Contra a revolução permanente
Ponto 1 - Pelo que entendo até hoje existe em Trotsky três dimensões da revolução permanente: 1) o modo segundo a qual se realiza na luta política, econômica, social e cultural das classes e suas frações a transição da Revolução Burguesa para a Revolução Proletária; 2) o conceito da Revolução “Permanente” que relaciona-se com a própria Revolução Socialista e com o seu desenvolvimento não encerrado, senão apenas iniciado, mediante a “conquista do poder político” e a edificação da “Ditadura Revolucionária do Proletariado”. “Durante um período de desenvolvimento de duração incalculavelmente longa, no transcurso de uma luta interna incessante, realiza-se uma total reorganização de todas as relações sociais. A sociedade encontra-se em processo de metamorfose ininterrupto. Cada uma das fases de reorganização é a imediata conseqüência da fase precedente. Toda essa ação contém, necessariamente, um caráter político, pois seu desenvolvimento efetua-se com a colisão de diferentes grupos da sociedade que se encontra envolvida pelo processo de reorganização. As irrupções de guerras civis e guerras externas alternam-se com os períodos de reformas “pacíficas”. Revoluções no domínio da economia em geral, da técnica, do conhecimento científico, da família, da vida quotidiana e dos costumes desenvolvem-se sob influência omnilateral e recíproca, sem que a sociedade possa encontrar seu equilíbrio. Esse é o caráter permanente da Revolução Socialista, considerado segundo sua própria essência.”; 3) finalmente o caráter internacional de toda Revolução Socialista autêntica - aqui radicalmente oposto a Stalin.
Ponto 2 - Acredito que existe uma debilidade geral em Trotsky que diz respeito a expressão teórica de uma visão que corresponde a uma ainda subdesenvolvida “situação do movimento proletário de classe". Assim, existe uma resoluta superestimação do fator político no movimento proletário revolucionário. Exagera também, em fim de contas, o significado que recai sobre o Partido político organizado relativamente ao transcurso objetivo e ao resultado do processo de transformação política. Talvez seja (ou não) porque Trotsky não se preocupa em saber porque Marx e Engels modificaram posteriormente em sua obra, de modo considerável, sua concepção teórica acerca dos pressupostos e do transcurso da Revolução Socialista, precisamente em virtude dessas experiências com os fatos históricos.
Ponto 3 - Ao buscar marchar para o futuro por meio da negação determinada do presente é inevitável com que tudo dependa da direção da vanguarda revolucionária do proletariado. Quando Trotsky enfatiza que o principal obstáculo no caminho da transformação da situação pré-revolucionária em revolucionária é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa e seus laços traidores, acredito que seja muito difícil sustentar que a "revolução permanente" iria depurar esses elementos. Aliás, as duas diferenças entre a concepção de Partido de Lênin a Stalin consistem em: 1) tornar as frações e minorias um “inimigo interno” incompatibilizando sua própria existência e 2) depuração dos elementos oportunistas. A primeira medida (adotada no X Congresso) procura tornar uma medida temporalmente específica em princípio permanente e, assim, extinguindo as diferentes tendências e minorias no interior do partido. A segunda medida busca assegurar uma composição do partido sempre favorável ao núcleo dirigente central. Concluio dizendo que a "revolução permanente" teve como melhor exemplo a stalinização do partido bolchevique. Como entendo Trotsky apenas como uma negação a Stalin, acredito que no final de contas Stalin foi aquele que foi até as últimas consequencias das premissas trotskystas, vide NEP.
Ponto 4 - Estranhamente os trotskystas enxergam "traição" em qualquer coisa que não siga suas premissas. Na incapacidade de efetuar um severa auto-crítica, ainda hoje grande parte de esquerda costuma falar dos erros históricos de orientação política como “traição”. Essa desculpa personalista costuma acompanhar os sectários Juízes Supremos da Verdade Revolucionária que, em qualquer mudança no percurso inesperada, não deixam de apontar à famosa “traição”. Como sabemos, a questão da “revolução traída” é muito caro a Trotski. Os autores e pessoas que sofrem sua influência (Mandel e Deuscher, por exemplo) têm a tendência de utilizar a categoria “traição” para entender algum aspecto em todas as revoluções como, por exemplo, os “funcionários políticos e burocratas” que sufocaram a “democracia direta” no curso da revolução francesa. No seu ingênuo dogmatismo, aqueles que sufocam o movimento de transformação e traem a revolução são sempre os outros. Aqueles ordinários malditos! Aqui o dogmatismo se reveste de oportunismo cínico. Em lacanês, oportunismo é querer ser o grande Outro que vai nortear todo o movimento e, assim, os desvios são considerados “traições” que, dependendo da fúria fundamentalista, devem ser punidos antes que seja “tarde demais”. Pintando Stálin como um traidor do “ideal socialista”, podemos cair, como Trotsky caiu, num idealismo abstrato profundo. Num texto no final da vida Trotsky escreveu: “a verdadeira família socialista, liberada pela sociedade dos pesados e humilhantes fardos da vida cotidiana, não terá necessidade de nenhuma regulamentação e a mera idéia de leis sobre divórcio e sobre o aborto não lhe parecerá melhor na lembrança do que as casas de tolerância ou os sacrifícios humanos”. Na realidade, é a própria sociedade capitalista contemporânea que busca “não ter nenhuma regulamentação” e não a futura e abstrata sociedade socialista. O capitalismo contemporâneo tem ares trostskistas. Outro ato falho desse nível encontra-se no programa de transição onde Trotski propõem que “somente a expropriação dos bancos privados e a concentração de todo o sistema de crédito nas mãos do Estado colocarão à disposição deste os meios reais necessários, quer dizer, materiais e não apenas fictícios e burocráticos, para a planificação econômica”. Parece até que Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, tinha lido Trostski ao efetuar o salvamento da bancarrota financeira dos Estados Unidos a partir de 2007. Por isso acredito que ao invés da categoria “traição” poderia ser usada a categoria da aprendizagem. Nesse sentido, sem dúvida, não aprendemos o suficiente ainda com a URSS e com as experiências históricas do socialismo. A memória histórica do movimento socialista deve ser defendida. Para isso temos o desafio de des-desmonização de Stálin (e também Trotski, Kruschov e outros) além de uma des-canonização de Marx.
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