quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Notas sobre a nova configuração do capitalismo e a construção de alternativas positivas viáveis hoje

Estou postando a última parte do artigo que fiz chamado "A Crise de Marx - a emergência de uma “nova configuração do capitalismo” com o aprofundamento da crise estrutural do capital". Se alguém quiser peça por e-mail.

Notas finais.

Estamos entrando numa nova etapa do capitalismo mundial com o aprofundamento da crise estrutural do capital. O Estado forte e autoritário está novamente emergindo numa espécie de “chineização do Estado liberal” conjuntamente com o processo de “japoneização do trabalho”. A democracia poderá continuar formalmente (como sempre ocorreu), mas as decisões chaves para a sustentação da economia mundial estão tendo, cada vez mais, um caráter autoritário pelo ímpeto de administrar a atual crise. Um dos fatores essenciais da reprodução do capital se torna a necessária “ajuda externa” do Estado que, quando preciso, suspende a ordem democrática em nome das “prioridades econômicas”. Torna-se escancarada a ligação incestuosa do Estado capitalista com o “mundo parasitário das finanças”. O Estado age no que é “perigoso” para a estabilidade do sistema financeiro (mas não só nele) com seus “financiamentos de emergência”, seja nacionalizando bancos como o Northern Rock na Inglaterra e a AIG nos EUA ou na ajuda dos financiamentos de compra do Bear Stearns pela JPMorgan Chase com um pequeno empréstimo de US$ 29 bilhões do governo norte-americano, sem garantia nenhuma além de seus títulos de propriedade. Em outras palavras, o Estado é a última instância de salvamento da bancarrota capitalista. A pergunta que fica é: até quando o Estado terá condições de salvar as empresas capitalistas (da produção aos bancos, da agricultura a dívida) diante das dimensões atuais da crise? E, no caso dos EUA e alguns outros, até quando essas iniciativas poderão continuar sem se encontrar drasticamente com o crescente endividamento que, a cada dia, percebemos ser impagável?


Com os desdobramentos da crise estrutural do capital, essa relação se torna cada vez mais incestuosa. Entretanto, com a dependência sempre crescente do capital de “ajuda externa” do Estado estamos nos aproximando de um limite sistêmico, pois somos obrigados a enfrentar a insuficiência crônica de ajuda externa referente àquilo que o Estado tem condições de oferecer (Mészáros, 2003, p. 30, 31). Segundo o “Relatório sobre a estabilidade financeira mundial” do Fundo Monetário Internacional, em 2008 os salvamentos dados pelos bancos centrais e governos dos Estados Unidos, Reino Unido e zona do euro chegou a US$ 9 trilhões, dos quais US$ 4,5 trilhões em forma de garantia. Entretanto, a “ajuda externa” do Estado não é eterna. Ela possui a instrumentalidade de ajudar temporariamente o sistema, mas historicamente é sempre insuficiente para o objetivo de garantir de forma permanente a estabilidade social e internacional, além de marcar profundamente a crescente simbiose entre capital e Estado de maneira irretornável deixa de forma explícita a conformidade de interesses “sociais” de ambos para a reprodução do sistema do capital.


Além disso, o Estado necessita resgatar – pela “nacionalização” alguns dos principais empreendimentos capitalistas e até mesmo ramos inteiros da indústria quando elas se tornam falidas, fazendo-as retornar, no momento adequado, ao “setor privado competitivo”, uma vez que sua viabilidade econômica tenha sido garantida graças pesados investimentos estatais, financiados por impostos gerais (Mészáros, 2006, p. 733, 734). Para administrar a crise, o Estado precisa assumir um papel intervencionista direto em todos os planos da vida social, promovendo e dirigindo ativamente a sustentação do capital fornecendo as “garantias políticas” para a continuação da dominação já materialmente estabelecida e enraizada estruturalmente. O Estado está agora, mais do que nunca, condenado a administrar a crise de forma permanente, por mais custoso que seja em termos sociais e ecológicos. Com o aprofundamento dos antagonismos intrínsecos da hierarquia estrutural do capital sobre o trabalho, o Estado busca minimizar ad infinitum a instabilidade inerente das explosões sociais contra a precarização e a flexibilização do trabalho (a níveis ainda mais intensivos) além da ejeção forçada da produção de milhões de trabalhadores que dão corpo às já enorme fileiras do desemprego crônico.


