Neste blog regurgito minhas posições sobre diferentes aspectos da realidade/fantasia social, política e econômica do mundo atual.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Nota sobre a pós-política petista – parte 4
Para Slavoj Zizek, temos o desafio de reinventar o “terror emancipatório”. Defender esse objetivo não é defender o terror Stalinista e tudo mais. Ao contrário, é não se render a saída muito fácil da alternativa da democracia-liberal que se espalha pela esquerda. Para um liberal o campo político é definido pela oposição entre democracia e totalitarismo (fascismo, terror revolucionário, fundamentalismo religioso, etc). Urgentemente é necessário abrir essa questão confinada a idéia que “não há alternativa” para o livre mercado e a concepção liberal do governo parlamentar. A Esquerda está confinada a esse limite num processo de “internalização do fim da história” – PT, por exemplo – onde o capitalismo e a representação parlamentar é o único jogo que temos. Vale o cutuque de Zizek: “com essa esquerda quem precisa de direita?”. No Brasil a história vale para revelar os estragos feitos pelo lulismo na ação e no pensamento da esquerda, quase extinto com o revisionismo petista que dança conforme a música, seja com Henrique Meirelles, Osmar Dias, bancada do DEM, etc. Naturalmente isso não é um desvio. Cada vez mais em cada petista tem uma Kátia Abreu recalcada. Como dizia Marx, a vergonha já é uma revolução. Nada mais necessário hoje do que sentir vergonha do que o PT se tornou para reavaliar as alternativas que estão sendo construídas e não seguir eternamente o caminho mais fácil, mas cheio de oportunismo em nome da “governabilidade”. Realmente o Brasil é exemplo para o mundo. É o primeiro lugar onde o conflito de classes foi institucionalizado e extremamente atenuado já que, com o PT no poder sob a figura de um ex-sindicalista politicamente brilhante, quem mais precisa lutar? O “fim da história” se estabilizou com Lula que, como ninguém em toda a história, geriu uma pós-política em conjunto com as classes industriais, financeiras e latifundiárias. Do ponto de vista do capital, Lula é “o cara”. Agora vem a coroa (DILMA) demonstrando, cada vez mais, que a “linha de menor resistência” faz parte do problema da esquerda, e não da solução. Viva a ambigüidade centrista de DILMA. Não é isso que o lulismo quer? Não é por isso que a esquerda se humilha ao deixar de lado o pensamento? É DILMA porque não há alternativa – situação criada pelo próprio PT.
sábado, 17 de julho de 2010
Longas notas sobre imperialismo e relações internacionais no mundo contemporâneo
Nota sobre a expansão militarista da política externa dos EUA
Estamos presenciando nos últimos tempos uma militarização da política externa dos EUA – inclusive na América Latina. Após a guerra fria, com a centralização do poder nas mãos dos EUA, não houve a prometida estabilidade ao sistema internacional. O fim da guerra fria combinou com o início da primeira guerra do golfo, com a crescente instabilidade financeira causando crises de repercussão internacional como a do Brasil, México e do Sudeste Asiático, o terrorismo também entra no cenário internacional como um fator importante, as economias de grande parcela do mundo estão estagnadas, etc. As contradições existentes na dinâmica do poder internacional não se estabilizaram e nem se tornaram mais factíveis de cooperação e estabilização com a concentração do poder aos Estados Unidos. Como escreve Hobsbawn, esse período “produziu uma enorme zona de incerteza política, instabilidade, caos e guerra civil. Pior que isso, também destruiu o sistema que havia estabilizado as relações internacionais por cerca de 40 anos e revelou a precariedade dos sistemas políticos nacionais que se haviam apoiado essencialmente nessa estabilidade”. Entre 1946 e 1970, os Estados Unidos tinham uma hegemonia propriamente dita, pois detinham recursos que dava suporte material para qualquer direcionamento de suas intenções e interesses. Em 1946, o PIB e a reserva de ouro dos Estados Unidos eram maiores que 50% em relação ao resto do mundo. As grandes potências européias estavam em ruínas e o Japão destruído e arrasado. Os Estados Unidos ocupavam os países do eixo. Foi uma época em que o mundo experimentou “uma gestão global baseada em regimes e instituições supranacionais, mesmo quando tuteladas pelos Estados Unidos”. Aqui se pode usar o termo hegemonia desenvolvido por Arrighi e Gramsci aonde que se entende por uma liderança associada à capacidade de um Estado apresentar-se como portador de um interesse geral e ser assim reconhecido pelos outros. Ela conduz o sistema internacional em uma direção desejada por ela, mas, ao fazê-lo, consegue ser percebida como se buscasse o interesse geral. Para tanto, é necessário que a nação hegemônica crie condições de governabilidade mundial.
Com a crise dos anos 70, a derrota na guerra do Vietnam, uma crescente ligação com a China, o desmantelamento da ordem monetária de Bretton Woods baseado no dólar fixo e a desregulamentação dos mercados mundiais trouxe aos Estados Unidos uma nova estratégia geopolítica e geoeconômica que tinham como intenção uma ordem mundial unipolar que foi finalmente alcançada com o declínio da União Soviética em 1991. Na esfera da economia mundial, a globalização, a desregulamentação e flexibilização dos mercados e moedas proporcionadas pelos Estados Unidos foram às armas estratégicas para expandir seu poder. Giovanni Arrighi também aponta que a liquidez da economia mundial iniciada pelos Estados Unidos acabou criando uma condição paradoxal em que “a maior potência militar do mundo é também a maior nação devedora mundial. Ao mesmo tempo, os Estados que passaram a controlar a maior parte da liquidez mundial (excetuando-se o Japão) nem sequer são Estados nacionais”. Essa situação paradoxal de transnacionalização do capital não está minando seu poder e sim possibilitando maiores manobras de entrada em diversas esferas da vida social em diferentes países. Vemos a ligação da China e o maior supermercado do mundo, Wal-Mart. Além de ser uma das maiores empresas do mundo, é o segundo maior empregador dos Estados Unidos depois do Pentágono. O Wal-Mart tem um faturamento anual de US$ 256 bilhões e se fosse uma nação independente seria o oitavo maior parceiro comercial da China. Segundo Stephen Gill, isso possibilitou com que o governo dos Estados Unidos tivessem
garantias para o investimento estrangeiro e acesso às fontes globais para seus produtores com o intuito de alimentar o apetite sem fim dos EUA por mercadorias de consumo baratas – portanto, as gôndolas das lojas do Wal-Mart permanecerão lotadas de mercadorias produzidas por trabalho barato da China. Isto em parte explica por que os EUA foram generosos ao facilitar a entrada da China na OMC e garantir acordos com os chineses de completa repatriação dos lucros e, por fim, permitir que a China possuísse propriedade estrangeira total de empresas privadas, garantindo investimentos e fontes de trabalho e matérias-primas na China para corporações estadunidenses (Gill, 2006, p.45).
Para os países mais desenvolvidos, o capital transnacional e as reformas neoliberais se tornam uma forma de poder efetiva, pois fragmenta suas possibilidades de inserção global, mesmo que aumentando a segregação social interna. Para os menos desenvolvidos se torna uma pedra, pois se tornam reféns indiretos de práticas econômicas ditadas e reguladas para e pelo grande pólo de poder econômico mais bem exemplificado pela Tríade e as instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o FMI. O enfraquecimento do Estado nos países menos desenvolvidos não faz parte da crise do Estado e sim da “função de promover intercambio não-mercantis entre os cidadãos” (Santos, 1999, p. 64). Como sabemos, o processo de desregulamentação neoliberal é direcionado a interesses específicos, mostrando assim seu caráter classista. Segundo Panitch, “houve não menos que 151 mudanças nas regulamentações que governam os investimentos estrangeiros diretos em 76 países, e 89% delas foram favoráveis ao capital estrangeiro” (Panitch, 2000, p. 16). Esse projeto neoliberal que passou a ser o programa de reformas, primeiramente nos países de centro e depois na periferia, onde teve como receituário um enxugamento do Estado, privatizações, reestruturação produtiva, desregulamentação e flexibilização dos direitos sociais, austeridade fiscal e monetária de acordo com instituições financeiras com FMI e BIRD e uma relação mais amena entre o capital transnacional e o Estado nacional. Como escreve Gill, “nos últimos 25 anos as forças políticas e instituições de direita foram consideravelmente fortalecidas, abrindo caminho para um neoliberalismo diciplinar e punitivo cada vez maior, especialmente depois do colapso da URSS – na medida em que, obviamente, representa-o como a única opção viável para o desenvolvimento da humanidade” (Gill, 2006, p. 39)
Com a globalização, os Estados Unidos tem a capacidade de penetração nos estados, economias e ordens sociais dos outros países capitalistas a partir de seus capitais e corporações (Panitch & Leys, 2006, p. 7). A maior liberdade do capital significa uma abertura de possibilidades de intervenção que não eram possíveis sob o sistema de Bretton Woods. Por isso, “a globalização das finanças inclui a americanização das finanças, e o aprofundamento e extensão dos mercados financeiros se tornou mais do que nunca fundamental para a reprodução e universalização do poder estadunidense” (Panitch & Gindin, 2006, p. 67). Lembremos que o sistema econômico internacional também é hierárquico e existe inserido em relações de dominação que, com a globalização financeira, se modificaram. Ao contrário do período de ouro da hegemonia dos Estados Unidos, com o projeto neoliberal criou-se uma nova forma de dominação, onde a instabilidade financeira e a insegurança econômica substituíam o compromisso e o consenso. Rude resume que
O capital global, sob domínio contínuo dos Estados Unidos, pode manter a subordinação das classes e nações dominadas usando o que resta da violência econômica e financeira, garantindo por uma ação policial militarizada quando a intimidação econômica não funciona. A manipulação de símbolos culturais pela mídia de massa global pode preencher a necessidade residual de legitimidade (Rude, 2006, p. 112)
No plano do capital financeiro, os Estados Unidos conseguiram ampliar sua posição privilegiada no sistema internacional. Seu peso é maior do que no plano industrial que, a partir de 1970, se tornou muito mais competitivo após a retomada da Europa Ocidental e do Japão. Assim, “ameaçados no campo da produção, os Estados Unidos reagiram afirmando sua hegemonia por meio das finanças” (Harvey, 2005, p. 58). Dessa forma, o sistema financeiro global tem a responsabilidade de reproduzir as hierarquias existentes, gerenciar os riscos dos distúrbios que ocorrem na forma de crises e recessões e alocar melhor o capital para manter estáveis seus investimentos, onde quer que seja. Segundo Braga e Cintra,
a marca distintiva do atual movimento de internacionalização capitalista é a forma em que se deu a globalização das finanças, viabilizada pelas políticas de desregulamentação dos mercados, iniciada pelos Estados Unidos e alavancada pelo sistema de taxas de câmbio flutuante. As finanças começaram a operar em um “espaço global”, hierarquizado a partir do sistema financeiro americano e viabilizado pela política monetária do Estado hegemônico, imitadas, de imediato, pelos demais países industrializados (Braga & Cintra, 2004, p. 267).
O que vemos, então, é uma funcionalidade da globalização financeira para reprodução das relações sociais capitalistas e de poder dos Estados Unidos, principalmente por que elas sempre foram “acompanhadas de perto por uma regulação contínua do sistema financeiro global em resposta à suas crises financeiras recorrentes” (Rude, 2006, p. 107). Por mais que a atividade predominantemente financeira seja um constante risco por sua volatilidade e instabilidade inerente, diferentemente das outras hegemonias, os Estados Unidos estão conseguindo lidar bem com esse fato, pois existe uma diversidade de instituições reguladoras que podem intervir contra qualquer abalo severo, ainda mais de forma conjunta com outros Estados que precisam dessa estabilidade.
Nessa condição de supremacia economia da globalização, com posição privilegiada dentro do sistema financeiro, os Estados Unidos conseguem criar mecanismos de conter as crises inerentes à predominância do capital fictício na economia mundial e, ainda por cima, abrir ainda mais o leque de opções de intervenção econômica, com efetividade maior do que no período de 1945 a 1970, já que a tendência a liberalização das finanças ocorre mundialmente fazendo com que todos os Estados fiquem ligados nessa rede. Segundo Gowan, foi por meio da organização da volatilidade da economia é que os Estados Unidos conseguiram reproduzir seu poder (Gowan, 2003) mesmo que, com o aprofundamento do sistema financeiro e o fortalecimento das instituições reguladoras de seus efeitos, a volatilidade que essa forma de acumulação de capital engendra uma dinâmica no capitalismo que trás inexoravelmente mais crises, porém apóia a durabilidade do sistema (Patitch & Gindin, 2004, p. 90).
Um fato ligado a isso é que o processo de globalização acabou trazendo uma radicalização do imperialismo que, por si só, já é um sinal de falta de liderança. É claro que o imperialismo se transformou desde as teorizações de Lênin, Rosa Luxemburgo, Hobson, Bukharin e Hilferding, porém continua sendo imperialismo com uma nova forma, além da já discorrida forma de dominação sobre a cultura e sobre o aspecto das finanças globais liberalizadas e suas instituições internacionais como o FMI, OMC e Banco Mundial com o mecanismo de dependência a partir da dívida externa e os ajustes estruturais que penalizam as populações da América Latina, África, Ásia e Leste Europeu.
A novidade do imperialismo é que ele é, assim como a globalização, encabeçado pelos Estados Unidos como potência organizadora. Não é aquele com uma variedade de potências lutando entre si e nem mesmo uma coalizão bem estabelecida. A capacidade estadunidense de intervenção é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas por estar entendido pelos quatro cantos do mundo com suas bases militares. Seu poder territorial é como qualquer império precedente. Segundo Gill
Os Estados Unidos possuem algo entre 700 e 1000 bases militares em todo o mundo (dependendo de como elas são catogorizadas e contatas); possui mais de 6000 dentro dos Estados Unidos e em seus próprios territórios. Um pessoal uniformizado de cerca de 250.000 funcionários civis, mais cerca de 45.000 funcionários contratados localmente (o que não exclui os novos envios ao Iraque, cerca de 140.000, nem o pequeno exército de contratantes privados que trabalham a seu lado como parte do modelo dos Estados Unidos de operações de guerra quase privatizadas). Ao menos 4, ou talvez 6 novas bases estão sendo construídas hoje no Iraque. Desde 11 de setembro de 2001, as forças dos Estados Unidos construíram, modernizaram ou expandiram as dependências militares em Bahrain, Qatar, Kuwait, Arábia Saudita, Omã, Turquia, Bulgária, Paquistão, Uzbequistão e Quirguistão (Gill, 2006, p. 51)
.
