segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Onde os flamingos dormem?

Primeiramente vou traduzir uma letra do Dream Theather chamada The Spirit Carries On

O Espírito Segue

Nicholas:
De onde nós viemos?
Porque estamos aqui?
Para onde nós vamos quando morremos?
O que há além
E o que havia antes?
Alguma coisa é certa na vida?

Eles dizem, “A vida é curta”
“O aqui e o agora”
E “Você só tem uma chance”
Mas poderia haver mais,
Eu vivi antes?
Ou isso seria tudo que nós temos?

Se eu morresse amanhã
Eu estaria bem
Porque eu acredito
Que após nós morrermos
Que o espírito segue

Eu costumava ter medo da morte
Eu costumava achar que a morte era o fim
Mas isso foi antes
Eu não estou mais assustado
Eu sei que minha alma transcederá

Eu posso nunca encontrar as respostas
Eu posso nunca entender porque
Eu posso nunca provar
O que eu sei ser verdade
Mas eu sei que eu ainda tenho que tentar

Se eu morresse amanhã
Eu estaria bem
Porque eu acredito
Que após nós morrermos
Que o espírito segue

Victoria:
“Siga adiante, seja bravo
Não chore no meu túmulo
Porque eu não estou mais aqui
Mas por favor nunca deixe
Suas lembranças de mim desaparecer”

Nicholas:
Seguro na luz que me rodeia
Livre do medo e da dor
Minha mente questionadora
Tem me ajudado a achar
O significado na minha vida de novo
Victoria é real
Eu finalmente sinto
Em paz com a garota nos meus sonhos
E agora que eu estou aqui
Está perfeitamente claro
Eu descobri o que tudo isso significa

Se eu morresse amanhã
Eu estaria bem
Porque eu acredito
Que após nós morrermos
Que o espírito segue


Pimeiro ponto: não podemos dizer que essa letra é extremamente hegeliana? Para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer o pensamento de Hegel, peço licença para fazer uma breve explicação sob a forma do meu entendimento do que Hegel entende por Espírito (Geist): sucintamente é a substância como sujeito. Seu clássico Fenomenologia do Espírito é o primeiro livro que faz um julgamento filosófico da história - talvez aqui sua importancia inicial. Hegel situa o Espírito como algo impossível de conhcer-se diretamente. É necessário que exterioze a si mesmo tornando-se "estranho a si mesmo" produzindo dessa forma todas as formas da realidade - pensamento, natureza, história. Depois disso, é necessário reverter a origem para alcancar o conhecimento verdadeiro, a filosofia do espírito absoluto. Resumindo, afastando-se de si mesmo para depois a si mesmo é a forma da Idéia triunfa sob seus limites precedentes sob a forma de negações de negações. Essa é a determinação fundamental do espírito histórico: a de se reconciliar consigo mesmo, e de reconhecer-se a si mesmo na diversidade. Numa forte síntese, diria que para Hegel a evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no em si, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este ser por si. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É em si mesmo contraditório ou em termos mais atuais, antagonista. Bem, acho que estou começando a viajar demais... e a angústia entra aonde? Lembremos, com Lacan, que a angústia não é o medo pela perda de determinado objeto como pensava Freud, e sim a aproximação do objeto-causa do desejo. O que isso tem a ver com o tópico? A angústia signfica exatamente a posição existencial do sujeito onde a orientação de seu desejo se desorienta em relaçao a sua identidade/diferença. Como estar diante de um desejo sem mais forma... Como indica Safatle, se a consciência for capaz de compreender a angústia que ela sentiu a ver a fragilização de seu mundo e de sua sua linguagem como primeira manifestação do Espírito, deste Espírito que só se manifesta destruindo toda determinidade fixa, então ela poderá compreender que este "caminho de desespero" é, no fundo, internalização do negativo como determinação essencial do ser. Não podemos entender a morte dessa forma transcental, portanto? Passando pela angústia da existência, a morte tem um caráter estritamente simbólico de passagem. Não uma passagem corporal para uma outra esfera incognicível, mas como criação de memória para o mundo dos vivos. É claro que o Espírito segue, quer queiramos ou não, para além de nossas espectativas. A morte é negação da vida, estremamente necessária para o Espírito.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre amor e Heidegger

Estou postando um comentário muito interessante de meu amigo Cristiano em relação a meu post "biopolítica da vida cotidiana" e uma resposta logo após.


