sábado, 23 de maio de 2009

Era do Acesso: a utopia liberal hoje

Para Jeremy Rifkin, autor do best-seller A Era do Acesso, as bases da vida moderna estão começando a se desintegrar. O sistema capitalista esta desmantelando seu modus operandi se reinventando na forma de redes e começando a deixar os mercados para trás. Essa seria uma daquelas “estranhas guinada da História”(?). Estranha mesmo! “O ato de alienação da propriedade – a troca negociada entre vendedor e comprador – que é o cerne do que constituiu um sistema de mercado, é menos freqüente. Transformar um relacionamento entre partes em commodity para acessar e partilhar propriedades tangíveis e intagíngeis é a essência da abordagem baseada em rede à vida comercial” (p. 47). A alienação dos meios de produção ficou numa história arcaica de uma era em que o capitalismo ainda era baseado na materialidade de suas relações. Agora, nada mais disso existe já que a força propulsora seria o acesso.

Por isso, as batalhas ideológicas, as revoluções e a guerra estão esmorecendo lentamente na aurora de uma nova constelação de realidades econômicas que estariam nos levando a repensar os tipos de vínculos e limites que irão definir as relações humanas no século XXI. Nessa realidade os mercados cedem lugar às redes e a propriedade é substituída rapidamente pelo acesso. A propriedade, mesmo continuando existindo, seria bem menos trocada em mercados. Os mercados permanecem, mas seu papel é cada vez menor nos negócios humanos. O coração da vida industrial, a posse de capital fixo, torna-se cada vez mais marginal sendo uma mera despesa operacional, algo que é emprestado em vez de adquirido. Os verdadeiros itens de valor de troca (sua força propulsora) passam a ser conceitos, idéias e imagens. Nessas transformações os detentores do capital intelectual exercem o controle sobre as condições e os termos pelos quais os usuários asseguram o acesso a idéias, conhecimento e experiências críticas, deixando para trás a era dos mercados onde as instituições que detinham o controle do capital fixo exerciam um controle crescente sobre a troca de bens entre vendedores e compradores. O processo de concentração e centralização ficou na historia da era moderna do desenvolvimento material do capitalismo. Rifkin ainda enfatiza que a propriedade é lenta demais para se ajustar a nova velocidade de uma cultura veloz onde praticamente tudo é acessado. Essa abordagem necessita de um mínimo aporte marxista: a propriedade não se desmaterializa com o acesso contínuo. A propriedade expande radicalmente seu campo de ação para a esfera “imaterial” pelo bloqueio objetivo de sua expansão “material”. Nesse processo, o campo “imaterial” se estabiliza entrando numa dialética com o “material”.

Para Rifkin, essa transformação da propriedade em acesso faz parte de um processo de transformação na natureza do sistema capitalista. Estamos passando da produção industrial para a produção cultural: “um comércio de ponta no futuro envolverá o marketing de um vasto arranjo de experiências culturais em vez de apenas tradicionais bens e serviços industriais. A viagem e turismo global, parques e cidades temáticos, centros de entretenimento, bem-estar, moda e culinária, esportes e jogos profissionais, música, filme, televisão e os mundos virtuais do cyberespaço e o entretenimento mediado eletronicamente de todo tipo estão se tornando rapidamente o centro de um novo hipercapitalismo que comercializa o acesso a experiências culturais” (2001, p. 6). Para quem é a era do acesso? Aonde nesse processo o capitalismo transformou sua natureza é uma pergunta que deve ser feita já que é exatamente o capitalismo que possibilita essa explosão onde economia e cultura não se diferenciam mais. Portanto, a visão de Rifkin não é a utopia liberal que liberta o capitalista da propriedade? Estaríamos fazendo a transição a uma economia da “experiência” onde a própria vida de cada pessoas se torna, de fato, um mercado comercial. Isso não mostra a incapacidade inexorável do capital em produzir qualquer tipo de planejamento social?


Para Rifkin, as redes eletrônicas onde um número crescente de experiências humanas é comprado são controladas por algumas empresas transnacionais de mídia que possuem as linhas de comunicação. É uma nova forma do monopólio comercial global onde as questões do pode institucional e liberdade se torna mais descartáveis do que nunca. Nesse panorama, a tarefa política no novo século é restaurar um equilíbrio entre o âmbito cultural e o âmbito comercial já que os recursos culturais sofrem o risco uma exploração excessiva. Seria necessário, portanto, encontrar um meio sustentável de preservar e incentivar a diversidade cultural para a sustentação da economia de rede global que é cada vez mais baseada no acesso pago a experiências culturais. Novamente, ao desconsiderar o caráter irreprimível do capital econômico, sua idéia de sustentação entre os pólos não passa de uma fantasia.

Para Rifkin, o produto cultural representa o estágio final do estilo de vida capitalista. Aqui Rifkin deve ser entendido numa tríade com Fukuyama e Huntington: o choque de civilizações é o fim da história já que o capitalismo na era do acesso faz com que a produção cultural seja o estágio final da civilização humana. O que sustenta essa tríade é, para Rifkin, a automatização da indústria onde máquinas inteligentes substituem a mão-de-obra humana, a verdadeira passagem a era do acesso.

Se acessar diz respeito a distinções e divisões, é necessário enfatizar que na divisão social e digital do trabalho existe um bloqueio estrutural do acesso ao controle dos meios de produção industrial e intelectual. A luta pelo acesso é a luta capitalista no século XXI. É daí que devem advir os conflitos interimperialistas do capitalismo digitalizado.

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