As bases militares estadunidenses estão em cerca de 130 países e possuem um sistema de guerra único para garantir a defesa de seus interesses e práticas em constante expansão que, mesmo com o fim da Guerra Fria, não se conteve. O projeto Future Image Architecture, ou FIA, mostra isso. Ele é uma expansão massiva de seu sistema de satélites espiões e custeará US$ 25 bilhões em vinte anos. Em comparação, o projeto Manhattan que teve o propósito de construir a bomba atômica na Segunda Guerra Mundial custou US$ 20 bilhões de dólares atuais. Esse projeto se encaixa perfeitamente sobre a expansão constante de tecnologia militar a fim de dominar, além de tudo, o espaço e a cibernética (Gill, 2006, p. 52).
Mesmo a Rússia, segunda maior potência bélica do mundo, está em uma posição de diferença gritante em relação aos gastos na esfera militar. Depois do fim da União Soviética, a Rússia gasta cerca de 10% de seu PIB de 330 milhões com gastos militares. Os Estados Unidos podem gastar anualmente 3% de seu PIB de 11 trilhões para gastos militares, algo em torno de todo o PIB russo (Dupas, 2005, p. 128). Esse comportamento não é aleatório ou pode ser reduzido a determinado governo já que constitui uma política de Estado. Como escreve Mearsheimer, “as grandes potências têm um comportamento agressivo não porque elas queiram, mas porque elas têm que buscar acumular mais poder se quiserem maximizar suas probabilidades de sobrevivência, porque o sistema internacional cria incentivos poderosos para que os estados estejam sempre procurando oportunidades de ganhar mais poder às custas dos seus rivais” .
A atual invasão ao Iraque demonstra mais claramente isso já que “quem controlar o Oriente Médio controlará a torneira global do petróleo, e quem controlar a torneira global do petróleo poderá controlar a economia global, pelo menos no futuro próximo” assim, “o acesso ao petróleo do Oriente Médio é portanto uma questão de segurança crucial para os Estados Unidos, bem como para a economia global como um todo” (Harvey, 2005). Essa situação possibilita uma desagregação entre os principais interessados nesse controle. Para tanto, “o assim chamado ‘efeito demonstração’ é sempre – e cada vez mais – um ponto a considerar: a exibição ao mundo de que a força militar estadunidense pode ir a qualquer lugar e a qualquer momento” (Wood, 2002).
O que vemos, por outro lado, é que o potencial bélico dos Estados Unidos também faz parte de uma lógica de poder onde, paradoxalmente, ela arma seus “futuros e eventuais adversários, pelo menos até o momento em que eles adquiram autonomia tecnológico-militar. Mesmo depois do fim da Guerra Fria, os Estados Unidos (com 56,7% do mercado) e a Rússia (com 16,8 de todas as vendas de 2003) continuam dominando o mercado internacional de armamentos, e os países asiáticos, a China em particular, seguem sendo os seus maiores compradores” (Fiori, 2004). Exemplo dessa tendência megalomaníaca é que apenas no governo Clinton “os Estados Unidos se envolveram em 48 intervenções militares, muito mais do que em toda a Guerra Fria, período em que ocorreram 16 intervenções” (Bacevith, 2002). Sabemos que poder é mais que apenas armas, intervenções e ameaças. O poder está inserido em uma dialética de coerção e consenso e, qualquer uma das duas independentes é autodestrutiva. Assim como na vida, o uso extensivo da violência só é praticado quando existem lutas em potencial ou quando sabemos que estamos perdendo o controle.
Chegamos a um momento em que as contradições fundamentais do sistema são colocadas à prova. É necessário tomar decisões mais aventureiras, agressivas e, possivelmente, mais desastrosas diante da crise e da instabilidade. Como escreve István Mészáros,
hoje os perigos catastróficos que acompanhariam uma conflagração global, como as que ocorreram no passado, são evidentes até para os defensores menos críticos do sistema. Ao mesmo tempo, ninguém em sã consciência pode excluir a possibilidade de erupção de um conflito mortal, e com ele a destruição da humanidade. Ainda assim, nada se faz para resolver as maciças contradições ocultas que apontam para esta assustadora direção. Pelo contrário, o crescimento contínuo da hegemonia economia e militar da única superpotência remanescente – os Estados Unidos da América – lança uma sombra cada vez mais escura sobre o futuro
Talvez um controle real sobre as estruturas responsáveis pela reprodução da vida social seja uma possibilidade contra a atual situação do processo histórico. Se nessa transformação do mundo uma mudança decorrente seja a mudança em nós mesmos, talvez seja a hora de arriscar.
Estamos presenciando nos últimos tempos uma militarização da política externa dos EUA – inclusive na América Latina. Após a guerra fria, com a centralização do poder nas mãos dos EUA, não houve a prometida estabilidade ao sistema internacional. O fim da guerra fria combinou com o início da primeira guerra do golfo, com a crescente instabilidade financeira causando crises de repercussão internacional como a do Brasil, México e do Sudeste Asiático, o terrorismo também entra no cenário internacional como um fator importante, as economias de grande parcela do mundo estão estagnadas, etc. As contradições existentes na dinâmica do poder internacional não se estabilizaram e nem se tornaram mais factíveis de cooperação e estabilização com a concentração do poder aos Estados Unidos. Como escreve Hobsbawn, esse período “produziu uma enorme zona de incerteza política, instabilidade, caos e guerra civil. Pior que isso, também destruiu o sistema que havia estabilizado as relações internacionais por cerca de 40 anos e revelou a precariedade dos sistemas políticos nacionais que se haviam apoiado essencialmente nessa estabilidade”. Entre 1946 e 1970, os Estados Unidos tinham uma hegemonia propriamente dita, pois detinham recursos que dava suporte material para qualquer direcionamento de suas intenções e interesses. Em 1946, o PIB e a reserva de ouro dos Estados Unidos eram maiores que 50% em relação ao resto do mundo. As grandes potências européias estavam em ruínas e o Japão destruído e arrasado. Os Estados Unidos ocupavam os países do eixo. Foi uma época em que o mundo experimentou “uma gestão global baseada em regimes e instituições supranacionais, mesmo quando tuteladas pelos Estados Unidos”. Aqui se pode usar o termo hegemonia desenvolvido por Arrighi e Gramsci aonde que se entende por uma liderança associada à capacidade de um Estado apresentar-se como portador de um interesse geral e ser assim reconhecido pelos outros. Ela conduz o sistema internacional em uma direção desejada por ela, mas, ao fazê-lo, consegue ser percebida como se buscasse o interesse geral. Para tanto, é necessário que a nação hegemônica crie condições de governabilidade mundial.
Com a crise dos anos 70, a derrota na guerra do Vietnam, uma crescente ligação com a China, o desmantelamento da ordem monetária de Bretton Woods baseado no dólar fixo e a desregulamentação dos mercados mundiais trouxe aos Estados Unidos uma nova estratégia geopolítica e geoeconômica que tinham como intenção uma ordem mundial unipolar que foi finalmente alcançada com o declínio da União Soviética em 1991. Na esfera da economia mundial, a globalização, a desregulamentação e flexibilização dos mercados e moedas proporcionadas pelos Estados Unidos foram às armas estratégicas para expandir seu poder. Giovanni Arrighi também aponta que a liquidez da economia mundial iniciada pelos Estados Unidos acabou criando uma condição paradoxal em que “a maior potência militar do mundo é também a maior nação devedora mundial. Ao mesmo tempo, os Estados que passaram a controlar a maior parte da liquidez mundial (excetuando-se o Japão) nem sequer são Estados nacionais”. Essa situação paradoxal de transnacionalização do capital não está minando seu poder e sim possibilitando maiores manobras de entrada em diversas esferas da vida social em diferentes países. Vemos a ligação da China e o maior supermercado do mundo, Wal-Mart. Além de ser uma das maiores empresas do mundo, é o segundo maior empregador dos Estados Unidos depois do Pentágono. O Wal-Mart tem um faturamento anual de US$ 256 bilhões e se fosse uma nação independente seria o oitavo maior parceiro comercial da China. Segundo Stephen Gill, isso possibilitou com que o governo dos Estados Unidos tivessem
garantias para o investimento estrangeiro e acesso às fontes globais para seus produtores com o intuito de alimentar o apetite sem fim dos EUA por mercadorias de consumo baratas – portanto, as gôndolas das lojas do Wal-Mart permanecerão lotadas de mercadorias produzidas por trabalho barato da China. Isto em parte explica por que os EUA foram generosos ao facilitar a entrada da China na OMC e garantir acordos com os chineses de completa repatriação dos lucros e, por fim, permitir que a China possuísse propriedade estrangeira total de empresas privadas, garantindo investimentos e fontes de trabalho e matérias-primas na China para corporações estadunidenses (Gill, 2006, p.45).
Para os países mais desenvolvidos, o capital transnacional e as reformas neoliberais se tornam uma forma de poder efetiva, pois fragmenta suas possibilidades de inserção global, mesmo que aumentando a segregação social interna. Para os menos desenvolvidos se torna uma pedra, pois se tornam reféns indiretos de práticas econômicas ditadas e reguladas para e pelo grande pólo de poder econômico mais bem exemplificado pela Tríade e as instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o FMI. O enfraquecimento do Estado nos países menos desenvolvidos não faz parte da crise do Estado e sim da “função de promover intercambio não-mercantis entre os cidadãos” (Santos, 1999, p. 64). Como sabemos, o processo de desregulamentação neoliberal é direcionado a interesses específicos, mostrando assim seu caráter classista. Segundo Panitch, “houve não menos que 151 mudanças nas regulamentações que governam os investimentos estrangeiros diretos em 76 países, e 89% delas foram favoráveis ao capital estrangeiro” (Panitch, 2000, p. 16). Esse projeto neoliberal que passou a ser o programa de reformas, primeiramente nos países de centro e depois na periferia, onde teve como receituário um enxugamento do Estado, privatizações, reestruturação produtiva, desregulamentação e flexibilização dos direitos sociais, austeridade fiscal e monetária de acordo com instituições financeiras com FMI e BIRD e uma relação mais amena entre o capital transnacional e o Estado nacional. Como escreve Gill, “nos últimos 25 anos as forças políticas e instituições de direita foram consideravelmente fortalecidas, abrindo caminho para um neoliberalismo diciplinar e punitivo cada vez maior, especialmente depois do colapso da URSS – na medida em que, obviamente, representa-o como a única opção viável para o desenvolvimento da humanidade” (Gill, 2006, p. 39)
Com a globalização, os Estados Unidos tem a capacidade de penetração nos estados, economias e ordens sociais dos outros países capitalistas a partir de seus capitais e corporações (Panitch & Leys, 2006, p. 7). A maior liberdade do capital significa uma abertura de possibilidades de intervenção que não eram possíveis sob o sistema de Bretton Woods. Por isso, “a globalização das finanças inclui a americanização das finanças, e o aprofundamento e extensão dos mercados financeiros se tornou mais do que nunca fundamental para a reprodução e universalização do poder estadunidense” (Panitch & Gindin, 2006, p. 67). Lembremos que o sistema econômico internacional também é hierárquico e existe inserido em relações de dominação que, com a globalização financeira, se modificaram. Ao contrário do período de ouro da hegemonia dos Estados Unidos, com o projeto neoliberal criou-se uma nova forma de dominação, onde a instabilidade financeira e a insegurança econômica substituíam o compromisso e o consenso. Rude resume que
O capital global, sob domínio contínuo dos Estados Unidos, pode manter a subordinação das classes e nações dominadas usando o que resta da violência econômica e financeira, garantindo por uma ação policial militarizada quando a intimidação econômica não funciona. A manipulação de símbolos culturais pela mídia de massa global pode preencher a necessidade residual de legitimidade (Rude, 2006, p. 112)
No plano do capital financeiro, os Estados Unidos conseguiram ampliar sua posição privilegiada no sistema internacional. Seu peso é maior do que no plano industrial que, a partir de 1970, se tornou muito mais competitivo após a retomada da Europa Ocidental e do Japão. Assim, “ameaçados no campo da produção, os Estados Unidos reagiram afirmando sua hegemonia por meio das finanças” (Harvey, 2005, p. 58). Dessa forma, o sistema financeiro global tem a responsabilidade de reproduzir as hierarquias existentes, gerenciar os riscos dos distúrbios que ocorrem na forma de crises e recessões e alocar melhor o capital para manter estáveis seus investimentos, onde quer que seja. Segundo Braga e Cintra,
a marca distintiva do atual movimento de internacionalização capitalista é a forma em que se deu a globalização das finanças, viabilizada pelas políticas de desregulamentação dos mercados, iniciada pelos Estados Unidos e alavancada pelo sistema de taxas de câmbio flutuante. As finanças começaram a operar em um “espaço global”, hierarquizado a partir do sistema financeiro americano e viabilizado pela política monetária do Estado hegemônico, imitadas, de imediato, pelos demais países industrializados (Braga & Cintra, 2004, p. 267).
O que vemos, então, é uma funcionalidade da globalização financeira para reprodução das relações sociais capitalistas e de poder dos Estados Unidos, principalmente por que elas sempre foram “acompanhadas de perto por uma regulação contínua do sistema financeiro global em resposta à suas crises financeiras recorrentes” (Rude, 2006, p. 107). Por mais que a atividade predominantemente financeira seja um constante risco por sua volatilidade e instabilidade inerente, diferentemente das outras hegemonias, os Estados Unidos estão conseguindo lidar bem com esse fato, pois existe uma diversidade de instituições reguladoras que podem intervir contra qualquer abalo severo, ainda mais de forma conjunta com outros Estados que precisam dessa estabilidade.
Nessa condição de supremacia economia da globalização, com posição privilegiada dentro do sistema financeiro, os Estados Unidos conseguem criar mecanismos de conter as crises inerentes à predominância do capital fictício na economia mundial e, ainda por cima, abrir ainda mais o leque de opções de intervenção econômica, com efetividade maior do que no período de 1945 a 1970, já que a tendência a liberalização das finanças ocorre mundialmente fazendo com que todos os Estados fiquem ligados nessa rede. Segundo Gowan, foi por meio da organização da volatilidade da economia é que os Estados Unidos conseguiram reproduzir seu poder (Gowan, 2003) mesmo que, com o aprofundamento do sistema financeiro e o fortalecimento das instituições reguladoras de seus efeitos, a volatilidade que essa forma de acumulação de capital engendra uma dinâmica no capitalismo que trás inexoravelmente mais crises, porém apóia a durabilidade do sistema (Patitch & Gindin, 2004, p. 90).
