domingo, 4 de julho de 2010

Estados Unidos e Korea do Norte: irmãos siameses

Comumente vejo as revistas de política externa norte-americanas. É uma mistura de misticismo, neoconservadorismo e cientificismo bélico. Por exemplo, saiu pela Foreign Policy uma lista dos “piores dos piores” no mundo em termos de “totalistarismo”.

Naturalmente em primeiro lugar foi colocado KIM JONG IL da Korea do Norte. A notícia diz o seguinte sobre dessa engraçada criatura: “A personality-cult-cultivating isolationist with a taste for fine French cognac, Kim has pauperized his people, allowed famine to run rampant, and thrown hundreds of thousands in prison camps (where as many as 200,000 languish today) -- all while spending his country's precious few resources on a nuclear program”.

Não gosto deste jogo liberal de merda onde são apontados certos “defeitos” do outro exatamente para não apontar dos defeitos mais profundos que tem em si mesmo. Essa é uma grande arma nas relações internacionais onde se busca sempre falar do ponto de vista da vítima para legitimar o absurdo.

Com o desenrolar da desaceleração econômica global desde meados de 1970, nos Estados Unidos houve uma estagflação nos salários dos trabalhadores. Desde meados de 1970 os salários médios reais dos trabalhadores dos EUA cessaram de subir depois de sua ascensão histórica de 1820 a 1970. Ao mesmo tempo, a produtividade do trabalho com novas maquinarias, pressão social, neoliberalização, novas organizações do trabalho (toyotismo, terceirização, informalidade, nova divisão internacional do trabalho) proporcionaram, para os capitalistas, um aumento na extração da mais-valia.

Juntamente com esse processo de estagnação salarial houve um aumento progressivo da “escravidão creditícia” onde, para viver, a tomada crescente de créditos se tornou a forma de contornar o freio salarial dos trabalhadores e ativar a demanda. Em outras palavras, sob a atual crise os lucros privados dependem diretamente dos salários estagnados e, não menos importante, dos empréstimos contraídos pelos trabalhadores substituindo o aumento dos salários pelo aumento do crédito.

Lembremos que, desde 2008, nos Estados Unidos o ambiente direto de uma grande maioria de americanos não cessou de se degradar. O desemprego real situa-se no mínimo entre 15% e 20% e atinge 30% a 40% nas cidades e regiões mais afetadas pela crise. Nunca tantos americanos foram dependentes dos selos de alimentação do governo federal que doravante contribui num nível jamais atingido para os rendimentos das famílias estadunidenses. Paralelamente, os estados são obrigados a multiplicar os cortes orçamentais e a suprimir serviços sociais de todo gênero, agravando ao mesmo tempo o desemprego. Junto com o massivo desemprego temos a maior população carcerária e os maiores gastos militares do mundo.

Nos Estados Unidos, um dos pioneiros na privatização dos presídios, já existem hoje mais de cinco milhões de presos – um quarto de toda a população carcerário do mundo. Esses “supérfluos” sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, empregadores e nem gerar impostos estavam fadados à exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados das prisões. Dessa forma, o Estado depende cada vez mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo desemprego, o emprego precário e o encolhimento da proteção social como uma “maquina institucional de administração da pobreza” com os objetivos de disciplinar as frações da classe operária que surgem nos precários empregos de serviços, neutralizar e armazenar os elementos mais disruptivos ou considerados supérfluos tendo em vista as transformações na oferta de trabalho e, não menos importante, reafirmar a autoridade do Estado. Um exemplo desse processo é que, até mesmo nas áreas mais desenvolvidas do mundo passando dos Estados Unidos a Europa, desde 1975, a curva do desemprego e dos efetivos penitenciários segue uma evolução rigorosamente paralela.

Mesmo com um déficit orçamental astronômico, os gastos em defesa e na guerra para 2010 nos EUA continuam aumentando. Se previu com gastos de defesa US$ 534 bilhões, mais US$ 130 bilhões para a guerra do Iraque e do Afeganistão além de um suplemento de emergência de US$ 75,5 milhões para o resto de 2009. Essa tendência para a perpetuação crescente do complexo industrial-bélico não é somente estadunidense. Apesar das conversas sobre a “nova ordem mundial” e os “dividendos da paz” com o fim da guerra fria além do escancaramento da crise em 2008, presenciamos a escala sem precedentes dos Estados capitalistas expandindo o complexo industrial-militar. Em 2008 chegou a alcançar US$ 1,46 trilhão no mundo, 4 % mais do que em 2007 e 45% mais do que 1999. Essa expansão do militarismo é atribuída a “guerra ao terror” disseminada pelo EUA. Em termos mundiais, os EUA lideram a lista de gastos militares com um crescimento de 9,7% em 2008 chegando a US$ 607 bilhões. A China também aumentou seus gastos em 10% chegando ao segundo lugar pela primeira vez com US$ 84,9 bilhões. A lista continua com a França (US$ 65,7% bilhões), Reino Unido (US$ 65,3 bilhões) e Rússia (US$ 58,6 bilhões).

Isso é, em termos de encarceramento, degradação das condições dos trabalhadores e gastos militares os EUA não perdem para absolutamente ninguém no mundo, muito menos para a Korea do Norte.

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