Na década de
1990, os países latino-americanos, em sua grande maioria, adotaram práticas de
cunho neoliberal em seus sistemas sócio-econômico, político e ideológico. Além
do Chile, Bolívia, México, Argentina e Venezuela, países pioneiros na
implantação do regime, o neoliberalismo surge no Brasil em momento crítico à
política nacional-desenvolvimentista. Após a crise da dívida, diversas
tentativas de estabilização inflacionária, fracassos dos planos econômicos, o
projeto neoliberal vai ganhando espaço político no país.
No Brasil, o
neoliberalismo nasce associado à abertura econômica e à democratização,
culminando com a derrota do protecionismo e com a diminuição dos direitos
trabalhistas provenientes do populismo. As orientações neoliberais foram
acolhidas por amplos setores da sociedade brasileira, de governantes e
empresários a lideranças do movimento popular e sindical e intelectuais. Embora iniciada desde a década de 1980, as medidas
neoliberais tiveram no Brasil sua maior ofensiva durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso.
Com
o esgotamento deste projeto anti-democrático e anti-popular, veio a eleição de
Lula para Presidente do Brasil. Sem uma
estratégia pré-definida, Lula buscou avançar pelas linhas de menor resistência.
Durante seus mandados (2003 – 2010), o governo Lula manteve-se na
defensiva, muito acuado pela oposição que perdia suas bases sociais, mas que
era amplificada pela mídia hegemônica.
Como principais
tarefas domésticas, centrou seu governo na utilização das forças capitalistas predominantes no
país para desenvolver a indústria, a agricultura e os serviços, reconstruir a
infra-estrutura de energia, transportes e comunicações e a infra-estrutura
urbana, estimular a criação de novos empregos, criar mecanismos de
redistribuição de renda e de democratização da propriedade agrária além de dar
maior musculatura ao mercado interno brasileiro. Para isso a estratégia
governamental é de estimular o desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo em
que aproveita essa aliança com setores da burguesia nacional e internacional
para adotar mecanismos de “democratização do capital”, multiplicação das formas
de propriedade e produção (estatais, públicas, solidárias, etc.) e instrumentos
mais efetivos de redistribuição constante da renda e de elevação do poder de
compra e da educação das camadas mais pobres da população.
É possível afirmar que ainda não ocorreu uma reversão completa
do caminho trilhado pelos governos neoliberais, por mais que algumas mudanças
importantes tenham ocorrido. Passamos da estagnação para o crescimento econômico. Saímos da
privatização das empresas públicas para a consolidação das empresas estatais,
que sobraram do processo de privatização, e para as parcerias público-privadas,
com concessões ao setor privado. O desmantelamento do planejamento estatal foi
deixado de lado e há um processo de retomada do planejamento macroeconômico e
macro-social.
Mas o que dizer agora do governo Dilma em relação ao
desenvolvimento deste projeto pós-neoliberal? Isso considerando o momento da
conjuntura internacional de crise generalizada do neoliberalismo, desmonte da
oposição política da direita as orientações do governo e uma parcial defensiva
da mídia hegemônica. Sem contar a pequena margem de manobra dos partidos aliados
para pressionar o governo e desgaste no Legislativo. Qual projeto pode unificar
os diversos setores contraditórios que a levaram ao governo?
Podemos enumerar alguns pontos prioritários que requerem medidas
adequadas neste programa pós-neoliberal, que apontam planos para a
industrialização, superação de seus gargalos na produção, distribuição, consumo
interno, logística, infra-estrutura etc., além de identificar os setores
considerados estrategicamente “especiais” para o desenvolvimento do Brasil. Para
isso é necessário passar cada vez mais da defensiva
para a ofensiva política no tratamento das relações com o sistema
financeiro. Nesse plano, aponta-se a maior participação das empresas estatais, em especial nos setores estratégicos, estímulos para as micros e pequenas empresas privadas, urbanas e rurais, inclusive com ampliação do comércio exterior. O que não significa abandonar a política de reforço das empresas privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o mercado mais caótico do que normalmente é.
financeiro. Nesse plano, aponta-se a maior participação das empresas estatais, em especial nos setores estratégicos, estímulos para as micros e pequenas empresas privadas, urbanas e rurais, inclusive com ampliação do comércio exterior. O que não significa abandonar a política de reforço das empresas privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o mercado mais caótico do que normalmente é.
1)
Adotar
políticas macroeconômicas coerentes, que mantenham a inflação baixa, utilizem
os juros para incentivar os investimentos e tratem do câmbio como instrumento
de política de desenvolvimento industrial. A política de crescimento
necessita se transformar em política de desenvolvimento industrial, científico
e tecnológico junto com políticas de apoio à existência de formas econômicas
capitalistas, micro e pequenas empresas, além do reforço da propriedade
estatal, pública e solidária. Como salientou Wladimir Pomar, a decisão de rebaixar os juros cobrados por essas
empresas, em especial o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal,
representou o primeiro tiro direto no pior inimigo do desenvolvimento econômico
e social brasileiro. Até que ponto o governo está preparado para sustentar a
disputa com esse monstrengo, não se sabe ainda. A reação inicial da fera,
embora ainda soft, foi de uma desfaçatez total, exigindo compensações do poder
público, como se fosse um miserável à míngua.