Um fato ligado a isso é que o processo de globalização acabou trazendo uma radicalização do imperialismo que, por si só, já é um sinal de falta de liderança. É claro que o imperialismo se transformou desde as teorizações de Lênin, Rosa Luxemburgo, Hobson, Bukharin e Hilferding, porém continua sendo imperialismo com uma nova forma, além da já discorrida forma de dominação sobre a cultura e sobre o aspecto das finanças globais liberalizadas e suas instituições internacionais como o FMI, OMC e Banco Mundial com o mecanismo de dependência a partir da dívida externa e os ajustes estruturais que penalizam as populações da América Latina, África, Ásia e Leste Europeu.
A novidade do imperialismo é que ele é, assim como a globalização, encabeçado pelos Estados Unidos como potência organizadora. Não é aquele com uma variedade de potências lutando entre si e nem mesmo uma coalizão bem estabelecida. A capacidade estadunidense de intervenção é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas por estar entendido pelos quatro cantos do mundo com suas bases militares. Seu poder territorial é como qualquer império precedente. Segundo Gill
Os Estados Unidos possuem algo entre 700 e 1000 bases militares em todo o mundo (dependendo de como elas são catogorizadas e contatas); possui mais de 6000 dentro dos Estados Unidos e em seus próprios territórios. Um pessoal uniformizado de cerca de 250.000 funcionários civis, mais cerca de 45.000 funcionários contratados localmente (o que não exclui os novos envios ao Iraque, cerca de 140.000, nem o pequeno exército de contratantes privados que trabalham a seu lado como parte do modelo dos Estados Unidos de operações de guerra quase privatizadas). Ao menos 4, ou talvez 6 novas bases estão sendo construídas hoje no Iraque. Desde 11 de setembro de 2001, as forças dos Estados Unidos construíram, modernizaram ou expandiram as dependências militares em Bahrain, Qatar, Kuwait, Arábia Saudita, Omã, Turquia, Bulgária, Paquistão, Uzbequistão e Quirguistão (Gill, 2006, p. 51)
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As bases militares estadunidenses estão em cerca de 130 países e possuem um sistema de guerra único para garantir a defesa de seus interesses e práticas em constante expansão que, mesmo com o fim da Guerra Fria, não se conteve. O projeto Future Image Architecture, ou FIA, mostra isso. Ele é uma expansão massiva de seu sistema de satélites espiões e custeará US$ 25 bilhões em vinte anos. Em comparação, o projeto Manhattan que teve o propósito de construir a bomba atômica na Segunda Guerra Mundial custou US$ 20 bilhões de dólares atuais. Esse projeto se encaixa perfeitamente sobre a expansão constante de tecnologia militar a fim de dominar, além de tudo, o espaço e a cibernética (Gill, 2006, p. 52).
Mesmo a Rússia, segunda maior potência bélica do mundo, está em uma posição de diferença gritante em relação aos gastos na esfera militar. Depois do fim da União Soviética, a Rússia gasta cerca de 10% de seu PIB de 330 milhões com gastos militares. Os Estados Unidos podem gastar anualmente 3% de seu PIB de 11 trilhões para gastos militares, algo em torno de todo o PIB russo (Dupas, 2005, p. 128). Esse comportamento não é aleatório ou pode ser reduzido a determinado governo já que constitui uma política de Estado. Como escreve Mearsheimer, “as grandes potências têm um comportamento agressivo não porque elas queiram, mas porque elas têm que buscar acumular mais poder se quiserem maximizar suas probabilidades de sobrevivência, porque o sistema internacional cria incentivos poderosos para que os estados estejam sempre procurando oportunidades de ganhar mais poder às custas dos seus rivais” .
A atual invasão ao Iraque demonstra mais claramente isso já que “quem controlar o Oriente Médio controlará a torneira global do petróleo, e quem controlar a torneira global do petróleo poderá controlar a economia global, pelo menos no futuro próximo” assim, “o acesso ao petróleo do Oriente Médio é portanto uma questão de segurança crucial para os Estados Unidos, bem como para a economia global como um todo” (Harvey, 2005). Essa situação possibilita uma desagregação entre os principais interessados nesse controle. Para tanto, “o assim chamado ‘efeito demonstração’ é sempre – e cada vez mais – um ponto a considerar: a exibição ao mundo de que a força militar estadunidense pode ir a qualquer lugar e a qualquer momento” (Wood, 2002).
O que vemos, por outro lado, é que o potencial bélico dos Estados Unidos também faz parte de uma lógica de poder onde, paradoxalmente, ela arma seus “futuros e eventuais adversários, pelo menos até o momento em que eles adquiram autonomia tecnológico-militar. Mesmo depois do fim da Guerra Fria, os Estados Unidos (com 56,7% do mercado) e a Rússia (com 16,8 de todas as vendas de 2003) continuam dominando o mercado internacional de armamentos, e os países asiáticos, a China em particular, seguem sendo os seus maiores compradores” (Fiori, 2004). Exemplo dessa tendência megalomaníaca é que apenas no governo Clinton “os Estados Unidos se envolveram em 48 intervenções militares, muito mais do que em toda a Guerra Fria, período em que ocorreram 16 intervenções” (Bacevith, 2002). Sabemos que poder é mais que apenas armas, intervenções e ameaças. O poder está inserido em uma dialética de coerção e consenso e, qualquer uma das duas independentes é autodestrutiva. Assim como na vida, o uso extensivo da violência só é praticado quando existem lutas em potencial ou quando sabemos que estamos perdendo o controle.
Chegamos a um momento em que as contradições fundamentais do sistema são colocadas à prova. É necessário tomar decisões mais aventureiras, agressivas e, possivelmente, mais desastrosas diante da crise e da instabilidade. Como escreve István Mészáros,
hoje os perigos catastróficos que acompanhariam uma conflagração global, como as que ocorreram no passado, são evidentes até para os defensores menos críticos do sistema. Ao mesmo tempo, ninguém em sã consciência pode excluir a possibilidade de erupção de um conflito mortal, e com ele a destruição da humanidade. Ainda assim, nada se faz para resolver as maciças contradições ocultas que apontam para esta assustadora direção. Pelo contrário, o crescimento contínuo da hegemonia economia e militar da única superpotência remanescente – os Estados Unidos da América – lança uma sombra cada vez mais escura sobre o futuro
Talvez um controle real sobre as estruturas responsáveis pela reprodução da vida social seja uma possibilidade contra a atual situação do processo histórico. Se nessa transformação do mundo uma mudança decorrente seja a mudança em nós mesmos, talvez seja a hora de arriscar.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Crise na Europa: quais as respostas progressistas?
Lembro-me que no auge da crise nos Estados Unidos fiz um "texto pastiche". Era uma combinação entre o texto de Walden Bello e alguns comentários por fora do texto escrito de forma "anônima". Hoje li um texto de Michel Husson que vou fazer a mesma experiência, mas apenas no início do texto. Vou utilizar o início do texto como base para atualizar o andamento da crise atual e pontuar algumas questões política.
O original está em http://www.esquerda.net/dossier/crise-quais-respostas-progressistas.
Lá vai.
A atual crise é uma crise extremamente profunda. A reação dos governos é, por fim, suficientemente clara: resolvem o mais urgente para evitar as catástrofes, submetem-se ao capricho dos mercados sem nunca procurar controlá-los e preparam as adaptações necessárias para voltar, logo que possível, ao business as usual. A profundidade da crise é tal, que os governos não dispõem de alternativa real à versão neoliberal do capitalismo que construíram. Os planos de austeridade que se anunciam são e serão de uma grande violência e só irão conseguir endurecer os traços regressivos deste sistema. Do ponto de vista político isso comprova os limites da estritamente ação parlamentar como horizonte único do movimento social.Do lado do movimento social, a crise tem efeitos contraditórios. Por um lado, dá razão aos críticos de um sistema cujos próprios fundamentos são abalados por uma crise cuja dimensão demonstra a instabilidade crônica e a irracionalidade crescente. Mas, por outro lado, constrange as lutas a uma postura de defesa muitas vezes estilhaçada. Esta tensão sempre existiu, mas foi levada ao seu paroxismo pela crise: é preciso bater-se passo a passo contra as medidas para a «saída da crise» e, simultaneamente, abrir uma perspectiva alternativa radical. Num parametro organizacional e estratégico é necessário negar o existente e construir a alternativa ao mesmo tempo. É uma "crise da negação" onde para avançar com respostas que façam a ponte entre as duas exigências é necessário uma postura ofensiva. Isso é, colocar em jogo o próprio "jogo democrático" no plano da organização de massas cujo processo político não é fundado na "representação" dos partidos no Estado. Entrementes a dificuldade real para se organizar é o Estado. Nesse sentido um projeto "democrático-popular" da esquerda parlamentar tem como resposta o azeitamento das contradições sociais do capitalismo - vide petistas, democratas, trabalhistas, etc. Entretanto lembremos que tanto maior quanto mais mundial é a crise e quanto mais essas respostas devem ter em conta esta dimensão e serem portadoras de uma outra concepção de comunismo como associação dos livres associados do trabalho.
Prioridade às necessidades sociais... (a partir daqui apenas Husson)
O princípio fundamental de qualquer projeto de transformação social é minimamente a satisfação das necessidades sociais. Do ponto de vista capitalista, a saída da crise passa por uma recuperação da rentabilidade e, portanto, por uma pressão suplementar sobre os salários e o emprego. E os famosos déficits da proteção social ou do orçamento de Estado agravaram-se devido à deslocação da repartição da riqueza que é, também, o produto das contra-reformas fiscais. O resgate trilhionário do sistema financeiro está produzindo como resultado não uma melhora mínima nas condições de vida dos trabalhadores mas, ao contrário, uma crescente desigualdade social revestida de "política democrática".
A equação é portanto simples: não sairemos da crise por cima sem uma modificação significativa da repartição das receitas. Esta questão vem antes da do crescimento pautado pelo "ritmo Chinês". Claro que um crescimento mais sustentado seria favorável ao emprego e aos salários (falta ainda discutir o assunto de um ponto de vista ecológico) mas, de qualquer maneira, não se pode contar com esta variável se, ao mesmo tempo, a repartição das receitas se tornar cada vez mais desigual.
É preciso portanto esmagar as desigualdades: por um lado, pelo aumento da massa salarial e, por outro, pela reforma fiscal. A reposição do nível da parte correspondente aos salários deveria seguir uma regra dos três terços: um terço para os salários diretos, um terço para o salário socializado (a proteção social) e um terço para a criação de emprego através da redução do tempo de trabalho. Esta progressão far-se-ia em detrimento dos dividendos, que não têm nenhuma justificação económica nem utilidade social. O déficit orçamentário deveria ser progressivamente reduzido, não por um corte nas despesas, mas por uma refiscalização de todas as formas de receitas que, a pouco e pouco, foram dispensadas de impostos. A cobrança da dívida deveria ser atenuada por uma dedução excepcional equivalente a uma rejeição parcial da dívida.
... e portanto ao emprego
O desemprego e a precariedade já eram as perversões sociais mais graves deste sistema: a crise ainda as intensificou, tanto mais que os planos de austeridade vão poupar à custa das condições de existência dos mais desfavorecidos. Mesmo assim, não se deve considerar um hipotético crescimento como a via mais fácil. Produzamos mais para criar empregos? É inverter a questão. É preciso realizar aqui uma total mudança de perspectiva e pegar na criação de empregos úteis como ponto de partida.
Quer seja pela redução do tempo de trabalho no privado quer pela criação de lugares nas administrações, serviços públicos e colectividades; é preciso partir das necessidades e compreender que é o emprego que cria a riqueza (não necessariamente mercantil). E isto permite estabelecer uma ponte para as preocupações ambientais: a prioridade ao tempo livre e a criação de empregos úteis são dois elementos essenciais da luta contra as alterações climáticas.
A questão da repartição das receitas é pois um bom impulsionador em torno deste princípio simples: «nós não pagaremos a crise deles». Isto não tem nada a ver com «relançar a questão dos salários», mas com a defesa dos salários, do emprego e dos direitos sociais sobre o que não deveria haver discussão. Pode então avançar-se com a noção complementar de controlo: controlo sobre o que eles fazem com os seus lucros (pagar dividendos ou criar empregos); controlo sobre a utilização dos impostos (subvencionar os bancos ou financiar os serviços públicos). A cartada é passar da defesa ao controlo e só esta viragem pode permitir que o pôr em causa a propriedade privada dos meios de produção adquira uma audiência de massas.
O espartilho do euro
A segunda investida da crise vem abalar a Europa através da especulação sobre as dívidas públicas. A gestão desta crise é reveladora: a Europa neoliberal é um espartilho e o euro um instrumento de disciplina salarial e social. Esta constatação coloca a questão da possibilidade de uma experiência de transformação social iniciada num único país.
Não existe uma resposta clara. A saída do euro permitiria restabelecer uma margem de manobra graças à manipulação da taxa de câmbio, mas uma desvalorização teria um custo importante já que faria aumentar o peso da dívida e tornaria necessário um plano de austeridade, a fim de ajustar os salários a uma nova escala de preços internacionais. Por outro lado, é uma decisão extremamente arriscada, que arrisca desencadear a especulação contra a nova moeda. Resumindo, a saída do euro é uma ferramenta possível, mas não constitui por si própria uma saída progressista.
A verdadeira solução passaria pela criação dos instrumentos necessários para gerir a co-existência de diferentes economias no seio de uma moeda única. Uma primeira proposta, apresentada por Jacques Sapir, é a instauração de uma moeda «comum» e não «única»: existiria um euro convertível para as relações da zona com o resto do mundo e moedas reajustáveis para cada país ou grupo de países. Mas esta reforma não seria suficiente se a Europa não se dotasse de um verdadeiro orçamento alargado, fundado sobre uma tributação unificada do capital e se o BCE não estivesse autorizado a emitir euro-obrigações destinadas a financiar de forma co-responsável as dívidas públicas. Mas este tipo de solução pressupõe uma relação de forças e um grau de consenso que não existem hoje.
Por uma estratégia de alargamento europeu
A escolha parece pois ser entre uma aventura arriscada e uma harmonização utópica. A questão política central é portanto sair deste dilema. Para tentar responder-lhe, é preciso trabalhar a distinção entre os fins e os meios. O objetivo de uma política de transformação social é, mais uma vez, o de assegurar ao conjunto dos cidadãos uma vida decente em todas as suas dimensões (emprego, saúde, reforma, alojamento, etc.). O obstáculo imediato é a repartição das receitas, que é preciso modificar na fonte (entre lucros e salários) e corrigir ao nível fiscal. É preciso portanto tomar um conjunto de medidas que visem contrair as receitas financeiras e realizar uma reforma fiscal radical. Estes objetivos passam por pôr em causa os interesses sociais dominantes, os seus privilégios, e este confronto desenrola-se em primeiro lugar num âmbito nacional. Mas os trunfos dos dominadores e as medidas de retaliação possíveis ultrapassam esse âmbito nacional: invoca-se imediatamente a perda de competitividade, as fugas de capitais e a ruptura com as regras europeias.
