domingo, 13 de setembro de 2009

Leves reflexões sobre tecnologia, cyborgs, comunismo e tudo mais.



A confiança no capitalismo parece insuperável, até mesmo na esquerda. Existe certa impressão de inevitabilidade desse processo. O capitalismo seria uma espécie de Fênix que sempre renasce das cinzas e que, conseqüentemente, seria uma tremenda perda de tempo a construção de uma alternativa viável para o atual estado de coisas. Entretanto, não estamos passando por profundas transformações no próprio capitalismo que “desconstroem” seu potencial de regeneração atuando como “fortes abalos sísmicos” no seu funcionamento e que não podem mais ser descartados para seu próprio funcionamento “normal”?


Desde 1970 estamos vivenciando aquilo que Richard Fuller chama de “aceleração da aceleração tecnocientífica” que se expressa melhor nos desenvolvimento últimos das máquinas. Para Keiji Nishitani, as máquinas são “puros produtos do intelecto humano, construídas para os propósitos do próprio homem. Em lugar algum podem ser encontradas no mundo da natureza (como produtos da natureza); entretanto, a obra das leis da natureza encontra sua expressão mais pura nas máquinas, mais pura do que em qualquer produto da natureza”. Interessante notar essa condição paradoxal da tecnologia como mediação entre o homem e a natureza já se aponta para o movimento em que os seres assumem cada vez mais o controle das leis da natureza e, com isso, o controlador se torna cada vez mais o controlado tratando das leis da natureza como algo exterior. Para Nishitani, com o processo em que as leis da natureza assumem o máximo controle sobre os seres e os seres assumem o máximo de controle sobre suas leis, a barreira da humanidade do homem e a naturalidade da natureza se rompem instaurando uma mecanização do homem sob um modo de ser que se baseia no niilismo e no fatalismo. Segundo o filósofo, “desde tempos imemoriáveis o homem falou da vida respeitando a lei ou a ordem da natureza. Agora esse modo de ser foi completamente rompido. Em seu lugar surge um modo de ser no qual o homem se situa na liberdade do niilismo e comporta-se como se estivesse usando as leis da natureza completamente de fora”. Esse processo de mecanização da vida humana e transformação desse sujeito em não-racional que persegue apenas seus desejos são as duas faces de uma mesma moeda.


Quer dizer que as categorias puras de humano e de inanimado já são anacrônicas. Donna Haraway inserindo as transformações tecnocientíficas com a cultura pós-moderna do capitalismo global nos traz um conceito interessante, o de cyborgs. Para ela, o cyborg continua sendo um híbrido entre homem e máquina, mas a novidade histórica em que nos encontramos é que “todos nós somos cyborgs”. Haraway identifica três rupturas radicais em fronteiras que autorizam tal generalização: a transgressão dos limites entre humano e o animal, a quebra da distinção entre organismo humano e máquina e o apagamento dos limites entre o físico e o não físico. Essas transformações acompanham a ordem política e obedecem um projeto inédito de dominação. Nesse sentido, a autora propõem que não basta reconhecer essa transformação que está sendo feita conosco sendo preciso ainda buscar em nossa nova condição uma saída. Para isso é preciso nos transformar em “cyborgs de oposição” – eu diria "cyborgs de esquerda".


Diversas discussões emergem sobre esse tema: estaríamos passando para uma espécie pós-humana, transhumano, nanohumana, o que exatamente? A linha mestra que perpassa esses “temas” é o momento em que a referencia deixa de ser o humano e passa a ser a máquina numa falência da evolução natural. As máquinas iriam trazer a capacidade de evolução com base em organismo criados em computadores. Mesmo que de forma embrionária, Gilles Deleuze já havia tocado nesse ponto que corresponderia à forma-Além-do-Homem. De qualquer forma, essas transformações tecno-científicos, além de quebrar com a estatura clássica do ser humano, abrem profundos problemas para o próprio capitalismo. A propriedade intelectual, por exemplo, não tem a mesma funcionalidade que a propriedade privada. Muitas vezes, ao contrário dela, ela “socializa a propriedade” sendo, inerentemente, comunista. O poster acima, por mais que tenha sido feito por fanáticos de alguma associação anti-comunista, tem razão. Pena!

Um comentário:

Chrysantho Sholl Figueiredo disse...

Mas um homem que de tão "controlador se torna controlado" em relação às leis da natureza, não é exatamente o papel de inversão da tecnologia... a tecnologia não mais como plasticidade que se coloca entre homem e natureza, mas o homem é que está entre a tecnologia e a natureza? Em segundo lugar, será que quem "controla" as forças da natureza e quem "é controlado" por elas, são os mesmos homens?