Provavelmente esse será o último texto que vou fazer sobre a crise para o blog. Aqui eu sintetizo bem algumas idéias e desenvolvo outras. Sim, esse post é bem longo mas, como escrevi, provavelmente será o último postado aqui sobre a crise.
Hoje em dia o imaginário dominante se remete duas fantasias ideológicas que necessitam ser desconstruídas se ainda pensamos num projeto radical de emancipação diante da crise estrutural do capital:
1) É mais fácil pensar a destruição total da Terra por algum motivo ecológico ou místico do que uma mudança radical no sistema do capital contemporâneo. É como se o capitalismo liberal fosse indestrutível e que de algum modo ele poderá sobreviver mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global...
2) O capitalismo é eterno e natural. Essa fantasia a-histórica nos remete até a encontrar um “gene capitalista” em toda a história. Esse teor naturalizador da ordem estabelecida é um pressuposto teórico nas mais variadas análises sobre o mundo. No capitalismo tardio essa fantasia se dá sob a forma do que foi chamado por Peter Sloterdijk de razão cínica que não é resultado da ignorância ou de uma falsa-consciência, mas sim do conhecimento (agora globalizado) enquanto tal. Sabemos que a motivação pelo lucro submeteu quaisquer outras motivações tradicionais e que a cobiça pode ser identificada como a força fundamental na natureza... Sabemos que a corrupção no governo é absoluta e que nenhum governo representativo algum dia cumprirá as promessas feitas com os argumentos tradicionais a favor da democracia... Sabemos que existe um desastre ecológico acontecendo ao vivo... Entretanto, o conhecimento aqui é impotente, não leva a mudança radical, subjetiva ou objetiva; ao contrário, encoraja, legitima e reforça a desesperança na natureza humana e na possibilidade de uma política coletiva de mudança radical da sociedade. Não seria dessa falência ética, então, que o capitalismo se reproduz?
Buscando ir além dessas fantasias ideológicas que permeiam o mundo contemporâneo vamos tentar fazer uma análise do sistema do capital incluindo sua dinâmica, suas potencialidades e limites para então conjugar essa análise com a crise que vemos nos noticiários. Estranho fato esse: capitalismo e crise voltaram a se combinar nas manchetes das grandes imprensas. Isso não significa um sintoma de nosso tempo? Vou tentar destrinchar esse sintoma tomando uma perspectiva teórica que busque as razões estruturais que possibilitaram o seu aparecimento. Para isso vamos nos remontar a história do capital como relação social dominante fazendo primeiramente uma diferenciação necessária entre capital e capitalismo para depois adentrar nas razões da atual crise.
Vamos fazer uma distinção pontual entre capital e capitalismo já que são fenômenos distintos. O capitalismo é uma fase particular da produção do capital onde a produção para troca é dominante; a própria força de trabalho, tanto qualquer outra coisa, é tratada como mercadoria; a motivação do lucro é a força reguladora fundamental da produção; o mecanismo vital de extração de mais-valia, que é a separação radical entre meios de produção de produtores, assume a forma inerentemente econômica que é apropriada privadamente pelos membros da classe capitalista; e de acordo com seus imperativos econômicos de crescimento e expansão, a produção de capital tende a integração global por intermédio do mercado internacional, com um sistema totalmente interdependente de dominação e subordinação econômica.
O capitalismo é assim uma forma específica de funcionamento do capital como relação social onde bens e serviços, inclusive as necessidades mais básicas da vida, são produzidas tendo como fim a troca lucrativa; os requisitos da competição e da maximização de lucro são regras fundamentais da vida social e, devida a essas regras, é um sistema voltado singularmente para o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produtividade do trabalho através de mudanças tecnológicas e organizativas. Esse é, ao mesmo tempo, o norte de seu desenvolvimento e seu fardo já que necessita transformar-se constantemente para adequar-se a suas mudanças.
Por ser um sistema composto, em sua grande maioria, por trabalhadores livres sem posses e obrigados a vender sua mão-de-obra por um salário a fim de subsistir, vemos que toda a produção de bens e serviços está subordinada à produção de capital e não a qualquer tipo de organização e distribuição de riqueza para os seres sociais que trabalham. Dessa forma é mais entender que o objetivo básico do sistema capitalista é a produção e auto-expansão do capital.
Com o capital conseguindo libertar-se dos constrangimentos dos sistemas orgânicos anteriores, superando principalmente as proibições da compra e venda de terra e trabalho, ele pode afirmar-se como sistema orgânico oniabrangente que visa à auto-expansão reduzindo e degradando os seres humanos à condição de meros “custos de produção” como “força de trabalho necessária” podendo tratar o trabalho vivo como “mercadoria comercializável”. Se os sistemas orgânicos anteriores eram orientados para a produção de valores de uso e tinham um alto grau de auto-suficiência,
O capital pôde emergir e triunfar sobre seus antecessores históricos como um sistema de controle sociometabólico pelo abandono de todas as considerações da necessidade humana vinculada às limitações dos valores de uso não-quantificáveis, sobrepondo-lhes – como pré-requisito absoluto de sua legitimação para se tornarem alvos aceitáveis de produção – os imperativos fetichistas do valor de troca quatificável e sempre expansivo. Eis como a forma historicamente específica do sistema do capital: sua variedade burguesa capitalista, passou a existir. Teve de adotar o modo esmagadoramente econômico de extrair trabalho excedente pela mais-valia estritamente quantificável.
Hoje em dia o imaginário dominante se remete duas fantasias ideológicas que necessitam ser desconstruídas se ainda pensamos num projeto radical de emancipação diante da crise estrutural do capital:
1) É mais fácil pensar a destruição total da Terra por algum motivo ecológico ou místico do que uma mudança radical no sistema do capital contemporâneo. É como se o capitalismo liberal fosse indestrutível e que de algum modo ele poderá sobreviver mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global...
