segunda-feira, 22 de junho de 2009

A ilusão neokeynesiana

Esse post é um versão extremamente reduzida que um artigo que produzi chamado "Reformismo desesperado: o neokeynesianismo como solução inoperante diante da crise estrutural do capital". Se alguém tiver interesse é só pedir. Posto aqui uma parte da introdução ao debate sobre as alternativas sociais hoje diante da crise. Espero que gostem e boa leitura.



Hoje o discurso cínico por excelência, no campo econômico e político, é o neokeynesianismo. Ele se encaixa perfeitamente com toda a conversa do “fim da história” além de naturalizar as condições de produção do capital. Esse remédio “milagroso” do sempre sem significado específico “regulação” anda atolando as maneiras conservadoras e até supostamente de esquerda de tentar “salvar o sistema” da atual crise. O neokeynesianismo se apresenta como a última tentativa de formar um consenso relativo sobre as soluções da crise de tal maneira que considere substancialmente as necessidades sociais e ecológicas que passam por um agravamento radical de suas condições. Entretanto, ao invés de ser uma solução viável é mais um conto da sereia diante das dimensões da atual crise, além de mistificar os reais problemas onde se encontra a humanidade.

A lista das importantes personalidades neokeynesianas é grande. Passa por ela Joseph Stigtz, Paul Krugman, George Soros, grandes “líderes mundiais” como Barack Obama, Gordon Brown e Nikolas Sarkozy. De forma geral, o neokeynesianismo seria a fórmula para superar as iniqüidades e contradições atuais já que a atual crise não passa de uma “crise de desgaste do sistema” podendo ser uma oportunidade para acelerar o processo de novas formas de organização social com mais justiça, igualdade e multipolaridade – sob uma intervenção massiva do Estado para salvar o sistema financeiro, reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva das grandes economias do mundo. Para essas personalidades, o keynesianismo funcionou como medida anti-crise no passado e voltará a funcionar hoje porque, afinal, o capitalismo vive infinitamente e a crise atual é cíclica como as outras.

A “Grande Crise Econômica” de 1929-33 estava longe de ser uma crise estrutural ao deixar ainda diversas opções abertas para a sobrevivência continuada do capital, bem para uma recuperação e sua reconstrução mais ampla e forte do que nunca em uma base economicamente mais saudável e mais ampla. Para Mészáros (2006, p. 796), a crise que vivemos hoje é fundamentalmente uma crise estrutural que se manifesta em quatro aspectos principais:
1) Seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho com sua gama específica de habilidade e graus de produtividade etc.);
2) Seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as crises no passado);
3) Sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crise anteriores do capital;
4) Em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de quem nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia.

