Estamos entrando numa nova etapa do capitalismo mundial com o aprofundamento da crise estrutural do capital. O Estado forte e autoritário está novamente emergindo numa espécie de “chineização do Estado liberal” conjuntamente com o processo de “japoneização do trabalho”. A democracia poderá continuar formalmente (como sempre ocorreu), mas as decisões chaves para a sustentação da economia mundial estão tendo, cada vez mais, um caráter autoritário pelo ímpeto de administrar a atual crise. Um dos fatores essenciais da reprodução do capital se torna a necessária “ajuda externa” do Estado que, quando preciso, suspende a ordem democrática em nome das “prioridades econômicas”. Torna-se escancarada a ligação incestuosa do Estado capitalista com o “mundo parasitário das finanças”. O Estado age no que é “perigoso” para a estabilidade do sistema financeiro (mas não só nele) com seus “financiamentos de emergência”, seja nacionalizando bancos como o Northern Rock na Inglaterra e a AIG nos EUA ou na ajuda dos financiamentos de compra do Bear Stearns pela JPMorgan Chase com um pequeno empréstimo de US$ 29 bilhões do governo norte-americano, sem garantia nenhuma além de seus títulos de propriedade. Em outras palavras, o Estado é a última instância de salvamento da bancarrota capitalista.
A pergunta que fica é: até quando o Estado terá condições de salvar as empresas capitalistas (da produção aos bancos, da agricultura a dívida) diante das dimensões atuais da crise? E, no caso dos EUA e alguns outros, até quando essas iniciativas poderão continuar sem se encontrar drasticamente com o crescente endividamento que, a cada dia, percebemos ser impagável?
O que venho defendendo faz alguns anos é que com a dependência sempre crescente do capital de “ajuda externa” do Estado estamos nos aproximando de um limite sistêmico, pois somos obrigados a enfrentar a insuficiência crônica de ajuda externa referente àquilo que o Estado tem condições de oferecer. Os bilhões de gastos pelos Estados para "sair da crise" permitiu que uma profunda depressão se tornasse temporariamente uma recessão econômica. Nesse momento muitos proclamaram (sem fundamentos) que “o pior já passou”. O resultado dessa injeção imensa de quantias para socorrer o capitalismo atenuou durante alguns meses a evolução da crise sistêmica global, mas a “ajuda externa” do Estado não é eterna. Pela impossibilidade de manter essas medidas paliativas, o “congelamento” da crise no segundo semestre de 2009 está prestes ao fim. Segundo o “Relatório sobre a estabilidade financeira mundial” do Fundo Monetário Internacional, apenas em 2008, os salvamentos dados pelos bancos centrais e governos dos Estados Unidos, Reino Unido e zona do euro chegou a US$ 9 trilhões, dos quais US$ 4,5 trilhões em forma de garantia.
Sabemos que a “ajuda externa” do Estado como essa possui a instrumentalidade de ajudar temporariamente o sistema, mas historicamente é sempre insuficiente para o objetivo de garantir de forma permanente a estabilidade social e internacional, além de marcar profundamente a crescente simbiose entre capital e Estado de maneira irretornável deixa de forma explícita a conformidade de interesses “sociais” de ambos para a reprodução do sistema do capital.
O desdobramento da atual crise constata um aumento do desemprego, a precarização do trabalho, o esgotamento dos benefícios sociais, baixa de salários, colapso de serviços públicos e, não menos importante, uma crise fiscal dos Estados sem precedentes na história do capitalismo mundial. Podemos enfatizar que vivemos numa era de estado de emergência fiscal em que a explosão do déficit público é eminente. Passando do Brasil ao Japão, dos Estados Unidos a Grã-Bretanha, da Grécia a Rússia, da Letônia a Islândia, da Austrália a Marrocos, estamos presenciando um aumento brutal do endividamento público que torna o pagamento dessa dívidas matematicamente impagáveis.
Neste blog regurgito minhas posições sobre diferentes aspectos da realidade/fantasia social, política e econômica do mundo atual.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Desemprego e Criminalização da Luta Social: rumo ao enfrentamento e não a conciliação reformista
Hoje estamos testemunhando um ataque em duas frentes à classe operária, não apenas nas partes “subdesenvolvidas” do mundo, mas também, nos países capitalistas avançados: 1) um desemprego que cresce cronicamente em todos os campos de atividade, mesmo quando é disfarçado como “práticas trabalhistas flexíveis” – um eufemismo cínico para a política deliberada de fragmentação e precarização da força de trabalho e para a máxima exploração administrável do trabalho em tempo parcial; 2) uma redução significativa do padrão de vida até mesmo daquela parte da população trabalhadora que é necessária aos requisitos operacionais do sistema produtivo em ocupações em tempo integral. De qualquer forma, do ponto de vista do capital, a escassez de emprego não produz a necessidade de criação de empregos – muito menos formais. Ao tratar as causas como efeitos, o capital tem historicamente apenas uma imperiosa tendência de rever os níveis “aceitáveis” de desemprego. Como salienta Francisco Teixeira, na década de 1950 a taxa de desemprego normal era considerada de 2.5%, na década de 1960 esse índice passou para 3 e 4%, na década de 1970 e 1980 o normal passou para uma taxa de 5%. Na década de 1990 o nível normal subiu novamente para 6 e 7% de desemprego que, traduzido em números absolutos, significa mais de 800 milhões de pessoas desempregadas em todo o mundo. Não nos assustemos, portanto, se esse índice aumentar consideravelmente com o aprofundamento da crise estrutural do capital que aponta para um crescente número de desempregado por todo o globo.
