Economia Política do Lixo
Por toda a história existem exemplos de estagnação e recessões econômicas assim como de degradação ambiental causadas pela atividade humana. Com a ascensão do capitalismo, entretanto, as crises econômicas e ambientais se tornam características fundamentais de seu desenvolvimento, delineando novas relações com a natureza que são progressivamente criadas e recriadas. Em seu movimento ilimitado de expansão por todo o globo, o capital se tornou uma força que, ao se alimentar da apropriação do trabalho alheio, tem pouco ou nenhum apreço pelos estragos ecológicos causados pelos impactos de sua inexorável expansão.
Marx e Engels trataram de diversos problemas ecológicos com que a sociedade humana capitalista teria que lidar: a divisão entre cidade e campo, depredação do solo, poluição industrial, desenvolvimento urbano, o declínio das condições de vida dos trabalhadores, má nutrição, deflorestação, desertificação, mudanças climáticas regionais, a exaustão dos recursos naturais, conservação de energia, entropia, a necessidade de reciclar os produtos industriais, a conexão entre as espécies e seus ambientes, superpopulação, as causas da fome, a utilização da ciência e tecnologia na sociedade, toxidade, etc. Para Marx, a prática humana é parte de um metabolismo homem-natureza. A novidade histórica do capitalismo que Marx aponta, já na metade do século XIX, é que o desenvolvimento expansionista do capitalismo trás consigo “ruptura metabólicas” em que os ciclos naturais da natureza não conseguem mais se estabelecer e se repor colocando em risco a reprodução humana e da natureza. Hoje, por exemplo, dados informam que o consumo humano ultrapassou em 30% sua capacidade de reposição.
Segundo Marx, o capital tem um incontrolável impulso à universalidade adentrando até nos cantos mais remotos do mundo. Esse caráter expansionista esteve sempre presente e é uma condição ineliminável de seu modo de operação e controle. Foi com base nesse dinamismo que o capital conseguiu suplantar todas as formas anteriores de reprodução social e afirmar-se como modo dominante de controle e metabolismo social.
O capital em seu impulso ilimitado e infinito de superar as barreiras que encontra, sejam culturas, nacionais ou naturais, não se importa com as implicações em jogo. Como salienta István Mészáros, a degradação da natureza ou a dor da devastação social não tem qualquer significado para seu sistema de controle onde seu imperativo absoluto é o de sua auto-reprodução numa escala cada vez maior. Uma vez que o capital não visa produzir para atender as necessidades humanas, qualquer “obstáculo externo” em seu caminho deve ser superado por mais que esse impulso signifique uma ameaça à humanidade. Nesse sentido, o uso sem limites dos recursos naturais para sua existência faz o capital não poder, de forma alguma, introduzi uma racionalidade abrangente com o objetivo de uma alocação correta dos recursos humanos e naturais. Por sua condição básica de reprodução estar vinculada à necessidade de contínuo crescimento da produção e da disputa pelo domínio de mercados, o capital torna indispensável à incorporação de crescentes recursos naturais não importando o quanto destrutivas sejam em termos globais (que para as empresas privadas não constitui uma preocupação além do marketing).
A questão é: não se trata apenas de vivermos num mundo de recursos naturais finitos, mas também a ausência de qualquer tipo de regulação que possa se contraposto a lógica de expansão do capital. Como a produção destrutiva é positiva para o capital no atual estágio histórico, um dos meios para o capital se expandir é a redução deliberada da vida útil das mercadorias com o intuito de tornar possível o lançamento de um contínuo suprimento de mercadorias para uma venda que se acelera no mercado. Com esse processo, torna-se necessário ativar um “consumo destrutivo” que tem como resultado o progressivo aumento dos volumes de lixo produzido. Existe uma divisão internacional da destruição: os ricos destroem a natureza muito mais que os pobres. Em 1999, a emissão do CO2 de um cidadão médio nos Estados Unidos era de 20,2 toneladas, dez vezes mais do que a emissão de um brasileiro médio que polui a atmosfera com 1,8 de toneladas de anidrido carbônico.
A luta contra a destruição do meio-ambiente – a terra, ar, a água degradada pelos venenos químicos, a destruição de grandes áreas de florestas, a extinção de inúmeras espécies e ecossistemas – vai ao mesmo sentido e funciona de forma similar a luta de classes. Do ponto de vista do capital, existem basicamente duas formas de lidas com os problemas ecológicos: estender o mercado para todos os aspectos da natureza e criar ilhas de preservação num mundo baseado universalmente pela exploração e destruição dos recursos naturais. Dessa forma, as contradições entre o capitalismo e a destruição ecológica tendem a se aprofundar e não a se revolver. Entretanto, a Terra é um planeta limitado que nas últimas décadas entra numa profunda e gigantesca crise que está sendo levada a cabo essencialmente pela destruição ecológica e social. Transformar esse estado de crise longa e permanente só pode ser o resultado de uma ação coletiva que, ao mesmo tempo, negue as condições de apropriação capitalista da força de trabalho e da natureza e aponte para uma saída positiva em relação à prática entre os homens e do homem em relação à natureza superando as contradições e antagonismos enraizados e destrutivos que marcam a condição do capitalismo contemporâneo.