Mészáros caracteriza a crise estrutural como a ativação dos limites absolutos do capital. Ao longo de seu desenvolvimento histórico o capital tem deslocado suas contradições a patamares cada vez mais elevados. Entretanto, desde meados de 1970, a auto-expansão do capital não funciona mais devido ao bloqueio sistemático das partes constituintes vitais da produção, consumo e circulação/distribuição/realização. Sua tripla dimensão interna exibe perturbações pressagiando uma falha na função vital de deslocar as contradições acumuladas do sistema. Esse deslocamento não significa sua resolução – longe disso, significa que essas mudanças devem ser concebidas como um ir-sendo de um processo cujos limites últimos, ou absolutos, não podem ser prefigurados. Esses limites continuam operantes todo o tempo com custos sociais e naturais cada vez mais altos possibilitando a própria eliminação de parte da humanidade para garantir a sobrevivência do capital enquanto metabolismo social global. Em outras palavras, com o esgotamento da capacidade de expansão do capital, se finalizaram as possibilidades de crescimento com desenvolvimento fazendo com que sua sobrevivência dependa de uma depressão contínua nas condições de vida e dos trabalhadores (num nível ainda mais radical nos países menos desenvolvidos). Um dos resultados mais dramáticos é o desperdício institucionalizado que, sob a taxa decrescente do valor de uso do capital, encurta progressivamente a vida útil de bens, serviços, instalações, maquinarias e a própria força de trabalho. Diante desse processo de crescente proporção de transformação do trabalho vivo em força de trabalho supérflua do ponto de vista do capital, diante de sua crise estrutural, existe a ascensão do desemprego estrutural cuja culpa é jogada, pelos apologistas do capital, ao progresso tecnológico. Entretanto, o desemprego estrutural advém das modificações profundas que o capital precisou lidar diante de seus limites absolutos de auto-expansão. É uma precarização estrutural do trabalho em larga escala que envolve a incerteza entre a ocupação e a não-ocupação, onde a “flexibilização” não significa de forma alguma uma solução. Ao contrário, como salienta Luciano Vasapollo (2005), a “flexibilização” funciona como uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em piores condições. É nesse contexto que estão sendo reforçados os mercados ilegais, no qual está sendo difundido o trabalho irregular, precário, atípico e sem garantias. A OIT espera que, só para 2009, sejam mais 50 milhões de desempregado para se juntar as fileiras que já encontram algo em torno de 300 milhões de pessoas que não tem mais espaço para o sistema de produção de mercadorias. É uma produção sistemática de excessos que o processo produtivo não pode mais incorporar. Na zona do euro, em abril de 2009, o nível de desemprego atingiu 9,2% com mais de 396 mil demitidos. Somente na Espanha 18,1% da população esta desempregada. Nos EUA, em abril foram despedidos cerca de 539 mil trabalhadores e em maio 532 mil. Estima-se que o nível de desemprego já atinja em junho 9,3% da população e 10% em 2010. Como conseqüência, numa recente pesquisa feita em 23 países, o medo do desemprego já passou o da violência e da corrupção. O desdobramento da atual crise, portanto, passa longe de ser reduzida a esfera financeira já que se dá pelo desemprego crônico, a insegurança no trabalho, pela pobreza e péssimas condições habitacionais. O exemplo desses processos que se imbricam está no crescimento da fome. Em 2009, o número de pessoas nessa condição de extrema penúria e miséria passa de 1 bilhão, um sexto da humanidade.

Com o diagnóstico da crise estrutural, Mészáros não está, de forma alguma, prevendo a inevitabilidade da revolução socialista ou o colapso espetacular do capitalismo para que, então, se funde uma civilização socialista para além do capital. Seu projeto se distancia completamente desse materialismo vulgar tão presente nos dias de hoje. Qualquer leitor atento de Marx não cairia numa penúria teórica desse tamanho. Para Mészáros, ao contrário, diante desse panorama seria extremamente tolo acreditar que a maquinaria de dominação e repressão simplesmente tenderia a desaparecer. Diante de sua crise estrutural o capital tem a sua disposição uma imensa força repressiva que pode ser usada livremente, tanto quanto quiser na resolução de seus crescentes problemas. Mesmo que haja certas restrições ao uso real e potencial dessa força bruta do capital, é inquestionável que a capacidade de destruição e repressão acumuladas é assustadora, e continua a se multiplicar.
A crise depressiva que nos encontramos não oferece como opção uma “democratização da globalização” sob um novo regime de regulação. Não existem soluções dentro dos parâmetros do sistema já que a novidade histórica da atual crise está em seu caráter universal que não se restringe a determinado lugar (por exemplo, a esfera financeira) atuando numa escala global que não se limita somente a determinados países, e sim a totalidade do sistema. O manejo da atual crise, portanto, impossibilita o deslocamento de suas contradições estando relacionado não ao imediatismo de reformas específicas, mas a todos os componentes do sistema. Por isso, junto com a crise financeira se escancarou no final de 2008, é cada vez mais difícil é encobrir e mistificar a profunda crise que ocorre nas esferas produtivas, comerciais e agrícolas em todo o mundo . Essa crise representa, portanto, os limites últimos do capital como estrutural global e, dessa forma, os ímpetos neokeynesianos não passam de remédios paliativos para um doente em estado terminal que busca desesperadamente, e de forma cada vez mais aventureira, sobreviver para impor seus imperativos de acumulação e expansão por mais destrutivo que seja seus resultados.

