Conforme Wladimir Pomar, o Brasil faz parte de uma vertente
de desenvolvimento também representada por países como Rússia, África do Sul, Coréia
do Sul, Indonésia e diversos outros países da América Latina, África, Ásia e
Europa. Neles predomina o modo de produção capitalista, mas suas forças
produtivas ainda não alcançaram, em geral, o estágio dos países capitalistas
avançados. Eles já concorrem, em certa medida, com produtos de consumo
avançados. Porém, nem sempre fabricam equipamentos produtores daqueles bens de
consumo. E quase nunca fabricam as máquinas capazes de produzir aqueles
equipamentos, o setor I. Vivem, assim, numa grande dependência tecnológica dos
países desenvolvidos, o que incide fortemente em sua competitividade no mercado
internacional. Em suma, estão numa situação onde
as forças produtivas ainda estão longe de esgotarem todas as possibilidades de
evolução do modo de produção capitalista.
Em vários desses países, a aplicação de políticas
neoliberais causou a privatização de parte considerável das empresas estatais,
a oligopolização de ramos industriais inteiros, o desmonte de parcela
importante dos parques industriais e o sucateamento da infra-estrutura
logística. Tudo isso reduziu a capacidade de intervenção do Estado no processo
de desenvolvimento e a capacidade de alavancagem industrial do país. Além
disso, resquícios das políticas neoliberais têm levado os setores burgueses a
só investirem em projetos industriais se tiverem garantias e financiamentos
governamentais. E muitos governos vacilam ou têm dificuldade em adotar
programas efetivos de industrialização, voltados tanto ao adensamento das
cadeias produtivas quanto à reconstrução de instrumentos ativos que
possibilitem ao Estado nacional induzir o desenvolvimento econômico e social.
A novidade dessa vertente de desenvolvimento é a
presença de governos de esquerda e socialistas em alguns desses países. Na
prática, esses governos foram colocados na incômoda situação de ter que
estimular o desenvolvimento capitalista para fazer frente às demandas geradas
pelas políticas sociais de redistribuição da renda, geração de empregos e
melhoria das condições de vida.
Partido da
situação concreta brasileira, Pomar nos pergunta: o que
fazer diante do caráter amorfo e colonizado da “burguesia nacional brasileira”,
incapaz de formular um desenvolvimento capitalista soberanamente nacional e de
levar a termo o desenvolvimento das forças produtivas? O capitalismo no Brasil já teria chegado a tal nível
de desenvolvimento de suas forças produtivas, que estas não mais caberiam no
molde das relações de produção existentes?
Qualquer análise concreta do desenvolvimento das forças produtivas no
Brasil demonstrará que ainda somos um país industrialmente atrasado. Estamos na
infância da incorporação da ciência e da tecnologia como as principais forças
produtivas modernas. E nossas cadeias produtivas são esgarçadas e descontínuas,
cheias de lacunas, com uma força de trabalho tecnologicamente defasada. Todos
esses itens de atraso foram agravados pela estagnação dos anos finais da
ditadura e pela destruição criativa dos 12 anos de preponderância neoliberal.
Para
Pomar, o
setor mais avançado das forças produtivas no Brasil é paradoxalmente o
agronegócio. Esse setor capitalista incorpora ciência e tecnologia a seu
processo produtivo mais rapidamente que os demais, em grande parte pelo apoio
da Embrapa e de outros institutos estatais de pesquisa e desenvolvimento. Ao
elevar sua produtividade geral seu mercado de trabalho é composto por apenas 2
milhões de assalariados. O problema é que neste processo, por mais avançado que
seja o agronegócio e sua capacidade de agregar valor à sua produção, sua taxa
de geração de riquezas é muito inferior à da indústria. Nossa indústria,
entretanto, possui ramos inteiros oligopolizados por corporações empresariais
estrangeiras instaladas no Brasil. Mesmo ramos nacionais, como a indústria de
construção pesada, possuem pouca expressividade na indústria como um todo.