Como conseqüência desse processo, estamos presenciando um corte radical entre democracia e Estado que se tornam progressivamente antagônicos sob o estratégico aprofundamento da hibridização entre capital e Estado . Consequentemente, o próprio elo entre democracia e capitalismo está, agora, cortado. Nesse sentido, com o desenrolar dessa simbiose entre Estado e capital é que as medidas paliativas dentro da ordem estabelecida começam a se esgotar progressivamente atualizando a urgência histórica de uma transformação estrutural e abrangente que se apresenta como uma alternativa radical para o sistema estabelecido em sua totalidade.

Para concluir vamos trazer algumas reflexões acerca das seminais contribuições de Mészáros para a construção da alternativa hegemônica do trabalho ao sistema do capital.


Por o modo de reprodução sociometabólica global do capital ser estruturalmente incapaz de estabelecer e manter uma relação historicamente sustentável dos seres humanos com a natureza além da negação usurpadora do poder de decisão não apenas na economia e na política, mas também no campo da cultura, aos indivíduos que constituem o sujeito histórico real, o trabalho, como o possuidor e realizador potencial da energia criativa humana sob uma imposição cega sobre a sociedade dos imperativos expansivos irracionais do valor de troca (não importando o quão destrutivas possam ser), a elaboração prática de um sistema alternativo exige um reexame das premissas práticas fundamentais do sistema do capital em sua totalidade combinada para ser suplantado historicamente por uma alternativa não menos abrangente e orgânica. Como as mediações antagônicas hierarquicamente consolidadas do pelo capital não podem ser reformadas, corrigidas ou controladas por constituírem um sistema perversamente interbloqueado num caráter centrífugo, a transição historicamente sustentável para além do capital envolve um conjunto de princípios e determinações operativos mais substantivos e orgânicos sob a forma de deliberações autônomas e conscientes, críticas e também autocríticas, dos indivíduos orientados para a elaboração estratégica das mediações não antagônicas exigidas pela “nova forma histórica”. Esse tipo de mediação não se refere a algum futuro mais ou menos remoto, mas ao processo histórico agora em curso.

Este é o único modo viável de suplantar numa base duradoura a ordem sociometabólica cada vez mais destrutiva do capital pela alternativa hegemônica positivamente sustentável do sistema orgânico socialista. Pois apenas ao afirmar de maneira bem-sucedida seus princípios enquanto reprodução social em constante autorrenovação pode a alternativa hegemônica socialista adquirir – e manter – sua profunda legitimidade histórica (Ver “Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do método”. Boitempo, 2009. Especialmente o último capítulo “método em uma época histórica de transição”, p. 300).


Para o sucesso desse empreendimento, a negação da ordem estabelecida é apenas a primeira parte vital e necessária. Sua legitimidade histórica depende da instituição de uma ordem reprodutiva viável a longo prazo em seus próprios termos positivos. Dessa forma, “a tarefa radical por princípio buscada de modo consciente para superar os antagonismos da ordem existente é inseparavelmente negativa e positiva ao mesmo tempo. E esse é o único significado apropriado que podemos dar ao termo radical, que não se pode permitir continuar atado a uma – definitivamente insustentável – postura puramente negativa” (idem, p. 302). Não é a toa que Marx definiu o socialismo como “consciência de si positiva do homem”. Ainda com Mészáros, a única mediação historicamente sustentável e viável para a alternativa socialista é a mediação de si própria por parte de um sujeito social ativo que seja capaz de intervir autonomamente e conscientemente no processo de transformação exigida em nosso “destino histórico” sob uma tomada de decisão substantiva pelo corpo social em sua totalidade – uma automediação. Para concluir nas palavras do húngaro:


Somente a instituição e manutenção bem-sucedidas do sistema de mediações não antagônicas como a alternativa hegemônica da nova forma histórica à ordem do capital agora dominante pode mostrar uma saída desses perigosos antagonismos. Pois estes não podem ser superados sem a inter-relação plenamente eqüitativa de solidariedade substantiva entre os indivíduos sociais livremente associados, assim como de seus países, na forma de sua solidariedade internacional genuína capaz de confrontar positivamente as falhas do passado. Essa é a única perspectiva historicamente sustentável para o futuro (2009, p. 308, 309).

Nenhum comentário: