Vivemos num momento dramático do processo político brasileiro. O duplo governo Lula está acabando ao mesmo tempo em que a esquerda organizada pelo PSOL, PSTU e PCB está se batendo para construir formas de articulação no intuito de defender um programa estratégico pós-democrático popular.
Como o assentamento institucional do PT no Estado brasileiro se mostrou um obstáculo em relação à construção do socialismo que ocasionou, entre além de outras coisas, um belo retrocesso em relação a mobilização e organização popular, talvez concordamos que o esgotamento da seqüência política lulista para nós se manifesta com o enorme desafio da construção da estratégia do socialismo do século XXI no Brasil e que, nestas eleições, serão plantadas apenas as primeiras sementes.
Naturalmente só podemos construir essa estratégia comum num médio prazo se for inventada uma nova frente de esquerda. As limitações de 2006 foram radicais e, sem dúvida, não poderiam persistir de forma alguma. 2006 foi marcado por uma euforia diante de um agente político emergente - o PSOL. Nessa euforia perdemos um dos pontos principais: o programa de transição ao socialismo. Em síntese nas eleições de 2006 a frente buscou superar o PT com o pano de fundo do discurso nacional-desenvolvimentista a lá César Benjamin. Esse descaso com os avanços programáticos tanto do PSTU e PCB como o próprio PSOL acarretou uma falsa unidade que necessita ser superada.
Em 2010 temos um outro cenário. Heloísa Helena recusou a ser pré-candidata a presidente do PSOL e está flertando com Marina Silva e seu programa ecocapitalista biodesagrádavel. Com a disputa interna se acirrando pelo nome de Plínio de Arruda o tempo foi passando e a frente de esquerda foi se tornando uma lenda. Agora com a candidatura oficial do Plínio coloca-se um desafio para além dos conflitos internos: como vamos construir a frente de esquerda de 2010? Como vamos construir um programa com nome?
O pressuposto para avançarmos no que seria uma nova frente de esquerda é a unidade. Mas como se constrói a unidade senão pelas condições estipuladas por cada parte? Assim, quais são as condições efetivas de cada um para a criação da frente? Se não se colocar logo de cara quais são as condições para a construção da frente da esquerda naturalmente não haverá frente de esquerda em 2010.
Se, ao contrário, se apontar apenas os limites de nossa situação atual – “falta de tempo”, “falta de centralismo estratégico”, “crise no PSOL”, etc – nossa unidade chegará, no máximo, a algo como “três candidaturas e um programa” proposta por Mauro Iasi no PCB. É uma interessante proposta, mas que, a meu ver, perde a dimensão política em jogo com a construção do nome de Plínio de Arruda para a esquerda. Talvez uma frente anticapitalista de 2010 seja exatamente ao contrário: “uma candidatura e três programas”. Isso seria mais confuso que “três candidaturas e um programa”? Como bem disse o próprio Mauri Iasi num Seminário sobre estratégia:
Seria por demais pretensioso afirmar que em nossa estratégia para o momento atual está certa, enquanto outras estariam erradas. Essa estratégia e essa formulação, se confirmará como certa ou errada, apenas através da história, e nós temos a convicção de que uma nova formulação só é possível, inclusive naquilo que ela pretende superar outras formulações, pelo construção histórica que antecede a construção das formulações de nosso partido.
Só podemos construir essa estratégia de forma conjunta, naturalmente sem importar alguma das elaborações a priori já que, no caso do PSOL, também existe uma disputa programática dura. Sei disso já que o PSOL é formado por tendências que buscam asseguram uma democracia interna tendo disputas como própria forma de organização partidária. Aqui a autonomia organizacional do PSOL deve ser respeitada e não usada de subterfúgio para se criar condições de impossibilidade de um debate sério sobre a frente de 2010. De qualquer forma Iasi também enfatiza que o elemento tático mais específico de nosso momento histórico – inclusive eleições - como “propaganda do socialismo e dos limites do capitalismo”. Logicamente concordaríamos que a estratégia socialista é de ruptura e que, se não vemos no nome do Plínio um excelente porta-voz dessa tarefa talvez o purismo já nos tenha tomado a cabeça e deixado de encarar esse pleito democrático-representativo como uma tática na própria estratégia do socialismo.
Claramente uma possível frente de esquerda em 2010 terá uma nova forma. Precisamos urgentemente reinventá-la ou talvez se inicie uma disputa por qual seria a melhor alternativa para a esquerda da qual quem perde é a própria esquerda. Por outro lado, se nos unirmos numa frente talvez nossas chances de começar essa seqüência na política brasileira pós-Lula de forma positiva sejam muito maiores tanto em coesão como estrategicamente. O processo que nos levará até Outubro será, sem dúvida, determinante na forma com que a relacionamento entre PSOL, PSTU e PCB se dará no período pós-Lula.
Independente dos próximos episódios da frente de esquerda para 2010 a questão é que se conseguirmos superar essa inimizade política e assentar uma política programática e organizativa para a nova frente de esquerda de 2010 sabemos, ao certo, que temos os mesmo inimigos. Fazemos parte da mesma “contra-hegemônia” pós-Lula e, se começarmos ela separados, já estamos estrategicamente equivocados em nossa conduta política. Esse é um desafio real que temos que lidar hoje.
Por uma nova frente de esquerda em 2010!
Plínio Presidente!
Neste blog regurgito minhas posições sobre diferentes aspectos da realidade/fantasia social, política e econômica do mundo atual.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
São Paulo e a emancipação do século XXI
Por que a teologia está emergindo novamente como um ponto de referencia das políticas radicais? Está emergindo não para suprir o “grande Outro” divino, mas, ao contrário, para ser uma escala de liberdade radical em que o grande outro “não existe”. Sabemos que a ponta da lança tanto da psicanálise como do “marxismo” é o ateísmo, obviamente diferente daquele “Deus está morto” sobre o qual não se questiona o que realmente está em jogo, isso é, a lei.
Segundo Lacan, invertendo a clássica frase do pai Karamazov de Fyodor Dostoievsky “Deus está morto então tudo é permitido” nos diz, no seminário 17, que “a conclusão que se impõem no texto de nossa experiência é que Deus está morto tem como resposta nada mais é permitido”. A morte de Deus não nos salvou, mas, ao contrário, deixou todos culpados sobre sua morte.
Como ensina a psicanálise, a verdadeira fórmula do ateísmo não é Deus está morto e sim Deus é inconsciente. Os ateístas modernos pensam que sabem que Deus está morto; o que eles não sabem é que inconscientemente eles acreditam em Deus. O que caracteriza a modernidade não é mais a figura do crente. Hoje nós temos, ao contrário, um sujeito que se apresenta a si mesmo como um tolerante hedonista dedicado a busca da felicidade. Em outras palavras, “se Deus está morto, tudo é proibido” quer dizer que quanto mais nós nos percebemos como ateus, mais o inconsciente é dominando pelas proibições que sabotam nosso engajamento.
Mas que Deus a esquerda precisa então? Segundo Zizek, o tipo de Deus necessário a uma esquerda autêntica é um Deus que se torna homem, um camarada entre nós que não apenas “não existe”, mas também sabe disso aceitando seu apagamento passando inteiramente ao amor, blindando os membros do Espírito Santo (o partido, coletivo emancipatório, etc.). Esse amor é o amor igualitário incondicional que serve como fundação de uma nova ordem.
A forma de aparição desse amor pode ser chamada também comunismo: a urgência de criação de uma ordem social igualitária baseada na solidariedade. Amor é a “força sem força” dessa relação social universal que, num coletivo emancipatório, conecta as pessoas diretamente na sua singularidade ultrapassando suas posições particulares na hierarquia social. Foi São Paulo quem nos deu uma definição surpreendente de luta emancipatória: “nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra líderes, contra autoridades, contra os comandantes do mundo [kosmokratoras] dessa escuridão, contra a fraqueza espiritual nos céus”. Como acentua Zizek na linguagem de hoje, “nossa luta não é contra indivíduos concretos corruptos, mas contra aqueles no pode em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e a mistificação ideológica que o sustenta”.
No capítulo 13 da epístola de Coríntios, Paulo escreve o seguinte sobre o amor (ágape em grego) que, erroneamente, em algumas traduções aparece como caridade:
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor.
Assim como “o amor é um caminho que ultrapassa tudo”, o comunismo é o caminho que deve ser trilhado para ultrapassar o capitalismo.
A vida explosiva de Paulo coloca-se como referencia de uma nova figura militante no século XXI. É isso que Alain Badiou aborda em seu livro recentemente lançado no Brasil: a conexão paradoxal feita por Paulo entre um sujeito sem identidade e uma lei sem suporte, que funda a possibilidade de uma predicação universal na história. Nas palavras do filósofo francês: “Se, hoje, quero retraçar em poucas páginas a singularidade dessa conexão é porque trabalho por todos os ângulos, até com a negação de sua possibilidade, a busca de uma nova figura militante, demandada para suceder àquela cujo lugar Lênin e os bolcheviques ocuparam, no início do século passado, e que se pode dizer ter sido a do militante de partido”. Como o evento-Cristo foi basicamente a abolição da lei, a questão para Paulo era: como quebrar o ciclo vicioso entre lei e desejo, proibição e transgressão? Aqui a importância do estado de emergência paulino que suspende não apenas a Lei que regula nossa vida cotidiana, mas suspende precisamente as leis obscenas não escritas. Numa série de prescrições Paulo diz "obedeça a lei como se você não estivesse obedecendo ela". Isso quer dizer que não devemos suspender a dimensão obscena do investimento libidinal na Lei, o investimento que gera a Lei e solicita sua própria transgressão. O amor paulino não produz a suspensão da lei, mas sim seu suplemente superegóico e suas prescrições obscenas.
Em síntese diria que Paulo foi um grande institucionalizador revolucionário leninista organizando um novo partido chamado “comunidade cristã”. O desafio que temos hoje é homologo – reconstruir os instrumentos politicos necessarios para a construção de uma comunidade comunista.
Segundo Lacan, invertendo a clássica frase do pai Karamazov de Fyodor Dostoievsky “Deus está morto então tudo é permitido” nos diz, no seminário 17, que “a conclusão que se impõem no texto de nossa experiência é que Deus está morto tem como resposta nada mais é permitido”. A morte de Deus não nos salvou, mas, ao contrário, deixou todos culpados sobre sua morte.
Como ensina a psicanálise, a verdadeira fórmula do ateísmo não é Deus está morto e sim Deus é inconsciente. Os ateístas modernos pensam que sabem que Deus está morto; o que eles não sabem é que inconscientemente eles acreditam em Deus. O que caracteriza a modernidade não é mais a figura do crente. Hoje nós temos, ao contrário, um sujeito que se apresenta a si mesmo como um tolerante hedonista dedicado a busca da felicidade. Em outras palavras, “se Deus está morto, tudo é proibido” quer dizer que quanto mais nós nos percebemos como ateus, mais o inconsciente é dominando pelas proibições que sabotam nosso engajamento.
Mas que Deus a esquerda precisa então? Segundo Zizek, o tipo de Deus necessário a uma esquerda autêntica é um Deus que se torna homem, um camarada entre nós que não apenas “não existe”, mas também sabe disso aceitando seu apagamento passando inteiramente ao amor, blindando os membros do Espírito Santo (o partido, coletivo emancipatório, etc.). Esse amor é o amor igualitário incondicional que serve como fundação de uma nova ordem.
A forma de aparição desse amor pode ser chamada também comunismo: a urgência de criação de uma ordem social igualitária baseada na solidariedade. Amor é a “força sem força” dessa relação social universal que, num coletivo emancipatório, conecta as pessoas diretamente na sua singularidade ultrapassando suas posições particulares na hierarquia social. Foi São Paulo quem nos deu uma definição surpreendente de luta emancipatória: “nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra líderes, contra autoridades, contra os comandantes do mundo [kosmokratoras] dessa escuridão, contra a fraqueza espiritual nos céus”. Como acentua Zizek na linguagem de hoje, “nossa luta não é contra indivíduos concretos corruptos, mas contra aqueles no pode em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e a mistificação ideológica que o sustenta”.
No capítulo 13 da epístola de Coríntios, Paulo escreve o seguinte sobre o amor (ágape em grego) que, erroneamente, em algumas traduções aparece como caridade:
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor.
Assim como “o amor é um caminho que ultrapassa tudo”, o comunismo é o caminho que deve ser trilhado para ultrapassar o capitalismo.
A vida explosiva de Paulo coloca-se como referencia de uma nova figura militante no século XXI. É isso que Alain Badiou aborda em seu livro recentemente lançado no Brasil: a conexão paradoxal feita por Paulo entre um sujeito sem identidade e uma lei sem suporte, que funda a possibilidade de uma predicação universal na história. Nas palavras do filósofo francês: “Se, hoje, quero retraçar em poucas páginas a singularidade dessa conexão é porque trabalho por todos os ângulos, até com a negação de sua possibilidade, a busca de uma nova figura militante, demandada para suceder àquela cujo lugar Lênin e os bolcheviques ocuparam, no início do século passado, e que se pode dizer ter sido a do militante de partido”. Como o evento-Cristo foi basicamente a abolição da lei, a questão para Paulo era: como quebrar o ciclo vicioso entre lei e desejo, proibição e transgressão? Aqui a importância do estado de emergência paulino que suspende não apenas a Lei que regula nossa vida cotidiana, mas suspende precisamente as leis obscenas não escritas. Numa série de prescrições Paulo diz "obedeça a lei como se você não estivesse obedecendo ela". Isso quer dizer que não devemos suspender a dimensão obscena do investimento libidinal na Lei, o investimento que gera a Lei e solicita sua própria transgressão. O amor paulino não produz a suspensão da lei, mas sim seu suplemente superegóico e suas prescrições obscenas.
Em síntese diria que Paulo foi um grande institucionalizador revolucionário leninista organizando um novo partido chamado “comunidade cristã”. O desafio que temos hoje é homologo – reconstruir os instrumentos politicos necessarios para a construção de uma comunidade comunista.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Lacan e a militância
O que é militância no sentido lacaniano? Difícil resposta já que Lacan nunca se preocupou com essas questões. Será mesmo?