2) O capitalismo é eterno e natural. Essa fantasia a-histórica nos remete até a encontrar um “gene capitalista” em toda a história. Esse teor naturalizador da ordem estabelecida é um pressuposto teórico nas mais variadas análises sobre o mundo. No capitalismo tardio essa fantasia se dá sob a forma do que foi chamado por Peter Sloterdijk de razão cínica que não é resultado da ignorância ou de uma falsa-consciência, mas sim do conhecimento (agora globalizado) enquanto tal. Sabemos que a motivação pelo lucro submeteu quaisquer outras motivações tradicionais e que a cobiça pode ser identificada como a força fundamental na natureza... Sabemos que a corrupção no governo é absoluta e que nenhum governo representativo algum dia cumprirá as promessas feitas com os argumentos tradicionais a favor da democracia... Sabemos que existe um desastre ecológico acontecendo ao vivo... Entretanto, o conhecimento aqui é impotente, não leva a mudança radical, subjetiva ou objetiva; ao contrário, encoraja, legitima e reforça a desesperança na natureza humana e na possibilidade de uma política coletiva de mudança radical da sociedade. Não seria dessa falência ética, então, que o capitalismo se reproduz?
Buscando ir além dessas fantasias ideológicas que permeiam o mundo contemporâneo vamos tentar fazer uma análise do sistema do capital incluindo sua dinâmica, suas potencialidades e limites para então conjugar essa análise com a crise que vemos nos noticiários. Estranho fato esse: capitalismo e crise voltaram a se combinar nas manchetes das grandes imprensas. Isso não significa um sintoma de nosso tempo? Vou tentar destrinchar esse sintoma tomando uma perspectiva teórica que busque as razões estruturais que possibilitaram o seu aparecimento. Para isso vamos nos remontar a história do capital como relação social dominante fazendo primeiramente uma diferenciação necessária entre capital e capitalismo para depois adentrar nas razões da atual crise.
Vamos fazer uma distinção pontual entre capital e capitalismo já que são fenômenos distintos. O capitalismo é uma fase particular da produção do capital onde a produção para troca é dominante; a própria força de trabalho, tanto qualquer outra coisa, é tratada como mercadoria; a motivação do lucro é a força reguladora fundamental da produção; o mecanismo vital de extração de mais-valia, que é a separação radical entre meios de produção de produtores, assume a forma inerentemente econômica que é apropriada privadamente pelos membros da classe capitalista; e de acordo com seus imperativos econômicos de crescimento e expansão, a produção de capital tende a integração global por intermédio do mercado internacional, com um sistema totalmente interdependente de dominação e subordinação econômica.
O capitalismo é assim uma forma específica de funcionamento do capital como relação social onde bens e serviços, inclusive as necessidades mais básicas da vida, são produzidas tendo como fim a troca lucrativa; os requisitos da competição e da maximização de lucro são regras fundamentais da vida social e, devida a essas regras, é um sistema voltado singularmente para o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produtividade do trabalho através de mudanças tecnológicas e organizativas. Esse é, ao mesmo tempo, o norte de seu desenvolvimento e seu fardo já que necessita transformar-se constantemente para adequar-se a suas mudanças.
Por ser um sistema composto, em sua grande maioria, por trabalhadores livres sem posses e obrigados a vender sua mão-de-obra por um salário a fim de subsistir, vemos que toda a produção de bens e serviços está subordinada à produção de capital e não a qualquer tipo de organização e distribuição de riqueza para os seres sociais que trabalham. Dessa forma é mais entender que o objetivo básico do sistema capitalista é a produção e auto-expansão do capital.
Com o capital conseguindo libertar-se dos constrangimentos dos sistemas orgânicos anteriores, superando principalmente as proibições da compra e venda de terra e trabalho, ele pode afirmar-se como sistema orgânico oniabrangente que visa à auto-expansão reduzindo e degradando os seres humanos à condição de meros “custos de produção” como “força de trabalho necessária” podendo tratar o trabalho vivo como “mercadoria comercializável”. Se os sistemas orgânicos anteriores eram orientados para a produção de valores de uso e tinham um alto grau de auto-suficiência,
O capital pôde emergir e triunfar sobre seus antecessores históricos como um sistema de controle sociometabólico pelo abandono de todas as considerações da necessidade humana vinculada às limitações dos valores de uso não-quantificáveis, sobrepondo-lhes – como pré-requisito absoluto de sua legitimação para se tornarem alvos aceitáveis de produção – os imperativos fetichistas do valor de troca quatificável e sempre expansivo. Eis como a forma historicamente específica do sistema do capital: sua variedade burguesa capitalista, passou a existir. Teve de adotar o modo esmagadoramente econômico de extrair trabalho excedente pela mais-valia estritamente quantificável.
Aqui já podemos discutir o que aconteceu nas experiências do “socialismo real” na União Soviética e no Leste Europeu. Nessas sociedades que, assim como István Mészáros, denominaremos de sociedades pós-capitalistas ou pós-revolucionárias, a diferença central em relação ao capitalismo estava na forma com que a extração de trabalho excedente era feita de maneira dominantemente política e não econômica. Nesse sentido, não houve uma superação do capital em nenhum sentido. O capital ainda permaneceu dominante nessas sociedades por meio dos imperativos materiais que circunscrevem as possibilidades da totalidade do processo vital; da divisão social do trabalho herdada, que, apesar das suas significativas modificações, contradiz o “desenvolvimento das livres individualidades”; da estrutura objetiva do aparato produtivo disponível (incluindo instalações e maquinaria) e da forma historicamente limitada ou desenvolvida do conhecimento científico, ambas originalmente produzidas na estrutura de produção de capital e sob as condições da divisão social do trabalho; a dos vínculos e interconexões das sociedades pós-revolucionárias com o sistema global do capitalismo, quer estes assumam a forma de “competição pacífica” (intercâmbio comercial e cultural), quer assumam a forma de oposição potencialmente mortal (desde a corrida armamentista até maiores ou menos confrontações reais em áreas sujeitas a disputa).