Como corolário, todos os países capitalistas avançados são confrontados por numerosos exemplos de legislação autoritária, apesar das pretensões à “democracia liberal”. Essas medidas autoritárias se tornam cada vez mais necessárias pelas crescentes dificuldades de administração da crise estrutural da qual, além de deteriorar a vida socioeconômica dos trabalhadores, apóia (com a ameaça da lei) as posturas mais agressivas do capital com relação a sua força de trabalho. Uma das dimensões dessa escala do capital contra os subproletáriaros e desempregados é o desenvolvimento, principalmente desde 1970, de um Estado capitalista direcionado para a “penalização da pobreza”, principalmente com o incremento privado das prisões e, por conseguinte, no aumento da população carcerária. Nos Estados Unidos, um dos pioneiros na privatização dos presídios, já existem hoje mais de cinco milhões de presos – um quarto de toda a população carcerário do mundo. Esses “supérfluos” sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, empregadores e nem gerar impostos estavam fadados à exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados das prisões. Dessa forma, o Estado depende cada vez mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo desemprego, o emprego precário e o encolhimento da proteção social como uma “maquina institucional de administração da pobreza” com os objetivos de disciplinar as frações da classe operária que surgem nos precários empregos de serviços, neutralizar e armazenar os elementos mais disruptivos ou considerados supérfluos tendo em vista as transformações na oferta de trabalho e, não menos importante, reafirmar a autoridade do Estado. Um exemplo desse processo é que, até mesmo nas áreas mais desenvolvidas do mundo passando dos Estados Unidos a Europa, desde 1975, a curva do desemprego e dos efetivos penitenciários segue uma evolução rigorosamente paralela.
Entrementes, a criminalização é um meio a disposição do Estado para a realização de seus objetivos políticos. Em nossa democracia contemporânea não é a toa que a luta social é sinônima de crime a ser punido, na maioria das vezes com excessiva violência, pelas forças policiais. Por isso proponho que hoje vivemos numa era de estado de exceção democrático.
Uma definição clássica de estado de exceção é que, com a ameaça da ordem pública por agentes sociais, o Estado o suspende a lei para resolver seus problemas essencialmente políticos. É um mecanismo de controle do Estado que possibilita resistir a transformações sociais progressistas. O que estamos presenciando nos últimos anos é que o Estado democrático liberal está tomando medidas típicas de um estado de exceção como medidas normais de governo até mesmo nos países mais avançados e com uma "cultura democrática" mais longa. A categoria de Homo Sacer, desenvolvida por Giorgio Agamben, nos ajuda aqui: o homo sacer é aquele que, no antigo direito romano, poderia ser morto impunemente e cuja morte não tinha nenhum valor de sacrifício. Hoje, o que vemos é uma institucionalização da penalização dos Homo Sacer contemporâneos – o favelado, o imigrante, o terrorista, o precarizado, desempregado, os habitantes dos guetos nos EUA, informalizado, refugiado, os integrantes do MST, etc.
Se o Homo Sacer é a categoria de seres insacrificáveis por poderem ser mortos por qualquer um e, dessa forma, não ter valor de sacrifício, não é essa a mesma condição dos integrantes do Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Sem Terra? No Brasil não são os integrantes do MST os verdadeiros “muçulmanos”, os Homo Sacer por excelência? Apenas como Homo Sacer é que as mortes aleatórias na luta por terra podem ser aplaudidas pela classe média e pela elite brasileira. Não seria sua condição de Homo Sacer que possibilita que as notícias vinculadas ao movimento estejam geralmente na parte policial dos jornais? Os jornais burgueses não noticiam que a ordem pública fica seriamente conturbada ou ameaçada com a atuação do MST?
Vivemos numa era em que a democracia-liberal está se mostrando como um dos grandes obstáculos a transformação social. Num momento de “fusão pornográfica” entre o Estado e o capital (agronegócio, produtivo e financeiro), a esquerda ainda busca se prender somente aos aparatos institucionais encontrando-se, assim, numa paralisia político-social estéril. Se o inimigo faz as regras do jogo e nós aceitamos, já estamos jogando segundo as regras deles. Como o bloqueio mental criado pela democracia atinge profundamente a esquerda, talvez um catalisador das lutas sociais seja o insuportável peso da criminalização e do desemprego da qual todos somos atingidos.
É necessário avistar o inimigo e conhecê-lo muito bem para superar as velhas inimizades que fragmentam a luta social e que apenas aabam por azeitam o capitalismo-destrutivo que vivemos hoje. É possível combater e vencer, mas não com as estratégias “de esquerda” que o capitalismo consegue digerir facilmente.
