Jacques Lacan costumava dizer que “o inconsciente é político”. Entretanto, como o inconsciente não é Uno, como o francês bem sabia, não podemos ficar satisfeitos com essa apreensão e, consequentemente, vamos propor que, do ponto de vista marxista, “o inconsciente é econômico político”. Hoje, com o desdobramento da crise estrutural do capital, essa lição é mais importante do que nunca já que é um eficaz método contra a ideologia cínica contemporânea “do ponto de vista do capital”.
O "ponto de vista do capital" é modelagem ativamente consciente que corresponde aos interesses vitais do sistema do capital e, portanto, não é imposta. Na realidade é uma espécie de incorporação ativa de ilusões convenientes que correspondem ao ponto de vista da ordem sociometabólica do capital ao assumirem, mesmo que normalmente sem ser mencionadas, “as premissas práticas fundamentais da ordem social dada em sua totalidade combinada, como um conjunto de determinações profundamente interconectadas” (István Mészáros, Estrutura social e formas de consciência, Boitempo, 2009, p. 13 - talvez o melhor livro desse início de século XXI e que abre as portas para se compreender seriamente o processo de superação dos antagonismos existentes para além do capital).
Essas premissas práticas como a separação radical entre os meios de produção e o trabalho, a atribuição de todas as funções importantes de direção e decisão às personificações do capital, a regulação do intercâmbio entre os seres humanos e a natureza e dos indivíduos entre si com base nas mediações antagônicas do capital e a determinação e o gerenciamento da estrutura social globalmente abrangente de comando político sob a forma do Estado capitalista estabelecem os limites estruturais de viabilidade do modo de produção e distribuição historicamente produzido que, de forma alguma, poderia funcionar por nenhum prazo sem alguma delas. Consequentemente se torna inadmissível o movimento de transformação social para além dessa estrutura circunscrita nas premissas fundamentais do capital por meio de uma eternização necessária para tornar plausível a “visão anistórica do sistema pretensamente inalterável de intercâmbio sociorreprodutivo” (idem, p. 15).
Portanto, o materialismo dialético torna irredutível a economia à política e vice-versa. Uma aponta para a outra numa reciprocidade, mesmo que com lógicas diferentes. Em lacanês, não existe metalinguagem entre economia e política: o Capital e a Luta de Classes são os dois lados da mesma moeda. Quando se articula apenas um em detrimento de outro, se perde toda a análise materialista dialética.
2 comentários:
Concordo! Mas é possível falar em "reciprocidade"? Me parece que a irredutibilidade entre os dois impõe precisamente que não haja reciprocidade nenhuma... uma articulação econômica impõe, necessariamente, um repensar político que retorna como necessidade de rearticulação econômica e assim por diante.
Como assim? Esse repensar o político não teria já como pano de fundo uma reciprocidade com a rearticulação economica?
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