Introdução
O termo “revolução” faz arrepiar a espinha de muitos
sujeitos. No sentido mais ordinário, “revolução” quer dizer o emprego da
violência para a tomada do poder por algum grupo, categoria social ou outra
força qualquer na oposição. Aqui revolução está mais relacionada com a
“insurreição”. Mas uma “revolução” é muito mais que isso. O que entendemos como
Revolução Francesa não se reduz apenas a tomada da Bastilha, mas também as
agitações camponesas, a marcha do povo sobre Versalhes, a execução de Luís XVI,
o terror, etc. Em seu sentido real, “revolução” significa o processo histórico
de transformações econômicas, sociais e políticas sucessivas e concentradas num
período relativamente curto, que vão dar em transformações estruturais da
sociedade e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias
sociais. São esses momentos de brusca transição de uma situação econômica,
social e política para outra que podemos entender por “revolução”. Portanto, no
caso brasileiro não se trata se indagar se o caminho da revolução merece esta
ou aquela designação, mas sim determinar e saber que acontecerá, ou pode e deve
acontecer no curso da revolução. Um exemplo notório destes que sofrem com a síndrome do
manual e suas designações pré-estabelecidas são aqueles cujo horizonte
revolucionário é baseado no “esquema Fevereiro/Outubro” da Revolução Russa como
estratégia da conquista do poder na situação brasileira contemporânea.
É relativamente óbvio que não existe modelo completamente
universalizável para todas as experiências revolucionárias. Países que vinham
de regimes ditatoriais atrozes (como o tzarismo e o salazarismo), que não
detinham superestruturas das diversas classes sociais, os parlamentares e o
judiciário eram tutelados pelos governos e o poder era exercido quase somente
pela força oriunda de aparatos militares e policiais de repressão e vigilância
definitivamente não encontra paralelos em inúmeros países do mundo. Assim as
condições para uma revolução no esquema Fevereiro/Outubro não estão (e nunca
estiveram) dadas em todos os países do mundo. O pior de tudo é que mesmo quando
se olha para as revoluções passadas, as revoluções chinesa, vietnamita, cubana,
as do leste europeu, elas não seriam “normais”, ou seja, são completamente
distintas da revolução de 1917, seja pela classe social, pelas formas de luta,
pela existência de um partido e uma direção “bolchevique”, seja pelo Programa ,
seja pela visão internacionalista do socialismo, etc. Em suma, toda revolução é
uma exceção universal, um evento a priori impossível de se realizado por se
encontrar, sem exceção, imbuído de condições “objetivamente” singulares em
termos históricos, econômicos, (geo)políticos, ideológicos, culturais,
organizativos. Toda revolução é necessariamente heterodoxa. Nenhuma fórmula
revolucionária se repetiu ao longo do tempo. Todas as revoluções são únicas,
representam uma combinação ímpar de múltiplos fatores, combinação que faz com
que as revoluções sejam a exceção e não a regra no desenvolvimento da história.
As revoluções são realizadas pelo povo,
principalmente pelo povo pobre, que já não suporta viver como até então e já se
convenceu de que não tem mais nada a perder. A forma com que vai se tomar esse
processo é singular, sem espaço para especulações acerca da “natureza” da
revolução, proposto de fora e acima dos fatos concretos e dados imediatamente
pela realidade que o país está efetivamente vivendo.
É numa tal linha de pensamento que
deveríamos deixar para trás as propostas que na atual conjuntura do país buscam
um ideal expresso na “natureza” da revolução ou nas cópias áhistóricas das
revoluções no passado. Esta síndrome do manual
está ligada a uma velha tradição da intelectualidade brasileira. Ao invés de
extrair da realidade brasileira os possíveis modelos de seu processo evolutivo,
mesmo os heterodoxos, ela em geral importa modelos aos quais procura enquadrar
a realidade do país, ou entra em pânico quando não há mais modelos utilizáveis.
Nosso desafio é determinar as transformações constituintes da revolução
brasileira, não pela dedução a priori de algum esquema teórico preestabelecido.
Trata-se de definir uma teoria revolucionária que seja expressão da conjuntura
econômica, social e política do momento. É o foco errado na realidade
brasileira, cheio de modelos teóricos apriorísticos, que tem impedido a
elaboração de uma teoria adequada a revolução brasileira capaz de encaminhar os
fatos de maneira verdadeiramente consequente e mobilizar efetivamente as forças
revolucionárias. Essas insuficiências teóricas se remetem também o mesquinho
embate de facções com teorias sobre “modelos revolucionários” completamente alheios
da realidade brasileira.
Dizer isto
também não torna mais fácil prever as formas concretas que ocorrerá o processo
revolucionário no Brasil, pois se depende fundamentalmente da maneira como se
desenvolver a luta de classes. Em nosso caso, trata-se, em primeiro lugar, de
reconsiderar as circunstâncias em que se processa essa luta, procurar as forças
e os fatores capazes de promoverem as transformações econômicas, sociais e
políticas na conjuntura presente. Trata-se de reelaborar a teoria da nossa revolução,
a fim de pautar a ação política da esquerda brasileira. Não podemos mais sofrer
as graves consequências do que respeita a condução prática da ação
revolucionária com uma teoria alheia à realidade, exposta ao sabor das
circunstâncias imediatas, oscilando continuamente entre o sectarismo e o
oportunismo, sem uma linha precisa capaz de orientar seguramente, em cada
momento, a ação revolucionária.