Como corolário, todos os países capitalistas avançados são confrontados por numerosos exemplos de legislação autoritária, apesar das pretensões à “democracia liberal”. Essas medidas autoritárias se tornam cada vez mais necessárias pelas crescentes dificuldades de administração da crise estrutural da qual, além de deteriorar a vida socioeconômica dos trabalhadores, apóia (com a ameaça da lei) as posturas mais agressivas do capital com relação a sua força de trabalho. Uma das dimensões dessa escala do capital contra os subproletáriaros e desempregados é o desenvolvimento, principalmente desde 1970, de um Estado capitalista direcionado para a “penalização da pobreza”, principalmente com o incremento privado das prisões e, por conseguinte, no aumento da população carcerária. Nos Estados Unidos, um dos pioneiros na privatização dos presídios, já existem hoje mais de cinco milhões de presos – um quarto de toda a população carcerário do mundo. Esses “supérfluos” sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, empregadores e nem gerar impostos estavam fadados à exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados das prisões. Dessa forma, o Estado depende cada vez mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo desemprego, o emprego precário e o encolhimento da proteção social como uma “maquina institucional de administração da pobreza” com os objetivos de disciplinar as frações da classe operária que surgem nos precários empregos de serviços, neutralizar e armazenar os elementos mais disruptivos ou considerados supérfluos tendo em vista as transformações na oferta de trabalho e, não menos importante, reafirmar a autoridade do Estado. Um exemplo desse processo é que, até mesmo nas áreas mais desenvolvidas do mundo passando dos Estados Unidos a Europa, desde 1975, a curva do desemprego e dos efetivos penitenciários segue uma evolução rigorosamente paralela.
Entrementes, a criminalização é um meio a disposição do Estado para a realização de seus objetivos políticos. Em nossa democracia contemporânea não é a toa que a luta social é sinônima de crime a ser punido, na maioria das vezes com excessiva violência, pelas forças policiais. Por isso proponho que hoje vivemos numa era de estado de exceção democrático.
Uma definição clássica de estado de exceção é que, com a ameaça da ordem pública por agentes sociais, o Estado o suspende a lei para resolver seus problemas essencialmente políticos. É um mecanismo de controle do Estado que possibilita resistir a transformações sociais progressistas. O que estamos presenciando nos últimos anos é que o Estado democrático liberal está tomando medidas típicas de um estado de exceção como medidas normais de governo até mesmo nos países mais avançados e com uma "cultura democrática" mais longa. A categoria de Homo Sacer, desenvolvida por Giorgio Agamben, nos ajuda aqui: o homo sacer é aquele que, no antigo direito romano, poderia ser morto impunemente e cuja morte não tinha nenhum valor de sacrifício. Hoje, o que vemos é uma institucionalização da penalização dos Homo Sacer contemporâneos – o favelado, o imigrante, o terrorista, o precarizado, desempregado, os habitantes dos guetos nos EUA, informalizado, refugiado, os integrantes do MST, etc.
Se o Homo Sacer é a categoria de seres insacrificáveis por poderem ser mortos por qualquer um e, dessa forma, não ter valor de sacrifício, não é essa a mesma condição dos integrantes do Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Sem Terra? No Brasil não são os integrantes do MST os verdadeiros “muçulmanos”, os Homo Sacer por excelência? Apenas como Homo Sacer é que as mortes aleatórias na luta por terra podem ser aplaudidas pela classe média e pela elite brasileira. Não seria sua condição de Homo Sacer que possibilita que as notícias vinculadas ao movimento estejam geralmente na parte policial dos jornais? Os jornais burgueses não noticiam que a ordem pública fica seriamente conturbada ou ameaçada com a atuação do MST?
Vivemos numa era em que a democracia-liberal está se mostrando como um dos grandes obstáculos a transformação social. Num momento de “fusão pornográfica” entre o Estado e o capital (agronegócio, produtivo e financeiro), a esquerda ainda busca se prender somente aos aparatos institucionais encontrando-se, assim, numa paralisia político-social estéril. Se o inimigo faz as regras do jogo e nós aceitamos, já estamos jogando segundo as regras deles. Como o bloqueio mental criado pela democracia atinge profundamente a esquerda, talvez um catalisador das lutas sociais seja o insuportável peso da criminalização e do desemprego da qual todos somos atingidos.
É necessário avistar o inimigo e conhecê-lo muito bem para superar as velhas inimizades que fragmentam a luta social e que apenas aabam por azeitam o capitalismo-destrutivo que vivemos hoje. É possível combater e vencer, mas não com as estratégias “de esquerda” que o capitalismo consegue digerir facilmente.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Contra a revolução permanente
Contra a revolução permanente
Ponto 1 - Pelo que entendo até hoje existe em Trotsky três dimensões da revolução permanente: 1) o modo segundo a qual se realiza na luta política, econômica, social e cultural das classes e suas frações a transição da Revolução Burguesa para a Revolução Proletária; 2) o conceito da Revolução “Permanente” que relaciona-se com a própria Revolução Socialista e com o seu desenvolvimento não encerrado, senão apenas iniciado, mediante a “conquista do poder político” e a edificação da “Ditadura Revolucionária do Proletariado”. “Durante um período de desenvolvimento de duração incalculavelmente longa, no transcurso de uma luta interna incessante, realiza-se uma total reorganização de todas as relações sociais. A sociedade encontra-se em processo de metamorfose ininterrupto. Cada uma das fases de reorganização é a imediata conseqüência da fase precedente. Toda essa ação contém, necessariamente, um caráter político, pois seu desenvolvimento efetua-se com a colisão de diferentes grupos da sociedade que se encontra envolvida pelo processo de reorganização. As irrupções de guerras civis e guerras externas alternam-se com os períodos de reformas “pacíficas”. Revoluções no domínio da economia em geral, da técnica, do conhecimento científico, da família, da vida quotidiana e dos costumes desenvolvem-se sob influência omnilateral e recíproca, sem que a sociedade possa encontrar seu equilíbrio. Esse é o caráter permanente da Revolução Socialista, considerado segundo sua própria essência.”; 3) finalmente o caráter internacional de toda Revolução Socialista autêntica - aqui radicalmente oposto a Stalin.