Como se daria esse "arrancar o ser de seu lugar"? Porque, pensando sob um viés heideggeriano, o Ser-aí é o desde já aberto ao outro Ser-aí - o estar aberto é já estar-junto-a, e já ser-com como o a priori da existência - de modo que essa relação constitui o Ser-com-o-outro próprio de todo Ser-aí. O que eu quero dizer com isso é: como há a possibilidade de um Outro arrancar, pelo amor, o Ser de seu lugar (ou o Ser do Outro de seu lugar), sendo que é propriamente esse lugar (o 'aí' do Ser-aí) que permite a inter-relação entre ambos os sujeitos que compartilham um mundo em comum? Ou você tratou esse "arrancar" sob uma ordem metafórica, como se fosse abertura ou irrupção do sujeito anteriormente fechado à relação amorosa propriamente dita, e que daí entraria na idéia de "empatia" como a "porta por meio da qual um sujeito que se encontra fechado em uma couraça passa de certo modo para o outro lado.(Heidegger)"? Mas, ainda aqui, Heidegger opta pela interpretação de Leibniz, em contraposição a esta idéia de empatia que libertaria a essência do sujeito, quando diz que "os homens não precisam de nenhuma janela [a empatia seria a janela], não porque precisem ir pra fora, mas porque já estão essencialmente fora."
Talvez o arrancar pudesse entrar num terceiro momento, se é que estamos falando da mesma coisa: num primeiro o Ser é o desde já aberto (a priori); a posteriori, o sujeito pode se fechar à manifestação de Outrem [isso é afirmado por Heidegger, mas só num momento a posteriori], mantendo-se recluso; e, por último, este mesmo Outro que clama por resposta (já que a linguagem obriga), arranca o Ser deste Outro de seu casulo fazendo irromper toda a sua plenitude inicial.
Mas aqui, parece, surgiria um novo problema: é o amor uma relação de poder? há, nesse mesmo amor como abertura, uma pseudo-relação entre sujeito-objeto onde prevalece a vontade do primeiro? Caso seja sim a resposta, isso entraria em choque com a filosofia ontológica de Heidegger e a idéia de Ser elaborada por ele. Enfim, não sei se você se baseou em Heidegger (deduzi porque o Zizek parece que trabalha com ele, não?), mas são essas algumas dúvidas que surgiram.



Caro Cristiano, fico muito feliz com seu comentário, muito complexo por sinal. Vou tentar abordar a altura tentando estabelecer ligações sob um paradoxal elogio e uma crítica às posições heideggerianas.

Primeiro ponto: se para Heidegger o Ser é a caserna do ser, quando o ser se distancia do Ser é exatamente quando ele se distancia de outros seres e vice-versa. Parece-me que o Ser-aí esta relacionado com essa dinâmica: o homem é chamado pelo próprio ser e escolhido para sua guarda. Aqui se encontraria a linguagem que seria “a casa do ser. Ao morar nela o homem existe [ek-sistiert], à medida que compartilha a verdade do ser, guardando-a. O que importa, portanto, a definição da humanidade do ser humano enquanto existência [Ek- sistenz], é que o essencial não é o ser humano, mas o ser a dimensão do extático da existência”. Sob essa formulação, podemos dizer que para Heidegger entende que a tarefa do ser humano é guardar o Ser, e corresponder ao Ser. Aqui o ser humano por ser entendido como criatura que fracassou em seu ser-animal ou em seu permanecer-animal. Sob esse fracasso é que existe a virada ontológica... O que queremos dizer com isso? Que algo que Heidegger já havia notado desde 1946 quando clamada por um humanismo, além da sua época, que pudesse dar conta da tarefa de criar condições de estabelecer uma relação positiva entre o ser humano e o Ser, algo que o processo de desenvolvimento da técnica e da própria sociedade industrial tornava cada vez mais distante. É sob esse viés que o amor deve ser entendido, uma busca por uma relação transferêncial de linguagem que aproxime os seres. Aqui a importância do discurso do analista (que é o amor em movimento lingüístico) lacaniano no sentido de fundar uma forma de intercâmbio interhumano que possibilite o trabalho com o sujeito transcendental, o sujeito dividido sob sua falta-a-ser...
Segundo ponto: parece-me que trabalhas com o segundo Heidegger enquanto pessoalmente prefiro o terceiro. Em minha opinião ali existe uma ontologia congelada: vou explicar. Em o Ser e o Tempo Heidegger opta pela não existência de uma distinção entre o indivíduo e a humanidade de qual forma que é possível a existência de um sujeito dessocializado. Seu ponto é liberal no sentido de que, ao invés de afirmar que o indivíduo é “derretido” sob o processo de alienação especificando as condições sócio-históricas do capitalismo, ele “sublima” as relações construídas historicamente e as transforma em “dimensões ontológicas” da Existência. Seguindo nosso autor “a alienação não pode significar que o Dasein esteja facticamente afastado de si mesmo. Pelo contrário, essa alienação o leva a um tipo de Ser que se aproxima da mais exagerada autodissecação tentando a se mesmo com todas as possibilidades de explicação, de modo que as “caracterologias” e “tipologias” que o Dasein provocou já que estão tornando, elas mesmas, algo que não pode ser examinado de uma vez só. Essa alienação isola o Dasein de sua autenticidade e possibilidade, mesmo que seja apenas a possibilidade genuínas de falhar” (Ser e o Tempo, p.222). Aqui podemos ver que as características da alienação da sociedade capitalista são naturalizadas por intermédio de sua ontologia que glorifica a “condição inconsciente da humanidade” como a “estrutura existencial do próprio Dasein”. Heidegger está errado nesse ponto. A ontologia humana é uma ontologia social em constante mutação – lembremos Marx aqui para quem existem sim potencialidades reais de desenvolvimento muito além da “estrutura ontológica-existencial do Dasein” que é exatamente o processo de realização do “indivíduo realmente social” que quando mais se desenvolve menor é o conflito entre indivíduo e sociedade, indivíduo e humanidade, considerando que hoje a grande contradição que permeia o Mundo é, sem dívidas, entre o indivíduo e a Totalidade. Aqui a busca por estratégias socialista de criar mediações que estejam a par dessas contradições. O sonho anarquista é acabar com as mediações. Para Marx, o caminho encontra-se por meio da automediação, mediar-se a si mesmo ao invés de ser mediado por instituições reificadas...

sábado, 27 de dezembro de 2008

A História, por Walmor Marcellino

Tem homem que quer saber
história de outro Homem
Não ouve quando lhe dizem
que Homem é feito de homem
Não ouve nem quer saber
que homem nenhum está só
não faz nem fez história.
Máximo que fez é ter
dum escriba a memória.

História que se escreve
todo dia em qauqluer parte
contém o triste fermento
de cair no esquecimento:
assim se cante de novo
toda história do povo
contra qualquer resistência

Mesmo sendo uma história
que começa só num homem
agarra força e expande
no homem que tem do homem
e todos vemos o mistério
de nossa face no espelho.

Mesmo sendo um episódio
de sangue terra e saque
ele se esende e alcança
em nós o saqueado.

Em nós ampla revolta
cresce levanta e explode
contra todas as bestas.

Esta história que contamos
tem terra esperança e gente.
Terra de lavrar úmida
de intercalar sob as unhas
terra que todos temos
de trsitezas e sonhos.

Uma só mão
rostos variados
vai construindo a vida
com a mesma persistência
ante qualquer resistência.
Com amor e trabalho florece a vida
Sem pedra feijão e sal
não há coisa acontecida.
Com pedra areia e cal
feijão arroz e sal
e trigo no seu moinho
é que o homem faz o mundo
Com pedra trigo e sal
é que o homem faz o mundo
Com pedra trigo e sal
e a justa mira da arma
é que o homem faz a história.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A biopolítica da vida cotidiana

Esse post é uma tentativa de aprofundar algumas questões sobre a biopolítica. Todas essas reflexões tem dívidas que espero que um dia sejam pagas. Agradeço profundamente todos que tem a disponiabilidade de ler esses textos que estão sendo produzidos sob traumáticas perguntas ao Real que causam, com certeza, alguma instabilidade filosófica. Usei aqui, para conseguir melhor expressar os últimos desenvolvimentos filosóficos de ontem, uma conceitualização mais precisa mas, exatamente nesse ponto, que pode possibilitar reflexão mais profunda mas mais inacessível. Resolvi sintetizar o texto e aconcelho a ler com calma.

A biopolítica não é exatamente a redução do sujeito barrado a vida nua, a pura imanência? Ou ainda, a impossibilidade do sujeito se relacionar com o Significante-Mestre não se relaciona com a “crise de investidura” (Eric Santner) onde a identificação existe uma perda da eficácia do sujeito assumir seu mandado simbólico? Nesse sentido, não seria esse exatamente o discurso da Universidade e sua posição “neutra” em relação ao conhecimento dominante hoje? A expansão dos Homo Sacer (Giorgio Agamben) pelo mundo hoje não é legitimado exatamente pelo discurso da Universidade ou, em termos mais precisos, o Homo Sacer não é o sujeito do discurso da universidade? Não seria nesse processo que a interpassividade pode reinar transferindo ao Outro nossa passividade? É aqui, e não em outro lugar, que deve ser colocada a questão da crescente ineficácia do amor hoje, a liquefação dos laços sociais: se amor é violência, pois revoluciona as coordenadas simbólicas desestruturando a realidade entre o sujeito e o objeto pequeno a (fantasia), sob essa crise de investidura que tem como necessidade estrutural a tentativa de legitimar a biopolítica do Homo Sacer hoje sob o discurso da universidade, o fardo da transferência amorosa é renegada. O amor, assim com a revolução autêntica, detém sua violência legitimada por si mesmo, sem precisar da aprovação do Outro. O amor arranca o ser de seu lugar. Portanto, como amar em não-lugares?

Zizek

Aqui está a palestra proferida por Slajov Zizek para o Google. Assim como arroz marroquino, imperdível. Só clicar na palavra Zizek!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

3 Teses sobre o Mundo

Esse texto se deve em parte por discussões com meu amigo filósofo Chrysantho ( www.oeventuario.blogspot.com ), mesmo desconhecendo suas críticas e aprovações em relação ao o que está escrito aqui.