Nesse sentido as sociedades pós-revolucionárias se mostraram incapacitadas de superar o metabolismo social do capital, isto é, o complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. No século XX o capitalismo como uma das possíveis configurações de existência do capital caracterizada pela subsunção real do trabalho de maneira estritamente econômica teve seu excesso obsceno na figura do stalinismo que acabou sendo a forma de reprodução do capital só que sobre uma subordinação do trabalho de maneira estritamente política.
Para Robert Kurz, o colapso da URSS significa a existência de uma falha no sistema produtor de mercadorias e seus mecanismos de funcionamento. Ele situa a experiência soviética sob o prisma da modernização das regiões ainda pouco desenvolvidas tendo um caráter “de um desenvolvimento recuperador, particularmente forçado, em que não apenas se repetia o estatismo dos inícios da época moderna, mas que também se apresentava numa forma muito mais puta, conseqüente e rigorosa que as dos originais ocidentais esquecidos há muito tempo” (p. 35). Kurz propõem entender as formas supostamente não capitalistas do socialismo estatal soviético (e de todos os regimes semelhantes) como experiências históricas necessárias e pré-formuladas pelo próprio capitalismo. O processo de modernização do sistema global do capital envolve sua expansão podendo, dessa forma, considerar as experiências ditas socialistas do século XX como uma forma de modernização tardia rumo à possibilidade de interligação constitutiva de todo o globo como um sistema de produção generalizada de mercadorias. Segundo sua análise, o fim da URSS mostra um sintoma fundamental de nossa época histórica contemporânea: a crise estrutural do sistema global produtor de mercadorias.
Nesse sentido, o colapso da modernização capitalista é a incapacidade do capital atender seus imperativos existenciais de acumulação e expansão por já chegar a um estágio global de seu desenvolvimento histórico. Por atingir esses limites, podemos dizer que essa crise estrutural está diretamente relacionada com o desenvolvimento do próprio capital global. Seu sucesso como relação global totalizante e expansiva tem seu limite na impossibilidade de reproduzir seu ímpeto globalizante intrínseco.
Considerando essa diferenciação inicial é que podemos pensar essa crise e as políticas alternativas a condição atual das coisas.
Nesse sentido as sociedades pós-revolucionárias se mostraram incapacitadas de superar o metabolismo social do capital, isto é, o complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. No século XX o capitalismo como uma das possíveis configurações de existência do capital caracterizada pela subsunção real do trabalho de maneira estritamente econômica teve seu excesso obsceno na figura do stalinismo que acabou sendo a forma de reprodução do capital só que sobre uma subordinação do trabalho de maneira estritamente política.
Para Robert Kurz, o colapso da URSS significa a existência de uma falha no sistema produtor de mercadorias e seus mecanismos de funcionamento. Ele situa a experiência soviética sob o prisma da modernização das regiões ainda pouco desenvolvidas tendo um caráter “de um desenvolvimento recuperador, particularmente forçado, em que não apenas se repetia o estatismo dos inícios da época moderna, mas que também se apresentava numa forma muito mais puta, conseqüente e rigorosa que as dos originais ocidentais esquecidos há muito tempo” (p. 35). Kurz propõem entender as formas supostamente não capitalistas do socialismo estatal soviético (e de todos os regimes semelhantes) como experiências históricas necessárias e pré-formuladas pelo próprio capitalismo. O processo de modernização do sistema global do capital envolve sua expansão podendo, dessa forma, considerar as experiências ditas socialistas do século XX como uma forma de modernização tardia rumo à possibilidade de interligação constitutiva de todo o globo como um sistema de produção generalizada de mercadorias. Segundo sua análise, o fim da URSS mostra um sintoma fundamental de nossa época histórica contemporânea: a crise estrutural do sistema global produtor de mercadorias.
Nesse sentido, o colapso da modernização capitalista é a incapacidade do capital atender seus imperativos existenciais de acumulação e expansão por já chegar a um estágio global de seu desenvolvimento histórico. Por atingir esses limites, podemos dizer que essa crise estrutural está diretamente relacionada com o desenvolvimento do próprio capital global. Seu sucesso como relação global totalizante e expansiva tem seu limite na impossibilidade de reproduzir seu ímpeto globalizante intrínseco.
Considerando essa diferenciação inicial é que podemos pensar essa crise e as políticas alternativas a condição atual das coisas.
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Existe um relativo consenso sobre o surgimento do que vamos denominar aqui de “crise estrutural do metabolismo global do capital”. Essa crise é comumente relacionada com o declínio do Estado de Bem-Estar Social e com o fim da experiência soviética do “socialismo real” sendo esta mais uma manifestação da crise global que se universaliza no final do século XX. As diversas crises que desembocaram no final do século como a mexicana e a asiática estão também estreitamente ligadas com essa crise estrutural cuja causalidade unifica tais manifestações particulares e seu impacto global. Entretanto, como podemos definir essa crise?