2)
Concentração dos investimentos estatais em áreas estratégicas e elevação
da taxa nacional de investimentos para 25% a 30% do PIB, levando em conta
a instalação de plantas de fabricação dos setores produtivos estratégicos
que possam aplicar às terras-raras brasileiras em processos e produtos de
cadeias produtivas do mais alto valor agregado como na aeronáutica,
automobilística, carros elétricos, defesa, softwares, tablets, além do
desenvolvimento de investimentos em áreas relacionadas a biogenética;
biotecnologia; nanotecnologia; biomassa; energias renováveis; indústria
aeroespacial (um projeto de satélite para internet comum sul-americano?); o
setor de base química, envolvendo a indústria farmacêutica, de vacinas,
hemoderivados e reagentes; o setor de base mecânica e eletrônica, envolvendo as
indústrias de equipamentos médico-hospitalares e de materiais médicos; o setor
de serviços, envolvendo de hospitalar, laboratorial e serviços de diagnóstico e
tratamento; serviços de telecomunicações e infra-estrutura digital a partir do
desenvolvimento da banda larga (comunicações, ópticas, wireless e comunicações
por rádio e satélite) com ou sem fio para abrir caminho para provedores de
serviços multimídia como áudio e vídeo, teleconferência, jogos interativos e
telefonia de voz sobre IP (VoIP), sistemas avançados de acesso à banda larga
como o FTTH e VDSL (very high data rate digital subscriber loop), TV de alta
definição (HDTV) e vídeo sob demanda (VoD).
3) Políticas de construção de uma
infra-estrutura moderna, sobretudo de malha ferroviária que cubra o território
nacional, montagem dos meios para estender a navegação fluvial e de cabotagem e
edificação de portos, hidrelétricas, sistemas de transportes integrados etc. A
expansão dos investimentos em infra-estrutura está ligada ao desenvolvimento
industrial, seja como fonte de demanda importante para sistemas industriais de
insumos básicos e bens de capital seriados e sob encomenda ou enquanto um fator
de competitividade que permite a redução de custos de produção, logística,
transporte, distribuição e comercialização, além de ter um forte impacto sobre
o desenvolvimento regional, integrando e promovendo novos mercados. O
vetor de demanda doméstica pode ser também uma alavanca poderosa para promover
a reestruturação competitiva de setores e atividades industriais, tanto através
do reforço das economias de escala empresariais quanto da intensificação do
processo de inovação e difusão tecnológica. Para isso é necessário aprofundar
medidas de distribuição de renda, cujos ramos principais são a poupança para a
reprodução ampliada do processo produtivo, os salários, a educação, a saúde e
as demais demandas sociais.
4) Articular política de exportação e
importação. No plano externo, ao se consolidar como um dos maiores exportadores
globais de alimentos, fornecimento de energia e de commodities minerais e
metálicas, o Brasil deverá aprofundar sua integração ao sistema de produção e
de consumo asiático com uma ampla cadeia logística de serviços, fornecimento,
armazenagem, distribuição e transporte. É necessário elaborar políticas que
guiem os investimentos estrangeiros, impulsionando o adensamento das cadeias
produtivas industriais e apenas aceitando os empreendimentos com novas ou altas
tecnologias, associando-se em joint venture com empresas estatais ou
cooperativas. Também é crucial uma política de importações que facilite a entrada
de mercadorias que contribuam ao desenvolvimento industrial e científico. Sem
regras claras para investimentos e importações que busquem elevar as cadeias
produtivas nacionais, as empresas brasileiras não conseguirão disputar os
caminhos competitivos do mercado mundial.
É
crucial elevar o adensamento das cadeias produtivas e da infra-estrutura com
maior participação das empresas nacionais nos setores monopolizados por
empresas estrangeiras e investimentos na construção de parques industriais
de alta tecnologia, elevar os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento para
o patamar de 2% do PIB como via da política industrial, transformando a
inovação em efetiva alavanca do desenvolvimento nacional. Para que isso ocorra
é necessário incrementar os investimentos estratégicos, focando nas mudanças
tecnológicas de produtos e processos, nas mudanças no padrão de concorrência da
indústria e em investimentos focados em preencher novos mercados diante das
tendências de relocalização industrial e de gestão da cadeia de valor em nível
global, seja no espaço brasileiro, com a transferência de pólos de produção de
outros países para o Brasil, seja no movimento de internacionalização das
grandes, médias e pequenas empresas brasileiras.