A única estratégia possível deve portanto apoiar-se na legitimidade das soluções progressistas, que resulta do seu caráter eminentemente cooperativo. Todas as recomendações neoliberais remetem, em última instância, para a procura da competitividade: é preciso baixar os salários, reduzir os «encargos» para, no fim de contas, ganhar partes de mercado. Como o crescimento será fraco no período aberto pela crise na Europa, o único meio dos países criarem empregos será retirá-los aos países vizinhos, tanto mais que a maioria do comércio externo dos países europeus faz-se no interior da Europa. Isto é verdade mesmo para a Alemanha (primeiro ou segundo exportador mundial, juntamente com a China), que não pode contar apenas com os países emergentes para obter o seu crescimento e os seus empregos. As saídas neoliberais para a crise são, portanto, por natureza não cooperativas: só se pode ganhar contra os outros e isso é aliás o fundamento da crise da construção europeia.
Em contrapartida, as soluções progressistas são cooperativas: funcionam tanto melhor quanto se alargarem a um maior número de países. Se todos os países europeus reduzissem a duração do trabalho e tributassem as receitas do capital, esta coordenação permitiria eliminar as consequências às quais seria exposta esta mesma política levada a cabo num só país. A via a explorar é portanto a de uma estratégia de alargamento que um governo da esquerda radical poderia seguir:
1. tomam-se unilateralmente as «boas» medidas (por exemplo a taxação das transações financeiras);
2. fazem-se acompanhar de medidas de proteção (por exemplo um controle dos capitais);
3. assume-se o risco político de infringir as regras europeias;
4. propõe-se modificá-las, alargando as medidas tomadas à escala europeia;
5. não se exclui um braço de ferro e usa-se a ameaça da saída do euro.
Este esquema advém do fato de não podermos condicionar a aplicação de uma «boa» política à constituição de uma «boa» Europa. As medidas de retaliação de todos os tipos devem ser antecipadas por meio de medidas de proteção que, efetivamente, apelam ao arsenal protecionista. Mas não se trata de protecionismo no sentido habitual do termo, uma vez que este tipo de protecionismo protege uma experiência de transformação social e não os interesses dos capitalistas de um dado país face à concorrência dos outros. Trata-se, portanto, de um protecionismo de alargamento, cuja lógica é a de desaparecer a partir do momento em que as «boas» medidas se alargarem.
A ruptura com as regras europeias não se faz por uma questão de princípio, mas a partir de uma medida justa e legítima que corresponde aos interesses da maioria e que é proposta aos países vizinhos como caminho a seguir. Esta esperança de mudança permite então apoiar-se na mobilização social nos outros países e construir assim uma relação de forças que pode pesar sobre as instituições europeias. A experiência recente do plano de salvaguarda do euro demonstrou aliás que não era necessário alterar os tratados para desrespeitar várias das suas disposições.
A saída do euro deixa de ser, neste esquema, um pré-requisito. É, pelo contrário, uma arma a utilizar como «último recurso». Em primeiro lugar, a ruptura dever-se-ia fazer em dois pontos que permitiriam disponibilizar verdadeiras margens de manobra: nacionalização dos bancos e denúncia da dívida.
O projeto e a relação de forças
As justificações, tanto técnicas como políticas, de uma nacionalização do sistema bancário surgiram novamente com força: o plano de salvaguarda do euro é de fato um novo plano de salvaguarda dos bancos europeus, que detêm em grande parte a dívida grega e a de outros países ameaçados de especulação. Para fazer desaparecer todas essas dívidas emaranhadas, a melhor solução seria uma nacionalização integral, permitindo de uma vez por todas compensar, reescalonar ou saldar essas dívidas. As dívidas públicas, além do impacto mecânico sobre as receitas, correspondem no essencial à acumulação das ofertas fiscais às empresas e aos que têm rendimentos. A lógica apontaria para que fossem anuladas ou amplamente reestruturadas. Neste ponto, como no anterior, esbarra-se com uma outra dificuldade: essas medidas (nacionalização dos bancos e denúncia da dívida) poriam em causa os interesses dos não residentes e pressupõem uma ruptura com o capitalismo globalizado.
Um programa que visasse apenas regular o sistema à margem seria não só subdimensionado, mas também pouco mobilizador. Por outro lado, uma perspectiva radical arrisca-se a desencorajar perante a dimensão da tarefa. Trata-se de certo modo de determinar o grau óptimo de radicalidade. A dificuldade não está tanto em elaborar os dispositivos de ordem técnica: claro que é indispensável e é um trabalho muito avançado, mas nenhuma medida hábil pode permitir contornar o inevitável confronto entre interesses sociais contraditórios.
Sobre os bancos, o leque vai da nacionalização integral à regulação, passando pela constituição de um pólo financeiro público ou pela criação de uma regulamentação muito restritiva. Quanto à dívida pública, pode ser anulada, suspensa, renegociada, etc. A nacionalização integral dos bancos e a denúncia da dívida pública são medidas legítimas e economicamente viáveis, mas podem parecer fora de alcance devido à relação de forças actual. Situa-se aqui o verdadeiro debate: qual é, na escala do radicalismo, a posição do cursor que permite mobilizar melhor? Não cabe aos economistas decidir este debate e é por isso que, mais do que propor um conjunto de medidas, este artigo procurou colocar questões de método e sublinhar a necessidade, para uma verdadeira saída da crise, de três ingredientes indispensáveis:
1. uma modificação radical da repartição das receitas;
2. uma redução massiva do tempo de trabalho;
3. uma ruptura com a ordem mundial capitalista, a começar pela Europa que existe na realidade.
Não se pode encerrar o debate numa oposição entre antiliberais e anticapitalistas. Evidentemente que esta distinção tem um sentido, conforme o projeto seja de desembaraçar o capitalismo da finança ou de nos desembaraçarmos do capitalismo. Mas esta tensão não deveria impedir de fazermos um longo caminho juntos, enquanto se realiza este debate. O «programa comum» poderia basear-se agora na vontade de impor ao capitalismo outras regras de funcionamento. É esta a linha que separa a esquerda radical de ruptura e o social liberalismo de acompanhamento. Se se avançar por esta via, ver-se-á em seguida se isso leva a pôr em causa a propriedade privada a partir do controlo que se conseguir exercer sobre a repartição da riqueza.
O original está em http://www.esquerda.net/dossier/crise-quais-respostas-progressistas.
Lá vai.
A atual crise é uma crise extremamente profunda. A reação dos governos é, por fim, suficientemente clara: resolvem o mais urgente para evitar as catástrofes, submetem-se ao capricho dos mercados sem nunca procurar controlá-los e preparam as adaptações necessárias para voltar, logo que possível, ao business as usual. A profundidade da crise é tal, que os governos não dispõem de alternativa real à versão neoliberal do capitalismo que construíram. Os planos de austeridade que se anunciam são e serão de uma grande violência e só irão conseguir endurecer os traços regressivos deste sistema. Do ponto de vista político isso comprova os limites da estritamente ação parlamentar como horizonte único do movimento social.Do lado do movimento social, a crise tem efeitos contraditórios. Por um lado, dá razão aos críticos de um sistema cujos próprios fundamentos são abalados por uma crise cuja dimensão demonstra a instabilidade crônica e a irracionalidade crescente. Mas, por outro lado, constrange as lutas a uma postura de defesa muitas vezes estilhaçada. Esta tensão sempre existiu, mas foi levada ao seu paroxismo pela crise: é preciso bater-se passo a passo contra as medidas para a «saída da crise» e, simultaneamente, abrir uma perspectiva alternativa radical. Num parametro organizacional e estratégico é necessário negar o existente e construir a alternativa ao mesmo tempo. É uma "crise da negação" onde para avançar com respostas que façam a ponte entre as duas exigências é necessário uma postura ofensiva. Isso é, colocar em jogo o próprio "jogo democrático" no plano da organização de massas cujo processo político não é fundado na "representação" dos partidos no Estado. Entrementes a dificuldade real para se organizar é o Estado. Nesse sentido um projeto "democrático-popular" da esquerda parlamentar tem como resposta o azeitamento das contradições sociais do capitalismo - vide petistas, democratas, trabalhistas, etc. Entretanto lembremos que tanto maior quanto mais mundial é a crise e quanto mais essas respostas devem ter em conta esta dimensão e serem portadoras de uma outra concepção de comunismo como associação dos livres associados do trabalho.
Prioridade às necessidades sociais... (a partir daqui apenas Husson)
O princípio fundamental de qualquer projeto de transformação social é minimamente a satisfação das necessidades sociais. Do ponto de vista capitalista, a saída da crise passa por uma recuperação da rentabilidade e, portanto, por uma pressão suplementar sobre os salários e o emprego. E os famosos déficits da proteção social ou do orçamento de Estado agravaram-se devido à deslocação da repartição da riqueza que é, também, o produto das contra-reformas fiscais. O resgate trilhionário do sistema financeiro está produzindo como resultado não uma melhora mínima nas condições de vida dos trabalhadores mas, ao contrário, uma crescente desigualdade social revestida de "política democrática".
A equação é portanto simples: não sairemos da crise por cima sem uma modificação significativa da repartição das receitas. Esta questão vem antes da do crescimento pautado pelo "ritmo Chinês". Claro que um crescimento mais sustentado seria favorável ao emprego e aos salários (falta ainda discutir o assunto de um ponto de vista ecológico) mas, de qualquer maneira, não se pode contar com esta variável se, ao mesmo tempo, a repartição das receitas se tornar cada vez mais desigual.
É preciso portanto esmagar as desigualdades: por um lado, pelo aumento da massa salarial e, por outro, pela reforma fiscal. A reposição do nível da parte correspondente aos salários deveria seguir uma regra dos três terços: um terço para os salários diretos, um terço para o salário socializado (a proteção social) e um terço para a criação de emprego através da redução do tempo de trabalho. Esta progressão far-se-ia em detrimento dos dividendos, que não têm nenhuma justificação económica nem utilidade social. O déficit orçamentário deveria ser progressivamente reduzido, não por um corte nas despesas, mas por uma refiscalização de todas as formas de receitas que, a pouco e pouco, foram dispensadas de impostos. A cobrança da dívida deveria ser atenuada por uma dedução excepcional equivalente a uma rejeição parcial da dívida.
... e portanto ao emprego
O desemprego e a precariedade já eram as perversões sociais mais graves deste sistema: a crise ainda as intensificou, tanto mais que os planos de austeridade vão poupar à custa das condições de existência dos mais desfavorecidos. Mesmo assim, não se deve considerar um hipotético crescimento como a via mais fácil. Produzamos mais para criar empregos? É inverter a questão. É preciso realizar aqui uma total mudança de perspectiva e pegar na criação de empregos úteis como ponto de partida.
Quer seja pela redução do tempo de trabalho no privado quer pela criação de lugares nas administrações, serviços públicos e colectividades; é preciso partir das necessidades e compreender que é o emprego que cria a riqueza (não necessariamente mercantil). E isto permite estabelecer uma ponte para as preocupações ambientais: a prioridade ao tempo livre e a criação de empregos úteis são dois elementos essenciais da luta contra as alterações climáticas.
A questão da repartição das receitas é pois um bom impulsionador em torno deste princípio simples: «nós não pagaremos a crise deles». Isto não tem nada a ver com «relançar a questão dos salários», mas com a defesa dos salários, do emprego e dos direitos sociais sobre o que não deveria haver discussão. Pode então avançar-se com a noção complementar de controlo: controlo sobre o que eles fazem com os seus lucros (pagar dividendos ou criar empregos); controlo sobre a utilização dos impostos (subvencionar os bancos ou financiar os serviços públicos). A cartada é passar da defesa ao controlo e só esta viragem pode permitir que o pôr em causa a propriedade privada dos meios de produção adquira uma audiência de massas.
O espartilho do euro
A segunda investida da crise vem abalar a Europa através da especulação sobre as dívidas públicas. A gestão desta crise é reveladora: a Europa neoliberal é um espartilho e o euro um instrumento de disciplina salarial e social. Esta constatação coloca a questão da possibilidade de uma experiência de transformação social iniciada num único país.
Não existe uma resposta clara. A saída do euro permitiria restabelecer uma margem de manobra graças à manipulação da taxa de câmbio, mas uma desvalorização teria um custo importante já que faria aumentar o peso da dívida e tornaria necessário um plano de austeridade, a fim de ajustar os salários a uma nova escala de preços internacionais. Por outro lado, é uma decisão extremamente arriscada, que arrisca desencadear a especulação contra a nova moeda. Resumindo, a saída do euro é uma ferramenta possível, mas não constitui por si própria uma saída progressista.
A verdadeira solução passaria pela criação dos instrumentos necessários para gerir a co-existência de diferentes economias no seio de uma moeda única. Uma primeira proposta, apresentada por Jacques Sapir, é a instauração de uma moeda «comum» e não «única»: existiria um euro convertível para as relações da zona com o resto do mundo e moedas reajustáveis para cada país ou grupo de países. Mas esta reforma não seria suficiente se a Europa não se dotasse de um verdadeiro orçamento alargado, fundado sobre uma tributação unificada do capital e se o BCE não estivesse autorizado a emitir euro-obrigações destinadas a financiar de forma co-responsável as dívidas públicas. Mas este tipo de solução pressupõe uma relação de forças e um grau de consenso que não existem hoje.
Por uma estratégia de alargamento europeu
A escolha parece pois ser entre uma aventura arriscada e uma harmonização utópica. A questão política central é portanto sair deste dilema. Para tentar responder-lhe, é preciso trabalhar a distinção entre os fins e os meios. O objetivo de uma política de transformação social é, mais uma vez, o de assegurar ao conjunto dos cidadãos uma vida decente em todas as suas dimensões (emprego, saúde, reforma, alojamento, etc.). O obstáculo imediato é a repartição das receitas, que é preciso modificar na fonte (entre lucros e salários) e corrigir ao nível fiscal. É preciso portanto tomar um conjunto de medidas que visem contrair as receitas financeiras e realizar uma reforma fiscal radical. Estes objetivos passam por pôr em causa os interesses sociais dominantes, os seus privilégios, e este confronto desenrola-se em primeiro lugar num âmbito nacional. Mas os trunfos dos dominadores e as medidas de retaliação possíveis ultrapassam esse âmbito nacional: invoca-se imediatamente a perda de competitividade, as fugas de capitais e a ruptura com as regras europeias.