Todas as crises do capital são crises de superprodução de valores de troca. Marx já indicava que a lei geral da produção de capital é sempre impulsionada para a expansão, sem considerar os limites do mercado ou as necessidades humanas, o que acarreta periodicamente um desequilíbrio entre produção e circulação ou, em termos marxistas, um desequilíbrio entre o crescimento da taxa de lucro e a realização da mais-valia. O Estado de Bem-Estar Social instaurado no pós-II Guerra Mundial (1945) fez parte do último longo expansivo do capital: foi a forma mais adequada de extração da mais-valia por o Estado ter tomado o papel auxiliador do padrão de acumulação fundado sob o binômio fordismo/keynesianismo exigindo, concomitante a produção de massa, o correspondente consumo de massa. A injeção de recursos públicos na economia visando aumentar o consumo possibilitou, dessa forma, a consolidação de um período de expansão imperturbada: os trinta anos gloriosos do capitalismo. Nesse período a tendência de crise do capital rebuscada pelas altas taxas de crescimento, pelo aumento no padrão de vida dos trabalhadores com o antivalor ou fundo público que possibilitava o desenvolvimento dos salários indiretos compostos por investimentos na educação, saúde, moradia...
Esse modelo entra em crise em meados de 1970. O atendimento dos “imperativos existenciais” do capital de expansão e acumulação encontra seus limites por não conseguir mais se valer do crescimento dos mercados e da ocupação de novos territórios para colocar a crescente produção de mercadorias. Visando a ampliação do consumo diante dessas impossibilidades objetivas a produção volta-se para a redução progressiva da taxa de utilização dos produtos com a redução da vida útil das mercadorias tentando dar vazão a superprodução numa circulação acelerada. É dessa forma que deve ser entendida a atual “sociedade de consumo” onde o desperdício e o descartável reinam. É aqui que se instaura o pós-modernismo como lógica cultural do capitalismo tardio.
(Se o modernismo foi à experiência e o resultado de uma modernização incompleta, inacabada e inacabável pela impossibilidade de atender as demandas burguesas fundamentais de liberdade, igualdade e fraternidade, o pós-modernismo surge quando o processo de modernização não tem mais de desembaraçar das características arcaicas e não tem mais obstáculos diante dele fazendo com que sua própria lógica possa reinar triunfalmente...)
Com o desequilíbrio a superprodução de mercadorias (que é um efeito do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade capitalista) e a eliminação de seus potenciais consumidores instalam-se uma crise. Maio de 1968 foi exatamente o transbordamento desse limite...
Voltando... com o esgotamento desse ímpeto político-transformador de 1968 começou a reação do capital no sentido de construir uma ofensiva neoliberal que já havia sido preparada por Hayek e Popper desde a década de 1940, mas que somente em meados de 1970 encontrara condições objetivas para sua propagação. O objetivo principal dessa ofensiva foi restabelecer a acumulação e a expansão de capital com novas formas de extração do trabalho excedente com (1) mudanças no processo produtivo, na gestão das empresas e da força de trabalho, (2) no cerceamento das atividades políticas dos trabalhadores, (3) o crescimento do desemprego estrutural (4) a globalização, (5) as políticas neoliberais, (6) o desenvolvimento de novas tecnologias. Não vou percorrer, nem rapidamente, cada uma delas. Vamos ao ponto que parece mais importar hoje: a financeirização da economia.
Um dos meios para a superação dessa crise estrutural por parte do capital foi à criação de formas totalmente artificiais de reprodução. Aqui deve ser entendida a gênese da crise do sistema financeiro atual, como uma resposta fenomênica a crise estrutural do metabolismo global do capital.
Marx indicava na fórmula D – M – D’ a forma de atendimento material dos imperativos existenciais do capital. Sob a financeirização a fórmula transforma-se em D – D’, isso é, uma porção de dinheiro é transformada em mais dinheiro sem a mediação da mercadoria. É a “valorização do valor” em sua etapa mais desenvolvida e predatória. Para poder aprofundar essa perspectiva vou fazer uma citação que parece cair muito bem: “o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e sua valorização que constituem o ponto de partida e sua meta, o motivo e fim da produção”. Não podemos encontrar, portanto, na financeirização um limite histórico do capital? Ou melhor, quais foram os problemas da financeirização como via de saída?
O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor de valor já criado. Pode criar lucro, mas não cria valor – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Visto que os lucros não se baseiam na criação de valor novo ou agregado, as operações de investimento resultam extremamente voláteis e os preços das ações, as obrigações e de outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real: por exemplo, as ações de empresas incipientes de Internet, que se mantiveram por um tempo em alta, sustentadas principalmente por valorações financeiras em espiral, para logo arruinarem-se. Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens por movimento de preços que divergem da alta do valor das mercadorias, para vender oportunamente antes de que a realidade force a “correção” para baixa, a fim de ajustar-se aos valores reais. A alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se chama de formação de uma bolha. Como podemos resumir esse processo atualmente, portanto? O desabamento de Wall Street não se deve apenas à cobiça e à falta de regulação estatal do setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise estrutural do capital global que, desde meados dos 70, abarca a totalidade do sistema sob a incapacidade de que seus fatores consigam resolver a sua própria crise. Minha tese é que existem limitações estruturais para o processo de acumulação de capital que estão, desde a década de 1970, atuando como um frio para o funcionamento do sistema. Temos que viver essas situações no cotidiano. Pensemos, então, a ligação dessa crise com alternativas.