Por essas razões,
para Pomar é relativamente fácil proclamar que o programa democrático-popular,
como estratégia para o socialismo, teoricamente praticado pelo governo dirigido
pela esquerda, estaria falido. Afinal, em especial em países periféricos, como
o Brasil ainda é, a questão capitalista precisa ser encarada, em primeiro
lugar, como uma necessidade para a criação da classe que melhor tem condições
de enfrentá-la. Se a esquerda socialista está no governo, e ainda não tem força
para transformar o Estado, ela não pode abdicar da tarefa de apresar o
desenvolvimento capitalista, por um lado garantindo que esse desenvolvimento
forje uma classe operária massiva e, por outro, recriando e ampliando o setor
estatal da economia, rompendo os oligopólios privados, incentivando a competição
internacional, aprofundando a soberania nacional, impedindo a criminalização
dos movimentos sociais e estimulando a participação popular na ampliação
democrática. Continua indispensável, agora no governo Dilma, sistematizar os
pontos principais do programa democrático-popular a serem implantados. Exemplos
desses pontos são o corte acentuado dos juros, a adoção de uma política cambial
que faça frente à desvalorização artificial do dólar, a implantação de política
de industrialização estatal e privada, combinada ao rompimento dos oligopólios
estrangeiros e nacionais, o assentamento massivo de sem-terra para a ampliação
da produção de alimentos, e uma política efetiva de democratização do capital,
com o reforçamento das micro e pequenas empresas e das cooperativas e empresas
solidárias.
Por essas e outras é que “a não ser que os indicadores sobre a conclusão da revolução burguesa sejam outros, tal conclusão ainda parece relativamente longe das terras brasileiras”.
Por essas e outras é que “a não ser que os indicadores sobre a conclusão da revolução burguesa sejam outros, tal conclusão ainda parece relativamente longe das terras brasileiras”.
Nessas
condições, a questão do desenvolvimento capitalista ainda está colocada na
ordem do dia da revolução brasileira. Nenhum governo, socialista ou não, pode
se furtar dela. Mas a situação inusitada de termos um governo dirigido
pelas esquerdas democrática, socialista e comunista coloca na ordem do dia a
necessidade de delinear um caminho de desenvolvimento que não seja
exclusivamente capitalista. Delineamento que não pode ser resolvido
retirando do termo desenvolvimento seu qualificativo capitalista, ou
mascarando-o com uma salutar redistribuição de renda e programas de melhoria da
moradia, educação, saúde e outras condições de vida da população. Em outras
palavras, no Brasil da atualidade, se os socialistas querem avançar na
criação de condições para a transformação social, eles terão de desenvolver, em
termos econômicos, as formas de propriedade que trazem em germe a possibilidade
de sua transformação em formas socialistas. Isto é, tanto as forças
produtivas capitalistas, quanto as forças produtivas estatais, cooperativas e
solidárias, compreendendo que tais forças podem cooperar entre si, em
determinadas circunstância, e competir e entrar em conflito, em outras. Isso,
sem dúvida, inclui consórcios estatais-privados, como no caso da concessão de
aeroportos, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, ferrovias, portos e
outras obras de grande porte, para as quais é necessário mobilizar recursos
financeiros consideráveis. E deveria incluir também a formação de novas
estatais, para o aceleramento de setores de ponta, e a transformação de todas
as estatais em indutoras de industrialização. É inconcebível, por exemplo,
que as estatais elétricas, com enorme experiência no setor, não operem como
indutoras e participantes na implantação de indústrias de turbinas, geradores e
outros equipamentos de geração e transmissão de energia elétrica. Consórcios
estatais-privados também deveriam atuar para o desenvolvimento das micros,
pequenas e médias empresas capitalistas, industriais e agrícolas, na
perspectiva de romper os oligopólios das grandes burguesias, estrangeiros e
nacionais, reforçar a pequena e a média burguesia e, portanto, incentivar a
competição entre elas. O mesmo deveria ser verdade em relação às cooperativas e
empresas solidárias. Porém, em qualquer desses casos, é ilusão supor a possibilidade
de escapar da competição do mercado capitalista, por um tempo razoavelmente
longo.
As medidas democrático-burguesas são estratégicas para o
governo ampliar sua base social de apoio e lhe dar sustentação no tratamento
das reformas políticas democráticas reclamadas pelo povo brasileiro. Como
conclusão, Pomar alerta que se o governo Dilma e os partidos de esquerda que o
apóiam continuarem mantendo sua postura defensiva diante dessas questões, a
rigor tipicamente burguesas nacionais, dificilmente conseguirão mobilizar o
povo brasileiro para a consecução de uma agenda política avançada. Será?
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