I -A inconsistência do mundo se mostra pela lógica da fantasia. O plano da fantasia que estrutura a realidade do sujeito barrado funciona em relação ao Real – nesse sentido o 0 é o Real para o 1 imaginário e o 2 simbólico. Lacan enfatiza que “O Real suporta a fantasia, e a fantasia protege o Real” (Seminário 11, p. 47). Para a psicanálise lacaniana, a fantasia tem origem na falta de um relacionamento positivo entre o objeto pequeno a (causa-objeto do desejo) de nosso âmago e sua correspondência imediata na realidade fazendo com que se crie uma fantasia onde os desejos sejam realizados e, assim, a tensão seja descarregada. A fantasia é a encenação dada satisfação de um desejo imperioso que não pode ser saciado na realidade por uma impossibilidade tendo como função substituir uma satisfação real impossível por uma satisfação fantasiada possível. Dessa forma, o desejo é então parcialmente saciado sob a forma de uma fantasia criada em sua imaginação. Esse caráter inconsistente da estruturação do sujeito é correlato a estruturação do mundo.
Quando o desejo é reprimido por alguma barreira, existem duas formas de defesa do eu: o recalcamento ou a fantasia. O que ambas levam como resultado é um processo de não saciar a constante inconstante do desejo. Considerando que a transição ao modo de produção capitalista trouxe um recalque das relações de dominação e exploração já que, formalmente, parece que todos os sujeitos são livres, o que restou foram formas de fantasia para sustentar os imperativos existenciais do capital de constante expansão da experiência mercadológica na vida social dando o norte do conteúdo das relações sociais e criando nelas um fetiche primordial onde a mercadoria se torna uma escapatória do sujeito diante da sua falta a ser constituinte derivada de um trauma, de um antagonismo. Essas fantasias que se transformam historicamente pela necessidade de legitimação/ordenamento. Essa a ideologia que estrutura a realidade social, mesmo que muitos queiram denominar os tempos atuais como tempos “pós-ideológicos”.

II - Se, como entende Alain Badiou, o século XX foi baseado numa Paixão pelo Real entre a subtração (isolamento das diferenças mínimas que torna possível a emergência de sintomas que existem na ordem da realidade) e a purificação (desacordos violentos em defesa de falsas realidades), não podemos fechar sua análise a partir do triangulo lacaniano? Se entendermos o Imaginário como a subtração e o Real como a purificação violenta, o Simbólico não estaria na formalização non-sense da realidade? Ou ainda, isso não nos mostra que o Evento está inexoravelmente dentro da ordem do Ser? Nesse sentido, a política radical hoje deve ser uma política do amor por necessariamente imaginar o simbólico do Real. Arrisco dizer que temos como entender o que vou denominar de Real do Mundo pelo uso lógico da natureza do sinthoma apreendendo sua ex-sistência: o Real do mundo é potencial destrutivo que o desenvolvimento industrial-bélico construiu historicamente sob o antagonismo estrutural do capital. É nesse sentido que deve ser entendido o imperativo “socialismo ou extinção” de István Mészáros. O Real hoje é a extinção humana, pois é o impossível que devemos imaginar hoje em relação aos limites do processo de simbolização e desenvolvimento da sociedade capitalista global. Daquilo que se anuncia no simbólico como impossível é que surge o Real.
Devemos nos escandalizar com essa verdade. Se não nos escandalizamos é porque o que sustenta a reprodução dessa tríade global (trabalho – capital – Estado) é o Nome-do-Pai (o significante-mestre) da ideologia liberal tolerante multiculturalista democrática que sustenta a estrutura do desejo com a da Lei.

III - O Evento não pode ser reduzido a uma ordem positiva do Ser que transcende suas causas positivas. Aqui o Evento deve ser entendido como uma quebra radical na ordem do Ser, mesmo que seja interna a sua lógica já que deve estar localizada exatamente na mínima diferença. O Ser nasce no nível da causa do desejo. Aqui colocar-se a ética da psicanálise da qual é descentralizada em relação ao Sentido, pois no discurso do analista o agente pequeno a trabalha com o sujeito barrado a produção de significantes-mestres em busca do saber impossível. Como podemos entender isso em termos de uma política radical hoje? Parece-me que temos apenas uma opção válida hoje: ir além do Real - por uma política do semblante.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Elogio a revolta contra o pacote de ajuda as montadoras

"A Casa Branca anunciou nesta sexta-feira que está considerando a possibilidade de usar parte dos fundos do plano de resgate financeiro, de US$ 700 bilhões, para impedir a quebra dos fabricantes de automóveis em crise, depois que os congressistas não conseguiram acordo para um projeto alternativo". O governo de São Paulo também anunciou uma linha de crédito de R$ 1,2 bilhão para financiar empresas de máquinas e autopeças. Os golpes cleptocratas continuam...
O setor de produção automobilística é um dos grandes motores da reprodução do capital historicamente desde o início do século XX. Apenas a necessidade objetiva e estrutural de uso dos fundos públicos para o salvamento das gigantes General Motors, Ford e Chrysler já não é sintomático em relação aos novos padrões que estão se estabelecendo sob a hibridização do Estado com o capital diante de sua crise estrutural hoje? Se de 1945 a 1968 foram os anos glorisos do capitalismo, a fase que iniciou em meados de 1970 e se fecha em 2008/2009 demonstra os limites historicos do capitalismo que, inevitavelmente por sua lógica de expansão e acumulação, buscará novas saídas de reprodução ALÉM do capital financeiro e do neoliberalismo, dominantes sob a etapa de desenvovimento durante os últimos 40 anos. Uma volta é impossível. Usando do reducionismo, não existe volta das forças produtivas. Qual será a nova tentativa de buscar novos nichos de reprodução? Ou ainda, mais importante, as rebeliões do devir conseguiram dar respostas satisfatórias rumo a superação radical do metabolismo global do capital diante da atual crise que mostrase apenas nas primeiras etapas? Arrisco até dizer que estão voltando os fantasmas das rebeliões e das revoluções diante da crescente intensidade da violência objetiva que (des)estrutura a realidade global hoje.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Entrevista com Giorgio Agamben

A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é, na verdade, regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade." Esta afirmação programática de Walter Benjamin resume bem o que anima o projeto intelectual de Giorgio Agamben nos últimos anos.
Responsável pela edição italiana das obras completas de Benjamin, ex-aluno de Heidegger, autor, juntamente com Deleuze, de trabalhos sobre teoria literária e filosofia, este professor da Universidade de Verona, nascido em 1942, é atualmente um dos filósofos mais importantes de sua geração.
Uma das razões para tanto é, para além da multiplicidade de seus objetos de interesse, sua capacidade em fornecer um quadro de análises para a situação sócio-jurídica que marca a política contemporânea.
Partindo das vias abertas por Michel Foucault [1926-1984] por meio das análises dos mecanismos de normatização da vida na sociedade contemporânea, Agamben vem desenvolvendo um amplo estudo sobre os desdobramentos dos dispositivos do poder em vários livros que compõem a série "Homo Sacer".
No cerne de tal projeto está a compreensão da centralidade do estado de exceção enquanto paradigma de funcionamento das estruturas jurídicas que procuram normatizar o campo da política e da ação social. Que o espectro da "suspensão legal" da lei, que este reconhecimento da lei que pode conviver com sua própria suspensão seja o "motor imóvel" das democracias contemporâneas: eis algo que Benjamin indicara, mas que Agamben soube explorar como ninguém antes dele.
Contribuiu para isso o estado atual do mundo, onde os governos são cada vez mais marcados pela lógica da segurança e da guerra infinita. O mesmo curso que levou Agamben a recusar-se a lecionar nos EUA a fim de protestar contra a política de segurança norte-americana.
Para ele, os Estados contemporâneos -especialmente os EUA-, mais do que garantidores e administradores da ordem, são máquinas de produção e gestão da desordem -que permitem intervenções que lhes dão legitimidade e poder. Agamben compara o mecanismo ao princípio teológico da Providência -segundo ele, a teoria do "governo divino" do mundo.
"O que define a ação providencial é que, na verdade, ela não se impõe do exterior, mas funciona deixando agir a natureza mesma das criaturas que, desta forma, continuam responsáveis pelos seus pecados", ele afirma.
Mas ao analisar o problema do estado de exceção, o filósofo italiano não procura apenas dar conta de uma situação jurídico-política que parece se impor como regra cada vez mais universal para as sociedades contemporâneas. O que ele tem em mente é, na verdade, a crítica a uma tendência hegemônica na modernidade em vincular razão e norma, racionalidade e normatização da vida. Com isto, abre-se um amplo quadro de questões vinculadas à reorientação das expectativas da razão moderna e de seus modos de racionalização. É neste quadro que Giorgio Agamben se move. No Brasil já foi traduzida uma grande parte de obra que envolve Estâncias onde decorre sobre a cultura ocidental e poesia a partir de Marx, Baudelaire, Freud etc; Infância e História onde o autor tenta criar uma conceitualização de sujeito transcendetal a partir das contribuições da filosofia da linguagem no século XX apontando a ligação direta entre infancia, história, verdade e linguagem (ainda não terminei esse livro); Homo Sacer onde começa a delinear seu último projeto de entender a morfologia do poder e da violência hoje; Estado de exceção que desenvolve e aprofunda as linhas já escritas em Homo Sacer; Linguagem e morte que não li; O que resta de Auschwitz que busca narrar o inarrável da Shoah a partir do inumano, o "muçulmano"; e profanações onde busca, a partir de 10 breves ensaios, fazer indagações sobre a filosofia contemporânea a partir do sagrado, do profano, dos processos de subjetivação e desubjetivação etc. Por ser um dos norteadores do pensamento hoje, tudo isso já diz por si só o tamanho da importância do pensamento desse italisno. Aqui será postado uma entrevista dele com Vladimir Safatle:



