O grande desafio da esquerda hoje no Brasil é um duplo distanciamento tanto da direita (PSDB) como da esquerda-liberal (PT). Para tal empreendimento, reconstruir um projeto socialista para além dessa dicotomia está na ordem do dia. O PSOL tem essa intenção explicita, mas, entretanto, com o desdobramento histórico do partido, está conseguindo essa difícil façanha se concretizar? Se o PSOL busca representar uma alternativa social em longo prazo, quais medidas seriam necessárias tomar hoje diante do refluxo político vivido pelo lulismo?
Sem dúvida, a estratégia ativa da cúpula do PSOL em articular uma aliança com o PV demonstra os limites trágicos desse projeto alternativo. Ao formalizar o pedido para uma comissão para discutir essa aliança, a senadora Heloísa Helena sobe em cima do partido estipulando as estratégias nacionais principais a serem tomadas para as eleições do ano que vem que, ao que parece, tem intenções eleitoreiras mais do que qualquer coisa. Por exemplo, quando questionada sobre as diferenças entre os dois partidos, veio à tona a questão do aborto por Heloísa Helena: “Na verdade, que essas diferenças existem todos nós sabemos, mas as vezes elas existem dentro do próprio partido”. Essa é a diferença essencial entre o PSOL e o PV? E a questão do socialismo, não importa? Não é a toa que, para a Sra. Heloísa Helena seria Marina Silva o único nome capaz de “promover o debate do desenvolvimento sustentável com inclusão social”. Com certeza o nome de Marina Silva seria o melhor para uma bandeira baseada no desenvolvimento sustentável, mas o que isso tem a ver com o PSOL? Isso quer dizer que o PSOL luta por um “desenvolvimento sustentável com inclusão social”? Esse é o horizonte ético-político-estratégico do principal nome do PSOL no Brasil? Consequentemente sua fala mostra bem esse limite: “eu pessoalmente me sinto profundamente feliz e realizada como mulher, como mãe, como cidadã brasileira em ter a oportunidade de votar em Marina para a presidência da República". Que lindo passar por cima do partido para buscar ativamente alianças que a realizem como mulher, cidadã e mãe, mas e a luta política pelo socialismo no Brasil? Seria coisa do passado crítico que hoje não tem mais sentido?
Talvez a lição de Marina Silva valha para Heloísa Helena, por mais que só tardiamente isso seja claro. Nenhuma delas conseguiu quebrar com o petismo realmente existente. Estão no final das contas lutando por um capitalismo mais humano, mais tolerante, mais ecológico e mais sustentável. Segundo a própria Marina “em linhas gerais, acho que o estado não deve se colocar como uma força que suplanta a capacidade criativa do mercado. Nem o estado deve ser onipresente, nem o mercado deve ser deificado. Também gosto da idéia do Banco Central com autonomia, como está, mas acho que estão certos os que defendem juros mais baixos”. Em outras palavras, ela é a favor da terceira via. O PSOL também é?
Outra questão importante: não nos enganemos em relação a capacidade do capitalismo introduzir em sua pauta a questão ecológica. Hoje, diante da crise do capitalismo, a questão ecológica não representa necessariamente um limite ao capitalismo. Ao contrário, é uma chave para sua expansão por mais destrutiva que seja. Essa lógica foi indicada por Brian Massumi quando indica que a lógica da normalidade no capitalismo contemporâneo já foi superada pela lógica do excesso:
Quando mais variado, e mesmo errático, melhor. A normalidade começa a perder sua força. As regularidades começam a afrouxar. Essa frouxidão da normalidade é parte da dinâmica do capitalismo. Não é uma simples libertação. É a própria forma de poder do capitalismo. Não é mais o poder institucional disciplinador que tudo define, é o poder do capitalismo de produzir variedade – porque os mercados ficam saturados. Produza variedade e você produzirá um mercado de nichos. As mais estranhas tendências afetivas são aceitas – desde que vendam. O capitalismo começa a intensificar ou a diversificar o afeto, mas apenas para extrair mais-valia. Ele seqüestra o afeto para intensificar seu potencial de lucro. Ele literalmente valoriza o afeto. A lógica capitalista de produção da mais-valia começa a dominar o campo das relações, que é também o domínio da ecologia política, o campo ético da resistência às identidades e às trajetórias previsíveis. É tudo muito perturbador e confuso, porque me parece que houve um certo tipo de convergência entre a dinâmica do poder capitalista e a dinâmica da resistência.
Em outras palavras, quando as resistências estão alinhadas com a própria lógica do capitalismo contemporâneo, essas resistências aceitam (por mais que digam ao contrário) em linhas gerais a reprodução do atual estado de coisas buscando, no máximo, pequenas melhoras pragmáticas. Nesse sentido, a pergunta é: o PSOL é um partido fukuyamista? Isso é, ele considera que a democracia-liberal não permite e nem precisa mais de mudanças radicais, mas sim apenas de mudanças paliativas como o desenvolvimento sustentável? Caberá ou não ao PSOL superar esse limite político que se instala, de forma mais paradoxal possível, no seio das camadas fundadoras do partido?
Quando falou sobre sua quebra com o petismo, Marina Silva falou: “mudei de casa, mas continuo na mesma rua, na mesma vizinhança”. O mesmo não valeria para Heloísa Helena? Talvez ela dissesse “sai de casa, fundei outra, mas continuo na mesma rua, na mesma vizinhança”. A questão que fica é: quando é a principal personagem nacional do partido (assim como Lula) que articula ativamente (junto com muitos outros) a desestruturação do partido que ajudou a fundar, o que fazer?
Um comentário:
É isso! A questão que vc propõe na conclusão do texto, é a grande questão a ser discutida, principalmente na base do PSOL. Antes que a casa caia.
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