As estratégias capitalistas de “saída da crise” já são fracassadas, inclusive a neokeynesiana. Não é a toa que os “grandes líderes” das nações parecem estar imersos numa completa inércia da qual buscam, cada vez de forma mais aventureira, responder adequadamente ao imperativo de “salvar o sistema”. Não estar no horizonte inconsciente da atuação reformista da ordem do capital é o início da transformação radical para além do capital.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Dívida norte-americana e desemprego crônico: questões nao resolvíveis da crise estrutural do capital

Muitos estão falando sobre a “retomada” da economia e da à superação da crise “confiança”. Cinicamente, nada de fala sobre duas questões INSOLÚVEIS da atual crise: a dívida externa norte-americana e o desemprego estrutural ou crônico. Vou fazer breves comentários sobre ambas contradições.

1. Crise da dívida

O conjunto da dívida latino-americana é cerca de US$ 350 bilhões. Esse número é completamente insignificante perto das monstruosidades astronômicas da dívida norte-americana. Até mesmo o presidente do FED, Ben Bernanke, já expressou sua preocupação. Será que ele tem algum motivo? Segundo projeções, em proporção do PIB a dívida esta passando dos atuais 44% para 77% nos próximos quatro anos. Isso significa a monstruosidade de US$ 10 TRILHÕES, oito vezes o PIB do Brasil. O Reino Unido e a Alemanha acompanham esse mesmo processo com, respectivamente, 97% e 72% do PIB. Na questão dos EUA, a China apresenta profundas preocupações já que cerca de 70% das reservas dos títulos do Tesouro norte-americano tem a detenção chinesa. Até quando o resto do mundo (incluindo o “terceiro mundo”) vai estar em conduções de produzir os recursos necessários que a economia norte-americana requer a fim de manter o ritmo de sua dívida? O tamanho desse calote astronômico ainda é incalculável. Tamanha a dimensão da dívida, penso eu, sem estipular uma data específica, posso afirmar que a inadimplência da dívida externa dos EUA é uma certeza que vamos ter que nos conformar, por mais que sacuda radicalmente todos os aspectos da vida social no mundo.

2. Desemprego crônico

Um dos pontos principais da atual crise é o crescimento do desemprego que se torna, pela primeira vez na história, crônico. Não é mais um “exército de reserva” que pode voltar à produção – normalmente são pessoas excluídas para sempre do processo produtivo devido à incapacidade estrutural da produção absorver essas pessoas. Portanto, existem pessoas absolutamente supérfluas para o capitalismo. Segundo dados conservadores da OIT, ao longo de 2009 serão novos 50 milhões de desempregado. Na zona do euro, em abril, o nível de desemprego atingiu 9,2% com mais de 396 mil demitidos. Hoje, na Espanha, cerca de 18,1% da população esta desempregada. Nos EUA, em abril foram despedidos cerca de 539 mil trabalhadores e em maio 532 mil. Estima-se que o nível de desemprego já atinja em junho 9,3% da população. Numa recente pesquisa feita em 23 países, o medo do desemprego já passou o da violência e da corrupção.
Na América Latina, no primeiro trimestre cerca de 1 milhão de pessoas ficaram desempregadas. Segundo relatório dos órgãos ligados a ONU, a taxa de desemprego na região atingiu 8,5 no primeiro trimestre, ante 7,9 um ano antes. Estima-se ainda que o percentual de desempregados alcance até 9,1 até o fim do ano (claro que considerando cinicamente uma melhora gradual na economia). Isso significa que entre 2,8 milhões de 3,9 milhões de pessoas poderiam se domar aos 15,9 MILHÕES de desempregados que havia em 2008 nos centros urbanos. Claro que estamos lidando aqui com estatísticas extremamente conservadoras e que consideram o trabalho informal uma benção dos céus. Entretanto, os trabalhos informais não passam de um “desemprego ativo”. No Brasil, demissões em rede de frigoríficos já chegam a 7.700. Apesar da ajuda estatal, as montadoras já cortaram 6.000 vagas. Esse é o caminho da crise.
Qual é a solução paliativa, do ponto de vista do capital? Nos EUA uma solução esta sendo o aprisionamento generalizado que é encabeçado pela privatização dos presídios norte-americanos que já tem mais de cinco milhões de presos. Os “supérfluos” sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, nem empregadores e não geravam impostos estavam fadados a exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados do Estado.
Para essas duas contradições do capitalismo em crise não existe solução, nem mesmo aparente. Isso nos permite afirmar que estamos chegando a determinados limites sistêmicos que inviabilizam qualquer forma de deslocamento dessas contradições (antigamente para um país longínquo colonial). Hoje, essa possibilidade esta objetivamente bloqueada. Portanto, não esperemos que a crise vá melhorar daqui alguns meses ou, muito menos, daqui a alguns anos. A conclusão que tiro até hoje é que o destino da crise é ainda piorar consideravelmente como numa espiral decrescente.