A única estratégia possível deve portanto apoiar-se na legitimidade das soluções progressistas, que resulta do seu caráter eminentemente cooperativo. Todas as recomendações neoliberais remetem, em última instância, para a procura da competitividade: é preciso baixar os salários, reduzir os «encargos» para, no fim de contas, ganhar partes de mercado. Como o crescimento será fraco no período aberto pela crise na Europa, o único meio dos países criarem empregos será retirá-los aos países vizinhos, tanto mais que a maioria do comércio externo dos países europeus faz-se no interior da Europa. Isto é verdade mesmo para a Alemanha (primeiro ou segundo exportador mundial, juntamente com a China), que não pode contar apenas com os países emergentes para obter o seu crescimento e os seus empregos. As saídas neoliberais para a crise são, portanto, por natureza não cooperativas: só se pode ganhar contra os outros e isso é aliás o fundamento da crise da construção europeia.
Em contrapartida, as soluções progressistas são cooperativas: funcionam tanto melhor quanto se alargarem a um maior número de países. Se todos os países europeus reduzissem a duração do trabalho e tributassem as receitas do capital, esta coordenação permitiria eliminar as consequências às quais seria exposta esta mesma política levada a cabo num só país. A via a explorar é portanto a de uma estratégia de alargamento que um governo da esquerda radical poderia seguir:
1. tomam-se unilateralmente as «boas» medidas (por exemplo a taxação das transações financeiras);
2. fazem-se acompanhar de medidas de proteção (por exemplo um controle dos capitais);
3. assume-se o risco político de infringir as regras europeias;
4. propõe-se modificá-las, alargando as medidas tomadas à escala europeia;
5. não se exclui um braço de ferro e usa-se a ameaça da saída do euro.
Este esquema advém do fato de não podermos condicionar a aplicação de uma «boa» política à constituição de uma «boa» Europa. As medidas de retaliação de todos os tipos devem ser antecipadas por meio de medidas de proteção que, efetivamente, apelam ao arsenal protecionista. Mas não se trata de protecionismo no sentido habitual do termo, uma vez que este tipo de protecionismo protege uma experiência de transformação social e não os interesses dos capitalistas de um dado país face à concorrência dos outros. Trata-se, portanto, de um protecionismo de alargamento, cuja lógica é a de desaparecer a partir do momento em que as «boas» medidas se alargarem.
A ruptura com as regras europeias não se faz por uma questão de princípio, mas a partir de uma medida justa e legítima que corresponde aos interesses da maioria e que é proposta aos países vizinhos como caminho a seguir. Esta esperança de mudança permite então apoiar-se na mobilização social nos outros países e construir assim uma relação de forças que pode pesar sobre as instituições europeias. A experiência recente do plano de salvaguarda do euro demonstrou aliás que não era necessário alterar os tratados para desrespeitar várias das suas disposições.
A saída do euro deixa de ser, neste esquema, um pré-requisito. É, pelo contrário, uma arma a utilizar como «último recurso». Em primeiro lugar, a ruptura dever-se-ia fazer em dois pontos que permitiriam disponibilizar verdadeiras margens de manobra: nacionalização dos bancos e denúncia da dívida.
O projeto e a relação de forças
As justificações, tanto técnicas como políticas, de uma nacionalização do sistema bancário surgiram novamente com força: o plano de salvaguarda do euro é de fato um novo plano de salvaguarda dos bancos europeus, que detêm em grande parte a dívida grega e a de outros países ameaçados de especulação. Para fazer desaparecer todas essas dívidas emaranhadas, a melhor solução seria uma nacionalização integral, permitindo de uma vez por todas compensar, reescalonar ou saldar essas dívidas. As dívidas públicas, além do impacto mecânico sobre as receitas, correspondem no essencial à acumulação das ofertas fiscais às empresas e aos que têm rendimentos. A lógica apontaria para que fossem anuladas ou amplamente reestruturadas. Neste ponto, como no anterior, esbarra-se com uma outra dificuldade: essas medidas (nacionalização dos bancos e denúncia da dívida) poriam em causa os interesses dos não residentes e pressupõem uma ruptura com o capitalismo globalizado.
Um programa que visasse apenas regular o sistema à margem seria não só subdimensionado, mas também pouco mobilizador. Por outro lado, uma perspectiva radical arrisca-se a desencorajar perante a dimensão da tarefa. Trata-se de certo modo de determinar o grau óptimo de radicalidade. A dificuldade não está tanto em elaborar os dispositivos de ordem técnica: claro que é indispensável e é um trabalho muito avançado, mas nenhuma medida hábil pode permitir contornar o inevitável confronto entre interesses sociais contraditórios.
Sobre os bancos, o leque vai da nacionalização integral à regulação, passando pela constituição de um pólo financeiro público ou pela criação de uma regulamentação muito restritiva. Quanto à dívida pública, pode ser anulada, suspensa, renegociada, etc. A nacionalização integral dos bancos e a denúncia da dívida pública são medidas legítimas e economicamente viáveis, mas podem parecer fora de alcance devido à relação de forças actual. Situa-se aqui o verdadeiro debate: qual é, na escala do radicalismo, a posição do cursor que permite mobilizar melhor? Não cabe aos economistas decidir este debate e é por isso que, mais do que propor um conjunto de medidas, este artigo procurou colocar questões de método e sublinhar a necessidade, para uma verdadeira saída da crise, de três ingredientes indispensáveis:
1. uma modificação radical da repartição das receitas;
2. uma redução massiva do tempo de trabalho;
3. uma ruptura com a ordem mundial capitalista, a começar pela Europa que existe na realidade.
Não se pode encerrar o debate numa oposição entre antiliberais e anticapitalistas. Evidentemente que esta distinção tem um sentido, conforme o projeto seja de desembaraçar o capitalismo da finança ou de nos desembaraçarmos do capitalismo. Mas esta tensão não deveria impedir de fazermos um longo caminho juntos, enquanto se realiza este debate. O «programa comum» poderia basear-se agora na vontade de impor ao capitalismo outras regras de funcionamento. É esta a linha que separa a esquerda radical de ruptura e o social liberalismo de acompanhamento. Se se avançar por esta via, ver-se-á em seguida se isso leva a pôr em causa a propriedade privada a partir do controlo que se conseguir exercer sobre a repartição da riqueza.
domingo, 11 de julho de 2010
História, revolução e amor
Essas notas fazem parte de devaneios que estão saltitando mas também complementam algumas reflexões anteriores, principalmente sobre história, revolução e amor.
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A cerca de duas décadas atrás Francis Fukuyama lançou a tese do “fim da história”. De certo modo ele está correto: o capitalismo global é o fim da história. Na medida em que o oposto da história é a natureza, o “fim da história” significa que o próprio processo social é cada vez mais “naturalizado”, vivenciado como uma forma de destino, uma força cega e sem controle. O capitalismo vem se universalizando de tal forma que sua aceitação está o tornando invencível e indestrutível, Sem dúvida o que está em jogo aqui é o fim da uma concepção de história, agora baseada num tempo desorientado.
Zizek está certo com a pergunta: não estamos hoje todos divididos entre a lembrança do passado histórico e o presente pós-histórico que não somos capazes de inserir na mesma narrativa com o passado, de modo que o presente é vivenciando como uma confusa sucessão de fragmentos que se evaporam rapidamente em nossa memória? Em suma, o problema de nossa era não é que não conseguimos nos lembrar do passado, de nossa própria história, mas sim que não conseguimos nos recordar do próprio presente – não conseguimos historitizá-lo – narrá-lo apropriadamente, ou seja, adquirir um mapeamento cognitivo adequado com relação a ele. Não é a toda que, do ponto de vista da esquerda, estamos experimentando não é apenas um déficit de ação ou a ausência de meios e da organização necessário à luta. Não sabemos como agir contra o capitalismo e estamos penando para redescobrir como pensar contra ele.
Em parte isso se dá porque nossa vida cotidiana no capitalismo tardio envolve uma rejeição sem precedentes da experiência do outro com o qual se aprende sobre os sintomas da história. Numa memorável interpretação das teses “Sobre o conceito de história” de Walter Benjamin, Eric Santner desenvolve a noção benjaminiana de que uma intervenção revolucionária presente repete/redime as tentativas fracassadas no passado. Os “sintomas” – traços do passado que são “redimidos” pela intervenção revolucionária – “não são exatamente feitos esquecidos, mas inações, tentativas fracassadas de suspender a força do tecido social que inibe gestos de solidariedade em relações aos ‘outros’ de uma dada sociedade”.
“Sintomas marcam não só tentativas revolucionárias fracassadas, mas, mais modestamente, respostas não-dadas a chamados para a acao ou mesmo por empatia em relacao àqueles cujo sofrimento de certo modo faz parte de nossa forma de vida. Eles guardam o lugar de algo que está lá, que insiste em nossa vida, mesmo que não tenha atingido consistência ontológica completa. Sintomas são, portanto, em certo sentido, os arquivos virtuais de vazios – ou, melhor dizendo, defesas contra vazis – que persistem na experiência histórica”.
É nesta “defesa contra vazis” que encontramos a singularidade universal do sujeito. A universalidade emerge onde a ordem “normal” que liga a cadeia de particulares é rompida. Por isso que não há, por exemplo, revolução “normal”. Toda explosão revolucionária é fundada numa exceção, num curto-circuito de “tarde demais” e “cedo demais”. Existe, simultaneamente, falta e excesso. A revolução, assim como o amor, nunca tem condições objetivas perfeitas para acontecer.
Aqui devemos entender as ligações entre o capitalismo contemporâneo e as possibilidades de amar. Hoje a busca patológica pela normalidade não é contrária ao culto pela diferença colorida da tolerância multicultural pós-moderna. Ambas recusam a possibilidade do Ato amoroso que reconfigura as coordenadas simbólicas. É uma postura que busca amor e segurança ao mesmo tempo ou, nos termos de Badiou, um “amor securitário”. Ambas são as posições ideológicas par excellence da pós-modernidade ideologicamente “pós-ideológica”. Ambas têm medo de serem pegas sob uma identificação com o Outro.
O desejo de amar não é sustentado por pressões superegóicas. Por isso que entre sexo e amor não existe metalinguagem (enquanto o sexo é baseado em pressões do supereu obviamente não existe amor!). O amor é o desejo de ser Um – e claro que o amor ignora a impossibilidade dessa empreitada.
Fico me perguntando: não é evidente que há alvo horrivelmente violento ao mostrarmos nossa paixão por outro ser humano – seja ele homem ou mulher? A paixão fere seu objeto, mutila-o. Até mesmo se seu objeto alegremente concorda em ocupar esse lugar, ele ou ela nunca podem fazê-lo sem um momento de espanto ou surpresa. A essa “imperfeição” constitutiva da paixão Lacan deu o nome de objet petit a: o tique “patológico” que torna alguém singular - o "objeto perdido da história de cada sujeito". No amor autêntico, eu amo o outro não apenas por estar vivo, mas por causa do excesso perturbador de vida nele ou nela.
Comumente existem algumas opções diante de um convite amoroso: 1) há os que recusam convites porque, “de qualquer forma”, já sabem que não vai ser o grande amor; 2) Há os que não querem perder tempo com conhecidos, só “com grandes amigos mesmo”; 3) Há os que recusam convites porque, se for o grande amor, vai ser o fim de seus hábitos solitários consolidados (não está disposto a aprender a amar); 4) há os que recusam convites porque, se o grande amor acontecer, vão ter que parar de se preparar para o grande amor futuro. Essas quatro posturas têm algo em comum: excluem a materialização de um amor impossível. Esse Ato Impossível não é irracional. Longe disso, ele cria sua própria (e nova) racionalidade. Temos que correr o risco, um passo no vazio, sem um grande Outro para aprovar. Esse Ato impossível é o que acontece em qualquer processo revolucionário e amoroso autêntico.
Há uma vergonha em todo amor, uma "desadaptação", uma quebra na harmonia do conjunto. As relações entre os que se amam seguem regras próprias que atemorizam os que estão à volta. Não é a toa que o medo de amar é o medo de construir uma história conjunta no que se há de traumático (e não harmonioso a priori) entre os amantes. O amor, tanto quanto o desejo, começa da falta. Mas como sentir amor hoje quando nos manifestamos como pessoas sem faltas?
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A cerca de duas décadas atrás Francis Fukuyama lançou a tese do “fim da história”. De certo modo ele está correto: o capitalismo global é o fim da história. Na medida em que o oposto da história é a natureza, o “fim da história” significa que o próprio processo social é cada vez mais “naturalizado”, vivenciado como uma forma de destino, uma força cega e sem controle. O capitalismo vem se universalizando de tal forma que sua aceitação está o tornando invencível e indestrutível, Sem dúvida o que está em jogo aqui é o fim da uma concepção de história, agora baseada num tempo desorientado.
Zizek está certo com a pergunta: não estamos hoje todos divididos entre a lembrança do passado histórico e o presente pós-histórico que não somos capazes de inserir na mesma narrativa com o passado, de modo que o presente é vivenciando como uma confusa sucessão de fragmentos que se evaporam rapidamente em nossa memória? Em suma, o problema de nossa era não é que não conseguimos nos lembrar do passado, de nossa própria história, mas sim que não conseguimos nos recordar do próprio presente – não conseguimos historitizá-lo – narrá-lo apropriadamente, ou seja, adquirir um mapeamento cognitivo adequado com relação a ele. Não é a toda que, do ponto de vista da esquerda, estamos experimentando não é apenas um déficit de ação ou a ausência de meios e da organização necessário à luta. Não sabemos como agir contra o capitalismo e estamos penando para redescobrir como pensar contra ele.
Em parte isso se dá porque nossa vida cotidiana no capitalismo tardio envolve uma rejeição sem precedentes da experiência do outro com o qual se aprende sobre os sintomas da história. Numa memorável interpretação das teses “Sobre o conceito de história” de Walter Benjamin, Eric Santner desenvolve a noção benjaminiana de que uma intervenção revolucionária presente repete/redime as tentativas fracassadas no passado. Os “sintomas” – traços do passado que são “redimidos” pela intervenção revolucionária – “não são exatamente feitos esquecidos, mas inações, tentativas fracassadas de suspender a força do tecido social que inibe gestos de solidariedade em relações aos ‘outros’ de uma dada sociedade”.
“Sintomas marcam não só tentativas revolucionárias fracassadas, mas, mais modestamente, respostas não-dadas a chamados para a acao ou mesmo por empatia em relacao àqueles cujo sofrimento de certo modo faz parte de nossa forma de vida. Eles guardam o lugar de algo que está lá, que insiste em nossa vida, mesmo que não tenha atingido consistência ontológica completa. Sintomas são, portanto, em certo sentido, os arquivos virtuais de vazios – ou, melhor dizendo, defesas contra vazis – que persistem na experiência histórica”.
