Afirmamos
que o “modo PSOL de governar” em Macapá e Itaocara deve, por um lado, se
focar em colocar o povo na ofensiva,
organizá-lo para resolver diretamente os seus problemas com o auxílio do
aparelho estatal para fazer
avançar a consciência popular e defender o governo diante dos boicotes da
burguesia. Por outro lado, junto com
a liquidação das dívidas das gestões anteriores, é preciso realizar medidas de
emergência que corrijam as violentas contradições sociais, reorientando os
orçamentos públicos no sentido de dar alimentação, saúde, habitação, energia
elétrica, escola, emprego e transporte à população bem como delinear um caminho de desenvolvimento que não seja exclusivamente
capitalista. Um
dos problemas deste “modo PSOL de governar” é a dificuldade em determinar
políticas com diretrizes claras, metas e medidas concretas nestes dois âmbitos.
Para
construirmos o “modo PSOL de governar” é necessário concentrar esforços para
forjar um modelo original, sintonizado às especificidades locais. Temos a
obrigação de transformar positivamente as duas cidades que vencemos e é por
isso que vejo que governar estas cidades
poderá ter um poderoso efeito na construção de um projeto alternativo para o
país.
Antes de tudo, os governos
municipais do PSOL devem levar em
conta que foram eleitos para resolver os problemas específicos, por mais que a preocupação generalizada dos eleitores esteve voltada
para as questões que poderíamos chamar de desenvolvimento econômico e urbano:
infraestrutura de transportes, moradia, saúde, educação, saneamento, emprego,
condições ambientais, esporte e lazer, não necessariamente nessa ordem. O
povo esta preocupado com a melhora de seu padrão de vida, no nível de seu
bem-estar. Neste contexto, a idealização do socialismo não é suficiente para
induzir a base social a dar sustentação ao governo. É preciso melhorar a vida
do povo concretamente junto à luta ideológica permanente. O “modo PSOL de
governar”, portanto, não deve vacilar em construir as bases de um poder
alternativo que combine as ações do governo com iniciativas populares.
Em
primeiro lugar, o “modo PSOL de governar” deve colocar em xeque o regime
representativo clássico com vários instrumentos como Orçamento Participativo,
conselhos municipais, congressos da cidade, fóruns regionais e setoriais,
juntais locais, etc. Mais concretamente, trata-se de conceber um governo local
forte capaz de se impor sobre os grupos dominantes locais (poder econômico,
elites locais) e combater as práticas fisiológicas e patrimonialistas,
sobretudo por meio da criação e do fortalecimento das esferas públicas
democráticas em nível local (ou seja, implantando um modelo de gestão pública
em que se partilha o poder com a sociedade civil). A inserção da população no processo decisório das políticas
públicas e a sintonia com os movimentos sociais não pode ser negociável no
“modo PSOL de governar”. Mas o governo não deve ficar restrito à participação
dos movimentos organizados. Somente uma gestão local comprometida com a
participação popular ampla pode contribuir para o florescimento de uma cultura
política socialista, alternativa à cultura política dos dominantes, capaz de
reeducar o povo para que ele saiba que pode lutar pelas próprias mãos,
incentivando a democracia direta nas decisões - como foi o caso da assembleia
que aprovou os nomes dos secretários da educação e saúde em Itaocara -, incentivando
a organização nos sindicatos, movimentos populares etc. Precisamos fortalecer
uma base social que lute em defesa do “modo PSOL de governar”.
Neste processo de democratização do governo municipal é
importante lembrar a importância do trabalho
de modernização administrativa com transformações no modo de prestar os
serviços públicos. Um ponto nesta modernização deve ser a ampliação das novas
tecnologias de informação para amplos setores da população. Ao terem acesso a
números, aos dados e informações do orçamento público, a população terá maior
capacidade de fiscalização e politização. Mesmo tendo em conta as limitações de
acesso à Internet pelos cidadãos, imagine-se o salto de qualidade nos serviços
e em seu controle público quando uma pessoa passa a ter condições de
acompanhar, diretamente, o caminho interno de um processo de seu interesse
(algo que, até então, é uma das caixas-pretas da administração estatal). Alguém
poderia falar que isso é apenas um detalhe, mas para cidades como Amapá e
Itaocara esta modernização administrativa é decisiva. As medidas para aumentar
a participação popular devem ser acompanhadas pela modernização do exercício do
poder executivo.
Além de luta política para conseguir exercer o
governo, também é preciso planejar a execução de programas
emergenciais, avaliando se existem surtos de determinadas doenças (como a
Malária em Macapá), falta de moradia digna, calçadas adequadas, pavimentação,
coleta de lixo, esgoto, água, energia elétrica, linhas de transmissão, iluminação
pública, capacitação da força de trabalho, modernização administrativa da
prefeitura e superação dos gargalos na saúde e no transporte público.
A complexa execução destes programas emergenciais
deve ser acompanhada, na medida do possível, com políticas que avancem na
socialização da riqueza das cidades. O “modo PSOL de governar” deve misturar um
programa emergencial com a elaboração e execução de projetos estruturantes, atuando
em várias frentes. Poderia citar algumas medidas importantes, seja em Macapá ou
Itaocara, como a ampla valorização do servidor municipal, regulamentação de
instrumentos como IPTU progressivo no tempo e usucapião, identificação e
cadastramento de vazios urbanos existentes para induzir ao uso produtivo e
coletivo destas áreas, revitalização de parques, inclusive com a criação de
centros de leitura e estudo, obras que deem acessibilidade a pessoas com
deficiência, idosos, gestantes, etc, construção de ciclovias e diversificação
de modais, gestão ambiental integrada, uma política de arborização de vias
urbanas e de construção de espaços públicos arborizados para usufruto e lazer
da população, políticas de coleta seletiva de lixo, estímulos a atividades
culturais e esportivas populares, incentivo a instalação de indústrias,
serviços e atividades agropecuárias. Seriam muitas frentes para impulsionar o
bem-estar da população e criar um poder local alternativo.