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A crise financeira não é, de forma alguma, um desequilíbrio. A crise, a que temos de nos acostumar, não é nem uma crise do capitalismo e sim do sistema do capital em sua totalidade que, afim de que a humanidade sobreviva demanda mudanças fundamentais no modo de controle do metabolismo global do capital. A necessidade de uma mudança estrutural radical e abrangente na ordem estabelecida carrega consigo a exigência da redefinição qualitativa das determinações sistêmicas da sociedade como a perspectiva geral de transformação. Ajustes parciais não são suficientes para cumprir o desafio histórico posto: somente a instituição e a consolidação de uma alternativa hegemônica ao controle sóciometabólico do capital pode oferecer saída para as contradições e antagonismos de nosso tempo. Como sugere Mészáros, “transformar a crise sistêmica do capital em sua “crise final” dependerá da habilidade do movimento revolucionário em se reorientar radicalmente para enfrentar esse imenso desafio histórico”.
Numa declaração recente da ATTAC da Europa é apontado que para responder a esta crise não basta moralizar o capitalismo ou atribuir culpa aos agentes dos mercados financeiros. Uma regulação superficial ou uma gestão da crise em curto prazo teriam como resultado salvar o sistema e conduzir-nos a novos desastres. A resposta a essa crise seria sair do neoliberalismo e por fim ao domínio das finanças sobre o conjunto da sociedade. Pensemos: se essa é a alternativa de esquerda para a crise estamos perdidos. Nesse ponto é necessário superar a herança da experiência soviética ou reluz sobre as demandas impossíveis, ou histéricas diria Lacan, que nunca vão ser atendidas pelo sistema do capital. Vale aqui o recado de István Mészáros:
A matriz das aspirações de emancipação não pode em hipótese alguma estar no sistema do capital. Se estivermos seriamente interessados na realização completa do mandato emancipador, com suas dimensões formais e informais, teremos de imaginar uma ordem metabólica social da qual se removam todas as determinações e defeitos incorrigíveis do capital. Evidentemente é preciso ter em conta o fato de que são necessários muitos passos até que se chegue àquele estágio, e que eles não podem ser dados num futuro hipotético. É preciso começar imediatamente, no presente, assumindo o controle das alavancagens e mediações práticas pelas quais deve passar o progresso, desde o presente realmente existente até o futuro esperado. É fundamental ter uma boa avaliação das nossas forças e recursos, tal como definidos pelas restrições do presente e pelas mediações mais ou menos limitadas ao nosso alcance. Mas nem mesmo um progresso reduzido será possível se não tivermos uma estrutura estratégica de orientação: um 'objetivo geral' que pretendemos atingir. O convite a se deixar orientar pela defesa estratégica da "mudança gradual" pode superficialmente parecer tentador. Mas na realidade essa proposta é enganadora e desorientadora, pois tende a permanecer cega se não se integrar numa estrutura estratégica abrangente, o que equivale a cancelar a nossa autodefinição retórica e geradora de slogans.
O capital faz parte de uma relação incontrolável que usurpa o tempo, força de trabalho, matérias-primas, o meio-ambiente e desenvolve uma tecnologia aliada aos imperativos existenciais de acumulação e expansão de capital sem considerar as necessidades humanas, sociais e naturais. Precisamos de óculos ou uma tela de TV para o entendimento desse processo? Estamos nesse início de século XXI reproduzindo, pelas relações sociais dominantes, a desigualdade num sentido altamente destrutivo sob a relação estruturalmente hierárquica do capital sob o mundo do trabalho e, nesse ponto, a crítica de Walter Benjamim a o que foi denominado de progresso tem sua força. Vale à pena ler com calma a IX tese “sobre o conceito de história” de 1940.
Existe um quadro de Klee intitulado de “Angelus Novus”. Nele está representado um anjo, que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estriadas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele tem seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe, que se cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos e progresso é essa tempestade (Benjamin, 87).
Benjamin trata de desmistificar o progresso por meio das ruínas catastróficas que ele produz numa crítica contra aqueles que consideram “natural” esse processo e, dessa forma, inevitável. Propõem que o trem da história seja freado antes que seja tarde. Nesse sentido, na VII tese Benjamim escreve que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ no qual vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de instaurar o real estado de exceção” (p. 83). Benjamim nos convida aqui a pensar sobre o real significado desse progresso que, para os conformistas, significa a evolução das sociedades no sentido de mais democracia, liberdade e paz. Ele nos evoca para a criação de um “real estado de exceção” que desvie a regra da história (opressão de classe, barbárie, violência dos vencedores) rumo a uma sociedade sem classes baseada na rememoração universal de todas as vítimas sem exceção.
Desde a época de Benjamin a história continuou rumo ao “progresso” e, nesse empreitada extremamente exploradora e opressiva, viu a explosão das bombas atômicas, uma diversidade de guerras, ditaduras, mortes: em outras palavras, o aviso de Benjamim continua válido só que sob uma urgência muito maior já que o potencial destrutivo da sociedade capitalista só aumentou desde lá. Principalmente desde meados de 1970, o capital em seu constante movimento de expansão começa a circular livremente pelas mediações sociais criando um curto-circuito estrutural onde o valor se autodestrói no sentido de seu próprio desenvolvimento: é o limite de reprodução do capital exatamente sob a sua “totalização” no tempo e espaço da vida social do âmbito relacional do sujeito. Nesse ponto A Catástrofe (extinção do ser humano ou da natureza) torna-se uma potencialidade positiva para a reprodução ampliada do capital e, nesse sentido, é preciso cortar o pavio que queima antes que a faísca atinja a dinamite. Numa época em que o incompreensível virou rotina, para evitar a catástrofe, primeiro é necessário acreditar na sua possibilidade. É preciso acreditar que o impossível é possível. Considerá-las improváveis ou nem mesmo pensar nelas é a desculpa para não fazer nada contra elas antes que atinjam o ponto em que o improvável vira realidade.