Ponto 2 - Acredito que existe uma debilidade geral em Trotsky que diz respeito a expressão teórica de uma visão que corresponde a uma ainda subdesenvolvida “situação do movimento proletário de classe". Assim, existe uma resoluta superestimação do fator político no movimento proletário revolucionário. Exagera também, em fim de contas, o significado que recai sobre o Partido político organizado relativamente ao transcurso objetivo e ao resultado do processo de transformação política. Talvez seja (ou não) porque Trotsky não se preocupa em saber porque Marx e Engels modificaram posteriormente em sua obra, de modo considerável, sua concepção teórica acerca dos pressupostos e do transcurso da Revolução Socialista, precisamente em virtude dessas experiências com os fatos históricos.
Ponto 3 - Ao buscar marchar para o futuro por meio da negação determinada do presente é inevitável com que tudo dependa da direção da vanguarda revolucionária do proletariado. Quando Trotsky enfatiza que o principal obstáculo no caminho da transformação da situação pré-revolucionária em revolucionária é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa e seus laços traidores, acredito que seja muito difícil sustentar que a "revolução permanente" iria depurar esses elementos. Aliás, as duas diferenças entre a concepção de Partido de Lênin a Stalin consistem em: 1) tornar as frações e minorias um “inimigo interno” incompatibilizando sua própria existência e 2) depuração dos elementos oportunistas. A primeira medida (adotada no X Congresso) procura tornar uma medida temporalmente específica em princípio permanente e, assim, extinguindo as diferentes tendências e minorias no interior do partido. A segunda medida busca assegurar uma composição do partido sempre favorável ao núcleo dirigente central. Concluio dizendo que a "revolução permanente" teve como melhor exemplo a stalinização do partido bolchevique. Como entendo Trotsky apenas como uma negação a Stalin, acredito que no final de contas Stalin foi aquele que foi até as últimas consequencias das premissas trotskystas, vide NEP.
Ponto 4 - Estranhamente os trotskystas enxergam "traição" em qualquer coisa que não siga suas premissas. Na incapacidade de efetuar um severa auto-crítica, ainda hoje grande parte de esquerda costuma falar dos erros históricos de orientação política como “traição”. Essa desculpa personalista costuma acompanhar os sectários Juízes Supremos da Verdade Revolucionária que, em qualquer mudança no percurso inesperada, não deixam de apontar à famosa “traição”. Como sabemos, a questão da “revolução traída” é muito caro a Trotski. Os autores e pessoas que sofrem sua influência (Mandel e Deuscher, por exemplo) têm a tendência de utilizar a categoria “traição” para entender algum aspecto em todas as revoluções como, por exemplo, os “funcionários políticos e burocratas” que sufocaram a “democracia direta” no curso da revolução francesa. No seu ingênuo dogmatismo, aqueles que sufocam o movimento de transformação e traem a revolução são sempre os outros. Aqueles ordinários malditos! Aqui o dogmatismo se reveste de oportunismo cínico. Em lacanês, oportunismo é querer ser o grande Outro que vai nortear todo o movimento e, assim, os desvios são considerados “traições” que, dependendo da fúria fundamentalista, devem ser punidos antes que seja “tarde demais”. Pintando Stálin como um traidor do “ideal socialista”, podemos cair, como Trotsky caiu, num idealismo abstrato profundo. Num texto no final da vida Trotsky escreveu: “a verdadeira família socialista, liberada pela sociedade dos pesados e humilhantes fardos da vida cotidiana, não terá necessidade de nenhuma regulamentação e a mera idéia de leis sobre divórcio e sobre o aborto não lhe parecerá melhor na lembrança do que as casas de tolerância ou os sacrifícios humanos”. Na realidade, é a própria sociedade capitalista contemporânea que busca “não ter nenhuma regulamentação” e não a futura e abstrata sociedade socialista. O capitalismo contemporâneo tem ares trostskistas. Outro ato falho desse nível encontra-se no programa de transição onde Trotski propõem que “somente a expropriação dos bancos privados e a concentração de todo o sistema de crédito nas mãos do Estado colocarão à disposição deste os meios reais necessários, quer dizer, materiais e não apenas fictícios e burocráticos, para a planificação econômica”. Parece até que Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, tinha lido Trostski ao efetuar o salvamento da bancarrota financeira dos Estados Unidos a partir de 2007. Por isso acredito que ao invés da categoria “traição” poderia ser usada a categoria da aprendizagem. Nesse sentido, sem dúvida, não aprendemos o suficiente ainda com a URSS e com as experiências históricas do socialismo. A memória histórica do movimento socialista deve ser defendida. Para isso temos o desafio de des-desmonização de Stálin (e também Trotski, Kruschov e outros) além de uma des-canonização de Marx.