A ideologia trabalha na percepção da crise. O desafio da esquerda é, portanto, sobre o significado dela já que o derretimento do sistema financeiro pode ser usada como um “choque” para a aplicação de leis que depreciem ainda mais as condições de existência das classes trabalhadoras. A luta, portanto, é pelo significante “crise estrutural” e a necessidade de transformação radical da sociedade capitalista contemporânea. Para uma política radical, ao contrário dos reformistas, é necessário que se tenha como pauta uma mudança sistêmica radical, por mais árdua e penosa que seja. As lutas pela emancipação estão se atualizando em nosso momento histórico depois das férias do “fim da história”. A pergunta que fica é: ou aceitamos o fim da história da hegemonia do capitalismo global sob o fetiche da democracia liberal como o limite intransponível de vida e ações humanas ou vamos impor uma alternativa NOVA ao fim da história, isso é, o socialismo?

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A Crise Irreversível: por uma política radical

A destrutividade incontrolável da crise estrutural do capital trás a tona algo que muitos pensavam que havia ficado na história: a política radical. Ela volta a rondar os limites do possível, transferindo as aspirações de transformação qualitativa das relações sociais não ao Estado ou ao salvamento do Capital, mas ao próprio corpo social de que surgem as exigências políticas e materiais. Essa política radical se difere daquela posta em prática em maio de 1968 onde o slogan “sejamos realistas, exijamos o impossível” mostra perfeitamente os limites. Exijamos a quem? Ao Estado? Ao Capital? É essa prática histérica de demandar coisas impossíveis que deve ficar na história se a articulação de uma política radical está na ordem do dia. Essa política reformista até pode ser utilizada enquanto o sistema do capital se encontrava em expansão, em sua ascendência história. Hoje, entretanto, com o aprofundamento da crise estrutural do capital da qual as concessões dadas ao trabalho tendem a ser progressivamente usurpadas, a política reformista é essencialmente reacionária já que cria obstáculos a uma ofensiva que não busca “reformar o sistema” ou “salva-lo”. Talvez já seja hora se sabermos que o capital é irreformável e, ainda mais, incontrolável. Não é a toa que, por estarmos imersos numa crise irreversível, não existem soluções visíveis.

A solução que esta sendo colocada em prática é a “hibridização” entre Estado e Capital. Estima-se, por exemplo, que cerca de US$ 30 trilhões foram perdidos em 2009 pelas grandes transnacionais com a desvalorização das ações nas bolsas de valores. O mínimo a se esperar é que essas empresas busquem desesperadamente, não importa os meios necessários, reaverem tais prejuízos. Quem está “salvando” essas empresas não é outro senão o Estado. Estima-se que cerca de US$ 4 TRILHÕES já foram despejados para tal empreendimento e não se sabe quanto mais será necessário para sustentar esses pés de barro do cassino mundial. Como esses números são absurdamente exorbitantes, pensemos numa escala progressiva: “o que você faria se tivesse US$ 1 milhão? E US$ 10 milhões? E US$ 100 milhões? E US$ 500 milhões? E US$ 1 bilhão? E US$ 10 bilhões? E US$ 100 bilhões? E US$ 500 bilhões? E US$ 1 trilhão? E US$ 4 TRILHÕES? Para lembrar, ainda temos o crescimento sem precedentes da dívida pública dos EUA. Até mesmo o presidente do FED, Ben Bernanke, já expressou sua preocupação. Será que ele tem algum motivo? Segundo projeções, em proporção do PIB a dívida esta passando dos atuais 44% para 77% nos próximos quatro anos. Isso significa a monstruosidade de US$ 10 TRILHÕES, oito vezes o PIB do Brasil. O Reino Unido e a Alemanha acompanham esse mesmo processo com, respectivamente, 97% e 72% do PIB. Na questão dos EUA, a China apresenta profundas preocupações já que cerca de 70% das reservas dos títulos do Tesouro norte-americano tem a detenção chinesa. Como se dará esse conflito de interesses interimperialistas?