A
teoria revolucionária deve acertar na análise da realidade social bem como se
orientar pelas novas formas de ação, orientadas para colocar os trabalhadores
em condições de solucionar a seu favor a disputa pelo poder, nas circunstâncias
atuais. Essa teoria não “inventa” estas formas de ação, mas representa a
expressão consciente do movimento espontâneo das lutas de classes. Para
produzir “teoria”, portanto, não se depende apenas do conhecimento dos
conceitos teóricos clássicos, mas da capacidade de expor o vir a ser do
processo revolucionário, investigar e descobrir as perspectivas de
transformação social que o atual desenvolvimento das forças produtivas está
abrindo, determinar até que ponto este desenvolvimento afeta o conceito de
proletariado, pelas diferenciações que introduz no interior da classe
trabalhadora. Trata-se, sobretudo, de
entender as novas formas de ação e os mecanismos de participação que as massas estão
criando para intervir de modo mais ativo no plano social e político, com uma
quantidade considerável de dirigentes e militantes que tem o trabalho de criar
raízes fortes com as camadas populares, através de organizações de base (pouco
interessa que nome tenham) capazes de acompanhar e participar do dia-a-dia de
luta daquelas camadas. Sem isso, a teoria revolucionária é incapaz de descobrir
as tendências principais de luta das camadas populares e, da mesma forma que os
mais eficientes serviços secretos dominantes, são apanhados de surpresa quando
o povo se levanta em revolução. As implicações de uma teoria revolucionária são
radicais, pois está em jogo formular a política para o movimento
de massas. Não por acaso, a teoria revolucionária considera a prática como o
critério para definir a verdade. É disto que se trata quando falamos de “teoria
revolucionária”, e não daqueles que deturpam a realidade para ver os fatos não
como eles são, mas como “deveriam ser”, à luz do
que se passou em outros lugares e dos clássicos mal interpretados.
A
teoria da revolução é indispensável e só pode ser feito a partir das realidades
concretas do país, articuladas com a reflexão sobre as interpretações teóricas e
as experiências históricas acumuladas pelo movimento popular ao longo do tempo.
Além disso, para avançar na reelaboração da teoria revolucionaria nada melhor
do que conviver no meio do povo, na mobilização de massas, com coragem para
voltar a fazer trabalho de base. Montar grupos de pessoas que criem
sociabilidade política e ajudar a criar formas coletivas de luta. A teoria da revolução
deve estar intimamente ligada aos sinais do reascenso do movimento de massas. A
força material da teoria da revolução não esta apenas na justeza das ideias,
mas está no contingente que conseguimos organizar para as transformações. Construir
a teoria revolucionária faz parte do processo de preparação das classes revolucionárias para atuar como
uma força material revolucionária, quando se criar uma situação revolucionária.
Esse é o foco. Quando dizemos que determinadas classes são revolucionárias
é porque em determinados momentos seus interesses materiais empurram
objetivamente a revolução social. A análise da situação concreta indica
exatamente quais são seus interesses e que objetivos estratégicos e históricos
lhe são atribuídos. Para alcançar a realização de tais objetivos, porém, é
necessário verificar seu grau real de luta, de consciência, de experiência e de
organização.
Diante disso, temos que se empenhar, muito mais
seriamente do que temos feito, para que a classe de trabalhadores assalariados
em formação ganhe consciência do processo de exploração a que está submetida e
passe a lutar por seus direitos, sejam os econômicos e sociais, sejam os
políticos, a única forma de lhe dar consistência e força socialmente ativa na
sociedade brasileira. Estes trabalhadores que fazem parte do exército
industrial de reserva das favelas e periferias urbanas vão aprender a lutar em
condições de democracia e de combate contra as tentativas de criminalização dos
movimentos sociais, podendo emergir como atores que contribuam decisivamente
para as mudanças que transformem o capitalismo em outro tipo de sociedade. Da
mesma forma que a classe operária que surgiu no ABC naqueles anos, a nova
classe trabalhadora da atualidade terá que aprender, com a própria vivência, o
que é a exploração capitalista e como lutar contra ela. O papel dos
“teóricos” ou setores conscientes consiste em aprender as formas de luta
concreta que surgem da prática da massa, em sistematizá-los e generalizá-los,
dando a essa mesma massa consciência da que esta realizando. Nesse sentido, é
fundamental aprender com a massa. A teoria da revolução é um produto das
lutas de massas que acumulam força e educam as massas.
Por
fim, é preciso dizer que estamos em um período de reconstrução e reorganização de
longo prazo para se recolocar as condições objetivas e subjetivas para a
revolução no Brasil – e a reelaboração da teoria da revolução é crucial.
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