sábado, 4 de outubro de 2008

A insustentável violência do ser

Sob algumas reflexões acerca a violencia podemos chegar a algumas conclusões sobre nosso tempo. Me amparo aqui principalmente em algumas reflexões feitas por Slavoj Zizek, antigo parceiro de guerra interna de idéias, que expoêm por esse viés uma das grandes contradições do capitalismo tardio.
Primeiramente, vamos fazer uma distinção seminal entre violência e autoridade partindo do pressuposto de que quando existe autoridade a violência é apenas um excesso que, em última instância, não é necessária para o funcionamento correto de determinado sistema de poder. O uso da violência é um sintoma da perda da autoridade então. O que Zizek nota é que a ascensão da violência na pós-modernidade está relacionada com um tipo específico de "violência subjetiva" que prima pelo medo da aproximação do Outro como conduta hegemônica. Sob o espectro dessa violência subjetiva existe a redução de qualquer tipo de problema a sua particularidade não conseguindo acessar o sofrimento do Outro, o excesso constitutivo das trocas inter-humanas que possibilitam a reprodução do ser como ser incompleto permeado por uma falta, por uma troca de significantes. Essa forma de "violencia subjetiva" pode ser entendida sob as novas normas contra os fumantes e os usuários de drogas que, na verdade, são os únicos que tem acesso ao prazer do excesso.
Essa violência subjetiva, por ser uma arma necessária quando existe uma impotência da autoridade dominante das estruturas modernas-simbólicas, atende as demandas do capital sob um investimento do superéu ao consumo desenfreado como resposta à falta-a-ser. Os produtos do mercado entram como substitutos dessa falta que tem um novo imperativo: Goza! Goza! Goza!
Nesse sentido perguntamos: será que a violencia subjetiva que está sendo investida é a resposta apropriada para nossa condição pós-moderna de "tolerância", "multiculturalismo" e "democracia-liberal"? Zizek responderia que não. Devemos nos voltar para a Ética que nos faz aceitar ser responsáveis pela "violência objetiva" que ganha as ruas, os prédios, as cidades, o campo, as favelas, etc. O processo de liberalização dos mercados globais foi feito pelo uso esquemáico da violência, entretanto, por ser uma violência sistemática já simbolizada a priori, pôde tornar-se anônima ou sob o revestimento de uma ordem natural das coisas. Esse é o mestre permissivo pós-moderno que deu uma lição radical nos histéricos de 1968.
O paradoxo é esse, portanto: a sensibilidade a violência subjetiva crescente é diretamente relacionada com a violencia objetiva na sociedade capitalista contemporanea. Aqui devemos nos voltar para a produção contínua dessa violência objetiva já que, a violência subjetiva é, de certa forma, um pleonasmo já que em sua própria constituição existe um sentido inexorável de violência pela palavra que só tem signficado sob determinda dimensão simbolica. A violência não é a mal interpretada, diga-se por sinal, noção marxista de fogo e pedras na rua. A violência é precisamente estabelecida sob determinada dinâmica entre as dimensões imaginárias, simbólicas e reais e, nesse sentido, não pode ser reduzida a nenhuma. Essa é uma das grandes lições lacanianas. Podemos ver uma crítica ao multiculturalismo e a tolerancia aqui? Obviamente.
Para Zizek a tolerância faz parte do ideário da sociedade pós-política baseada na neutradidade. Encontra-se aqui o deslocamento da "forma-política" para a "forma-cultural", típica do isolacionsimo pós-moderno. Esse processo, por ser circunstrito de contradições, trabalha objetivamente como seu contrário: a "tolerância" torna-se intolerância exatamente por sua IMPOSSIBILIDADE de existência. Por não existir meios de comunicação neutros no que diz respeito a possibilidade de acesso ao Outro, a tolerância como imperativo moral pode levar a seu extremo oposto. Aqui entendemos porque Habermas é um filósofo pós-moderno per excellance: ele aceita a idéia da tolerância como a superação da não-aceitação de uma diferença cognifica entre convicções e atitudes que se reproduzam de forma racional. Aqui a democracia entra de sopetão: esse não é exatamente o limite da democracia-liberal? A existencia compartilhada de fissuras em competição que não podem travar uma relação baseada em grandes atos coletivos.
Citando Zizek em sua obra sobre a atualidade de Lênin: "Fidelidade ao consenso democrático significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar, que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-liberal é cúmplice nos fenômenos que ela oficialmente condena, e, é claro, qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sóciopolítica diferente. Em suma, significa: diga e escreva o que quiser - desde que não se questione ou perturbe, na prática, o consenso político dominante". Cabe a todos agora refletir sobre isso, mesmo que o resultado seja a desestruturação de fantasias fundamentais. Sim, a depressão é necessária para poder ver com entusiasmo um pôr-do-sol. Se ele passar desapercebido, o que continuará a abstração do seu sentido mais puro: fim da história.
O capitalismo global é suficiente, mesmo com sua violência objetiva? Enquanto a resposta for positiva, qualquer tipo de alternativa radical será desacreditada. Mesmo que suas tendências sejam catastróficas, social e ecologicamente, o capital não pode permitir existir uma positividade radical para esse processo que envolve a superação desse metabolismo global. Esse é um dos grandes desafios da esquerda do século XXI: aceitaremos de forma fukuyamista o sistema vigente ou apelaremos, pela necessidade, por uma construção de um novo tempo-espaço?

Nenhum comentário: