sábado, 17 de julho de 2010

Longas notas sobre imperialismo e relações internacionais no mundo contemporâneo

Nota sobre a expansão militarista da política externa dos EUA









Estamos presenciando nos últimos tempos uma militarização da política externa dos EUA – inclusive na América Latina. Após a guerra fria, com a centralização do poder nas mãos dos EUA, não houve a prometida estabilidade ao sistema internacional. O fim da guerra fria combinou com o início da primeira guerra do golfo, com a crescente instabilidade financeira causando crises de repercussão internacional como a do Brasil, México e do Sudeste Asiático, o terrorismo também entra no cenário internacional como um fator importante, as economias de grande parcela do mundo estão estagnadas, etc. As contradições existentes na dinâmica do poder internacional não se estabilizaram e nem se tornaram mais factíveis de cooperação e estabilização com a concentração do poder aos Estados Unidos. Como escreve Hobsbawn, esse período “produziu uma enorme zona de incerteza política, instabilidade, caos e guerra civil. Pior que isso, também destruiu o sistema que havia estabilizado as relações internacionais por cerca de 40 anos e revelou a precariedade dos sistemas políticos nacionais que se haviam apoiado essencialmente nessa estabilidade”. Entre 1946 e 1970, os Estados Unidos tinham uma hegemonia propriamente dita, pois detinham recursos que dava suporte material para qualquer direcionamento de suas intenções e interesses. Em 1946, o PIB e a reserva de ouro dos Estados Unidos eram maiores que 50% em relação ao resto do mundo. As grandes potências européias estavam em ruínas e o Japão destruído e arrasado. Os Estados Unidos ocupavam os países do eixo. Foi uma época em que o mundo experimentou “uma gestão global baseada em regimes e instituições supranacionais, mesmo quando tuteladas pelos Estados Unidos”. Aqui se pode usar o termo hegemonia desenvolvido por Arrighi e Gramsci aonde que se entende por uma liderança associada à capacidade de um Estado apresentar-se como portador de um interesse geral e ser assim reconhecido pelos outros. Ela conduz o sistema internacional em uma direção desejada por ela, mas, ao fazê-lo, consegue ser percebida como se buscasse o interesse geral. Para tanto, é necessário que a nação hegemônica crie condições de governabilidade mundial.

Com a crise dos anos 70, a derrota na guerra do Vietnam, uma crescente ligação com a China, o desmantelamento da ordem monetária de Bretton Woods baseado no dólar fixo e a desregulamentação dos mercados mundiais trouxe aos Estados Unidos uma nova estratégia geopolítica e geoeconômica que tinham como intenção uma ordem mundial unipolar que foi finalmente alcançada com o declínio da União Soviética em 1991. Na esfera da economia mundial, a globalização, a desregulamentação e flexibilização dos mercados e moedas proporcionadas pelos Estados Unidos foram às armas estratégicas para expandir seu poder. Giovanni Arrighi também aponta que a liquidez da economia mundial iniciada pelos Estados Unidos acabou criando uma condição paradoxal em que “a maior potência militar do mundo é também a maior nação devedora mundial. Ao mesmo tempo, os Estados que passaram a controlar a maior parte da liquidez mundial (excetuando-se o Japão) nem sequer são Estados nacionais”. Essa situação paradoxal de transnacionalização do capital não está minando seu poder e sim possibilitando maiores manobras de entrada em diversas esferas da vida social em diferentes países. Vemos a ligação da China e o maior supermercado do mundo, Wal-Mart. Além de ser uma das maiores empresas do mundo, é o segundo maior empregador dos Estados Unidos depois do Pentágono. O Wal-Mart tem um faturamento anual de US$ 256 bilhões e se fosse uma nação independente seria o oitavo maior parceiro comercial da China. Segundo Stephen Gill, isso possibilitou com que o governo dos Estados Unidos tivessem

garantias para o investimento estrangeiro e acesso às fontes globais para seus produtores com o intuito de alimentar o apetite sem fim dos EUA por mercadorias de consumo baratas – portanto, as gôndolas das lojas do Wal-Mart permanecerão lotadas de mercadorias produzidas por trabalho barato da China. Isto em parte explica por que os EUA foram generosos ao facilitar a entrada da China na OMC e garantir acordos com os chineses de completa repatriação dos lucros e, por fim, permitir que a China possuísse propriedade estrangeira total de empresas privadas, garantindo investimentos e fontes de trabalho e matérias-primas na China para corporações estadunidenses (Gill, 2006, p.45).