Safatle - O senhor possui atualmente um vasto campo de trabalho no interior do qual se cruzam estética, teoria da literatura, filosofia política, psicanálise, história e filosofia do direito. O senhor é também o responsável pela edição italiana da obra de Walter Benjamin. Há questões comuns que orientam sua incursão nestes múltiplos campos de interesse?
Giorgio Agamben - A lógica que guia minha pesquisa não é a lógica da substância e do território separado com fronteiras bem definidas. Ela está mais próxima do que, na ciência física, chamamos de um "campo", onde todo ponto pode a um certo momento carregar-se de uma tensão elétrica e de uma intensidade determinada. Filosofia, política, filologia, literatura, teologia, direito não representam disciplinas e territórios separados, mas são apenas nomes que damos a esta intensidade.
A configuração do que você chama de meus "múltiplos campos de interesse" depende pois da contingência capaz de determinar uma tensão na situação histórica concreta em que me encontro. De resto, trata-se do que, há um tempo atrás, era o mínimo esperado de uma pessoa culta -este a quem Nietzsche chamava "um bom europeu".
Não devemos esquecer, por exemplo, que é impossível haver filosofia sem filologia, da mesma forma como é impossível teoria sem história. Para mim, assim como para Foucault, a investigação histórica do passado é apenas a sombra da interrogação histórica sobre o presente. E atualmente, mais do que nunca, a arqueologia é a única via de acesso ao presente.
Safatle - Qual é a trajetória de pesquisa que o levou a identificar, no estado de exceção, o fenômeno jurídico maior na compreensão da normatização da vida contemporânea?
Agamben - Primeiramente, gostaria de lembrar que, atualmente, o direito é, de fato, um dos meus principais canteiros de trabalho. O outro é a teologia. Qual a razão desta escolha? Eu poderia responder -e isto não seria necessariamente uma brincadeira- que o direito e a teologia são os dois únicos domínios nos quais Foucault não trabalhou realmente, o que me dava uma certa liberdade.
Mas a verdade é que não é possível atualmente pensar a política e sua história sem se engajar em pesquisas arqueológicas que articulam o direito e a teologia. Não digo isto por acreditar em alguma espécie de primado destas disciplinas. O fato é que no interior dos mecanismos e relações de poder, conceitos jurídicos e teológicos continuam a agir de maneira mais ou menos consciente, e são seus funcionamentos e efeitos que me interessam.
Creio que Foucault tinha razão ao dizer que queria deixar de lado os ditos "universais" (o Estado, a Lei, a Soberania, o Poder), a fim de analisar o processo concreto e os dispositivos que realizam as relações de poder. Desta forma, ao trabalhar sobre o estado de exceção, não se tratava para mim de responder a questões como: "O que é o direito?", "o que é o Estado?", mas de procurar compreender o modo por meio do qual a máquina político-jurídica funciona.
Ou seja, não parto de questões como: "O que é e o que não é legal?", ou mesmo "o que é e o que não é justo?", mas "como se realiza a relação entre violência e direito?", "como é possível desativar tal relação?". Descobrir que o estado de exceção era, por assim dizer, o motor imóvel da máquina jurídica ocidental foi para mim muito instrutivo.
Safatle - O senhor diz, em "Estado de Exceção", que devemos pensar a política para além do jurídico. Mas, se em nossas sociedades democráticas, como o senhor afirma, o estado de exceção é a regra, isto significaria que não há mais espaço político no interior do sistema parlamentar de representação? E, se devemos pensar a política para além do jurídico, devemos então abandonar a aspiração moderna de constituição de um Estado Justo?
Agamben - Veja, sua pergunta sobre qual seria a constituição de um Estado Justo me parece abstrata e, como tal, realmente não me interessa. Não se trata mais, como era ainda legítimo na época de Rousseau, de escrever a Constituição da Polônia ou da Córsega. Deixo esta questão para os juristas criminais que acreditam poder escrever a Constituição democrática do Iraque. Ou aos tecnocratas ingênuos que acreditaram poder escrever a Constituição européia sem se perguntar se havia, em algum lugar, um poder constituinte que os autorizava. Pois é a própria relação entre política e direito que deve ser questionada. Problema este que a tradição marxista sempre negligenciou por acreditar que o direito, em última instância, era um instrumento neutro do qual poderíamos nos servir sem problemas.
De fato, nossa concepção de democracia ainda está muito dominada pelo paradigma do Estado de Direito, ou seja, pela idéia de que podemos estabelecer um quadro constitucional e normativo a partir do qual uma sociedade justa advém possível. Mas minhas pesquisas me mostraram que o problema fundamental não diz respeito à Constituição ou à lei; diz respeito ao governo.
Rousseau ainda acreditava ser capaz de liquidar o problema do governo ao vê-lo como poder executivo, como potência que "executa" o que a vontade geral estabeleceu. Trata-se de uma ingenuidade imperdoável. O verdadeiro ponto misterioso da política ocidental não é o Estado, não é a Constituição, não é a soberania, mas o governo. Não o soberano, mas o ministro. Não o legislador, mas o funcionário.