Ponto 1 - Pelo que entendo até hoje existe em Trotsky três dimensões da revolução permanente: 1) o modo segundo a qual se realiza na luta política, econômica, social e cultural das classes e suas frações a transição da Revolução Burguesa para a Revolução Proletária; 2) o conceito da Revolução “Permanente” que relaciona-se com a própria Revolução Socialista e com o seu desenvolvimento não encerrado, senão apenas iniciado, mediante a “conquista do poder político” e a edificação da “Ditadura Revolucionária do Proletariado”. “Durante um período de desenvolvimento de duração incalculavelmente longa, no transcurso de uma luta interna incessante, realiza-se uma total reorganização de todas as relações sociais. A sociedade encontra-se em processo de metamorfose ininterrupto. Cada uma das fases de reorganização é a imediata conseqüência da fase precedente. Toda essa ação contém, necessariamente, um caráter político, pois seu desenvolvimento efetua-se com a colisão de diferentes grupos da sociedade que se encontra envolvida pelo processo de reorganização. As irrupções de guerras civis e guerras externas alternam-se com os períodos de reformas “pacíficas”. Revoluções no domínio da economia em geral, da técnica, do conhecimento científico, da família, da vida quotidiana e dos costumes desenvolvem-se sob influência omnilateral e recíproca, sem que a sociedade possa encontrar seu equilíbrio. Esse é o caráter permanente da Revolução Socialista, considerado segundo sua própria essência.”; 3) finalmente o caráter internacional de toda Revolução Socialista autêntica - aqui radicalmente oposto a Stalin.
Ponto 2 - Acredito que existe uma debilidade geral em Trotsky que diz respeito a expressão teórica de uma visão que corresponde a uma ainda subdesenvolvida “situação do movimento proletário de classe". Assim, existe uma resoluta superestimação do fator político no movimento proletário revolucionário. Exagera também, em fim de contas, o significado que recai sobre o Partido político organizado relativamente ao transcurso objetivo e ao resultado do processo de transformação política. Talvez seja (ou não) porque Trotsky não se preocupa em saber porque Marx e Engels modificaram posteriormente em sua obra, de modo considerável, sua concepção teórica acerca dos pressupostos e do transcurso da Revolução Socialista, precisamente em virtude dessas experiências com os fatos históricos.
Ponto 3 - Ao buscar marchar para o futuro por meio da negação determinada do presente é inevitável com que tudo dependa da direção da vanguarda revolucionária do proletariado. Quando Trotsky enfatiza que o principal obstáculo no caminho da transformação da situação pré-revolucionária em revolucionária é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa e seus laços traidores, acredito que seja muito difícil sustentar que a "revolução permanente" iria depurar esses elementos. Aliás, as duas diferenças entre a concepção de Partido de Lênin a Stalin consistem em: 1) tornar as frações e minorias um “inimigo interno” incompatibilizando sua própria existência e 2) depuração dos elementos oportunistas. A primeira medida (adotada no X Congresso) procura tornar uma medida temporalmente específica em princípio permanente e, assim, extinguindo as diferentes tendências e minorias no interior do partido. A segunda medida busca assegurar uma composição do partido sempre favorável ao núcleo dirigente central. Concluio dizendo que a "revolução permanente" teve como melhor exemplo a stalinização do partido bolchevique. Como entendo Trotsky apenas como uma negação a Stalin, acredito que no final de contas Stalin foi aquele que foi até as últimas consequencias das premissas trotskystas, vide NEP.
Ponto 4 - Estranhamente os trotskystas enxergam "traição" em qualquer coisa que não siga suas premissas. Na incapacidade de efetuar um severa auto-crítica, ainda hoje grande parte de esquerda costuma falar dos erros históricos de orientação política como “traição”. Essa desculpa personalista costuma acompanhar os sectários Juízes Supremos da Verdade Revolucionária que, em qualquer mudança no percurso inesperada, não deixam de apontar à famosa “traição”. Como sabemos, a questão da “revolução traída” é muito caro a Trotski. Os autores e pessoas que sofrem sua influência (Mandel e Deuscher, por exemplo) têm a tendência de utilizar a categoria “traição” para entender algum aspecto em todas as revoluções como, por exemplo, os “funcionários políticos e burocratas” que sufocaram a “democracia direta” no curso da revolução francesa. No seu ingênuo dogmatismo, aqueles que sufocam o movimento de transformação e traem a revolução são sempre os outros. Aqueles ordinários malditos! Aqui o dogmatismo se reveste de oportunismo cínico. Em lacanês, oportunismo é querer ser o grande Outro que vai nortear todo o movimento e, assim, os desvios são considerados “traições” que, dependendo da fúria fundamentalista, devem ser punidos antes que seja “tarde demais”. Pintando Stálin como um traidor do “ideal socialista”, podemos cair, como Trotsky caiu, num idealismo abstrato profundo. Num texto no final da vida Trotsky escreveu: “a verdadeira família socialista, liberada pela sociedade dos pesados e humilhantes fardos da vida cotidiana, não terá necessidade de nenhuma regulamentação e a mera idéia de leis sobre divórcio e sobre o aborto não lhe parecerá melhor na lembrança do que as casas de tolerância ou os sacrifícios humanos”. Na realidade, é a própria sociedade capitalista contemporânea que busca “não ter nenhuma regulamentação” e não a futura e abstrata sociedade socialista. O capitalismo contemporâneo tem ares trostskistas. Outro ato falho desse nível encontra-se no programa de transição onde Trotski propõem que “somente a expropriação dos bancos privados e a concentração de todo o sistema de crédito nas mãos do Estado colocarão à disposição deste os meios reais necessários, quer dizer, materiais e não apenas fictícios e burocráticos, para a planificação econômica”. Parece até que Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, tinha lido Trostski ao efetuar o salvamento da bancarrota financeira dos Estados Unidos a partir de 2007. Por isso acredito que ao invés da categoria “traição” poderia ser usada a categoria da aprendizagem. Nesse sentido, sem dúvida, não aprendemos o suficiente ainda com a URSS e com as experiências históricas do socialismo. A memória histórica do movimento socialista deve ser defendida. Para isso temos o desafio de des-desmonização de Stálin (e também Trotski, Kruschov e outros) além de uma des-canonização de Marx.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Estado de exceção democrático
A democracia contemporânea é nossa atual “premissa não-questionada”, o que está dificultando enormemente uma transformação na estratégia socialista de defensiva para ofensiva para além do capital.
A atual esquerda reformista que se auto-enclausura em reivindicações como “mais tolerância”, “mais direitos humanos”, “mais democracia” continua essencialmente nos horizontes da social-democracia clássica. Desconsiderando a crise estrutural do capital que se aprofunda e seus antagonismos explosivos, aceitam explicitamente uma quebra radical no aspecto revolucionário das reivindicações sociais do socialismo dando a elas uma feição democrática. Como salientou Marx, “o caráter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com os dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e convertê-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade via democrática, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia”.
Como escreve Alain Badiou, hoje a democracia é a principal organizadora do consenso. Em seu nome se reuni tanto o desmoronamento dos Estados socialistas, o suposto bem-estar dos nossos países e as cruzadas humanitárias do Ocidente. Tudo que é espontaneamente considerado como normal é democrático e assim vice-versa. Ela se encaixa no que ele chama de opinião autoritária: é proibido não ser democrata. Aqueles que não aspiram pela democracia são tidos supostamente como sujeitos patológicos.
Entretanto, mesmo sendo a democracia liberal um limite para a esquerda contemporânea, quais são os limites da própria democracia?
Clamo que hoje estamos presenciando um estado de exceção democrático. Por mais que formalmente tenhamos eleições que suspendam as distinções de classe na sociedade capitalista, as determinações profundas de classe continuam operantes todo o tempo. Isso porque a articulação institucional do Estado democrático-liberal é inseparável da articulação institucional do mercado capitalista e sua rede de proteção política e policial a propriedade privada. Além disso, o limite da democracia é o Estado e não a vontade política dos políticos.
Uma definição clássica de estado de exceção é que, com a ameaça da ordem pública por agentes sociais, o Estado o suspende a lei para resolver seus problemas essencialmente políticos. É um mecanismo de controle do Estado que possibilita resistir a transformações sociais progressistas. O que estamos presenciando nos últimos anos é que o Estado democrático liberal está tomando medidas típicas de um estado de exceção como medidas normais de governo até mesmo nos países mais avançados e com uma "cultura democrática" mais longa.
A categoria de homo sacer, desenvolvida por Giorgio Agamben, nos ajuda aqui: o homo sacer é aquele que, no antigo direito romano, poderia ser morto impunemente e cuja morte não tinha nenhum valor de sacrifício. Hoje, o que vemos é uma institucionalização da penalização dos Homo Sacer contemporâneos – o favelado, o imigrante, o terrorista, o precarizado, desempregado, os habitantes dos guetos nos EUA, informalizado, refugiado, os integrantes do MST, etc.
Se o Homo Sacer é a categoria de seres insacrificáveis por poderem ser mortos por qualquer um e, dessa forma, não ter valor de sacrifício, não é essa a mesma condição dos integrantes do Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Sem Terra? No Brasil não são os integrantes do MST os verdadeiros “muçulmanos”, os Homo Sacer por excelência? Apenas como Homo Sacer é que as mortes aleatórias na luta por terra podem ser aplaudidas pela classe média e pela elite brasileira. Não seria sua condição de Homo Sacer que possibilita que as notícias vinculadas ao movimento estejam geralmente na parte policial dos jornais? Os jornais não noticiam que a ordem pública fica seriamente conturbada ou ameaçada com a atuação do MST?
A expansão das “milícias privadas” que não são apanhadas pelos olhos da democracia e que, mesmo assim, consumam os massacres contra favelados e membros do MST levando a cabo a proteção da propriedade privada dos latifundiários e da classe media urbana não demonstra claramente essa hipótese? Ou ainda, a própria expansão das “tropas de elite” como o BOPE no Rio e a RONE em Curitiba que asseguram (normalmente à noite) que a pobreza se mantenha em seu lugar não fazem parte das tentativas desesperadas do Estado em criar formas não-institucionais de reprimir esses insacrificáceis contemporâneos? Não seria essa a ligação, sob a retórica democrática, da ligação “invisível” entre terroristas, favelados, militante de esquerda, membros do MST, etc?