É nesta “defesa contra vazis” que encontramos a singularidade universal do sujeito. A universalidade emerge onde a ordem “normal” que liga a cadeia de particulares é rompida. Por isso que não há, por exemplo, revolução “normal”. Toda explosão revolucionária é fundada numa exceção, num curto-circuito de “tarde demais” e “cedo demais”. Existe, simultaneamente, falta e excesso. A revolução, assim como o amor, nunca tem condições objetivas perfeitas para acontecer.
Aqui devemos entender as ligações entre o capitalismo contemporâneo e as possibilidades de amar. Hoje a busca patológica pela normalidade não é contrária ao culto pela diferença colorida da tolerância multicultural pós-moderna. Ambas recusam a possibilidade do Ato amoroso que reconfigura as coordenadas simbólicas. É uma postura que busca amor e segurança ao mesmo tempo ou, nos termos de Badiou, um “amor securitário”. Ambas são as posições ideológicas par excellence da pós-modernidade ideologicamente “pós-ideológica”. Ambas têm medo de serem pegas sob uma identificação com o Outro.
O desejo de amar não é sustentado por pressões superegóicas. Por isso que entre sexo e amor não existe metalinguagem (enquanto o sexo é baseado em pressões do supereu obviamente não existe amor!). O amor é o desejo de ser Um – e claro que o amor ignora a impossibilidade dessa empreitada.
Fico me perguntando: não é evidente que há alvo horrivelmente violento ao mostrarmos nossa paixão por outro ser humano – seja ele homem ou mulher? A paixão fere seu objeto, mutila-o. Até mesmo se seu objeto alegremente concorda em ocupar esse lugar, ele ou ela nunca podem fazê-lo sem um momento de espanto ou surpresa. A essa “imperfeição” constitutiva da paixão Lacan deu o nome de objet petit a: o tique “patológico” que torna alguém singular - o "objeto perdido da história de cada sujeito". No amor autêntico, eu amo o outro não apenas por estar vivo, mas por causa do excesso perturbador de vida nele ou nela.
Comumente existem algumas opções diante de um convite amoroso: 1) há os que recusam convites porque, “de qualquer forma”, já sabem que não vai ser o grande amor; 2) Há os que não querem perder tempo com conhecidos, só “com grandes amigos mesmo”; 3) Há os que recusam convites porque, se for o grande amor, vai ser o fim de seus hábitos solitários consolidados (não está disposto a aprender a amar); 4) há os que recusam convites porque, se o grande amor acontecer, vão ter que parar de se preparar para o grande amor futuro. Essas quatro posturas têm algo em comum: excluem a materialização de um amor impossível. Esse Ato Impossível não é irracional. Longe disso, ele cria sua própria (e nova) racionalidade. Temos que correr o risco, um passo no vazio, sem um grande Outro para aprovar. Esse Ato impossível é o que acontece em qualquer processo revolucionário e amoroso autêntico.
Há uma vergonha em todo amor, uma "desadaptação", uma quebra na harmonia do conjunto. As relações entre os que se amam seguem regras próprias que atemorizam os que estão à volta. Não é a toa que o medo de amar é o medo de construir uma história conjunta no que se há de traumático (e não harmonioso a priori) entre os amantes. O amor, tanto quanto o desejo, começa da falta. Mas como sentir amor hoje quando nos manifestamos como pessoas sem faltas?
A pseudo-radicalidade da falta de alternativas estratégicas e organizacionais da esquerda atual
Balibar está certo: a esquerda está em um estado de bancarrota política. Ela vem perdendo toda capacidade de representação das lutas sociais ou de organização dos movimentos de emancipação. Em geral está alienada com os dogmas do neoliberalismo ou se encontra no mesmo horizonte da Segunda Internacional que naturalizava e eternizava o Estado. Em conseqüência vem se desintegrando ideologicamente. Aqueles que a encaram nominalmente são apenas espectadores e, pela falta de audiência popular, exercem meramente um papel de comentaristas impotentes diante de uma crise da qual não propõem nenhuma resposta coletiva (claro, quando não são frenéticos apoiadores da atual situação como no caso petista). Nada para relançar o debate sobre a possibilidade de uma alternativa viável e radical. A pergunta que fica é: como re-imaginar a crise primeiramente para poder intervir politicamente sobre ela? Hoje o conjunto da economia é política e, ao mesmo tempo, o conjunto da política é econômica. Assim as “saídas” encontram muito mais dificuldades e obstáculos para se realizar. Superar o horizonte democrático não é fácil, mas sem essa empreitada não existe socialismo viável. Com essa adoção inconsciente dos parâmetros do sistema, a massa está implicada no funcionamento do capitalismo financeiro desde o ponto de vista de suas atividades, de seus interesses materiais e sua sobrevivência. Até o mais pobre depende imediatamente da generalização das facilidades de crédito e sua capitalização pelos bancos. Por isso que o combate entre dois grupos preexistentes (grandes e pequenos, exploradores e explorados, detentores e vítimas do poder) não se manifesta claramente nas lutas deste início de século.
Que desafio!
Que desafio!
terça-feira, 6 de julho de 2010
Refletir com Balibar
Recentemente li uma entrevista do filósofo francês Etienne Balibar. Conjuntamente com Alain Badiou e Jacques Racière, esses três filósofos que escrevem na França se destacam na esquerda mundial por sua radicalidade política. Ao contrário da nova miséria da filosofia francesa – representada por Bernard Levy, Michel Onfray, André Conte-Sponville, etc – estes três filósofos tem algo em comum: a reconstrução da esquerda sob o horizonte da emancipação.
Nesta entrevista que Amador Fernandes Savater faz ao filósofo discípulo de Althusser – Etienne Balibar – abordam-se algumas questões centrais a esquerda na Europa. Veja pedaços da entrevista abaixo (em espanhol):
Dice usted que la crisis no ha hecho más que empezar.
La crisis financiera griega sólo es el comienzo. Un episodio nuevo y muy importante de la crisis global que se abrió hace dos años con el estallido de la burbuja inmobiliaria americana. La especulación apunta ahora a las monedas y a las deudas públicas. El euro constituye actualmente el eslabón débil de la cadena, y con él Europa. La crisis no se detendrá con las medidas de rigor presupuestario y de austeridad que se han impuesto en primer lugar a Grecia y luego ya veremos. Está llamada a desarrollarse, afectando muy profundamente a las relaciones entre Estados, las naciones y los pueblos europeos. Las consecuencias serán devastadoras.
¿Por qué le parece tan significativa la crisis griega?
Porque revela que en el actual “rescate” de la moneda común, no hay realmente ningún término medio posible entre las dos lógicas que se oponen a propósito de la “regulación” de los mercados financieros. O bien es la potencia pública la que impone reglas de prudencia y de transparencia a las operaciones especulativas. O bien es la exigencia ilimitada de los capitales líquidos, apoyándose en las especulaciones más rentables a corto plazo, la que obliga a una desregulación cada vez más completa. No pueden ser las dos cosas a la vez. La crisis ilumina a plena luz esta y otras verdades que el discurso dominante se esfuerza en disimular.
¿Por ejemplo?
Me refiero a que hoy en día el conjunto de la economía es política y, al mismo tiempo, el conjunto de la política es económica. Existe toda una articulación capitalista entre el Estado y el mercado. Los grandes bancos y los principales fondos especulativos se han convertido en actores políticos, en el sentido de que dictan a toda una serie de Estados, e incluso a los bancos centrales, las condiciones de su política económica y monetaria. Esta situación tiene consecuencias capitales sobre la capacidad de los cuerpos políticos tradicionales (pueblos o naciones de ciudadanos) para determinar su propio desarrollo. Quizá sólo el caso de China es distinto, ni siquiera EEUU. Pero no es la única lección que podemos aprender de esa articulación capitalista entre el Estado y el mercado.
¿A qué se refiere?
Hay una correlación fundamental, a largo plazo, entre la manera en que se distribuyen las desigualdades sociales entre los “territorios” nacionales o en el interior de esos territorios, y las políticas puestas en marcha para incrementar su competitividad desde el punto de vista de la atracción de los capitales internacionales (por la presión sobre los niveles de los salarios o por la bajada de las retenciones fiscales que amenazan inevitablemente las políticas y las protecciones sociales). En esta perspectiva, los Estados podrían recuperar una parte al menos de su capacidad para determinar políticamente las condiciones económicas de la política: por ejemplo, optando por la defensa de un modelo de seguridad social. Pero este margen no tiene lugar más que entre límites muy estrechos: por un lado, el que proviene de que, en la economía globalizada, un modelo de desarrollo económico y social sostenido por el Estado no puede ser escogido a voluntad, por una pura decisión independiente de lo que hacen los otros; y el otro límite proviene de que las “elecciones” políticas en materia de desigualdades sociales (y en el límite de exclusión o inclusión de poblaciones enteras) son más o menos soportados pacientemente por los ciudadanos, es decir que se encuentran expuestas a los que antes se llamaba la lucha de clases.
¿Y qué es lo que ocurre en la Unión Europea?
Bajo pretexto de una armonización relativa de las instituciones y de una garantía de ciertos derechos fundamentales, la construcción europea ha favorecido la divergencia entre las economías nacionales que teóricamente debía unir en el seno de una zona de prosperidad compartida: unas dominan a las otras, ya sea en términos de porciones de mercado o de concentración bancaria, ya sea porque unas transforman a otras en subcontratistas. Más que un mecanismo de solidaridad y defensa colectiva de sus poblaciones, Europa es hoy un marco jurídico para intensificar la competencia entre sus miembros y ciudadanos.
Se están empezando a producir protestas, comenzando por Grecia.
La cólera griega tiene buenas razones. Primero, la imposición de la austeridad ha venido acompañada por una estigmatización delirante del pueblo griego, señalado como culpable de la corrupción y las mentiras de la clase política (que ha beneficiado sobre todo a los mas ricos, particularmente con formas de evasión fiscal). Segundo, se ha decidido al margen de cualquier debate democrático, revocando todos los compromisos electorales del gobierno. Tercero, se ha visto que Europa aplica, en su propio seno, no tanto procedimientos de solidaridad, como las reglas leoninas del FMI, cuyo objetivo es proteger el crédito de los bancos por encima de todo lo demás, hundiendo al país en una recesión sin final previsible.
¿Es el fin del sueño europeo?
No tengamos miedo de responder: sí, inevitablemente, a mayor o menor plazo y no sin algunas violentas sacudidas, a no ser que consiga reinventarse sobre nuevas bases. Su refundación no garantiza nada, pero le da algunas oportunidades de ejercer una fuerza geopolítica, en su beneficio y en el de los demás, a condición de asumir los inmensos desafíos de una federalismo de nuevo tipo. Este desafío tiene un nombre: potencia pública comunitaria, es decir, algo distinto tanto de un Estado como de una simple “gobernanza” de políticos y expertos; igualdad entre las naciones (frente a la competencia) y renovación de la democracia en el espacio europeo (frente a la “desdemocratización" actual, favorecida por el neoliberalismo y el “estatismo sin estado” de las administraciones europeas, colonizadas por castas burocráticas). Frente a los nacionalismos reactivos, ahora nos hace falta algo así como un “populismo europeo”.
¿En qué piensa, a qué se parecería ese populismo europeo?
A un movimiento convergente de las masas o una insurrección pacífica donde se exprese la ira de las víctimas de la crisis contra quienes se aprovechan de ella (e incluso la mantienen) y que a la vez exija un control “desde abajo” de las relaciones entre las finanzas, los mercados y la política de los Estados.
Hace mucho tiempo que se tendría que haber admitido esta evidencia: no se avanzará hacia el federalismo que se nos reclama ahora, y que efectivamente es deseable, sin un avance de la democracia más allá de sus formas actuales. Especialmente una intensificación de la intervención popular en las instituciones supranacionales. En cierta forma, es asunto de los pueblos de las naciones europeas, componentes de un “pueblo europeo” virtual, el devolver la vida a la democracia, sin la cual no hay ni gobierno legítimo, ni instituciones duraderas. En primer lugar, expresando vigorosamente su rechazo de las políticas fundadas sobre la perpetuación de los privilegios, e incluso su reforzamiento con ocasión de la crisis. Es lo que yo quiero decir cuando hablo de la necesidad de un “populismo europeo”.
Pero el populismo actual tiene poco que ver con esto, ¿no?
Sí, ahora es un nacionalismo (o regionalismo) agresivamente xenófobo, dirigido no sólo contra los inmigrantes venidos de fuera de Europa, sino también contra los otros europeos. Pero a esos populismos reaccionarios más o menos interconectados, que traducen la desmoralización de las clases populares y de las clases medias, la ausencia de perspectivas postnacionales para hacer frente a la globalización y la regresión de los movimientos sociales, es totalmente ilusorio oponerles un simple himno moral a las virtudes del Estado de derecho y del liberalismo, porque estos sólo recubren en la práctica la perpetuación de las desigualdades y el dominio aplastante de los intereses de la propiedad y las finanzas.
¿Y entonces?
Hace falta una nueva movilización popular cuyo motor no puede ser, al comienzo, más que una protesta. Estas iniciativas comportan ciertamente un riesgo, por eso hay que asociarlas a un compromiso democrático intransigente, a un imaginario “postnacional” y a una construcción positiva.
Habla usted de una bancarrota de la izquierda.
Sí, la izquierda está en estado de bancarrota política. Ha perdido toda capacidad de representación de las luchas sociales o de organización de movimientos de emancipación. En general, está alineada con los dogmas y los razonamientos del neoliberalismo. Y en consecuencia se ha desintegrado ideológicamente. Los que la encarnan nominalmente sólo son espectadores y, a falta de audiencia popular, ejercen meramente de comentaristas impotentes de una crisis a la que no proponen ninguna respuesta colectiva: nada tras el choque financiero de 2008, nada tras la aplicación a Grecia de las recetas del FMI, nada para “salvar al euro” de otra forma que sobre las espaldas de los trabajadores, nada para relanzar el debate sobre la posibilidad y los objetivos de una Europa solidaria.
¿Cuál es la dificultad para reinventar un proyecto de emancipación?