É bem conhecida a frase na qual Lacan diz a seus seguidores: “Vocês são lacanianos, eu sou freudiano”. Não ocorreria o mesmo em relação a Marx e Lênin ou Jesus e Paulo? O próprio Lacan para ser fiel a Freud era um militante freudiano assim como para ser fiel a Marx Lênin foi um militante marxista. Ok. Mas o que poderia se tratar a militância a partir da teoria lacaniana?
Segundo Lacan a “realidade” é regulada por ficções simbólicas que ocultam o Real de um antagonismo foracluído da ficção simbólica com regressos em formas de aparições espectrais. Como o Real não é impossível no sentido vulgar que o entende como algo inacessível e que nunca se aproxima, o meio do militante de “elucidar” o Real é via Simbólico. O real é o que fica excluído pela instituição do simbólico, mas, ao mesmo tempo, é pressuposto como a exceção que retorna para descosturar o simbólico pelo estilhaçamento do imaginário. O real é o falso pelo qual se deduz o verdadeiro, é o lugar do gozo impossível, a condição para que o corpo não despedaçado seja antecipado pelo simbólico, onde a relação sexual nos foi impossibilitada pela castração e cujo sintoma nos faz sofrer no imaginário. No caso da teoria lacaniana, deriva-se o verdadeiro do falso, o que é logicamente correto. O simbólico institui-se pela perda do real. Seu sistema permite a operação de uma totalidade negativa. Uma totalidade que nunca se dá, mas que se confronta com a particularidade do sujeito, a qual, portanto, está sempre suposta como o falso do qual a pretensão de completude se deriva.
Mas o que isso tem a ver com a figura militante? O militante, ao se identificar com a causa que a movimenta de tal forma, às vezes representa a própria causa. O efeito desses deslocamentos, entretanto, foi um buraco cavado na estrutura a fim de que naquele vazio se acomodasse um objeto suposto no desejo do Outro. Pelo que, vê-se, a estrutura não é mais consistente – apenas aparenta sê-lo. Nesse vazio estrutural, o sujeito pode acomodar-se e fazer as vezes de objeto do desejo do outro, ou pode desalojar-se e deixar cair a posse desse objeto e assumir o papel de sujeito. Assim, abre-se uma nova forma de vínculo entre o sujeito e a estrutura: a coalescência pelo vazio. O sujeito é, ele mesmo, também estruturalmente divido, já que constitucionalmente o desejo lhe vem do Outro e o gozo vem da Coisa. A própria pulsão o divide com relação ao desejo, e essa estrutura, agora denominada como “fantasia”, ficou consignada na fórmula “sujeito barrado punção de a”.
A fórmula lacaniana do fantasma $<> a (leia-se “S” barrado punção de pequeno a) liga a existência do sujeito ($) à perda da coisa (a), o que a teoria também refere como castração. Para Lacan o sujeito é vazio, ele está no real, e a sua manifestação é uma subjetividade dividida por uma cisão causada pela lógica da linguagem. O sujeito, por isso, não é nada senão uma diferença empenhada em ocupar lugares vazios. O objeto a, brevemente conceituando, é um elemento heterogêneo à linguagem, um resíduo da operação de simbolização que é irredutível ao significante e que cai como objeto perdido. Ao discurso é, então, impossível conferir uma consistência, pois todo discurso porta um fracasso, uma perda de gozo e, no lugar dessa perda, surge a função do objeto perdido: objeto a. O objeto a é o excedente que arrasta o sujeito a modificar sua existência.
Axioma 1: a figura do militante sempre oscila entre a falta e o excesso: sempre há “demasiado” e “não o suficiente”.
Faz parte da militância ocupar o lugar do objeto-causa do desejo do Outro. Ao ser fundamentalmente indiferente ao enigma do desejo do Outro, a subjetividade do militante não está organizada pelo excesso traumático do gozo. Em termos lacanianos a militância é a lacuna entre o S¹ e o objeto a, o que de encontrar o Real que desestabiliza a ordem simbólica. A militância “como tal”, no sentido que não há um modo “correto” de fazer-lo, na medida que a forma com que fazemos é sempre uma questão de aprendizagem, de regras que imitamos de outros e, assim, uma questão de tempo. O tempo de Lacan segue o mesmo modelo estrutural. Ele não é o tempo cronológico, puramente objetivo, mas o que chama de “tempo lógico”, dessubjetivado por duas escansões e subjetivado numa asserção de certeza antecipada. Esse tempo e esse espaço são, naturalmente, efeitos da estrutura, que, sendo impessoal e, portanto, não-subjetiva, dá ocasião teórica para conceituar a subjetividade, seu espaço e seu tempo.
Na lição de 19/06/1957 do seminário sobre As relações de objeto, Lacan, de fato, declara que a lógica do inconsciente não deve ser tomada como a lógica habitual, ela seria como uma “lógica de borracha”, assim como a topologia seria como uma “geometria de borracha” (1957). Nada disso quer dizer, porém, que a teoria tenha que ser conformada, também ela, por uma lógica distorcida. A teoria, como teoria do inconsciente, não é o inconsciente, é um discurso de segunda ordem e trata dele obedecendo à lógica habitual. Por isso é que fórmulas tais como “A mulher não existe”, “não há relação sexual”, “o significante representa o sujeito para outro significante” ou as “fórmulas da sexuação” que aparecem no Seminário XX, pertencem à lógica da subjetividade ou representam a estrutura segundo a qual age o sujeito. A teoria, porém, faz com que tais fórmulas sejam perfeitamente inteligíveis à luz do fundo de racionalidade sobre o qual estão constituídas.
Sobretudo na última etapa dos seus ensinamentos, isto é, na lógica do não-todo – principalmente a partir do seminário 17 a meu ver - e na ênfase colocada no real e na falta do Outro, Lacan propicia alguns ensinamentos sobre a figura militante. Como a lógica do não-todo diz que “o universal se funda pela exceção e não pelo atributo comum”, não seria essa a figura do militante?
Axioma 2 - O Militante não existe, pois o militante tem um estatuto ontológico de excrescência do Real que se desprende de nossa realidade comum. Para Lacan “existência” é sinônimo de “simbolização”, integração na ordem simbólica. Assim como A Mulher, a militância tem significantes próprios que não podem se inscrever na cadeia simbólica sendo, sem exceção, um excesso. Assim, não existe militante ideal.
Para finalizar em lacanês, o militante só existe com respeito à noção de ex-sistência. Isso quer dizer que sempre se persiste como um resto de gozo para além do sentido, resistente a simbolização. Assim concluímos que o militante emerge ao se identificar com o sinthome correlato ao atravessamento do fantasma. Assim como o amor que sempre demanda mais amor, militar demanda mais militância. Milito porque há algo nessa causa que é mais que essa causa, o objeto a pela qual nos mutilamos.
É bem conhecida a frase na qual Lacan diz a seus seguidores: “Vocês são lacanianos, eu sou freudiano”. Não ocorreria o mesmo em relação a Marx e Lênin ou Jesus e Paulo? O próprio Lacan para ser fiel a Freud era um militante freudiano assim como para ser fiel a Marx Lênin foi um militante marxista. Ok. Mas o que poderia se tratar a militância a partir da teoria lacaniana?
Segundo Lacan a “realidade” é regulada por ficções simbólicas que ocultam o Real de um antagonismo foracluído da ficção simbólica com regressos em formas de aparições espectrais. Como o Real não é impossível no sentido vulgar que o entende como algo inacessível e que nunca se aproxima, o meio do militante de “elucidar” o Real é via Simbólico. O real é o que fica excluído pela instituição do simbólico, mas, ao mesmo tempo, é pressuposto como a exceção que retorna para descosturar o simbólico pelo estilhaçamento do imaginário. O real é o falso pelo qual se deduz o verdadeiro, é o lugar do gozo impossível, a condição para que o corpo não despedaçado seja antecipado pelo simbólico, onde a relação sexual nos foi impossibilitada pela castração e cujo sintoma nos faz sofrer no imaginário. No caso da teoria lacaniana, deriva-se o verdadeiro do falso, o que é logicamente correto. O simbólico institui-se pela perda do real. Seu sistema permite a operação de uma totalidade negativa. Uma totalidade que nunca se dá, mas que se confronta com a particularidade do sujeito, a qual, portanto, está sempre suposta como o falso do qual a pretensão de completude se deriva.
Mas o que isso tem a ver com a figura militante? O militante, ao se identificar com a causa que a movimenta de tal forma, às vezes representa a própria causa. O efeito desses deslocamentos, entretanto, foi um buraco cavado na estrutura a fim de que naquele vazio se acomodasse um objeto suposto no desejo do Outro. Pelo que, vê-se, a estrutura não é mais consistente – apenas aparenta sê-lo. Nesse vazio estrutural, o sujeito pode acomodar-se e fazer as vezes de objeto do desejo do outro, ou pode desalojar-se e deixar cair a posse desse objeto e assumir o papel de sujeito. Assim, abre-se uma nova forma de vínculo entre o sujeito e a estrutura: a coalescência pelo vazio. O sujeito é, ele mesmo, também estruturalmente divido, já que constitucionalmente o desejo lhe vem do Outro e o gozo vem da Coisa. A própria pulsão o divide com relação ao desejo, e essa estrutura, agora denominada como “fantasia”, ficou consignada na fórmula “sujeito barrado punção de a”.
A fórmula lacaniana do fantasma $<> a (leia-se “S” barrado punção de pequeno a) liga a existência do sujeito ($) à perda da coisa (a), o que a teoria também refere como castração. Para Lacan o sujeito é vazio, ele está no real, e a sua manifestação é uma subjetividade dividida por uma cisão causada pela lógica da linguagem. O sujeito, por isso, não é nada senão uma diferença empenhada em ocupar lugares vazios. O objeto a, brevemente conceituando, é um elemento heterogêneo à linguagem, um resíduo da operação de simbolização que é irredutível ao significante e que cai como objeto perdido. Ao discurso é, então, impossível conferir uma consistência, pois todo discurso porta um fracasso, uma perda de gozo e, no lugar dessa perda, surge a função do objeto perdido: objeto a. O objeto a é o excedente que arrasta o sujeito a modificar sua existência.
Axioma 1: a figura do militante sempre oscila entre a falta e o excesso: sempre há “demasiado” e “não o suficiente”.
Faz parte da militância ocupar o lugar do objeto-causa do desejo do Outro. Ao ser fundamentalmente indiferente ao enigma do desejo do Outro, a subjetividade do militante não está organizada pelo excesso traumático do gozo. Em termos lacanianos a militância é a lacuna entre o S¹ e o objeto a, o que de encontrar o Real que desestabiliza a ordem simbólica. A militância “como tal”, no sentido que não há um modo “correto” de fazer-lo, na medida que a forma com que fazemos é sempre uma questão de aprendizagem, de regras que imitamos de outros e, assim, uma questão de tempo. O tempo de Lacan segue o mesmo modelo estrutural. Ele não é o tempo cronológico, puramente objetivo, mas o que chama de “tempo lógico”, dessubjetivado por duas escansões e subjetivado numa asserção de certeza antecipada. Esse tempo e esse espaço são, naturalmente, efeitos da estrutura, que, sendo impessoal e, portanto, não-subjetiva, dá ocasião teórica para conceituar a subjetividade, seu espaço e seu tempo.
Na lição de 19/06/1957 do seminário sobre As relações de objeto, Lacan, de fato, declara que a lógica do inconsciente não deve ser tomada como a lógica habitual, ela seria como uma “lógica de borracha”, assim como a topologia seria como uma “geometria de borracha” (1957). Nada disso quer dizer, porém, que a teoria tenha que ser conformada, também ela, por uma lógica distorcida. A teoria, como teoria do inconsciente, não é o inconsciente, é um discurso de segunda ordem e trata dele obedecendo à lógica habitual. Por isso é que fórmulas tais como “A mulher não existe”, “não há relação sexual”, “o significante representa o sujeito para outro significante” ou as “fórmulas da sexuação” que aparecem no Seminário XX, pertencem à lógica da subjetividade ou representam a estrutura segundo a qual age o sujeito. A teoria, porém, faz com que tais fórmulas sejam perfeitamente inteligíveis à luz do fundo de racionalidade sobre o qual estão constituídas.
Sobretudo na última etapa dos seus ensinamentos, isto é, na lógica do não-todo – principalmente a partir do seminário 17 a meu ver - e na ênfase colocada no real e na falta do Outro, Lacan propicia alguns ensinamentos sobre a figura militante. Como a lógica do não-todo diz que “o universal se funda pela exceção e não pelo atributo comum”, não seria essa a figura do militante?
Axioma 2 - O Militante não existe, pois o militante tem um estatuto ontológico de excrescência do Real que se desprende de nossa realidade comum. Para Lacan “existência” é sinônimo de “simbolização”, integração na ordem simbólica. Assim como A Mulher, a militância tem significantes próprios que não podem se inscrever na cadeia simbólica sendo, sem exceção, um excesso. Assim, não existe militante ideal.
Para finalizar em lacanês, o militante só existe com respeito à noção de ex-sistência. Isso quer dizer que sempre se persiste como um resto de gozo para além do sentido, resistente a simbolização. Assim concluímos que o militante emerge ao se identificar com o sinthome correlato ao atravessamento do fantasma. Assim como o amor que sempre demanda mais amor, militar demanda mais militância. Milito porque há algo nessa causa que é mais que essa causa, o objeto a pela qual nos mutilamos.
terça-feira, 20 de abril de 2010
O fim do democrático-popular como estratégia da esquerda: por uma luta com inimigos.
Althusser estava certo: a filosofia é essencialmente política. O verdadeiro pensamento do processo político é detido pelos militantes da luta de classes revolucionária. Segundo a síntese de Badiou apenas os militantes políticos pensam efetivamente a novidade política. O que o filósofo pode fazer é registrar, na abertura de possibilidades filosóficas não apercebidas anteriormente, o sinal de uma “pensabilidade” reaberta da política a partir dela própria.
Portanto em que pé estamos hoje? Como toda política cessa quando emerge o fim de uma seqüência política, a pergunta que temos que fazer é: em que seqüência política nos encontramos? Diria que com o fim do “período de férias do capitalismo”, principalmente com o 11 de setembro e a crise financeira internacional de 2008, coloca-se em questão uma nova seqüência política para além da democracia-liberal como horizonte de ação sob novas formas de organização. Sabemos que uma organização – coletivos, partidos, movimentos sociais, sindicatos, etc. - é a dimensão coletiva da ação política. Se alguém se propõem a militar para dar movimento em alguma causa social é necessário estar misturado numa organização com princípios e convicções políticas. Mas porque é necessário enfatizar o início de uma nova seqüência política? Como dizia Hegel, só podemos ter necessidade retroativamente. Não existe necessidade a priori. Apenas quando existe um ato é que ele se torna necessário.
São tempos que a esquerda parece estar desorientada. O primeiro ponto de reorientação estratégica é deixar o projeto democrático-popular como estratégia para apenas uma tática entre outras. O objetivo é anticapitalista. Isso por que uma crise internacional, por exemplo, é uma possibilidade e não a solução para superar os antagonismos sociais. É necessário experienciar uma certa impossibilidade já que, depois de uma quebra histórica, não é possível voltar ao passado. Como o modelo democrático-popular se mostrou o mais impotente possível para lidar com a crise de 2008, seria uma bela ignorância continuar com ele. Na realidade, na crise de 2008 até a burguesia se assustou com a falta de resistência da esquerda. O que faltou na última crise foi APENAS a esquerda. Essa já é uma bela razão para repensarmos nossa estratégia e nossas formas de organização.
A democracia-liberal “formaliza” as lutas sociais numa política sem Inimigo acarretando num azeitamento do antagonismo que sustenta a própria luta social. A neutralização do Inimigo é uma operação do Estado democrático para aparecer como um Estado legal. Num Estado ilegal os Inimigos emergem simplesmente por potencialmente problematizar a ilegalidade das políticas estatais. Assim, em nossa era pós-política a política se torna uma “política sem Inimigo”: o Inimigo é anônimo e surge como um vírus que não pode ser combatido.
Entrementes, uma vitória política Real só pode ser conquistada ao se conduzir o Inimigo ao centro do movimento. Ao se excluir a dimensão do Inimigo se perde o principal: o fortalecimento da luta. Na realidade, com quantos mais Inimigos nos deparamos mais aprendemos sobre nossas limitações. Em última instância sempre temos medo por nossa indefensabilidade perante o Inimigo.
Para finalizar diria que nessa nova seqüência política temos duas tarefas cruciais: construir uma imagem reconhecível do Inimigo e identificar o “ponto de captação” do espaço ideológico-político que unifica a multidão de adversários políticos com que estamos interagindo em nossas lutas. A reciprocidade dialética dessa operação é o que cria as bases para um movimento de massas. Sem um Inimigo visível não existe objetivo político que possa ser perseguido assim como sem encontrar o “ponto de captação” correto os meios táticos da luta são desorientados e não tendem a um acúmulo temporal necessário na construção de organizações fortes e interdependentes que mobilizem as lutas sociais contemporâneas.
Portanto em que pé estamos hoje? Como toda política cessa quando emerge o fim de uma seqüência política, a pergunta que temos que fazer é: em que seqüência política nos encontramos? Diria que com o fim do “período de férias do capitalismo”, principalmente com o 11 de setembro e a crise financeira internacional de 2008, coloca-se em questão uma nova seqüência política para além da democracia-liberal como horizonte de ação sob novas formas de organização. Sabemos que uma organização – coletivos, partidos, movimentos sociais, sindicatos, etc. - é a dimensão coletiva da ação política. Se alguém se propõem a militar para dar movimento em alguma causa social é necessário estar misturado numa organização com princípios e convicções políticas. Mas porque é necessário enfatizar o início de uma nova seqüência política? Como dizia Hegel, só podemos ter necessidade retroativamente. Não existe necessidade a priori. Apenas quando existe um ato é que ele se torna necessário.
São tempos que a esquerda parece estar desorientada. O primeiro ponto de reorientação estratégica é deixar o projeto democrático-popular como estratégia para apenas uma tática entre outras. O objetivo é anticapitalista. Isso por que uma crise internacional, por exemplo, é uma possibilidade e não a solução para superar os antagonismos sociais. É necessário experienciar uma certa impossibilidade já que, depois de uma quebra histórica, não é possível voltar ao passado. Como o modelo democrático-popular se mostrou o mais impotente possível para lidar com a crise de 2008, seria uma bela ignorância continuar com ele. Na realidade, na crise de 2008 até a burguesia se assustou com a falta de resistência da esquerda. O que faltou na última crise foi APENAS a esquerda. Essa já é uma bela razão para repensarmos nossa estratégia e nossas formas de organização.
A democracia-liberal “formaliza” as lutas sociais numa política sem Inimigo acarretando num azeitamento do antagonismo que sustenta a própria luta social. A neutralização do Inimigo é uma operação do Estado democrático para aparecer como um Estado legal. Num Estado ilegal os Inimigos emergem simplesmente por potencialmente problematizar a ilegalidade das políticas estatais. Assim, em nossa era pós-política a política se torna uma “política sem Inimigo”: o Inimigo é anônimo e surge como um vírus que não pode ser combatido.
Entrementes, uma vitória política Real só pode ser conquistada ao se conduzir o Inimigo ao centro do movimento. Ao se excluir a dimensão do Inimigo se perde o principal: o fortalecimento da luta. Na realidade, com quantos mais Inimigos nos deparamos mais aprendemos sobre nossas limitações. Em última instância sempre temos medo por nossa indefensabilidade perante o Inimigo.
Para finalizar diria que nessa nova seqüência política temos duas tarefas cruciais: construir uma imagem reconhecível do Inimigo e identificar o “ponto de captação” do espaço ideológico-político que unifica a multidão de adversários políticos com que estamos interagindo em nossas lutas. A reciprocidade dialética dessa operação é o que cria as bases para um movimento de massas. Sem um Inimigo visível não existe objetivo político que possa ser perseguido assim como sem encontrar o “ponto de captação” correto os meios táticos da luta são desorientados e não tendem a um acúmulo temporal necessário na construção de organizações fortes e interdependentes que mobilizem as lutas sociais contemporâneas.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Kátia Abreu e o fim da vergonha da extrema-direita no Brasil
Estamos diante de uma criminalização da pobreza e dos movimentos sociais sem precedentes na história da recente democracia no Brasil. O que a extrema-direita no Brasil declara é: “o que o MST faz é crime”. O resultado dessa ideologia é a pressão (principalmente pelos ruralistas) por uma ação estatal e institucionalizada que venha a enfraquecer a luta no campo e na cidade. Esse é o significado real da “criminalização dos movimentos sociais”. Recentemente a besta reacionária Kátia Abreu incentivou o uso de tropas federais contra os sem-terra. Ela disse: “quando um grupo de cidadãos fica desprotegido, ele se protege sozinho, e então acaba fazendo bobagem. Agora, quando alguém se mete na sua terra, mas o Estado está em ação, não é preciso fazer bobagem”. Quer dizer que o Estado como instrumento violento da burguesia latifundiária é a solução para os “crimes” do MST.
A imbecilidade de nossa representante ruralista é expressão de suas escolhas políticas. Interessante notar como ela enfatiza a natureza da luta do MST contra a propriedade privada como correlata ao tráfico de drogas, pirataria e pedofilia. Enfatizando a necessidade do Estado em mediar o conflito do ponto de vista do capital Abreu diz que “a Força Nacional não tem o hábito de colaborar para evitar o tráfico de drogas, a pirataria e a pedofilia? É a mesma coisa. A Força Nacional vem para trazer paz, e não o conflito”. Quando Abreu diz que “a força nacional vem para trazer paz” a primeira pergunta é: paz para quem? Sem dúvidas Abreu utiliza paz no mesmo sentido da ação policial nas favelas do Rio: impor a paz pela força. Não seria esse um ótimo exemplo do que a pauta de centro-esquerda do PT no poder propicia ao movimento social ao se institucionalizar e criar as mediações para a “paz social” entre banqueiros nacionais e internacionais, a alta burguesia, o subproletariado, empresas transnacionais brasileiras, CUT, UNE, DEM, PMDB, bancada ruralista, Sarney, FMI, etc?
Esse “fim da história” sob o governo Lula no capitalismo-democrático na realidade esconde uma face perversa do Estado brasileiro relacionado ao MST relatado pela CPT recentemente:
Esta 25ª edição de Conflitos no Campo Brasil, lançada nesta quinta-feira (15/4), não tem nada de comemorativo, pois apresenta crescimento tanto do número de conflitos envolvendo camponeses e trabalhadores do campo, quanto da violência em relação ao ano anterior de 2008.
O número total de conflitos soma 1184, contra 1.170, em 2008, com aumento considerável em relação especificamente aos conflitos por terra, 854 em 2009, 751 em 2008.
Quanto à violência, o número de assassinatos recuou de 28, em 2008, para 25, em 2009. Outros indicadores, porém, cresceram, alguns exponencialmente. As tentativas de assassinato passaram de 44, em 2008, para 62, em 2009; as ameaças de morte, de 90, foram para 143; o número de presos aumentou de 168, para 204. Mas o que mais choca é o número de pessoas torturadas: 6, em 2008, 71, em 2009. O número de famílias expulsas cresceu de 1.841, para 1.884, e significativo foi o aumento do número de famílias despejadas de 9.077, para 12.388, 36,5%. Também elevou-se o número de casas e de roças destruídas, 163%, 233% respectivamente. Em 2009, registrou-se 9.031 famílias ameaçadas pela ação de pistoleiros, contra 6.963, em 2008, mais 29,7%.
Cresceu o número de ocupações
A violência, porém, não fez os movimentos do campo recuarem. Aumentou o número de ocupações de terra, 290 em 2009, 252 em 2008. Em relação ao número de acampamentos, estes diminuíram de 40, em 2008, para 36, em 2009, mas cresceu o número de pessoas nos acampamentos: passou de 2.755 em 2008, (media de 68 famílias) para 4.176, em 2009, (média de 116 famílias por acampamento).
Criminalização crescente dos movimentos sociais
O incremento de conflitos e de violência inseriu-se num contexto nacional preocupante de crescente criminalização dos movimentos sociais tanto no âmbito do Poder Judiciário, quanto do Poder Legislativo, amplificada inúmeras vezes pelos grandes meios de comunicação social.
No âmbito do Poder Judiciário destacou-se a figura do próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, STF, Gilmar Mendes, que no início de 2009 saiu a público acusando os movimentos de praticarem ações ilegais e criticando o Poder Executivo de cometer ato ilícito por repassar recursos públicos para quem, segundo ele, pratica tais atos. Esta intervenção, certamente, serviu de suporte para o alto número de despejos, para o crescimento das prisões e de outras formas de violência, e forneceu munição para a bancada ruralista do Congresso Nacional criar a uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, CPMI, conhecida como CPMI do MST.
O mesmo presidente do Supremo, em fevereiro de 2010, durante cerimônia de lançamento do Programa Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), assinou convênio com esta entidade para prestar serviços de consultoria ao CNJ, em relação a processos nas áreas fundiária e ambiental.
No âmbito do poder legislativo, além da CPMI que tenta incriminar os movimentos sociais do Campo, em 2009, foram apresentados mais de vinte (20) projetos de lei e propostas de fiscalização que, direta ou indiretamente, criminalizam os movimentos agrários ou visam impedir avanços na política agrária. O primeiro deles é a PEC 361, de 2009, que quer estender as competências constitucionais relacionadas à política fundiária para Estados, Distrito Federal e Municípios. Outros projetos propõem transferir competências do Executivo Federal para o Congresso Nacional como, por exemplo, a competência das desapropriações por interesse social, ou a de aprovar os índices de produtividade da terra.
Já no âmbito do Executivo. Em 2009, fica clara a prioridade dada ao capital para continuar se expandindo e avançando por novas áreas, em detrimento dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A grilagem de terras públicas da Amazônia foi sacramentada pelo MP 458, transformada rapidamente em Lei pelo Congresso Nacional. A construção de barragens, sobretudo as da Amazônia, vão sendo empurradas goela abaixo da população, apesar de todos os estudos e manifestações em contrário, de modo particular a de Belo Monte, no rio Xingu.
Então, se o Estado brasileiro sob a junta Lula-Meirelles está priorizando como política pública-privada a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais (os dois lados da mesma moeda), se é função do Estado atuar com a força quando se extrapola a luta de classes, se a solução vislumbrada pela extrema-direita é a criação de grupos da Força Nacional para atuam conjuntamente com as milícias, se enquanto isso o Sr. Lula tem aprovação de 70% da população, se não existem meios de comunicação alternativos que possam dar visibilidade a luta social, o que estamos tanto comemorando no "país do futuro" chamado Brasil?
Ao invés de endossar essa barbárie (como faz nossos governantes gestores do capitalismo financeiro emergente brasileiro e a bancada ruralista), devemos louvar a luta dos sem-terra que, nesse “Abril Vermelho”, estão realizando mobilizações em todo o país na semana do Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, em 17 de Abril, que foi instituído no governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, em memória dos 19 Sem-terras assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, em 1996. Com o lema “Lutar não é crime”, o MST exige o assentamento das 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil; a atualização dos índices de produtividade; a garantia de recursos para as desapropriações e investimentos públicos nos assentamentos (crédito para produção, habitação rural, educação e saúde).
Se a democracia tem algum fundamento ainda, quem luta por ela está do lado do MST. Somos "Nós" que estamos lutando contra as coisas que sabotam a democracia antes de pensar em novas formas de revolução. Estamos entrando numa nova sequencia política que o período "pós-Lula" deixa em aberto e nosso lema cotidiano já é “Lutar Não é Crime”.
A imbecilidade de nossa representante ruralista é expressão de suas escolhas políticas. Interessante notar como ela enfatiza a natureza da luta do MST contra a propriedade privada como correlata ao tráfico de drogas, pirataria e pedofilia. Enfatizando a necessidade do Estado em mediar o conflito do ponto de vista do capital Abreu diz que “a Força Nacional não tem o hábito de colaborar para evitar o tráfico de drogas, a pirataria e a pedofilia? É a mesma coisa. A Força Nacional vem para trazer paz, e não o conflito”. Quando Abreu diz que “a força nacional vem para trazer paz” a primeira pergunta é: paz para quem? Sem dúvidas Abreu utiliza paz no mesmo sentido da ação policial nas favelas do Rio: impor a paz pela força. Não seria esse um ótimo exemplo do que a pauta de centro-esquerda do PT no poder propicia ao movimento social ao se institucionalizar e criar as mediações para a “paz social” entre banqueiros nacionais e internacionais, a alta burguesia, o subproletariado, empresas transnacionais brasileiras, CUT, UNE, DEM, PMDB, bancada ruralista, Sarney, FMI, etc?
Esse “fim da história” sob o governo Lula no capitalismo-democrático na realidade esconde uma face perversa do Estado brasileiro relacionado ao MST relatado pela CPT recentemente:
Esta 25ª edição de Conflitos no Campo Brasil, lançada nesta quinta-feira (15/4), não tem nada de comemorativo, pois apresenta crescimento tanto do número de conflitos envolvendo camponeses e trabalhadores do campo, quanto da violência em relação ao ano anterior de 2008.
O número total de conflitos soma 1184, contra 1.170, em 2008, com aumento considerável em relação especificamente aos conflitos por terra, 854 em 2009, 751 em 2008.
Quanto à violência, o número de assassinatos recuou de 28, em 2008, para 25, em 2009. Outros indicadores, porém, cresceram, alguns exponencialmente. As tentativas de assassinato passaram de 44, em 2008, para 62, em 2009; as ameaças de morte, de 90, foram para 143; o número de presos aumentou de 168, para 204. Mas o que mais choca é o número de pessoas torturadas: 6, em 2008, 71, em 2009. O número de famílias expulsas cresceu de 1.841, para 1.884, e significativo foi o aumento do número de famílias despejadas de 9.077, para 12.388, 36,5%. Também elevou-se o número de casas e de roças destruídas, 163%, 233% respectivamente. Em 2009, registrou-se 9.031 famílias ameaçadas pela ação de pistoleiros, contra 6.963, em 2008, mais 29,7%.
Cresceu o número de ocupações
A violência, porém, não fez os movimentos do campo recuarem. Aumentou o número de ocupações de terra, 290 em 2009, 252 em 2008. Em relação ao número de acampamentos, estes diminuíram de 40, em 2008, para 36, em 2009, mas cresceu o número de pessoas nos acampamentos: passou de 2.755 em 2008, (media de 68 famílias) para 4.176, em 2009, (média de 116 famílias por acampamento).
Criminalização crescente dos movimentos sociais
O incremento de conflitos e de violência inseriu-se num contexto nacional preocupante de crescente criminalização dos movimentos sociais tanto no âmbito do Poder Judiciário, quanto do Poder Legislativo, amplificada inúmeras vezes pelos grandes meios de comunicação social.
No âmbito do Poder Judiciário destacou-se a figura do próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, STF, Gilmar Mendes, que no início de 2009 saiu a público acusando os movimentos de praticarem ações ilegais e criticando o Poder Executivo de cometer ato ilícito por repassar recursos públicos para quem, segundo ele, pratica tais atos. Esta intervenção, certamente, serviu de suporte para o alto número de despejos, para o crescimento das prisões e de outras formas de violência, e forneceu munição para a bancada ruralista do Congresso Nacional criar a uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, CPMI, conhecida como CPMI do MST.
O mesmo presidente do Supremo, em fevereiro de 2010, durante cerimônia de lançamento do Programa Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), assinou convênio com esta entidade para prestar serviços de consultoria ao CNJ, em relação a processos nas áreas fundiária e ambiental.
No âmbito do poder legislativo, além da CPMI que tenta incriminar os movimentos sociais do Campo, em 2009, foram apresentados mais de vinte (20) projetos de lei e propostas de fiscalização que, direta ou indiretamente, criminalizam os movimentos agrários ou visam impedir avanços na política agrária. O primeiro deles é a PEC 361, de 2009, que quer estender as competências constitucionais relacionadas à política fundiária para Estados, Distrito Federal e Municípios. Outros projetos propõem transferir competências do Executivo Federal para o Congresso Nacional como, por exemplo, a competência das desapropriações por interesse social, ou a de aprovar os índices de produtividade da terra.
Já no âmbito do Executivo. Em 2009, fica clara a prioridade dada ao capital para continuar se expandindo e avançando por novas áreas, em detrimento dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A grilagem de terras públicas da Amazônia foi sacramentada pelo MP 458, transformada rapidamente em Lei pelo Congresso Nacional. A construção de barragens, sobretudo as da Amazônia, vão sendo empurradas goela abaixo da população, apesar de todos os estudos e manifestações em contrário, de modo particular a de Belo Monte, no rio Xingu.
Então, se o Estado brasileiro sob a junta Lula-Meirelles está priorizando como política pública-privada a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais (os dois lados da mesma moeda), se é função do Estado atuar com a força quando se extrapola a luta de classes, se a solução vislumbrada pela extrema-direita é a criação de grupos da Força Nacional para atuam conjuntamente com as milícias, se enquanto isso o Sr. Lula tem aprovação de 70% da população, se não existem meios de comunicação alternativos que possam dar visibilidade a luta social, o que estamos tanto comemorando no "país do futuro" chamado Brasil?
Ao invés de endossar essa barbárie (como faz nossos governantes gestores do capitalismo financeiro emergente brasileiro e a bancada ruralista), devemos louvar a luta dos sem-terra que, nesse “Abril Vermelho”, estão realizando mobilizações em todo o país na semana do Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, em 17 de Abril, que foi instituído no governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, em memória dos 19 Sem-terras assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, em 1996. Com o lema “Lutar não é crime”, o MST exige o assentamento das 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil; a atualização dos índices de produtividade; a garantia de recursos para as desapropriações e investimentos públicos nos assentamentos (crédito para produção, habitação rural, educação e saúde).
Se a democracia tem algum fundamento ainda, quem luta por ela está do lado do MST. Somos "Nós" que estamos lutando contra as coisas que sabotam a democracia antes de pensar em novas formas de revolução. Estamos entrando numa nova sequencia política que o período "pós-Lula" deixa em aberto e nosso lema cotidiano já é “Lutar Não é Crime”.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
Alain Badiou e as políticas de emancipação do século XXI
Vivemos, segundo Alain Badiou, uma “crise da negação” que diz respeito as políticas tradicionais da esquerda. Ela se mostra da redução da política na “oposição democrática” típica da esquerda fukuyamista hoje dominante que postula a democracia-liberal como horizonte ontológico da humanidade. Badiou propõem uma nova articulação entre destruição negativa e subtração que difere do modelo clássico da luta de classes da esquerda histórica. Enquanto a tradição leninista do século XX tinha como horizonte a idéia que a destruição poderia abrir uma nova história, o desafio que temos hoje uma “subtração” que seja capaz de criar um novo espaço autônomo e independente das leis dominantes da situação. A questão é que hoje a parte da negação não é mais capaz de criar o novo.
Badiou salienta a necessidade de pensarmos a política contemporânea para além da dominação de lugares, social, nacional, racial, de gênero e religião. Uma política descentralizada com a igualdade absoluta como seu conceito-motor: uma “ação sem espaço”. O objetivo é uma forma de ação política em que a existência de todos não esteja separada de seu ser num ponto em que nossa existência seja tão intensa que esqueçamos nossa divisão interna. O resultado é nos tornarmos parte de um novo sujeito.
Essas novas políticas de emancipação hoje diizem dizem respeito a o que a Organisation Politique chama de “distancia do Estado”. Ela significa que o processo político e suas decisões devem ser construídas independentemente do que o Estado considera importante. O Estado aqui é entendido numa noção ampliada que inclui o governo, a mídia e até aqueles que tomam as decisões econômicas. Quando se deixa que o processo política seja dominado pelo Estado, já se perdeu o jogo. Assim, “distancia do Estado” significa que a política não seja estruturada ou polarizada pela agenda fixada pelo Estado – eleições, intervenções em conflitos, guerra a outro Estado, quando o Estado declara que por uma crise econômica certas ações são impossíveis. Essas “convocações do Estado” que controlam o tempo dos eventos políticos impossibilitam uma “independência” das práticas políticas.
Segundo Badiou as limitações do Estado-Partido foram profundas – o que os trotskistas chamaram de burocratismo, os anarquistas de estado terrorista e os maoístas de revisionismo. Da perspectiva de tomar o poder o partido foi vitorioso enquanto na perspectiva de exercer o poder foi um fracasso. Por isso, “nós estamos numa fase que devemos estar além da questão do partido como modelo de organização. Esse modelo resolveu os problemas do século XIX, mas nós devemos resolver os problemas do XX”.
“A forma de organização hoje deveria ser, na minha opinião, menos articulada diretamente com ou pela questão do Estado e poder. O modelo de partido centralizado tornou possível uma nova forma de poder que não tinha nada menos que o poder do Partido em si. Nós estamos agora sob o que chamo de “distancia do Estado”. Isso é o primeiro de tudo porque a questão do poder não é mais ‘imediata”: em nenhum lugar “tomar o poder” de forma insurrecional parece possível hoje. Nós deveríamos buscar uma nova forma. Meus amigos e eu na “Organização Política” chamamos isso de “política sem partido”. Essa é uma caracterização da situação completamente descritiva e negativa. Isso significa simplesmente que não queremos entrar numa forma de organização que é totalmente articulada pelo Estado. Tanto a forma insurrecional do partido como a forma eleitoral hoje são articuladas pelo Estado. Em ambos os casos o partido é subordinado a questão do poder e do Estado. Eu penso que nós deveríamos quebrar com essa subordinação e, em última instância, engajar organizações políticas (de qualquer forma que tome) no processo político que são independentes do – “subtraídas” – poder e do Estado. Diferentemente da forma de partido insurrecional, essa política de subtração não é mais imediatamente destrutiva, antagônica ou militarizada (tradução minha).
Mas haverá mesmo alguma independência pura do Estado que não seja politicamente estéril? Ou, se esquecendo d partido não haveria uma política sem política?
De qualquer forma minha certeza é que com o fim do “período de férias do capitalismo”, principalmente com o 11 de setembro e a crise financeira de 2008, coloca-se em questão uma nova sequencia política para além da democracia-liberal como horizonte de ação. Ao partimos a uma ofensiva socialista ou cada vez mais veremos as antigas estratégias serem completamente anacronicas diante dos desafios que temos hoje.
Badiou salienta a necessidade de pensarmos a política contemporânea para além da dominação de lugares, social, nacional, racial, de gênero e religião. Uma política descentralizada com a igualdade absoluta como seu conceito-motor: uma “ação sem espaço”. O objetivo é uma forma de ação política em que a existência de todos não esteja separada de seu ser num ponto em que nossa existência seja tão intensa que esqueçamos nossa divisão interna. O resultado é nos tornarmos parte de um novo sujeito.
Essas novas políticas de emancipação hoje diizem dizem respeito a o que a Organisation Politique chama de “distancia do Estado”. Ela significa que o processo político e suas decisões devem ser construídas independentemente do que o Estado considera importante. O Estado aqui é entendido numa noção ampliada que inclui o governo, a mídia e até aqueles que tomam as decisões econômicas. Quando se deixa que o processo política seja dominado pelo Estado, já se perdeu o jogo. Assim, “distancia do Estado” significa que a política não seja estruturada ou polarizada pela agenda fixada pelo Estado – eleições, intervenções em conflitos, guerra a outro Estado, quando o Estado declara que por uma crise econômica certas ações são impossíveis. Essas “convocações do Estado” que controlam o tempo dos eventos políticos impossibilitam uma “independência” das práticas políticas.
Segundo Badiou as limitações do Estado-Partido foram profundas – o que os trotskistas chamaram de burocratismo, os anarquistas de estado terrorista e os maoístas de revisionismo. Da perspectiva de tomar o poder o partido foi vitorioso enquanto na perspectiva de exercer o poder foi um fracasso. Por isso, “nós estamos numa fase que devemos estar além da questão do partido como modelo de organização. Esse modelo resolveu os problemas do século XIX, mas nós devemos resolver os problemas do XX”.
“A forma de organização hoje deveria ser, na minha opinião, menos articulada diretamente com ou pela questão do Estado e poder. O modelo de partido centralizado tornou possível uma nova forma de poder que não tinha nada menos que o poder do Partido em si. Nós estamos agora sob o que chamo de “distancia do Estado”. Isso é o primeiro de tudo porque a questão do poder não é mais ‘imediata”: em nenhum lugar “tomar o poder” de forma insurrecional parece possível hoje. Nós deveríamos buscar uma nova forma. Meus amigos e eu na “Organização Política” chamamos isso de “política sem partido”. Essa é uma caracterização da situação completamente descritiva e negativa. Isso significa simplesmente que não queremos entrar numa forma de organização que é totalmente articulada pelo Estado. Tanto a forma insurrecional do partido como a forma eleitoral hoje são articuladas pelo Estado. Em ambos os casos o partido é subordinado a questão do poder e do Estado. Eu penso que nós deveríamos quebrar com essa subordinação e, em última instância, engajar organizações políticas (de qualquer forma que tome) no processo político que são independentes do – “subtraídas” – poder e do Estado. Diferentemente da forma de partido insurrecional, essa política de subtração não é mais imediatamente destrutiva, antagônica ou militarizada (tradução minha).
Mas haverá mesmo alguma independência pura do Estado que não seja politicamente estéril? Ou, se esquecendo d partido não haveria uma política sem política?
De qualquer forma minha certeza é que com o fim do “período de férias do capitalismo”, principalmente com o 11 de setembro e a crise financeira de 2008, coloca-se em questão uma nova sequencia política para além da democracia-liberal como horizonte de ação. Ao partimos a uma ofensiva socialista ou cada vez mais veremos as antigas estratégias serem completamente anacronicas diante dos desafios que temos hoje.
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