Esse post é um versão extremamente reduzida que um artigo que produzi chamado "Reformismo desesperado: o neokeynesianismo como solução inoperante diante da crise estrutural do capital". Se alguém tiver interesse é só pedir. Posto aqui uma parte da introdução ao debate sobre as alternativas sociais hoje diante da crise. Espero que gostem e boa leitura.
Hoje o discurso cínico por excelência, no campo econômico e político, é o neokeynesianismo. Ele se encaixa perfeitamente com toda a conversa do “fim da história” além de naturalizar as condições de produção do capital. Esse remédio “milagroso” do sempre sem significado específico “regulação” anda atolando as maneiras conservadoras e até supostamente de esquerda de tentar “salvar o sistema” da atual crise. O neokeynesianismo se apresenta como a última tentativa de formar um consenso relativo sobre as soluções da crise de tal maneira que considere substancialmente as necessidades sociais e ecológicas que passam por um agravamento radical de suas condições. Entretanto, ao invés de ser uma solução viável é mais um conto da sereia diante das dimensões da atual crise, além de mistificar os reais problemas onde se encontra a humanidade.
A lista das importantes personalidades neokeynesianas é grande. Passa por ela Joseph Stigtz, Paul Krugman, George Soros, grandes “líderes mundiais” como Barack Obama, Gordon Brown e Nikolas Sarkozy. De forma geral, o neokeynesianismo seria a fórmula para superar as iniqüidades e contradições atuais já que a atual crise não passa de uma “crise de desgaste do sistema” podendo ser uma oportunidade para acelerar o processo de novas formas de organização social com mais justiça, igualdade e multipolaridade – sob uma intervenção massiva do Estado para salvar o sistema financeiro, reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva das grandes economias do mundo. Para essas personalidades, o keynesianismo funcionou como medida anti-crise no passado e voltará a funcionar hoje porque, afinal, o capitalismo vive infinitamente e a crise atual é cíclica como as outras.
A “Grande Crise Econômica” de 1929-33 estava longe de ser uma crise estrutural ao deixar ainda diversas opções abertas para a sobrevivência continuada do capital, bem para uma recuperação e sua reconstrução mais ampla e forte do que nunca em uma base economicamente mais saudável e mais ampla. Para Mészáros (2006, p. 796), a crise que vivemos hoje é fundamentalmente uma crise estrutural que se manifesta em quatro aspectos principais:
1) Seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho com sua gama específica de habilidade e graus de produtividade etc.);
2) Seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as crises no passado);
3) Sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crise anteriores do capital;
4) Em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de quem nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia.
Mészáros caracteriza a crise estrutural como a ativação dos limites absolutos do capital. Ao longo de seu desenvolvimento histórico o capital tem deslocado suas contradições a patamares cada vez mais elevados. Entretanto, desde meados de 1970, a auto-expansão do capital não funciona mais devido ao bloqueio sistemático das partes constituintes vitais da produção, consumo e circulação/distribuição/realização. Sua tripla dimensão interna exibe perturbações pressagiando uma falha na função vital de deslocar as contradições acumuladas do sistema. Esse deslocamento não significa sua resolução – longe disso, significa que essas mudanças devem ser concebidas como um ir-sendo de um processo cujos limites últimos, ou absolutos, não podem ser prefigurados. Esses limites continuam operantes todo o tempo com custos sociais e naturais cada vez mais altos possibilitando a própria eliminação de parte da humanidade para garantir a sobrevivência do capital enquanto metabolismo social global. Em outras palavras, com o esgotamento da capacidade de expansão do capital, se finalizaram as possibilidades de crescimento com desenvolvimento fazendo com que sua sobrevivência dependa de uma depressão contínua nas condições de vida e dos trabalhadores (num nível ainda mais radical nos países menos desenvolvidos). Um dos resultados mais dramáticos é o desperdício institucionalizado que, sob a taxa decrescente do valor de uso do capital, encurta progressivamente a vida útil de bens, serviços, instalações, maquinarias e a própria força de trabalho. Diante desse processo de crescente proporção de transformação do trabalho vivo em força de trabalho supérflua do ponto de vista do capital, diante de sua crise estrutural, existe a ascensão do desemprego estrutural cuja culpa é jogada, pelos apologistas do capital, ao progresso tecnológico. Entretanto, o desemprego estrutural advém das modificações profundas que o