Las cosas son menos simples y más inciertas de lo que quisieran los esquemas binarios, profundamente anclados en el imaginario de izquierdas. Es extremadamente dudoso que las fuerzas o los campos en las que se libra hoy la batalla política puedan ser definidos como “clases”, o incluso como antítesis entre un imperium capitalista y una “multitud” (o una masa popular) que sería su víctima y que, por ello, no espera más que una propuesta ideológica o un programa de organización para revolverse y abatir la potencia del dinero. Porque la multitud o la masa está implicada en el funcionamiento del capitalismo financiero desde el punto de vista de sus actividades (su empleo precario o estable, sus condiciones de trabajo…), de sus intereses materiales y de su supervivencia. Nada más falso que presentar un capitalismo financiero como un capitalismo parásito o “rentista”. Lo que la crisis de las subprimes ha puesto en evidencia es justo el hecho de que las condiciones de vida más elementales -en primer lugar, la vivienda- de toda la población, sobre todo la más pobre, depende inmediatamente de la generalización de las facilidades de crédito y de su capitalización por los bancos. No hay exterioridad alguna entre los intereses del capital y los de la población.
¿Hace eso imposible entonces el antagonismo?
No, eso significa simplemente que el combate no es entre dos grupos preexistentes (grandes y pequeños, explotadores y explotados, detentadores y víctimas del poder), sino que los antagonismos, las contradicciones y los conflictos atraviesan los modos de vida, los modelos de actividad y de consumo, los intereses y las formas de conciencia de los grupos sociales.
***
Em outros textos Etienne Balilar nota algo importante: a transformação da divisão internacional do trabalho que desestabiliza radicalmente a distribuição de emprego pelo mundo. É uma nova estrutura global onde norte e sul, leste e oeste estão mudando seus lugares. Europa, ou grande parte dela, vai experienciar um brutal aumento das desigualdades: um colapso da classe média, enxugamento dos empregos, regressão do Welfare State e dos direitos sociais, e a destruição de indústrias culturais e os serviços públicos gerais. Isso vai precipitar o retorno de conflitos étnicos. A menos que achem a capacidade de começar de novo sob novas bases radicais, a Europa é um projeto político falido.
Nesta entrevista que Amador Fernandes Savater faz ao filósofo discípulo de Althusser – Etienne Balibar – abordam-se algumas questões centrais a esquerda na Europa. Veja pedaços da entrevista abaixo (em espanhol):
Dice usted que la crisis no ha hecho más que empezar.
La crisis financiera griega sólo es el comienzo. Un episodio nuevo y muy importante de la crisis global que se abrió hace dos años con el estallido de la burbuja inmobiliaria americana. La especulación apunta ahora a las monedas y a las deudas públicas. El euro constituye actualmente el eslabón débil de la cadena, y con él Europa. La crisis no se detendrá con las medidas de rigor presupuestario y de austeridad que se han impuesto en primer lugar a Grecia y luego ya veremos. Está llamada a desarrollarse, afectando muy profundamente a las relaciones entre Estados, las naciones y los pueblos europeos. Las consecuencias serán devastadoras.
¿Por qué le parece tan significativa la crisis griega?
Porque revela que en el actual “rescate” de la moneda común, no hay realmente ningún término medio posible entre las dos lógicas que se oponen a propósito de la “regulación” de los mercados financieros. O bien es la potencia pública la que impone reglas de prudencia y de transparencia a las operaciones especulativas. O bien es la exigencia ilimitada de los capitales líquidos, apoyándose en las especulaciones más rentables a corto plazo, la que obliga a una desregulación cada vez más completa. No pueden ser las dos cosas a la vez. La crisis ilumina a plena luz esta y otras verdades que el discurso dominante se esfuerza en disimular.
¿Por ejemplo?
Me refiero a que hoy en día el conjunto de la economía es política y, al mismo tiempo, el conjunto de la política es económica. Existe toda una articulación capitalista entre el Estado y el mercado. Los grandes bancos y los principales fondos especulativos se han convertido en actores políticos, en el sentido de que dictan a toda una serie de Estados, e incluso a los bancos centrales, las condiciones de su política económica y monetaria. Esta situación tiene consecuencias capitales sobre la capacidad de los cuerpos políticos tradicionales (pueblos o naciones de ciudadanos) para determinar su propio desarrollo. Quizá sólo el caso de China es distinto, ni siquiera EEUU. Pero no es la única lección que podemos aprender de esa articulación capitalista entre el Estado y el mercado.
¿A qué se refiere?
Hay una correlación fundamental, a largo plazo, entre la manera en que se distribuyen las desigualdades sociales entre los “territorios” nacionales o en el interior de esos territorios, y las políticas puestas en marcha para incrementar su competitividad desde el punto de vista de la atracción de los capitales internacionales (por la presión sobre los niveles de los salarios o por la bajada de las retenciones fiscales que amenazan inevitablemente las políticas y las protecciones sociales). En esta perspectiva, los Estados podrían recuperar una parte al menos de su capacidad para determinar políticamente las condiciones económicas de la política: por ejemplo, optando por la defensa de un modelo de seguridad social. Pero este margen no tiene lugar más que entre límites muy estrechos: por un lado, el que proviene de que, en la economía globalizada, un modelo de desarrollo económico y social sostenido por el Estado no puede ser escogido a voluntad, por una pura decisión independiente de lo que hacen los otros; y el otro límite proviene de que las “elecciones” políticas en materia de desigualdades sociales (y en el límite de exclusión o inclusión de poblaciones enteras) son más o menos soportados pacientemente por los ciudadanos, es decir que se encuentran expuestas a los que antes se llamaba la lucha de clases.
¿Y qué es lo que ocurre en la Unión Europea?
Bajo pretexto de una armonización relativa de las instituciones y de una garantía de ciertos derechos fundamentales, la construcción europea ha favorecido la divergencia entre las economías nacionales que teóricamente debía unir en el seno de una zona de prosperidad compartida: unas dominan a las otras, ya sea en términos de porciones de mercado o de concentración bancaria, ya sea porque unas transforman a otras en subcontratistas. Más que un mecanismo de solidaridad y defensa colectiva de sus poblaciones, Europa es hoy un marco jurídico para intensificar la competencia entre sus miembros y ciudadanos.
Se están empezando a producir protestas, comenzando por Grecia.
La cólera griega tiene buenas razones. Primero, la imposición de la austeridad ha venido acompañada por una estigmatización delirante del pueblo griego, señalado como culpable de la corrupción y las mentiras de la clase política (que ha beneficiado sobre todo a los mas ricos, particularmente con formas de evasión fiscal). Segundo, se ha decidido al margen de cualquier debate democrático, revocando todos los compromisos electorales del gobierno. Tercero, se ha visto que Europa aplica, en su propio seno, no tanto procedimientos de solidaridad, como las reglas leoninas del FMI, cuyo objetivo es proteger el crédito de los bancos por encima de todo lo demás, hundiendo al país en una recesión sin final previsible.
¿Es el fin del sueño europeo?
No tengamos miedo de responder: sí, inevitablemente, a mayor o menor plazo y no sin algunas violentas sacudidas, a no ser que consiga reinventarse sobre nuevas bases. Su refundación no garantiza nada, pero le da algunas oportunidades de ejercer una fuerza geopolítica, en su beneficio y en el de los demás, a condición de asumir los inmensos desafíos de una federalismo de nuevo tipo. Este desafío tiene un nombre: potencia pública comunitaria, es decir, algo distinto tanto de un Estado como de una simple “gobernanza” de políticos y expertos; igualdad entre las naciones (frente a la competencia) y renovación de la democracia en el espacio europeo (frente a la “desdemocratización" actual, favorecida por el neoliberalismo y el “estatismo sin estado” de las administraciones europeas, colonizadas por castas burocráticas). Frente a los nacionalismos reactivos, ahora nos hace falta algo así como un “populismo europeo”.
¿En qué piensa, a qué se parecería ese populismo europeo?
A un movimiento convergente de las masas o una insurrección pacífica donde se exprese la ira de las víctimas de la crisis contra quienes se aprovechan de ella (e incluso la mantienen) y que a la vez exija un control “desde abajo” de las relaciones entre las finanzas, los mercados y la política de los Estados.
Hace mucho tiempo que se tendría que haber admitido esta evidencia: no se avanzará hacia el federalismo que se nos reclama ahora, y que efectivamente es deseable, sin un avance de la democracia más allá de sus formas actuales. Especialmente una intensificación de la intervención popular en las instituciones supranacionales. En cierta forma, es asunto de los pueblos de las naciones europeas, componentes de un “pueblo europeo” virtual, el devolver la vida a la democracia, sin la cual no hay ni gobierno legítimo, ni instituciones duraderas. En primer lugar, expresando vigorosamente su rechazo de las políticas fundadas sobre la perpetuación de los privilegios, e incluso su reforzamiento con ocasión de la crisis. Es lo que yo quiero decir cuando hablo de la necesidad de un “populismo europeo”.
Pero el populismo actual tiene poco que ver con esto, ¿no?
Sí, ahora es un nacionalismo (o regionalismo) agresivamente xenófobo, dirigido no sólo contra los inmigrantes venidos de fuera de Europa, sino también contra los otros europeos. Pero a esos populismos reaccionarios más o menos interconectados, que traducen la desmoralización de las clases populares y de las clases medias, la ausencia de perspectivas postnacionales para hacer frente a la globalización y la regresión de los movimientos sociales, es totalmente ilusorio oponerles un simple himno moral a las virtudes del Estado de derecho y del liberalismo, porque estos sólo recubren en la práctica la perpetuación de las desigualdades y el dominio aplastante de los intereses de la propiedad y las finanzas.
¿Y entonces?
Hace falta una nueva movilización popular cuyo motor no puede ser, al comienzo, más que una protesta. Estas iniciativas comportan ciertamente un riesgo, por eso hay que asociarlas a un compromiso democrático intransigente, a un imaginario “postnacional” y a una construcción positiva.
Habla usted de una bancarrota de la izquierda.
Sí, la izquierda está en estado de bancarrota política. Ha perdido toda capacidad de representación de las luchas sociales o de organización de movimientos de emancipación. En general, está alineada con los dogmas y los razonamientos del neoliberalismo. Y en consecuencia se ha desintegrado ideológicamente. Los que la encarnan nominalmente sólo son espectadores y, a falta de audiencia popular, ejercen meramente de comentaristas impotentes de una crisis a la que no proponen ninguna respuesta colectiva: nada tras el choque financiero de 2008, nada tras la aplicación a Grecia de las recetas del FMI, nada para “salvar al euro” de otra forma que sobre las espaldas de los trabajadores, nada para relanzar el debate sobre la posibilidad y los objetivos de una Europa solidaria.
¿Cuál es la dificultad para reinventar un proyecto de emancipación?
Las cosas son menos simples y más inciertas de lo que quisieran los esquemas binarios, profundamente anclados en el imaginario de izquierdas. Es extremadamente dudoso que las fuerzas o los campos en las que se libra hoy la batalla política puedan ser definidos como “clases”, o incluso como antítesis entre un imperium capitalista y una “multitud” (o una masa popular) que sería su víctima y que, por ello, no espera más que una propuesta ideológica o un programa de organización para revolverse y abatir la potencia del dinero. Porque la multitud o la masa está implicada en el funcionamiento del capitalismo financiero desde el punto de vista de sus actividades (su empleo precario o estable, sus condiciones de trabajo…), de sus intereses materiales y de su supervivencia. Nada más falso que presentar un capitalismo financiero como un capitalismo parásito o “rentista”. Lo que la crisis de las subprimes ha puesto en evidencia es justo el hecho de que las condiciones de vida más elementales -en primer lugar, la vivienda- de toda la población, sobre todo la más pobre, depende inmediatamente de la generalización de las facilidades de crédito y de su capitalización por los bancos. No hay exterioridad alguna entre los intereses del capital y los de la población.
¿Hace eso imposible entonces el antagonismo?
No, eso significa simplemente que el combate no es entre dos grupos preexistentes (grandes y pequeños, explotadores y explotados, detentadores y víctimas del poder), sino que los antagonismos, las contradicciones y los conflictos atraviesan los modos de vida, los modelos de actividad y de consumo, los intereses y las formas de conciencia de los grupos sociales.
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Em outros textos Etienne Balilar nota algo importante: a transformação da divisão internacional do trabalho que desestabiliza radicalmente a distribuição de emprego pelo mundo. É uma nova estrutura global onde norte e sul, leste e oeste estão mudando seus lugares. Europa, ou grande parte dela, vai experienciar um brutal aumento das desigualdades: um colapso da classe média, enxugamento dos empregos, regressão do Welfare State e dos direitos sociais, e a destruição de indústrias culturais e os serviços públicos gerais. Isso vai precipitar o retorno de conflitos étnicos. A menos que achem a capacidade de começar de novo sob novas bases radicais, a Europa é um projeto político falido.
domingo, 4 de julho de 2010
Estados Unidos e Korea do Norte: irmãos siameses
Comumente vejo as revistas de política externa norte-americanas. É uma mistura de misticismo, neoconservadorismo e cientificismo bélico. Por exemplo, saiu pela Foreign Policy uma lista dos “piores dos piores” no mundo em termos de “totalistarismo”.
Naturalmente em primeiro lugar foi colocado KIM JONG IL da Korea do Norte. A notícia diz o seguinte sobre dessa engraçada criatura: “A personality-cult-cultivating isolationist with a taste for fine French cognac, Kim has pauperized his people, allowed famine to run rampant, and thrown hundreds of thousands in prison camps (where as many as 200,000 languish today) -- all while spending his country's precious few resources on a nuclear program”.
Não gosto deste jogo liberal de merda onde são apontados certos “defeitos” do outro exatamente para não apontar dos defeitos mais profundos que tem em si mesmo. Essa é uma grande arma nas relações internacionais onde se busca sempre falar do ponto de vista da vítima para legitimar o absurdo.
Com o desenrolar da desaceleração econômica global desde meados de 1970, nos Estados Unidos houve uma estagflação nos salários dos trabalhadores. Desde meados de 1970 os salários médios reais dos trabalhadores dos EUA cessaram de subir depois de sua ascensão histórica de 1820 a 1970. Ao mesmo tempo, a produtividade do trabalho com novas maquinarias, pressão social, neoliberalização, novas organizações do trabalho (toyotismo, terceirização, informalidade, nova divisão internacional do trabalho) proporcionaram, para os capitalistas, um aumento na extração da mais-valia.
Juntamente com esse processo de estagnação salarial houve um aumento progressivo da “escravidão creditícia” onde, para viver, a tomada crescente de créditos se tornou a forma de contornar o freio salarial dos trabalhadores e ativar a demanda. Em outras palavras, sob a atual crise os lucros privados dependem diretamente dos salários estagnados e, não menos importante, dos empréstimos contraídos pelos trabalhadores substituindo o aumento dos salários pelo aumento do crédito.