A pesquisa na qual estou atualmente engajado diz respeito exatamente à tentativa de compreender o modo por meio do qual a máquina governamental ocidental funciona. Trata-se de olhar a política e o direito a partir de uma nova perspectiva na qual as hierarquias se invertem e o poder considerado executivo -a "polícia", no sentido lato- advém o problema central. Mas, mesmo aqui, não faço mais do que alargar o trabalho de Michel Foucault.
Safatle - O sr. diz ainda que a declaração clara do estado de exceção está sendo substituída paulatinamente pela generalização do paradigma de segurança como técnica normal de governo. Os EUA seriam, no seu ponto de vista, um caso exemplar?
Agamben - Em um de seus cursos no Collèqe de France, Michel Foucault mostrou como funciona a segurança enquanto paradigma de governo. Para Quesnay, Turgot e os ministros fisiocratas, que nesta matéria foram os primeiros, não se tratava, por exemplo, de prevenir as grandes penúrias, mas de deixá-las ocorrer para, em seguida, dirigi-las e orientar os modos de atravessá-las. A segurança como paradigma de governo não nasce para instaurar a ordem, mas para governar a desordem. É neste sentido que a segurança, juntamente com o estado de exceção, é o paradigma fundamental da política mundial. Como disse um funcionário da política italiana durante as investigações judiciárias que se seguiram às mortes na manifestação antiglobalização em Gênova: "O Estado não quer que imponhamos a ordem, mas que administremos a desordem".
Parece-me evidente que este é o princípio que guia, particularmente, a política exterior norte-americana, mas não apenas ela. Trata-se de criar zonas de desordem permanente ("zones of turmoil", como dizem os estrategistas) que permitem intervenções constantes orientadas na direção que se julgar útil. Ou seja, os Estados Unidos são hoje uma gigantesca máquina de produção e gestão da desordem.
É curioso como tudo isto se encontra em um dos paradigmas teológicos que tenho trabalhado: este que diz respeito à doutrina da Providência. Os conceitos de ordem e segurança foram elaborados como paradigmas de governo, pela primeira vez, no interior desta doutrina. Não devemos esquecer que a Providência ocupou a mente de filósofos e teólogos por quase 15 séculos, dos Estóicos até São Tomás, de Plutarco a Leibniz, de Boécio aos fisiocratas. A teoria da Providência não é outra coisa que a teoria do governo divino do mundo, ou seja, do melhor governo possível.
Por isto, a Providência não opera de modo violento ou miraculoso, mas, tal como nos governos democráticos, ela precisa do livre-arbítrio dos indivíduos. O que define a ação providencial é que, na verdade, ela não se impõe do exterior, mas funciona deixando agir a natureza mesma das criaturas que, desta forma, continuam responsáveis pelos seus pecados. A Providência é, neste sentido, um paradigma da democracia moderna e não é surpreendente que ela tenha influenciado profundamente um pensador como Rousseau. O Estado moderno, no que ele tem de melhor quanto de pior, provém deste Estado-Providência.
Safatle - O senhor fala, ao final de "Estado de Exceção", a respeito da necessidade de abrirmos espaço a uma "violência pura" capaz de expor e de cortar o vínculo entre violência e direito. Esta idéia de "violência pura" é algo como uma idéia reguladora ou o senhor tem em mente situações revolucionárias concretas que teriam o valor de paradigma?
Agamben - É importante precisar o que devemos entender por "pura" quando se fala de violência. Não se trata, em absoluto, de um caráter ou de uma propriedade substancial próprio a certos tipos de atos violentos, isto em detrimento de outros. Como Benjamin disse muito claramente, a pureza de um ser ou de uma coisa nunca reside neste próprio ser, nunca está na origem, mas depende da relação entre este ser e algo de externo. No nosso caso, trata-se do direito.
Benjamin definia como "pura" esta violência que quebra a relação entre violência e direito. Não se trata aqui de uma "violência criadora" (como é o caso, por exemplo, do poder constituinte que cria um novo direito), mas de uma violência que interrompe e depõe o direito. Por outro lado, não se trata de uma idéia reguladora.
O que está realmente em questão é, na verdade, a possibilidade de uma ação humana que se situe fora de toda relação com o direito, ação que não ponha, que não execute ou que não transgrida simplesmente o direito. Trata-se do que os franciscanos tinham em mente quando, em sua luta contra a hierarquia eclesiástica, reivindicavam a possibilidade de um uso de coisas que nunca advém direito, que nunca advém propriedade.
E talvez "política" seja o nome desta dimensão que se abre a partir de tal perspectiva, o nome de livre uso do mundo. Mas tal uso não é algo como uma condição natural originária que se trata de restaurar. Ela está mais perto de algo de novo, algo que é resultado de um corpo-a-corpo com os dispositivos do poder que procuram subjetivar, no direito, as ações humanas.
Por isto, tenho trabalhado recentemente sobre o conceito de "profanação" que, no direito romano, indicava o ato por meio do qual o que havia sido separado na esfera da religião e do sagrado voltava a ser restituído ao livre uso do homem.