Nesse ponto, a necessidade de utilização generalizada da violência policial do Estado mostra uma crise generalizada da autoridade perante esses elementos. Por isso, conceber uma transformação socialista radical e ao mesmo tempo excluir a revolução de seu itinerário é uma contradição em termos. Uma vez que a estrutura parlamentar é aceita como horizonte limitador de toda intervenção política admissível, o objetivo socialista de “emancipação econômica do trabalho” é descartada. Por isso, como dizia minha musa, Rosa Luxemburgo, “o movimento socialista não está vinculado à democracia burguesa, mas que, ao contrário, o destino da democracia está vinculado ao movimento socialista... Quem quiser fortalecer a democracia deve desejar fortalecer, e não debilitar, o movimento socialista”.
Por fim, penso eu, só que possível aproximarmos do objetivo de uma reestruturação socialista da sociedade em sua totalidade na medida em que o próprio militante em desenvolvimento consiga superar suas próprias divisões internas. Penso que a dura lição que precisamos apreender é que todos nós somos homo sacers.
A atual esquerda reformista que se auto-enclausura em reivindicações como “mais tolerância”, “mais direitos humanos”, “mais democracia” continua essencialmente nos horizontes da social-democracia clássica. Desconsiderando a crise estrutural do capital que se aprofunda e seus antagonismos explosivos, aceitam explicitamente uma quebra radical no aspecto revolucionário das reivindicações sociais do socialismo dando a elas uma feição democrática. Como salientou Marx, “o caráter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com os dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e convertê-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade via democrática, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia”.
Como escreve Alain Badiou, hoje a democracia é a principal organizadora do consenso. Em seu nome se reuni tanto o desmoronamento dos Estados socialistas, o suposto bem-estar dos nossos países e as cruzadas humanitárias do Ocidente. Tudo que é espontaneamente considerado como normal é democrático e assim vice-versa. Ela se encaixa no que ele chama de opinião autoritária: é proibido não ser democrata. Aqueles que não aspiram pela democracia são tidos supostamente como sujeitos patológicos.
Entretanto, mesmo sendo a democracia liberal um limite para a esquerda contemporânea, quais são os limites da própria democracia?
Clamo que hoje estamos presenciando um estado de exceção democrático. Por mais que formalmente tenhamos eleições que suspendam as distinções de classe na sociedade capitalista, as determinações profundas de classe continuam operantes todo o tempo. Isso porque a articulação institucional do Estado democrático-liberal é inseparável da articulação institucional do mercado capitalista e sua rede de proteção política e policial a propriedade privada. Além disso, o limite da democracia é o Estado e não a vontade política dos políticos.
Uma definição clássica de estado de exceção é que, com a ameaça da ordem pública por agentes sociais, o Estado o suspende a lei para resolver seus problemas essencialmente políticos. É um mecanismo de controle do Estado que possibilita resistir a transformações sociais progressistas. O que estamos presenciando nos últimos anos é que o Estado democrático liberal está tomando medidas típicas de um estado de exceção como medidas normais de governo até mesmo nos países mais avançados e com uma "cultura democrática" mais longa.
A categoria de homo sacer, desenvolvida por Giorgio Agamben, nos ajuda aqui: o homo sacer é aquele que, no antigo direito romano, poderia ser morto impunemente e cuja morte não tinha nenhum valor de sacrifício. Hoje, o que vemos é uma institucionalização da penalização dos Homo Sacer contemporâneos – o favelado, o imigrante, o terrorista, o precarizado, desempregado, os habitantes dos guetos nos EUA, informalizado, refugiado, os integrantes do MST, etc.
Se o Homo Sacer é a categoria de seres insacrificáveis por poderem ser mortos por qualquer um e, dessa forma, não ter valor de sacrifício, não é essa a mesma condição dos integrantes do Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Sem Terra? No Brasil não são os integrantes do MST os verdadeiros “muçulmanos”, os Homo Sacer por excelência? Apenas como Homo Sacer é que as mortes aleatórias na luta por terra podem ser aplaudidas pela classe média e pela elite brasileira. Não seria sua condição de Homo Sacer que possibilita que as notícias vinculadas ao movimento estejam geralmente na parte policial dos jornais? Os jornais não noticiam que a ordem pública fica seriamente conturbada ou ameaçada com a atuação do MST?
A expansão das “milícias privadas” que não são apanhadas pelos olhos da democracia e que, mesmo assim, consumam os massacres contra favelados e membros do MST levando a cabo a proteção da propriedade privada dos latifundiários e da classe media urbana não demonstra claramente essa hipótese? Ou ainda, a própria expansão das “tropas de elite” como o BOPE no Rio e a RONE em Curitiba que asseguram (normalmente à noite) que a pobreza se mantenha em seu lugar não fazem parte das tentativas desesperadas do Estado em criar formas não-institucionais de reprimir esses insacrificáceis contemporâneos? Não seria essa a ligação, sob a retórica democrática, da ligação “invisível” entre terroristas, favelados, militante de esquerda, membros do MST, etc?
Nesse ponto, a necessidade de utilização generalizada da violência policial do Estado mostra uma crise generalizada da autoridade perante esses elementos. Por isso, conceber uma transformação socialista radical e ao mesmo tempo excluir a revolução de seu itinerário é uma contradição em termos. Uma vez que a estrutura parlamentar é aceita como horizonte limitador de toda intervenção política admissível, o objetivo socialista de “emancipação econômica do trabalho” é descartada. Por isso, como dizia minha musa, Rosa Luxemburgo, “o movimento socialista não está vinculado à democracia burguesa, mas que, ao contrário, o destino da democracia está vinculado ao movimento socialista... Quem quiser fortalecer a democracia deve desejar fortalecer, e não debilitar, o movimento socialista”.