A urgência da organização social pelo lixo
Uma das principais características do capitalismo contemporâneo é a produção incontrolável de crescentes volumes de lixo, abrindo um desafio para aqueles empenhados na construção de uma sociedade qualitativamente diferente. O volume crescente de lixo demonstra que a economia capitalista está produzindo muito mais do que as necessidades humanas ao mesmo tempo em que um incontável número de seres humanos vivem sob condições de extrema miséria, pobreza, fome, marginalidade e exclusão social. Esse crescente volume de lixo que está sendo produzido também demonstra a progressiva diminuição da vida útil das mercadorias que, para serem consumidas mais rapidamente, necessitam ter um caráter supérfluo e descartável. Quando mais descartável e utilizado instantaneamente são as mercadorias, mais lixo se produz trazendo profundos estragos sociais e ecológicos. Não podemos ignorar a existência desse processo destrutivo que, na maioria das vezes, passa longe dos olhos e desafia a convicção socialista de transformação social. Nesse sentido, a gestão do lixo, desde o planejamento, a coleta, o destino final com o adequado tratamento e a educação ambiental se torna essencial à qualidade sócio-ambiental das cidades.
As enormes quantidades de lixo produzido, especialmente nas cidades, é uma das preocupações cruciais no mundo hoje. O processo de industrialização trouxe consigo uma veloz modificação do espaço urbano dominando, por um lado, as forças da natureza e, por outro lado, produzindo os meios necessários para a formação da sociedade capitalista. A cidade é construída sob esses parâmetros, consolidando uma situação de desigualdade substantiva. Curitiba também é um resultado de processos contraditórios e desiguais de produção do espaço urbano em decorrência dos moldes do sistema capitalista, além de estar profundamente relacionado com os problemas da estrutura fundiária da terra no Estado do Paraná. Os interesses dos ricos e da classe média sobre o espaço urbano de Curitiba fizeram com que as populações mais pobres fossem expulsas das partes valorizadas pelo mundo imobiliário da cidade.
O crescimento populacional em grandes áreas urbanas, conjuntamente com o aumento da produção e do consumo constituem fatores decisivos na elevação do volume de lixo nas grandes metrópoles. Com isso, a gestão do lixo se torna um desafio para a qualidade de vida das populações urbanas, principalmente nas áreas pobres das cidades, como Curitiba, onde as desigualdades sociais mais gritantes se fazem presente no espaço urbano.
A dificuldade de realização da coleta de lixo nos leva as condições de trabalho dos coletores – garis, carrinheiros e lixeiros – que muitas vezes passam desapercebidos pela população. Começam no amanhecer e entram pela madrugada, sábados, domingos e feriados, independentemente das condições de tempo e relevo. Sobem e descem escadarias, becos e vielas e, com muita freqüência, com excesso de peso. Seu trabalho é considerado por muitos como aquele de pior status social recebendo baixos salários que mal servem para atender as suas necessidades básicas e as de sua família.
Entretanto, a coleta de lixo é bastante lucrativa, por mais que os trabalhadores desse setor e os moradores das áreas do destino final do lixo tenham condições de vida contrárias à fantasia do consumo, do excesso, do descartável que regem as cidades sob a égide do capital.
A expansão da produção de lixo é a realidade do mundo regido pelo capital que, para se reproduzir, necessita diminuir constantemente a vida útil das mercadorias para aumentar sua rotatividade no mercado. Portanto, a produção sempre ampliada do lixo é indissociável e incorrigível no sistema do capital. A degradação da natureza não é externa a economia, mas pertence ao seu desenvolvimento contraditório voltado sempre a expansão. O lixo representa que o consumo de uma determinada mercadoria se finalizou abrindo espaço para novas mercadorias a serem consumidas.
Diante do atual colapso do lixo devido essa lógica de expansão, as opções parecem ser as seguintes: privatização dos aterros tornando o lixo uma mercadoria com destinação a ganhos privados ou um projeto popular de controle dos serviços e destinação final do lixo.
Um grande fator limitador dessa proposta popular acerca do lixo advém dos conflitos políticos e econômicos sobre a prestação dos serviços de limpeza urbana entre empresas terceirizadas, municípios, o Estado e a população. Com a privatização das empresas estatais de serviços de limpeza urbana, eles são entregues as empresas privadas que tem como objetivo único o lucro que, além de beneficiar poucos, contribuem ativamente para a continuidade da destruição ecológica contemporânea e a piora das condições de trabalho e vida daqueles que estão, direta ou indiretamente, sofrendo as conseqüências da atual crise.
Do ponto de vista social, os serviços públicos urbanos representam, ou deveriam representar, garantias básicas para melhorar as condições de vida da população urbana. Serviços como transporte, água e coleta de lixo, entre outros, não deveriam ser pensados e planejados com base no imediatismo e tendo como pressuposto o lucro privado. A gestão dos serviços de coleta de lixo e dos aterros deve ser pensada de forma metropolitana, juntamente com a população, desde a coleta até o destino final do lixo produzido. Os problemas urbanos de escala metropolitana só podem ser geridos para a melhora das condições de vida na perspectiva de ações públicas interligadas e, não menos importante, reconhecendo diferentes territórios que passam pelo mesmo problema.
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