5) Uma estratégia nacional de
internacionalização das empresas nacionais, com intensa participação de
agências estatais e do governo de forma direta e indireta. Estas empresas
estarão alinhadas com certas prioridades do país. Atividades da Apex-Brasil
como os centros de distribuição em Dubai, Frankfurt, Lisboa, Miami, Varsóvia
são importantes e devem se expandir para outros locais na África, Ásia e
América Latina. Mais escritórios de cooperação internacional devem ser criados
em diferentes cidades de países com os quais o Brasil possui uma relação
estratégica. Isso junto com assessoria para ajudar exportadores a colocarem
seus produtos no mercado internacional, por terceirização ou incorporação
técnica do comércio exterior, com inteligência comercial para dividir
informações relevantes para tomada de decisões de investimentos em mercados
específicos. Deve-se também ampliar as secretarias especializadas em comércio
exterior em nível regional, estadual e municipal. O BNDES também desempenha um
papel fundamental no financiamento de operações estrangeiras das empresas
nacionais, devendo se ampliar para o médio capital, criação de bases no
exterior e financiamento de plantas industriais que utilizem insumos, partes,
peças ou componentes importados do Brasil.
A
internacionalização deve ser considerada um instrumento essencial para a
sobrevivência das firmas no próprio mercado doméstico e não apenas como a busca
de novos mercados no exterior. A principal motivação para a internacionalização
deve ser o aumento de competitividade. Os benefícios não se restringem apenas
às empresas: a necessidade de políticas de apoio deliberado à
internacionalização se justifica pelos ganhos gerados para o país como um todo
a partir do aumento das exportações, geração de divisas e acesso a novas
tecnologias. É por isso que as ações pontuais devem se consolidar numa política
de internacionalização de empresas, envolvendo o BNDES, CADE, SDE, Apex-Brasil,
o Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior e até mesmo Petrobrás e Eletrobrás. Nessa linha, também é
crucial fortalecer o Fundo Soberano do Brasil e utilizá-lo para comprar
empresas estrangeiras (total ou parcialmente) e numa atuação contra a
volatilidade cambial.
6) Expansão de corredores para melhorar a logística
da exportação de commodities e utilizar o excedente comercial para políticas
industriais, inclusive para o adensamento industrial de matérias-primas e a
agroindustrialização dos assentamentos da reforma agrária, incentivando um
importante instrumento de expansão de propriedades coletivas, além de frear o
aumento da inflação, puxado principalmente pelo aumento do preço dos serviços e
dos alimentos.
7) Um novo modelo agrícola contra as
pressões inflacionárias. Conforme o Dieese, durante os últimos anos, a
alimentação fora do domicílio registrou expressivo aumento de preços devido a
dois fatores: 1) aumento do emprego, da massa de salários e conseqüente
elevação na demanda por refeições fora de casa; 2) aumento no preço dos
alimentos, fato que também provocou aumento no custo da alimentação no
domicílio. A alimentação no domicílio registrou grande aumento de preços
devido, basicamente, ao aumento no preço dos alimentos e, de forma colateral, à
elevação do preço do gás de botijão, derivado do petróleo. Uma política
industrial necessita desenvolver um novo modelo agrícola baseado na pequena e
na média propriedade, na prioridade à produção de alimentos para o mercado
interno, na criação de uma nova matriz produtiva no campo.
Qualquer
dado confiável aponta que a agricultura familiar é responsável pela maioria da
produção nacional voltada a alimentar a população e que, ao mesmo tempo, são os
alimentos que representam o principal componente que impulsiona a inflação. O governo
Dilma está procurando se antecipar em relação às eventuais altas nos alimentos
durante o próximo período, dando um reforço no caixa da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) para que em 2012 amplie fortemente as compras diretas e
as aquisições da nova safra de grãos e cereais. Seu objetivo é adquirir
alimentos diretamente do produtor a preços de mercado, garantindo boa
remuneração no auge da colheita, e formar estoques estratégicos maiores para
enfrentar uma eventual elevação das cotações ao longo da entressafra.
Para o
próximo período estas medidas antiinflacionárias devem ser acompanhadas por
outra frente crucial: uma política de industrialização dos assentamentos de
Reforma Agrária, que impulsionaria o aumento da produção para o mercado interno.
Para isso também é necessário uma política de barrar a expansão da compra de
terras pelo agronegócio, assentar milhares de acampados e sem-terra, estimular
o crédito e o financiamento para dar início à produção de alimentos, retirar
taxações pelo uso da terra e comercialização de produtos, levar estrutura
básica e infra-estrutura a projetos dos assentamentos para dar acesso à saúde,
escola, e construir estradas que facilitem o escoamento da produção, logística
rural, assessoria técnica para desenvolvimento de pesquisas de sementes e
instituir todas as terras devolutas do país como território de reforma agrária.
Para cumprir esse objetivo a EMPRAPA deve continuar uma empresa pública e cada
vez mais voltada à agricultura familiar.
Outros pontos são cruciais –
como a reforma nas comunicação e uma política de deflação generalizada do
mercado imobiliário -, mas essas linhas gerais de políticas
macroeconômicas podem desenvolver a capacidade de remediar as distorções do
mercado pelo poder dos meios de produção públicos e estatais. Para isso eles
devem estar à prova de constantes reformas modernizadoras, para ganharem
eficiência econômica e servir como instrumentos chaves para um planejamento
macroeconômico capaz de dirigir e regular o mercado. É a partir daí que podemos
buscar elementos mínimos para avançar no projeto democrático-popular
pós-neoliberal com características brasileiras.
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