Por fim, penso eu, só que possível aproximarmos do objetivo de uma reestruturação socialista da sociedade em sua totalidade na medida em que o próprio militante em desenvolvimento consiga superar suas próprias divisões internas. Penso que a dura lição que precisamos apreender é que todos nós somos homo sacers.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Três teses sobre a atual crise
Resolvi momentaneamente voltar a escrever sobre a atual crise
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Tese 1 - Nossa atual crise não deixa espaço para grandes otimismos. De bolha em bolha, o modo de reprodução financeira dominante do capital não deixa dúvidas que a orientação geral da produção de riqueza social baseada no capital não é o atendimento das necessidades humanas. Enquanto em novembro de 2009 o Goldman Sachs angariou US$100 milhões por dia de recursos estatais, em torno de metade da população mundial passa fome. O sistema bancário dos Estados Unidos gastou mais de cinco bilhões de dólares fazendo lobby para se livrar de uma dúzia de regulamentações enquanto estamos no início de uma profunda crise de energia, escassez de água potável e o surgimento dos refugiados ecológicos. As contradições são inúmeras, mas representam que, cada vez mais, capital e humanidade são antagônicos. Em janeiro de 2008, 2 milhões de pessoas perderam suas casas nos EUA. Essas famílias, em sua maioria pertencente às comunidades afroamericanas e de origem hispânica, perderam, no total, cerca de 40 bilhões de dólares. Naquele mesmo mês, Wall Street distribuiu um bônus de 32 bilhões de dólares para aqueles “investidores” que provocaram a crise. Uma forma peculiar de redistribuição de riqueza, que mostra que, nesta crise, muitos ricos estão fincando ainda mais ricos.
Tese 2 - O capitalismo está baseado no crescimento – que é vangloriado por muitos na esquerda também. Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema crônico do capitalismo contemporâneo é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento atual será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. A China está caminhando no mesmo sentido.
Tese 3 - O capitalismo poderá sobreviver a essa crise? Indubitavelmente sempre respondo: sem dúvida alguma! A questão é: a que custo? Também sem dúvidas com o custo altíssimo de uma maior expropriação dos direitos do trabalho numa intensificação da atual precarização generalizada, expansão do crédito (e dívidas), fundos de pensão, maior degradação ambiental, atomização social, aumento das desigualdades de classe e, para o sucesso disso tudo, um aumento expressivo na repressão policial e política. Todos os mecanismos históricos anti-crise estão sendo utilizados alimentando a destruição ecológica, a concentração espacial de renda, o desemprego, etc. Ainda por cima, quem está sendo responsabilizado pela crise são os trabalhadores e não os grandes capitalistas. Por essas e outras que precisamos de uma transformação revolucionária da ordem social.
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Tese 1 - Nossa atual crise não deixa espaço para grandes otimismos. De bolha em bolha, o modo de reprodução financeira dominante do capital não deixa dúvidas que a orientação geral da produção de riqueza social baseada no capital não é o atendimento das necessidades humanas. Enquanto em novembro de 2009 o Goldman Sachs angariou US$100 milhões por dia de recursos estatais, em torno de metade da população mundial passa fome. O sistema bancário dos Estados Unidos gastou mais de cinco bilhões de dólares fazendo lobby para se livrar de uma dúzia de regulamentações enquanto estamos no início de uma profunda crise de energia, escassez de água potável e o surgimento dos refugiados ecológicos. As contradições são inúmeras, mas representam que, cada vez mais, capital e humanidade são antagônicos. Em janeiro de 2008, 2 milhões de pessoas perderam suas casas nos EUA. Essas famílias, em sua maioria pertencente às comunidades afroamericanas e de origem hispânica, perderam, no total, cerca de 40 bilhões de dólares. Naquele mesmo mês, Wall Street distribuiu um bônus de 32 bilhões de dólares para aqueles “investidores” que provocaram a crise. Uma forma peculiar de redistribuição de riqueza, que mostra que, nesta crise, muitos ricos estão fincando ainda mais ricos.
Tese 2 - O capitalismo está baseado no crescimento – que é vangloriado por muitos na esquerda também. Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema crônico do capitalismo contemporâneo é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento atual será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. A China está caminhando no mesmo sentido.
Tese 3 - O capitalismo poderá sobreviver a essa crise? Indubitavelmente sempre respondo: sem dúvida alguma! A questão é: a que custo? Também sem dúvidas com o custo altíssimo de uma maior expropriação dos direitos do trabalho numa intensificação da atual precarização generalizada, expansão do crédito (e dívidas), fundos de pensão, maior degradação ambiental, atomização social, aumento das desigualdades de classe e, para o sucesso disso tudo, um aumento expressivo na repressão policial e política. Todos os mecanismos históricos anti-crise estão sendo utilizados alimentando a destruição ecológica, a concentração espacial de renda, o desemprego, etc. Ainda por cima, quem está sendo responsabilizado pela crise são os trabalhadores e não os grandes capitalistas. Por essas e outras que precisamos de uma transformação revolucionária da ordem social.
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