Existe um relativo consenso sobre o surgimento do que vamos denominar aqui de “crise estrutural do metabolismo global do capital”. Essa crise é comumente relacionada com o declínio do Estado de Bem-Estar Social e com o fim da experiência soviética do “socialismo real” sendo esta mais uma manifestação da crise global que se universaliza no final do século XX. As diversas crises que desembocaram no final do século como a mexicana e a asiática estão também estreitamente ligadas com essa crise estrutural cuja causalidade unifica tais manifestações particulares e seu impacto global. Entretanto, como podemos definir essa crise?
Todas as crises do capital são crises de superprodução de valores de troca. Marx já indicava que a lei geral da produção de capital é sempre impulsionada para a expansão, sem considerar os limites do mercado ou as necessidades humanas, o que acarreta periodicamente um desequilíbrio entre produção e circulação ou, em termos marxistas, um desequilíbrio entre o crescimento da taxa de lucro e a realização da mais-valia. O Estado de Bem-Estar Social instaurado no pós-II Guerra Mundial (1945) fez parte do último longo expansivo do capital: foi a forma mais adequada de extração da mais-valia por o Estado ter tomado o papel auxiliador do padrão de acumulação fundado sob o binômio fordismo/keynesianismo exigindo, concomitante a produção de massa, o correspondente consumo de massa. A injeção de recursos públicos na economia visando aumentar o consumo possibilitou, dessa forma, a consolidação de um período de expansão imperturbada: os trinta anos gloriosos do capitalismo. Nesse período a tendência de crise do capital rebuscada pelas altas taxas de crescimento, pelo aumento no padrão de vida dos trabalhadores com o antivalor ou fundo público que possibilitava o desenvolvimento dos salários indiretos compostos por investimentos na educação, saúde, moradia...
Esse modelo entra em crise em meados de 1970. O atendimento dos “imperativos existenciais” do capital de expansão e acumulação encontra seus limites por não conseguir mais se valer do crescimento dos mercados e da ocupação de novos territórios para colocar a crescente produção de mercadorias. Visando a ampliação do consumo diante dessas impossibilidades objetivas a produção volta-se para a redução progressiva da taxa de utilização dos produtos com a redução da vida útil das mercadorias tentando dar vazão a superprodução numa circulação acelerada. É dessa forma que deve ser entendida a atual “sociedade de consumo” onde o desperdício e o descartável reinam. É aqui que se instaura o pós-modernismo como lógica cultural do capitalismo tardio.
(Se o modernismo foi à experiência e o resultado de uma modernização incompleta, inacabada e inacabável pela impossibilidade de atender as demandas burguesas fundamentais de liberdade, igualdade e fraternidade, o pós-modernismo surge quando o processo de modernização não tem mais de desembaraçar das características arcaicas e não tem mais obstáculos diante dele fazendo com que sua própria lógica possa reinar triunfalmente...)
Com o desequilíbrio a superprodução de mercadorias (que é um efeito do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade capitalista) e a eliminação de seus potenciais consumidores instalam-se uma crise. Maio de 1968 foi exatamente o transbordamento desse limite...
Voltando... com o esgotamento desse ímpeto político-transformador de 1968 começou a reação do capital no sentido de construir uma ofensiva neoliberal que já havia sido preparada por Hayek e Popper desde a década de 1940, mas que somente em meados de 1970 encontrara condições objetivas para sua propagação. O objetivo principal dessa ofensiva foi restabelecer a acumulação e a expansão de capital com novas formas de extração do trabalho excedente com (1) mudanças no processo produtivo, na gestão das empresas e da força de trabalho, (2) no cerceamento das atividades políticas dos trabalhadores, (3) o crescimento do desemprego estrutural (4) a globalização, (5) as políticas neoliberais, (6) o desenvolvimento de novas tecnologias. Não vou percorrer, nem rapidamente, cada uma delas. Vamos ao ponto que parece mais importar hoje: a financeirização da economia.
Um dos meios para a superação dessa crise estrutural por parte do capital foi à criação de formas totalmente artificiais de reprodução. Aqui deve ser entendida a gênese da crise do sistema financeiro atual, como uma resposta fenomênica a crise estrutural do metabolismo global do capital.
Marx indicava na fórmula D – M – D’ a forma de atendimento material dos imperativos existenciais do capital. Sob a financeirização a fórmula transforma-se em D – D’, isso é, uma porção de dinheiro é transformada em mais dinheiro sem a mediação da mercadoria. É a “valorização do valor” em sua etapa mais desenvolvida e predatória. Para poder aprofundar essa perspectiva vou fazer uma citação que parece cair muito bem: “o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e sua valorização que constituem o ponto de partida e sua meta, o motivo e fim da produção”. Não podemos encontrar, portanto, na financeirização um limite histórico do capital? Ou melhor, quais foram os problemas da financeirização como via de saída?
O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor de valor já criado. Pode criar lucro, mas não cria valor – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Visto que os lucros não se baseiam na criação de valor novo ou agregado, as operações de investimento resultam extremamente voláteis e os preços das ações, as obrigações e de outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real: por exemplo, as ações de empresas incipientes de Internet, que se mantiveram por um tempo em alta, sustentadas principalmente por valorações financeiras em espiral, para logo arruinarem-se. Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens por movimento de preços que divergem da alta do valor das mercadorias, para vender oportunamente antes de que a realidade force a “correção” para baixa, a fim de ajustar-se aos valores reais. A alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se chama de formação de uma bolha. Como podemos resumir esse processo atualmente, portanto? O desabamento de Wall Street não se deve apenas à cobiça e à falta de regulação estatal do setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise estrutural do capital global que, desde meados dos 70, abarca a totalidade do sistema sob a incapacidade de que seus fatores consigam resolver a sua própria crise. Minha tese é que existem limitações estruturais para o processo de acumulação de capital que estão, desde a década de 1970, atuando como um frio para o funcionamento do sistema. Temos que viver essas situações no cotidiano. Pensemos, então, a ligação dessa crise com alternativas.