Lembremos que, desde 2008, nos Estados Unidos o ambiente direto de uma grande maioria de americanos não cessou de se degradar. O desemprego real situa-se no mínimo entre 15% e 20% e atinge 30% a 40% nas cidades e regiões mais afetadas pela crise. Nunca tantos americanos foram dependentes dos selos de alimentação do governo federal que doravante contribui num nível jamais atingido para os rendimentos das famílias estadunidenses. Paralelamente, os estados são obrigados a multiplicar os cortes orçamentais e a suprimir serviços sociais de todo gênero, agravando ao mesmo tempo o desemprego. Junto com o massivo desemprego temos a maior população carcerária e os maiores gastos militares do mundo.
Nos Estados Unidos, um dos pioneiros na privatização dos presídios, já existem hoje mais de cinco milhões de presos – um quarto de toda a população carcerário do mundo. Esses “supérfluos” sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, empregadores e nem gerar impostos estavam fadados à exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados das prisões. Dessa forma, o Estado depende cada vez mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo desemprego, o emprego precário e o encolhimento da proteção social como uma “maquina institucional de administração da pobreza” com os objetivos de disciplinar as frações da classe operária que surgem nos precários empregos de serviços, neutralizar e armazenar os elementos mais disruptivos ou considerados supérfluos tendo em vista as transformações na oferta de trabalho e, não menos importante, reafirmar a autoridade do Estado. Um exemplo desse processo é que, até mesmo nas áreas mais desenvolvidas do mundo passando dos Estados Unidos a Europa, desde 1975, a curva do desemprego e dos efetivos penitenciários segue uma evolução rigorosamente paralela.
Mesmo com um déficit orçamental astronômico, os gastos em defesa e na guerra para 2010 nos EUA continuam aumentando. Se previu com gastos de defesa US$ 534 bilhões, mais US$ 130 bilhões para a guerra do Iraque e do Afeganistão além de um suplemento de emergência de US$ 75,5 milhões para o resto de 2009. Essa tendência para a perpetuação crescente do complexo industrial-bélico não é somente estadunidense. Apesar das conversas sobre a “nova ordem mundial” e os “dividendos da paz” com o fim da guerra fria além do escancaramento da crise em 2008, presenciamos a escala sem precedentes dos Estados capitalistas expandindo o complexo industrial-militar. Em 2008 chegou a alcançar US$ 1,46 trilhão no mundo, 4 % mais do que em 2007 e 45% mais do que 1999. Essa expansão do militarismo é atribuída a “guerra ao terror” disseminada pelo EUA. Em termos mundiais, os EUA lideram a lista de gastos militares com um crescimento de 9,7% em 2008 chegando a US$ 607 bilhões. A China também aumentou seus gastos em 10% chegando ao segundo lugar pela primeira vez com US$ 84,9 bilhões. A lista continua com a França (US$ 65,7% bilhões), Reino Unido (US$ 65,3 bilhões) e Rússia (US$ 58,6 bilhões).
Isso é, em termos de encarceramento, degradação das condições dos trabalhadores e gastos militares os EUA não perdem para absolutamente ninguém no mundo, muito menos para a Korea do Norte.
Naturalmente em primeiro lugar foi colocado KIM JONG IL da Korea do Norte. A notícia diz o seguinte sobre dessa engraçada criatura: “A personality-cult-cultivating isolationist with a taste for fine French cognac, Kim has pauperized his people, allowed famine to run rampant, and thrown hundreds of thousands in prison camps (where as many as 200,000 languish today) -- all while spending his country's precious few resources on a nuclear program”.
Não gosto deste jogo liberal de merda onde são apontados certos “defeitos” do outro exatamente para não apontar dos defeitos mais profundos que tem em si mesmo. Essa é uma grande arma nas relações internacionais onde se busca sempre falar do ponto de vista da vítima para legitimar o absurdo.
Com o desenrolar da desaceleração econômica global desde meados de 1970, nos Estados Unidos houve uma estagflação nos salários dos trabalhadores. Desde meados de 1970 os salários médios reais dos trabalhadores dos EUA cessaram de subir depois de sua ascensão histórica de 1820 a 1970. Ao mesmo tempo, a produtividade do trabalho com novas maquinarias, pressão social, neoliberalização, novas organizações do trabalho (toyotismo, terceirização, informalidade, nova divisão internacional do trabalho) proporcionaram, para os capitalistas, um aumento na extração da mais-valia.
Juntamente com esse processo de estagnação salarial houve um aumento progressivo da “escravidão creditícia” onde, para viver, a tomada crescente de créditos se tornou a forma de contornar o freio salarial dos trabalhadores e ativar a demanda. Em outras palavras, sob a atual crise os lucros privados dependem diretamente dos salários estagnados e, não menos importante, dos empréstimos contraídos pelos trabalhadores substituindo o aumento dos salários pelo aumento do crédito.
Lembremos que, desde 2008, nos Estados Unidos o ambiente direto de uma grande maioria de americanos não cessou de se degradar. O desemprego real situa-se no mínimo entre 15% e 20% e atinge 30% a 40% nas cidades e regiões mais afetadas pela crise. Nunca tantos americanos foram dependentes dos selos de alimentação do governo federal que doravante contribui num nível jamais atingido para os rendimentos das famílias estadunidenses. Paralelamente, os estados são obrigados a multiplicar os cortes orçamentais e a suprimir serviços sociais de todo gênero, agravando ao mesmo tempo o desemprego. Junto com o massivo desemprego temos a maior população carcerária e os maiores gastos militares do mundo.
Nos Estados Unidos, um dos pioneiros na privatização dos presídios, já existem hoje mais de cinco milhões de presos – um quarto de toda a população carcerário do mundo. Esses “supérfluos” sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, empregadores e nem gerar impostos estavam fadados à exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados das prisões. Dessa forma, o Estado depende cada vez mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo desemprego, o emprego precário e o encolhimento da proteção social como uma “maquina institucional de administração da pobreza” com os objetivos de disciplinar as frações da classe operária que surgem nos precários empregos de serviços, neutralizar e armazenar os elementos mais disruptivos ou considerados supérfluos tendo em vista as transformações na oferta de trabalho e, não menos importante, reafirmar a autoridade do Estado. Um exemplo desse processo é que, até mesmo nas áreas mais desenvolvidas do mundo passando dos Estados Unidos a Europa, desde 1975, a curva do desemprego e dos efetivos penitenciários segue uma evolução rigorosamente paralela.
Mesmo com um déficit orçamental astronômico, os gastos em defesa e na guerra para 2010 nos EUA continuam aumentando. Se previu com gastos de defesa US$ 534 bilhões, mais US$ 130 bilhões para a guerra do Iraque e do Afeganistão além de um suplemento de emergência de US$ 75,5 milhões para o resto de 2009. Essa tendência para a perpetuação crescente do complexo industrial-bélico não é somente estadunidense. Apesar das conversas sobre a “nova ordem mundial” e os “dividendos da paz” com o fim da guerra fria além do escancaramento da crise em 2008, presenciamos a escala sem precedentes dos Estados capitalistas expandindo o complexo industrial-militar. Em 2008 chegou a alcançar US$ 1,46 trilhão no mundo, 4 % mais do que em 2007 e 45% mais do que 1999. Essa expansão do militarismo é atribuída a “guerra ao terror” disseminada pelo EUA. Em termos mundiais, os EUA lideram a lista de gastos militares com um crescimento de 9,7% em 2008 chegando a US$ 607 bilhões. A China também aumentou seus gastos em 10% chegando ao segundo lugar pela primeira vez com US$ 84,9 bilhões. A lista continua com a França (US$ 65,7% bilhões), Reino Unido (US$ 65,3 bilhões) e Rússia (US$ 58,6 bilhões).
Isso é, em termos de encarceramento, degradação das condições dos trabalhadores e gastos militares os EUA não perdem para absolutamente ninguém no mundo, muito menos para a Korea do Norte.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
O que há de semelhante entre a Segunda Internacional e o PT?
O oportunismo de todas as tendências dominantes na Segunda Internacional se manifestava de maneira mais clara no “esquecimento” sério do problema do Estado: neste ponto fundamental não há nenhuma diferença entre Bernstein e Kautsly. Neste mesmo sentido existe uma oposição falsa entre PT e PSDB no capitalismo democrático brasileiro contemporâneo. Todos sem exceção se limitaram a aceitar o Estado da sociedade burguesa. Enfrenta(va)m o Estado tomando uma posição particularista e de interesses imediatos.
Isso porque o PT no poder suspendeu qualquer mediação política horizontal, tornando-se onipotente e despolitizando as lutas sociais no campo e na cidade. O inimigo ficou mais difuso e diversos dirigentes partidários, sindicais e dos movimentos sociais (e até ONG`s) entraram no jogo da luta pela expansão ilimitada da democracia liberal. Deixou-se de lado o objetivo da luta (transformação radical socialista) e os meios (crescente reciprocidade das instituições socialistas existentes contra o inimigo de classe e suas personificações estatais do poder histórico reacionárias do Brasil).
Estamos com uma grande dificuldade para articular a estratégia da esquerda no século XXI com as mediações institucionais que consigam lidar com uma ofensiva socialista. No Brasil o lulismo desarticulou ambas demandas urgentes ao elevar a Terceira Via (capitalismo com menos fome, mais tolerância, auto-estima, etc.) a política ideológica nacional que reconcilia as classes sob a personificação do Líder Lula, pai dos pobres e mãe dos ricos nacionais e internacionais.
Entrementes torna-se imperativo rearticular a organização da esquerda sob novas bases – não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Como dizia Lukács (já em 1927), “a tradicional divisão operativa do movimento dos trabalhadores (partido, sindicato, cooperativa) se revela hoje como insuficiente para a luta revolucionária. Resulta a palpável necessidade de criar órgãos capazes de reunir ao proletariado inteiro e mais todos explorados da sociedade capitalista (campesinato, soldados) em massas consideráveis [...] São órgãos do proletariado que se organiza em classe”. Este desafio está na ordem do dia e necessita ser reinventado hoje. Fazemos parte do Velho Fukuyamismo que cresce a 7% por ano ou do Novo que está aí para radicalizar, revolucionar, transformar?
Isso porque o PT no poder suspendeu qualquer mediação política horizontal, tornando-se onipotente e despolitizando as lutas sociais no campo e na cidade. O inimigo ficou mais difuso e diversos dirigentes partidários, sindicais e dos movimentos sociais (e até ONG`s) entraram no jogo da luta pela expansão ilimitada da democracia liberal. Deixou-se de lado o objetivo da luta (transformação radical socialista) e os meios (crescente reciprocidade das instituições socialistas existentes contra o inimigo de classe e suas personificações estatais do poder histórico reacionárias do Brasil).
Estamos com uma grande dificuldade para articular a estratégia da esquerda no século XXI com as mediações institucionais que consigam lidar com uma ofensiva socialista. No Brasil o lulismo desarticulou ambas demandas urgentes ao elevar a Terceira Via (capitalismo com menos fome, mais tolerância, auto-estima, etc.) a política ideológica nacional que reconcilia as classes sob a personificação do Líder Lula, pai dos pobres e mãe dos ricos nacionais e internacionais.
Entrementes torna-se imperativo rearticular a organização da esquerda sob novas bases – não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Como dizia Lukács (já em 1927), “a tradicional divisão operativa do movimento dos trabalhadores (partido, sindicato, cooperativa) se revela hoje como insuficiente para a luta revolucionária. Resulta a palpável necessidade de criar órgãos capazes de reunir ao proletariado inteiro e mais todos explorados da sociedade capitalista (campesinato, soldados) em massas consideráveis [...] São órgãos do proletariado que se organiza em classe”. Este desafio está na ordem do dia e necessita ser reinventado hoje. Fazemos parte do Velho Fukuyamismo que cresce a 7% por ano ou do Novo que está aí para radicalizar, revolucionar, transformar?
Nota sobre a pós-política petista – parte 3
O governo Lula é uma explosão de jouissance para a esquerda brasileira. Institucionalizou o inconsciente petista e seu horizonte democrático-popular como o “fim da história” num profundo sentido de despolitização social. Com o PT no poder executivo nacional “não há alternativa” senão a progressiva entrada no Brasil no sistema financeiro internacional e uma “unidade” entre as classes sociais via políticas contra a fome ou contra as privatizações clássicas. Combinam-se os contrários – presidente sindicalista e expansão do poder dos bancos, partido dos trabalhadores no poder e precarização do trabalho, partido de esquerda no poder e azeitamento do capitalismo, luta pela soberania nacional e entrada massiva das transnacionais além de expansão das transnacionais brasileiras pela América Latina numa intensificação do subimperialismo. O governo Lula suspendeu o capitalismo realmente existente pela ordem democrática integradora da nação. É o “fim da história” na ascensão do bipartidarismo – PT e PSDB – que esconde sua falsa oposição já que nenhum dos dois postula uma real alternativa que coloque em jogo o marasmo político existente: tudo em nome da gestão pós-política do Estado capitalista do século XXI.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Projeto Ômega: a ofensiva do capital financeiro no Brasil
O projeto Ômega pretende transformar São Paulo num centro financeiro internacional, criar um mercado de moedas no país, liberalizar o câmbio, internacionalização do Real, etc. Espera-se que exista um extraordinário desenvolvimento do mercado de capitais: o mercado bancário cresceria entre 160% e 240%; o mercado de ações, de 25% a 40%; o mercado de derivativos de 45% a 75%; e o mercado de gestão de recursos de 50% a 110%. Esse projeto envolve uma maior fragilização externa da economia brasileira além de uma maior apreciação da taxa real de câmbio, aprofundando a desindustrialização da nação. Não nos enganemos: esse é o objetivo da maior inserção do capital financeiro na economia brasileira. Ao aumentar o fluxo excessivo de capitais externos, além do “crescimento” ser cada vez mais baseado em dinheiro que se comporta como capital mesmo que sem investir na produção, também se aumenta o risco dos mercados emergentes já que, afinal, uma mudança repentina na percepção dos investidores pode resultar numa enorme saída de capitais.
Esse projeto está sendo arquitetado pelo setor privado: BM&F Bovespa, Febraban e Anbima. É a derradeira passagem da economia brasileira para uma base de valorização financeira internacional do capital. São as finanças assumindo o comando da dinâmica da economia brasileira como o objetivo de tornar o Brasil um paraíso para os bancos. Para variar o que resta da esquerda no poder não se pronuncia. Quem paga seus salários institucionais é exatamente essa calhorda de parasitas.
Esse projeto está sendo arquitetado pelo setor privado: BM&F Bovespa, Febraban e Anbima. É a derradeira passagem da economia brasileira para uma base de valorização financeira internacional do capital. São as finanças assumindo o comando da dinâmica da economia brasileira como o objetivo de tornar o Brasil um paraíso para os bancos. Para variar o que resta da esquerda no poder não se pronuncia. Quem paga seus salários institucionais é exatamente essa calhorda de parasitas.
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