Tanto em Macapá como em Itaocara existe um grande peso da produção rural,
apesar de sua população morar predominantemente na área urbana. Em Itaocara
existe uma forte produção pecuária, de legumes e derivados do leite
enquanto Macapá possui uma imensa e diversificada produção agropecuária e
extrativista, distribuída pelos Distritos como Fazendinha, região dos rios
Pacuí e Pedreira, Curiaú, Bailique, Coração, Carapanatuba, dentre outros. Em
ambas as cidades é preciso criar políticas específicas para a área rural com a
elaboração e implantação de um conjunto de ações concatenadas junto aos
trabalhadores rurais assentados. Uma intervenção responsável pode gerar
assentados que combinam atividades agropecuárias com outras não agrícolas
(turismo ecológico, lazer, serviços, bens de saúde, etc). Neste programa devem
ser garantidas assistência
técnica e investimentos na produção, apoio ao desenvolvimento de produtos
locais e regionais de qualidade, apoio à participação em feiras, contatos com
redes de comercialização (nacional e internacional), diversificação dos
sistemas produtivos e apoio à industrialização dos assentamentos.
Do ponto de vista do turismo, Itaocara fica na
região do Rio mais precária, muito diferente do alto potencial turístico do
litoral, como a região dos Lagos e Angra. Já em Macapá existe a oportunidade de
consolidar cadeias turísticas, lembrando seus diversos pontos reconhecidos em
nível nacional e mundial, como a “esquina do Rio Amazonas com a Linha do
Equador” ou a Fortaleza São José de Macapá. Dessa forma, em Macapá existem diversas
possibilidades para estruturar e promover o desenvolvimento do turismo para
viabilizar emprego e renda. Uma possível ação em Macapá tanto para impulsionar
o turismo como melhorar o bem-estar da população seria a criação
do transporte hidroviário da orla do Bairro Cidade Nova ao Distrito de
Fazendinha, bem como em pontos chave da cidade, como Perpétuo Socorro, Canal do
Jandiá, Canal das Pedrinhas, Igarapé da Fortaleza, Aturiá e Santa Inês,
proporcionando aos usuários transporte público rápido, agradável, confortável e
barato. É uma realização ousada, mas que poderá dar um salto da organização
espacial da cidade e ajudar o promover a cidade ao roteiro nacional e
internacional do turismo.
O “modo PSOL de governar” deve incluir também as
atividades de Economia Solidária como importante fonte de trabalho e renda,
além de estímulo à economia local. As prefeituras deveriam considerar a criação de uma Feira Solidária Itinerante
voltada à comercialização dos produtos da economia solidária, atendendo ao
transporte das mercadorias e infra-estrutura básica dos espaços.
A prefeitura também poderia se estudar também
a possibilidade de aquisição de parte das compras para a merenda escolar e programas de
abastecimento e feiras em propriedades familiares e de produção orgânica, como
forma de manter as cooperativas com renda e qualidade de vida. Outro componente
destas atividades de Economia Solidária seria a criação de um
Banco Solidário do Povo voltado
a atender com linhas de microcrédito pequenos empreendimentos, em especial de
economia solidária, para aquisição de maquinaria, capital de giro e
investimento. O Banco Solidário do Povo poderia ter linhas de microcrédito
voltadas à produção, comércio ou serviço cedidos para quem não
pode acessar as fontes de financiamentos “oficiais” por causa da burocracia,
exigências quanto ao fiador, nível de renda, patrimônio e outras normas
bancárias.
Em
suma, estas ideias estão relacionadas com o planejamento socialista das
cidades. É preciso pagar as dívidas deixadas, fazer auditorias de contratos,
verificar a folha de pagamento, modernizar a administração e desmontar máfias
que atuam nas prefeituras. Junto com isso o governo deve garantir a mobilização
popular para encaminhar a melhora nas condições de vida do povo com um programa
emergencial, do atendimento de saúde
nas unidades básicas, garantindo médicos e remédios até a limpeza da
cidade, o transporte público, os problemas da falta de moradia digna, etc.
Estas medidas devem abrir caminho para uma linha de desenvolvimento que inclua
a produção e socialização de riqueza da cidade. Todas estas medidas se
encontram com um problema, ainda a resolver: a implementação da
agenda com projetos estruturantes exige razoável espaço para novos
investimentos inclusive os voltados à prestação de novos serviços, que num
segundo momento se transformam em gastos de custeio. A expansão da prestação de
serviços públicos (sobretudo inspirada na inversão de prioridades) implica,
quase sempre, aumento do número de servidores. Dados os outros dois fatores,
uma ampliação contínua de serviços públicos tende a levar ao esgotamento da
capacidade de investimento futura, ou seja, ao colapso da agenda com projetos
estruturantes. Daí a necessidade de um cuidadoso planejamento. Conseguindo
lidar com este desafio conseguiremos mostrar, desde o nível local, a possibilidade do uso do fundo público
para a maioria da população e, na linha da ampliação dos direitos, instaurar
uma nova relação entre a comunidade e o poder estatal, em que aquela possa
controlar a este por meio da participação popular e abrir espaço para o
questionamento da dominação. Significa, portanto, cumprir um papel de natureza
não apenas conjuntural, mas estratégica, na linha da construção do socialismo.
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