Ninguém entendeu um Mod. Parte 1: o excesso da modernidade

Essa é uma postagem de meu amigo Chrisantho http://oeventuario.blogspot.com/ Como não me importo com a opinião dele sobre roubar postagem simplesmente roubei e postei aqui para todos verem esse primor da crítica hoje.


Foi Žižek quem afirmou que as figuras de Martin Luther King e dos episódios de maio de 68 foram cooptadas pela ideologia do liberalismo multiculturalista contemporâneo.

Para ele, Martin Luther King não teve um simples sonho de tolerância racial, mas um sólido projeto político de esquerda, utópico, que envolvia uma crítica político-econômica do capitalismo e da democracia liberal.

Assim como os episódios de maio de 68 não representaram uma simples revolução em nome do slogan "sexo, drogas e rock and roll", ou melhor, o próprio slogan continha nas entrelinhas um projeto político emancipatório crítico, de esquerda.

As imagens equivocadas destas figuras são produto de uma (des)apreensão, no sentido žižekiano do termo, dos fenômenos reais pela fantasia estruturante da ideologia multiculturalista e arrisco dizer que o mesmo se passa com a cena Mod.

Além de uma simples tribo urbana com gostos para roupas e músicas compartilhados por seus membros, existe uma mensagem política que precisa ser apreendida. Não creio que o termo Mod se refira à expressão modern rockers, mas, num sentido muito mais radical, penso estar ele relacionado ao termo modernists e aqui, os vínculos com a própria modernidade podem servir de rica matiére a pensére.

Žižek aponta, apoiado pela psicanálise, nos filmes de Hitchkock uma interessante transformação: a maneira como, nos anos 60, seus filmes deixam de lado a figura simbólica do pai e passam a se focar no superego materno. Para o filósofo esta transformação é crucial para a compreensão da crise da modernidade uma vez que ela se pauta na desintegração das famílias tradicionais burguesas bem como do Estado-Nação. O desaparecimento da figura paterna no espaço doméstico e a desintegração da figura paterna no espaço público.

Isto quer dizer que os sujeitos que surgem neste contexto têm grande dificuldade em lidar com mandados simbólicos, significantes mestres em seu não-senso. Não custa lembrar que Žižek aponta esta como a característica principal do sujeito "pós-moderno", que constantemente é chamado, desde criança, a se politizar no espaço doméstico e a se despolitizar, ou se infantilizar, no espaço público. Crianças têm a oportunidade de participar das decisões familiares, mas adultos não podem participar das decisões políticas cruciais aceitando cinicamente a democracia liberal como "verdade", ainda que saibam que ela não funciona.

Pois bem, minha hipótese é que este panorama está umbilicalmente ligado ao surgimento da cena (ou movimento?) Mod: os órfãos da guerra que não mais se identificam com sua nacionalidade, mas com o grupo de jovens que compartilham dos mesmos gostos e hábitos.

Quando o Estado-Nação, que como Žižek aponta, organiza a fantasia em torno dos nossos desejos pessoais por meio dos mitos nacionais, e portanto cria os nossos hábitos e gostos nacionais, se desintegra, rivalidades, violências e intolerâncias não se dão mais entre diferentes nacionalidades, mas entre diferentes grupos artificialmente formados. Não é o caso do fatídico episódio de 64 em que Mods e Rockers se confrontaram até a morte na praia de Brighton?

A estética e o comportamento Mod também tem íntima relação com a modernidade: uma aparência burguesa civilizada (e levemente subvertida, é verdade) conjugada com um comportamento agressivo e transgressor. Não é esta precisamente a cara da Modernidade? Uma empreitada aparentemente racionalizadora e civilizadora que esconde uma dinâmica violentíssima de subversão dos costumes tradicionais de todas as localidades ao redor do globo?

Parece, portanto, que a desintegração da figura paterna permitiu que este excesso constitutivo da modernidade viesse à tona personificado na cena Mod. E talvez esta dimensão deva ser resgatada para nos questionarmos o significado político desta aparição e inclusive da cultura que se forma nas duas últimas décadas na cidade em que vivo, Curitiba. Se é bem verdade que, ao menos nas músicas, houve pouca referência da cena Mod a posturas políticas abertamente de esquerda, a arte produzida foi extremamente transgressora, violenta e com a mesma pretensão universalizante. Não seria a hora de discutir o potencial universalizante desta cultura e porque e para que ela ressurge precisamente em São Paulo da década de oitenta e no sul do Brasil em meados da década de noventa?