O que se torna claro é que, diante desses excessivos gastos do Estado para o salvamento das grandes empresas em bancarrota, são os recursos públicos que estão sendo enxugados radicalmente e, dessa forma, qualquer “plano social” para remediar o crescimento exponencial de desempregados, famintos e miseráveis se torna um grande sonho. Hoje, na Espanha, cerca de 18,1% da população esta desempregada. Nos EUA, em abril foram despedidos cerca de 539 mil trabalhadores e em maio 532 mil. Estima-se que o nível de desemprego já atinja em junho 9,3% da população. Outras estimativas dizer que, até o final do ano TODOS OS PAÍSES DO MUNDO terão mais de 10% de desempregados.

Portanto, a questão é: de onde surgiu tanto dinheiro para o socorro do sistema financeiro em questão de meses, senão dias? Essa não é a prova final sobre a impossibilidade de o sistema capitalista ter qualquer interesse em resolver as questões que remetem as necessidades humanas e a participação ativa da democracia como agente desse processo de concentração e centralização de renda? Hoje, os 20% mais ricos do mundo se apropriam de 82,7% da renda, enquanto os 66,6% mais pobres ficam com apenas 6%. Os processos cotidianos de administração da crise não provam que essa estatística não é um acidente de percurso, mas o processo por si mesmo com que se reproduz o capitalismo? E que, ainda mais, é o Estado o facilitador por excelência desse processo? Diante disso, a questão se coloca novamente: “reforma ou revolução?”.

terça-feira, 2 de junho de 2009

A Cruzada Anti-Teórica: o OPORTUNISMO no seio da esquerda

Hoje vivemos numa cruzada anti-teórica, principalmente no campo da esquerda. O que poderia explicar tal debilidade? O que nos levou a considerar a possibilidade de que as idéias não têm uma força material sobre a realidade quando utilizadas com vigor, disciplina e organização? Esse problema não é novo. Como já dizia a musa Rosa Luxemburgo, a principal característica do OPORTUNISMO é a hostilidade à teoria. Daí o esforço de buscar somente resultados imediatos para a emancipação, separando teoria e prática tornando uma independente da outra.

Hoje, o resultado dessa cruzada anti-teórica é a ação pela ação, o movimento pelo movimento. Pela inevitabilidade do Estado (que esta aí para ficar), do Capital (como limite inexorável da história humana) e da democracia (como a fórmula final de governo), se busca uma revolta que não represente nenhuma ameaça efetiva e que tem como objetivo atacar o sistema com demandas histéricas impossíveis, exigências que não visam ser atendidas: “pleno emprego”, “expansão do Estado de Bem-Estar”, “criação de um núcleo de crimes contra a intolerância” etc. Ou como diria o grande reformista no início do século XX, Edouard Berstein, “o movimento é tudo, o alvo nada”. Não é a toa que a crítica de Rosa é que, diante dessa descaracterização da esquerda num reformismo perpétuo, existe uma aproximação com o liberalismo apático e comodista numa crescente integração com a ordem capitalista.

Portanto, contra o apelo à ação “prática” local e modesta, Alain Badiou escreve: é melhor não fazer nada do que contribuir para a invenção de maneiras formais de tornar visível o que o Império já reconhece como existente. Ou como diria Slavoj Zizek, é melhor não fazer nada do que participar de atos localizados cuja principal função é fazer o sistema funcionar mais azeitado (atos como dar espaço a miríade de novas subjetividades etc.). Hoje, a ameaça não é a passividade, mas a pseudo-atividade, a ânsia de “ser ativo”, de “participar”, de mascarar a Nulidade do que acontece. Os que estão no poder muitas vezes preferem até a participação “crítica”, o diálogo, ao silêncio – só para nos envolver num “diálogo”, para garantir o rompimento da nossa agourenta passividade.