capital precisou lidar diante de seus limites absolutos de auto-expansão. É uma precarização estrutural do trabalho em larga escala que envolve a incerteza entre a ocupação e a não-ocupação, onde a “flexibilização” não significa de forma alguma uma solução. Ao contrário, como salienta Luciano Vasapollo (2005), a “flexibilização” funciona como uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em piores condições. É nesse contexto que estão sendo reforçados os mercados ilegais, no qual está sendo difundido o trabalho irregular, precário, atípico e sem garantias. A OIT espera que, só para 2009, sejam mais 50 milhões de desempregado para se juntar as fileiras que já encontram algo em torno de 300 milhões de pessoas que não tem mais espaço para o sistema de produção de mercadorias. É uma produção sistemática de excessos que o processo produtivo não pode mais incorporar. Na zona do euro, em abril de 2009, o nível de desemprego atingiu 9,2% com mais de 396 mil demitidos. Somente na Espanha 18,1% da população esta desempregada. Nos EUA, em abril foram despedidos cerca de 539 mil trabalhadores e em maio 532 mil. Estima-se que o nível de desemprego já atinja em junho 9,3% da população e 10% em 2010. Como conseqüência, numa recente pesquisa feita em 23 países, o medo do desemprego já passou o da violência e da corrupção. O desdobramento da atual crise, portanto, passa longe de ser reduzida a esfera financeira já que se dá pelo desemprego crônico, a insegurança no trabalho, pela pobreza e péssimas condições habitacionais. O exemplo desses processos que se imbricam está no crescimento da fome. Em 2009, o número de pessoas nessa condição de extrema penúria e miséria passa de 1 bilhão, um sexto da humanidade.
Com o diagnóstico da crise estrutural, Mészáros não está, de forma alguma, prevendo a inevitabilidade da revolução socialista ou o colapso espetacular do capitalismo para que, então, se funde uma civilização socialista para além do capital. Seu projeto se distancia completamente desse materialismo vulgar tão presente nos dias de hoje. Qualquer leitor atento de Marx não cairia numa penúria teórica desse tamanho. Para Mészáros, ao contrário, diante desse panorama seria extremamente tolo acreditar que a maquinaria de dominação e repressão simplesmente tenderia a desaparecer. Diante de sua crise estrutural o capital tem a sua disposição uma imensa força repressiva que pode ser usada livremente, tanto quanto quiser na resolução de seus crescentes problemas. Mesmo que haja certas restrições ao uso real e potencial dessa força bruta do capital, é inquestionável que a capacidade de destruição e repressão acumuladas é assustadora, e continua a se multiplicar.
A crise depressiva que nos encontramos não oferece como opção uma “democratização da globalização” sob um novo regime de regulação. Não existem soluções dentro dos parâmetros do sistema já que a novidade histórica da atual crise está em seu caráter universal que não se restringe a determinado lugar (por exemplo, a esfera financeira) atuando numa escala global que não se limita somente a determinados países, e sim a totalidade do sistema. O manejo da atual crise, portanto, impossibilita o deslocamento de suas contradições estando relacionado não ao imediatismo de reformas específicas, mas a todos os componentes do sistema. Por isso, junto com a crise financeira se escancarou no final de 2008, é cada vez mais difícil é encobrir e mistificar a profunda crise que ocorre nas esferas produtivas, comerciais e agrícolas em todo o mundo . Essa crise representa, portanto, os limites últimos do capital como estrutural global e, dessa forma, os ímpetos neokeynesianos não passam de remédios paliativos para um doente em estado terminal que busca desesperadamente, e de forma cada vez mais aventureira, sobreviver para impor seus imperativos de acumulação e expansão por mais destrutivo que seja seus resultados.
As estratégias capitalistas de “saída da crise” já são fracassadas, inclusive a neokeynesiana. Não é a toa que os “grandes líderes” das nações parecem estar imersos numa completa inércia da qual buscam, cada vez de forma mais aventureira, responder adequadamente ao imperativo de “salvar o sistema”. Não estar no horizonte inconsciente da atuação reformista da ordem do capital é o início da transformação radical para além do capital.
3 comentários:
Olá Fernando,
Gostei muito desse tópico e queria me aprofundar no assunto. Pode me mandar o artigo? r_rubensneto@hotmail.com
um abraço.
Rubens Bordinhão.
Fala Zen, manda o artigo completo para o meu email:alceufilippetto@gmail.com
Olá,
Gostei de sua análise e também tenho interesse no assunto, pois estou estudando reformas capitalistas. Poderia me enviar o artigo completo?
meu e-mail é: valeriarosa_b@hotmail.com
Obrigada
Valeria
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