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A crise financeira não é, de forma alguma, um desequilíbrio. A crise, a que temos de nos acostumar, não é nem uma crise do capitalismo e sim do sistema do capital em sua totalidade que, afim de que a humanidade sobreviva demanda mudanças fundamentais no modo de controle do metabolismo global do capital. A necessidade de uma mudança estrutural radical e abrangente na ordem estabelecida carrega consigo a exigência da redefinição qualitativa das determinações sistêmicas da sociedade como a perspectiva geral de transformação. Ajustes parciais não são suficientes para cumprir o desafio histórico posto: somente a instituição e a consolidação de uma alternativa hegemônica ao controle sóciometabólico do capital pode oferecer saída para as contradições e antagonismos de nosso tempo. Como sugere Mészáros, “transformar a crise sistêmica do capital em sua “crise final” dependerá da habilidade do movimento revolucionário em se reorientar radicalmente para enfrentar esse imenso desafio histórico”.
Numa declaração recente da ATTAC da Europa é apontado que para responder a esta crise não basta moralizar o capitalismo ou atribuir culpa aos agentes dos mercados financeiros. Uma regulação superficial ou uma gestão da crise em curto prazo teriam como resultado salvar o sistema e conduzir-nos a novos desastres. A resposta a essa crise seria sair do neoliberalismo e por fim ao domínio das finanças sobre o conjunto da sociedade. Pensemos: se essa é a alternativa de esquerda para a crise estamos perdidos. Nesse ponto é necessário superar a herança da experiência soviética ou reluz sobre as demandas impossíveis, ou histéricas diria Lacan, que nunca vão ser atendidas pelo sistema do capital. Vale aqui o recado de István Mészáros:
A matriz das aspirações de emancipação não pode em hipótese alguma estar no sistema do capital. Se estivermos seriamente interessados na realização completa do mandato emancipador, com suas dimensões formais e informais, teremos de imaginar uma ordem metabólica social da qual se removam todas as determinações e defeitos incorrigíveis do capital. Evidentemente é preciso ter em conta o fato de que são necessários muitos passos até que se chegue àquele estágio, e que eles não podem ser dados num futuro hipotético. É preciso começar imediatamente, no presente, assumindo o controle das alavancagens e mediações práticas pelas quais deve passar o progresso, desde o presente realmente existente até o futuro esperado. É fundamental ter uma boa avaliação das nossas forças e recursos, tal como definidos pelas restrições do presente e pelas mediações mais ou menos limitadas ao nosso alcance. Mas nem mesmo um progresso reduzido será possível se não tivermos uma estrutura estratégica de orientação: um 'objetivo geral' que pretendemos atingir. O convite a se deixar orientar pela defesa estratégica da "mudança gradual" pode superficialmente parecer tentador. Mas na realidade essa proposta é enganadora e desorientadora, pois tende a permanecer cega se não se integrar numa estrutura estratégica abrangente, o que equivale a cancelar a nossa autodefinição retórica e geradora de slogans.
O capital faz parte de uma relação incontrolável que usurpa o tempo, força de trabalho, matérias-primas, o meio-ambiente e desenvolve uma tecnologia aliada aos imperativos existenciais de acumulação e expansão de capital sem considerar as necessidades humanas, sociais e naturais. Precisamos de óculos ou uma tela de TV para o entendimento desse processo? Estamos nesse início de século XXI reproduzindo, pelas relações sociais dominantes, a desigualdade num sentido altamente destrutivo sob a relação estruturalmente hierárquica do capital sob o mundo do trabalho e, nesse ponto, a crítica de Walter Benjamim a o que foi denominado de progresso tem sua força. Vale à pena ler com calma a IX tese “sobre o conceito de história” de 1940.
Existe um quadro de Klee intitulado de “Angelus Novus”. Nele está representado um anjo, que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estriadas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele tem seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe, que se cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos e progresso é essa tempestade (Benjamin, 87).
Benjamin trata de desmistificar o progresso por meio das ruínas catastróficas que ele produz numa crítica contra aqueles que consideram “natural” esse processo e, dessa forma, inevitável. Propõem que o trem da história seja freado antes que seja tarde. Nesse sentido, na VII tese Benjamim escreve que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ no qual vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de instaurar o real estado de exceção” (p. 83). Benjamim nos convida aqui a pensar sobre o real significado desse progresso que, para os conformistas, significa a evolução das sociedades no sentido de mais democracia, liberdade e paz. Ele nos evoca para a criação de um “real estado de exceção” que desvie a regra da história (opressão de classe, barbárie, violência dos vencedores) rumo a uma sociedade sem classes baseada na rememoração universal de todas as vítimas sem exceção.
Desde a época de Benjamin a história continuou rumo ao “progresso” e, nesse empreitada extremamente exploradora e opressiva, viu a explosão das bombas atômicas, uma diversidade de guerras, ditaduras, mortes: em outras palavras, o aviso de Benjamim continua válido só que sob uma urgência muito maior já que o potencial destrutivo da sociedade capitalista só aumentou desde lá. Principalmente desde meados de 1970, o capital em seu constante movimento de expansão começa a circular livremente pelas mediações sociais criando um curto-circuito estrutural onde o valor se autodestrói no sentido de seu próprio desenvolvimento: é o limite de reprodução do capital exatamente sob a sua “totalização” no tempo e espaço da vida social do âmbito relacional do sujeito. Nesse ponto A Catástrofe (extinção do ser humano ou da natureza) torna-se uma potencialidade positiva para a reprodução ampliada do capital e, nesse sentido, é preciso cortar o pavio que queima antes que a faísca atinja a dinamite. Numa época em que o incompreensível virou rotina, para evitar a catástrofe, primeiro é necessário acreditar na sua possibilidade. É preciso acreditar que o impossível é possível. Considerá-las improváveis ou nem mesmo pensar nelas é a desculpa para não fazer nada contra elas antes que atinjam o ponto em que o improvável vira realidade.
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Zizek enfatiza que a pergunta que deve ser feita agora é: “qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos? Muito está sendo mistificado nesse sentido. “A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão. Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar. É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento”....
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A crise estrutural do capital global pode se tornar um Significante-Mestre para a articulação de um novo projeto radical de emancipação humana? Ou ainda, segundo Zizek: hoje a única verdadeira questão é: nós endossamos essa naturalização do capitalismo ou o capitalismo global de hoje contém antagonismos fortes o suficiente para impedir sua infinita reprodução?
Existe um poder didático de caráter político nessa crise que devemos prestar atenção rapidamente.
Os últimos acontecimentos que envolvem uma transferência de renda na casa dos trilhões por parte dos Estados do centro capitalista para uma paradoxal maior liquidez no sistema financeiro internacional desnuda a forma-política que está por trás desses atos cleptocratas: a democracia-liberal. É ela que sustenta a possibilidade dessas ações que passam por cima da burocracia buscando incondicionalmente o salvamento do mercado capitalista. Dessa forma cai por terra o imaginário liberal da separação entre capital e o Estado que, sob essa crise estrutural, necessita recorrer urgentemente a uma hibridização. Esse processo já é corrente faz décadas, mas só agora toma proporções explícitas que fariam até o Sr. Milton Friedman e seus colegas serem advogados do Estado intervencionista. Como já era um pressuposto em Marx, a economia capitalista não consegue passar nem alguns segundos sem a força mediadora e de controle do Estado. Nesse sentido temos que ser radicais e perturbar o consenso político dominante: “Fidelidade ao consenso democrático significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar, que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-liberal é cúmplice nos fenômenos que ela oficialmente condena, e, é claro, qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sociopolítica diferente. Em suma significa: diga e escreva o que quiser – desde que não se questione ou perturbe, na prática, o consenso político dominante... Hoje, a verdadeira liberdade de pensamento significa liberdade para questionar o consenso democrático-liberal “pós-ideológico” dominante – ou não significa nada”. Devemos abandonar a democracia como Significante-Mestre: “a democracia é hoje o principal fetiche político, a rejeição dos antagonismos sociais básicos: na situação eleitoral, a hierarquia social é momentaneamente suspensa, o corpo social é reduzido a uma multidão pura passível de ser contada, e aqui também o antagonismo também é suspenso”. Volto à pergunta: a crise estrutural do capital global pode se tornar um Significante-Mestre para a articulação de um novo projeto radical de emancipação humana? Considerando que essa crise é estrutural, global e multidimensional ela pode ser uma ótima escolha.
Zizek enfatiza que a pergunta que deve ser feita agora é: “qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos? Muito está sendo mistificado nesse sentido. “A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão. Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar. É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento”....
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A crise estrutural do capital global pode se tornar um Significante-Mestre para a articulação de um novo projeto radical de emancipação humana? Ou ainda, segundo Zizek: hoje a única verdadeira questão é: nós endossamos essa naturalização do capitalismo ou o capitalismo global de hoje contém antagonismos fortes o suficiente para impedir sua infinita reprodução?
Existe um poder didático de caráter político nessa crise que devemos prestar atenção rapidamente.
Os últimos acontecimentos que envolvem uma transferência de renda na casa dos trilhões por parte dos Estados do centro capitalista para uma paradoxal maior liquidez no sistema financeiro internacional desnuda a forma-política que está por trás desses atos cleptocratas: a democracia-liberal. É ela que sustenta a possibilidade dessas ações que passam por cima da burocracia buscando incondicionalmente o salvamento do mercado capitalista. Dessa forma cai por terra o imaginário liberal da separação entre capital e o Estado que, sob essa crise estrutural, necessita recorrer urgentemente a uma hibridização. Esse processo já é corrente faz décadas, mas só agora toma proporções explícitas que fariam até o Sr. Milton Friedman e seus colegas serem advogados do Estado intervencionista. Como já era um pressuposto em Marx, a economia capitalista não consegue passar nem alguns segundos sem a força mediadora e de controle do Estado. Nesse sentido temos que ser radicais e perturbar o consenso político dominante: “Fidelidade ao consenso democrático significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar, que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-liberal é cúmplice nos fenômenos que ela oficialmente condena, e, é claro, qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sociopolítica diferente. Em suma significa: diga e escreva o que quiser – desde que não se questione ou perturbe, na prática, o consenso político dominante... Hoje, a verdadeira liberdade de pensamento significa liberdade para questionar o consenso democrático-liberal “pós-ideológico” dominante – ou não significa nada”. Devemos abandonar a democracia como Significante-Mestre: “a democracia é hoje o principal fetiche político, a rejeição dos antagonismos sociais básicos: na situação eleitoral, a hierarquia social é momentaneamente suspensa, o corpo social é reduzido a uma multidão pura passível de ser contada, e aqui também o antagonismo também é suspenso”. Volto à pergunta: a crise estrutural do capital global pode se tornar um Significante-Mestre para a articulação de um novo projeto radical de emancipação humana? Considerando que essa crise é estrutural, global e multidimensional ela pode ser uma ótima escolha.