do elo material que liga o sistema de produção com o sistema produtivo em vias de desaparecimento...
5) Quais foram os problemas da financeirização como via de saída?
O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor de valor já criado. Pode criar lucro, de acordo, mas não cria valor – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Visto que os lucros não se baseiam na criação de valor novo ou agregado, as operações de investimento resultam extremamente voláteis e os preços das ações, as obrigações e de outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real: por exemplo, as ações de empresas incipientes de Internet, que se mantiveram por um tempo em alta, sustentadas principalmente por valorações financeiras em espiral, para logo arruinarem-se. Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens por movimento de preços que divergem da alta do valor das mercadorias, para vender oportunamente antes de que a realidade force a “correção” para baixa, a fim de ajustar-se aos valores reais. A alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se cama de formação de uma bolha. Como podemos resumir esse processo, portanto?
O desabamento de Wall Street não se deve apenas à cobiça e à falta de regulação estatal do setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise de superprodução que foi a praga do capitalismo global desde meados dos 70.
A financeirização do investimento tem sido uma das vias de escape para sair do estancamento, sendo as outras a da reestruturação neoliberal e da globalização. Tendo resultado de pouco alívio a reestruturação neoliberal e a globalização, a financeirização pareceu atrativa como mecanismo de restauração da rentabilidade. Mas o que agora ficou demonstrado é que a financeirização é uma trilha perigosa que leva à formação de bolhas especulativas, capazes de oferecer uma efêmera prosperidade a uns quantos, mas que terminam no colapso empresarial e na recessão da economia real. Até quando?
Ficam as questões: Quão profunda e duradoura será esta recessão? A economia dos EUA necessitará criar outra bolha especulativa para sair dessa recessão? E se isso for o caso, onde se formará a próxima bolha? Alguns dizem que a próxima surgirá no complexo militar-industrial ou no “capitalismo de desastre” sobre o qual escreve Naomi Klein (livro de urgente leitura!). Mas isso não é farinha do mesmo saco
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