Para os países mais desenvolvidos, o capital transnacional e as reformas neoliberais se tornam uma forma de poder efetiva, pois fragmenta suas possibilidades de inserção global, mesmo que aumentando a segregação social interna. Para os menos desenvolvidos se torna uma pedra, pois se tornam reféns indiretos de práticas econômicas ditadas e reguladas para e pelo grande pólo de poder econômico mais bem exemplificado pela Tríade e as instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o FMI. O enfraquecimento do Estado nos países menos desenvolvidos não faz parte da crise do Estado e sim da “função de promover intercambio não-mercantis entre os cidadãos” (Santos, 1999, p. 64). Como sabemos, o processo de desregulamentação neoliberal é direcionado a interesses específicos, mostrando assim seu caráter classista. Segundo Panitch, “houve não menos que 151 mudanças nas regulamentações que governam os investimentos estrangeiros diretos em 76 países, e 89% delas foram favoráveis ao capital estrangeiro” (Panitch, 2000, p. 16). Esse projeto neoliberal que passou a ser o programa de reformas, primeiramente nos países de centro e depois na periferia, onde teve como receituário um enxugamento do Estado, privatizações, reestruturação produtiva, desregulamentação e flexibilização dos direitos sociais, austeridade fiscal e monetária de acordo com instituições financeiras com FMI e BIRD e uma relação mais amena entre o capital transnacional e o Estado nacional. Como escreve Gill, “nos últimos 25 anos as forças políticas e instituições de direita foram consideravelmente fortalecidas, abrindo caminho para um neoliberalismo diciplinar e punitivo cada vez maior, especialmente depois do colapso da URSS – na medida em que, obviamente, representa-o como a única opção viável para o desenvolvimento da humanidade” (Gill, 2006, p. 39)

Com a globalização, os Estados Unidos tem a capacidade de penetração nos estados, economias e ordens sociais dos outros países capitalistas a partir de seus capitais e corporações (Panitch & Leys, 2006, p. 7). A maior liberdade do capital significa uma abertura de possibilidades de intervenção que não eram possíveis sob o sistema de Bretton Woods. Por isso, “a globalização das finanças inclui a americanização das finanças, e o aprofundamento e extensão dos mercados financeiros se tornou mais do que nunca fundamental para a reprodução e universalização do poder estadunidense” (Panitch & Gindin, 2006, p. 67). Lembremos que o sistema econômico internacional também é hierárquico e existe inserido em relações de dominação que, com a globalização financeira, se modificaram. Ao contrário do período de ouro da hegemonia dos Estados Unidos, com o projeto neoliberal criou-se uma nova forma de dominação, onde a instabilidade financeira e a insegurança econômica substituíam o compromisso e o consenso. Rude resume que

O capital global, sob domínio contínuo dos Estados Unidos, pode manter a subordinação das classes e nações dominadas usando o que resta da violência econômica e financeira, garantindo por uma ação policial militarizada quando a intimidação econômica não funciona. A manipulação de símbolos culturais pela mídia de massa global pode preencher a necessidade residual de legitimidade (Rude, 2006, p. 112)

No plano do capital financeiro, os Estados Unidos conseguiram ampliar sua posição privilegiada no sistema internacional. Seu peso é maior do que no plano industrial que, a partir de 1970, se tornou muito mais competitivo após a retomada da Europa Ocidental e do Japão. Assim, “ameaçados no campo da produção, os Estados Unidos reagiram afirmando sua hegemonia por meio das finanças” (Harvey, 2005, p. 58). Dessa forma, o sistema financeiro global tem a responsabilidade de reproduzir as hierarquias existentes, gerenciar os riscos dos distúrbios que ocorrem na forma de crises e recessões e alocar melhor o capital para manter estáveis seus investimentos, onde quer que seja. Segundo Braga e Cintra,

a marca distintiva do atual movimento de internacionalização capitalista é a forma em que se deu a globalização das finanças, viabilizada pelas políticas de desregulamentação dos mercados, iniciada pelos Estados Unidos e alavancada pelo sistema de taxas de câmbio flutuante. As finanças começaram a operar em um “espaço global”, hierarquizado a partir do sistema financeiro americano e viabilizado pela política monetária do Estado hegemônico, imitadas, de imediato, pelos demais países industrializados (Braga & Cintra, 2004, p. 267).

O que vemos, então, é uma funcionalidade da globalização financeira para reprodução das relações sociais capitalistas e de poder dos Estados Unidos, principalmente por que elas sempre foram “acompanhadas de perto por uma regulação contínua do sistema financeiro global em resposta à suas crises financeiras recorrentes” (Rude, 2006, p. 107). Por mais que a atividade predominantemente financeira seja um constante risco por sua volatilidade e instabilidade inerente, diferentemente das outras hegemonias, os Estados Unidos estão conseguindo lidar bem com esse fato, pois existe uma diversidade de instituições reguladoras que podem intervir contra qualquer abalo severo, ainda mais de forma conjunta com outros Estados que precisam dessa estabilidade.

Nessa condição de supremacia economia da globalização, com posição privilegiada dentro do sistema financeiro, os Estados Unidos conseguem criar mecanismos de conter as crises inerentes à predominância do capital fictício na economia mundial e, ainda por cima, abrir ainda mais o leque de opções de intervenção econômica, com efetividade maior do que no período de 1945 a 1970, já que a tendência a liberalização das finanças ocorre mundialmente fazendo com que todos os Estados fiquem ligados nessa rede. Segundo Gowan, foi por meio da organização da volatilidade da economia é que os Estados Unidos conseguiram reproduzir seu poder (Gowan, 2003) mesmo que, com o aprofundamento do sistema financeiro e o fortalecimento das instituições reguladoras de seus efeitos, a volatilidade que essa forma de acumulação de capital engendra uma dinâmica no capitalismo que trás inexoravelmente mais crises, porém apóia a durabilidade do sistema (Patitch & Gindin, 2004, p. 90).

Um fato ligado a isso é que o processo de globalização acabou trazendo uma radicalização do imperialismo que, por si só, já é um sinal de falta de liderança. É claro que o imperialismo se transformou desde as teorizações de Lênin, Rosa Luxemburgo, Hobson, Bukharin e Hilferding, porém continua sendo imperialismo com uma nova forma, além da já discorrida forma de dominação sobre a cultura e sobre o aspecto das finanças globais liberalizadas e suas instituições internacionais como o FMI, OMC e Banco Mundial com o mecanismo de dependência a partir da dívida externa e os ajustes estruturais que penalizam as populações da América Latina, África, Ásia e Leste Europeu.

A novidade do imperialismo é que ele é, assim como a globalização, encabeçado pelos Estados Unidos como potência organizadora. Não é aquele com uma variedade de potências lutando entre si e nem mesmo uma coalizão bem estabelecida. A capacidade estadunidense de intervenção é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas por estar entendido pelos quatro cantos do mundo com suas bases militares. Seu poder territorial é como qualquer império precedente. Segundo Gill

Os Estados Unidos possuem algo entre 700 e 1000 bases militares em todo o mundo (dependendo de como elas são catogorizadas e contatas); possui mais de 6000 dentro dos Estados Unidos e em seus próprios territórios. Um pessoal uniformizado de cerca de 250.000 funcionários civis, mais cerca de 45.000 funcionários contratados localmente (o que não exclui os novos envios ao Iraque, cerca de 140.000, nem o pequeno exército de contratantes privados que trabalham a seu lado como parte do modelo dos Estados Unidos de operações de guerra quase privatizadas). Ao menos 4, ou talvez 6 novas bases estão sendo construídas hoje no Iraque. Desde 11 de setembro de 2001, as forças dos Estados Unidos construíram, modernizaram ou expandiram as dependências militares em Bahrain, Qatar, Kuwait, Arábia Saudita, Omã, Turquia, Bulgária, Paquistão, Uzbequistão e Quirguistão (Gill, 2006, p. 51)
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As bases militares estadunidenses estão em cerca de 130 países e possuem um sistema de guerra único para garantir a defesa de seus interesses e práticas em constante expansão que, mesmo com o fim da Guerra Fria, não se conteve. O projeto Future Image Architecture, ou FIA, mostra isso. Ele é uma expansão massiva de seu sistema de satélites espiões e custeará US$ 25 bilhões em vinte anos. Em comparação, o projeto Manhattan que teve o propósito de construir a bomba atômica na Segunda Guerra Mundial custou US$ 20 bilhões de dólares atuais. Esse projeto se encaixa perfeitamente sobre a expansão constante de tecnologia militar a fim de dominar, além de tudo, o espaço e a cibernética (Gill, 2006, p. 52).


Mesmo a Rússia, segunda maior potência bélica do mundo, está em uma posição de diferença gritante em relação aos gastos na esfera militar. Depois do fim da União Soviética, a Rússia gasta cerca de 10% de seu PIB de 330 milhões com gastos militares. Os Estados Unidos podem gastar anualmente 3% de seu PIB de 11 trilhões para gastos militares, algo em torno de todo o PIB russo (Dupas, 2005, p. 128). Esse comportamento não é aleatório ou pode ser reduzido a determinado governo já que constitui uma política de Estado. Como escreve Mearsheimer, “as grandes potências têm um comportamento agressivo não porque elas queiram, mas porque elas têm que buscar acumular mais poder se quiserem maximizar suas probabilidades de sobrevivência, porque o sistema internacional cria incentivos poderosos para que os estados estejam sempre procurando oportunidades de ganhar mais poder às custas dos seus rivais” .

A atual invasão ao Iraque demonstra mais claramente isso já que “quem controlar o Oriente Médio controlará a torneira global do petróleo, e quem controlar a torneira global do petróleo poderá controlar a economia global, pelo menos no futuro próximo” assim, “o acesso ao petróleo do Oriente Médio é portanto uma questão de segurança crucial para os Estados Unidos, bem como para a economia global como um todo” (Harvey, 2005). Essa situação possibilita uma desagregação entre os principais interessados nesse controle. Para tanto, “o assim chamado ‘efeito demonstração’ é sempre – e cada vez mais – um ponto a considerar: a exibição ao mundo de que a força militar estadunidense pode ir a qualquer lugar e a qualquer momento” (Wood, 2002).
O que vemos, por outro lado, é que o potencial bélico dos Estados Unidos também faz parte de uma lógica de poder onde, paradoxalmente, ela arma seus “futuros e eventuais adversários, pelo menos até o momento em que eles adquiram autonomia tecnológico-militar. Mesmo depois do fim da Guerra Fria, os Estados Unidos (com 56,7% do mercado) e a Rússia (com 16,8 de todas as vendas de 2003) continuam dominando o mercado internacional de armamentos, e os países asiáticos, a China em particular, seguem sendo os seus maiores compradores” (Fiori, 2004). Exemplo dessa tendência megalomaníaca é que apenas no governo Clinton “os Estados Unidos se envolveram em 48 intervenções militares, muito mais do que em toda a Guerra Fria, período em que ocorreram 16 intervenções” (Bacevith, 2002). Sabemos que poder é mais que apenas armas, intervenções e ameaças. O poder está inserido em uma dialética de coerção e consenso e, qualquer uma das duas independentes é autodestrutiva. Assim como na vida, o uso extensivo da violência só é praticado quando existem lutas em potencial ou quando sabemos que estamos perdendo o controle.

Chegamos a um momento em que as contradições fundamentais do sistema são colocadas à prova. É necessário tomar decisões mais aventureiras, agressivas e, possivelmente, mais desastrosas diante da crise e da instabilidade. Como escreve István Mészáros,

hoje os perigos catastróficos que acompanhariam uma conflagração global, como as que ocorreram no passado, são evidentes até para os defensores menos críticos do sistema. Ao mesmo tempo, ninguém em sã consciência pode excluir a possibilidade de erupção de um conflito mortal, e com ele a destruição da humanidade. Ainda assim, nada se faz para resolver as maciças contradições ocultas que apontam para esta assustadora direção. Pelo contrário, o crescimento contínuo da hegemonia economia e militar da única superpotência remanescente – os Estados Unidos da América – lança uma sombra cada vez mais escura sobre o futuro

Talvez um controle real sobre as estruturas responsáveis pela reprodução da vida social seja uma possibilidade contra a atual situação do processo histórico. Se nessa transformação do mundo uma mudança decorrente seja a mudança em nós mesmos, talvez seja a hora de arriscar.

Um comentário:

Anônimo disse...

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