sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Uma auto-lobotomia da esquerda em relação à China?




Poucos países despertam hoje tanta curiosidade quanto à China. Entretanto, como caracterizá-la melhor? Economia socialista de mercado? Socialismo com características chinesas? Capitalismo de Estado? Capitalismo Oriental? Capitalismo neoliberal? Super-capitalismo?

Se você reparar com cuidado, provavelmente irá perceber que a todo o momento a mídia oficial procura nos convencer que houve em algum momento X da história uma reconversão total da China ao capitalismo. O Muro da China teria caído assim como o Muro de Berlin. Alguns vêm isso até como uma conseqüência lógica do sentido da história: com o fim da URSS o “socialismo real” teria entrado numa crise irreversível que naturalmente transformaria Cuba e China em capitalismos reconvertidos.

Sobre a China é comum apresentar factóides que explicitariam a “óbvia” reconversão do capitalismo: existe trabalho assalariado, milhares de chineses passam fome, existem desigualdades, as empresas têm enormes lucros, existem capitalistas no partido, etc. Até mesmo setores mais a esquerda, que deveriam se preocupar menos com as informações da mídia capitalista, repetem sem fim essa máxima: na China existe um Estado capitalista burguês a todo vapor! Alguns falam que isso aconteceu por causa dos revisionistas chineses liderados por Deng Xiaoping. Outros atacam a burocracia do PC. Outros acusam Mao porque o capitalismo voltou na China pela equivocada aliança com os camponeses na Revolução de 1949. Também é normal evocar como sinal da capitulação chinesa a aproximação com os Estados Unidos visando atrair mais capital para as recém criadas “Zonas Econômicas Especiais”, onde empresas estrangeiras podiam se instalar em parceria com empresas chinesas. Daí se sugere que o “socialismo de mercado” não passa de um neologismo chinês para disfarçar a sua gradativa transição ao capitalismo global. Como resultado desta façanha a China iniciaria o século XXI como uma das principais economias capitalistas do mundo emergente, conservando do Comunismo apenas o regime autoritário stalinista de partido único. Supõe-se que as reformas de mercado na China não levaram à renovação socialista, mas a completa restauração capitalista. Os mais delirantes afirmam que o capitalismo já foi restaurado na China pela direção do Partido Comunista. O crescimento econômico chinês estaria totalmente subordinado aos interesses das empresas imperialistas e está assentado na produção e na exportação de equipamentos de baixa tecnologia e produtos têxteis. O país se transformaria a passos largos na maior e mais populosa colônia do imperialismo. Afinal, não seria óbvio que as chamadas “Quatro Modernizações”, impulsionadas por Deng Xiaoping (o Gorbachev chinês para alguns) não seriam uma espécie de “Perestroika chinesa” com a introdução generalizada de novas relações capitalistas de produção na China?

Infelizmente, atuando como FUKUYAMISTAS, essa esquerda considera a coisa mais natural do mundo a pressuposição de que a China segue um caminho capitalista sem outro objetivo, seja inovador ou subordinado ao centro capitalista, variando entre traidores do socialismo à irmão siamês do imperialismo norte-americano. Alguns até tentam explicar como que o preço de suas mercadorias é tão baixo por causa do trabalho escravo generalizado...outros atacam o comércio desleal chinês que utiliza-se da cópia de mercadorias infringindo a propriedade intelectual para ganhar espaço no mercado mundial. Realmente, a confusão é enorme. É uma verdadeira de auto-lobotomia no seio da esquerda.

Para Marx, o caminho do socialismo se abriria apenas quando as forças produtivas atingissem um nível que estouraria o invólucro capitalista e que daí poderiam se desenvolver apenas na econômica planificada socialista. Para Marx esse processo decorre da passagem da grande indústria capitalista a grande indústria socialista, e não uma passagem imediata da manufatura capitalista ao socialismo. Essa produção maquinal da grande indústria foi descrita por Marx em O Capital quando

cada máquina fornece à máquina seguinte mais próxima sua matéria-prima e, como todas elas atuam simultaneamente, o produto se encontra continuamente nas diversas fases de seu processo de formação, bem como na transição de uma para outra fase de produção. Assim como na manufatura a cooperação direta dos trabalhadores parciais estabelece determinadas proporções entre os grupos particulares de trabalhadores, também no sistema articulado das máquinas a contínua utilização das máquinas parciais umas pelas outras estabelece uma relação determinada entre seu número, seu tamanho e sua velocidade. A máquina de trabalho combinada, agora um sistema articulado de máquinas de trabalho individuais de diferentes espécies e de grupos das mesmas, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo for seu processo global, isto é, com quanto menos interrupções a matéria-prima passa de sua primeira à sua última fase, quanto mais, portanto, em vez da mão humana, o próprio mecanismo a leva de uma para outra fase da produção. Se na manufatura o isolamento dos processos particulares é um princípio dado pela própria divisão de trabalho, na fábrica desenvolvida domina, pelo contrário, a continuidade dos processos particulares.

Se Marx previu que a ocorrência do socialismo só ocorreria em estágios avançados da grande indústria, o que fazer quando o proletariado se vê obrigado a fazer a revolução social onde a grande indústria não esteja consolidada? Deveriam os socialistas no poder encaminhar até o final o desenvolvimento das forças produtivas possíveis pelas relações capitalistas de produção ou devolver o poder a burguesia para realizar o pleno desenvolvimento do capitalismo? Deveria os socialistas lutar para acabar com o monopólio imperialista da tecnologia e impulsionar a aceleração da socialização dos meios de produção ou esperar as condições perfeitas para a transformação socialista?

Lênin encontrou como solução a este impasse a NEP (Nova Política Econômica). A China encontrou o Socialismo de Mercado. A NEP substituíra o “comunismo de guerra”, que orientou a política econômica na União Soviética desde a Revolução Russa em 1917. Com a proposta da NEP, Lênin já destacava a situação contraditória de que um Estado Socialista se via obrigado a se apoiar em relações de produção capitalistas e, particularmente, no capitalismo de Estado para permitir a sobrevivência da revolução. Graças a esta nova política os camponeses podiam vender seus produtos ao mercado e não somente ao Estado com a iniciativa privada sendo tolerada em pequenas escalas. O que levou Lênin a dizer que “a NEP era um capitalismo de Estado, com conteúdo socialista, sob o controle dos trabalhadores”. A NEP permitiu um crescimento limitado do comércio e das concessões estrangeiras ao lado dos setores econômicos nacionalizados e controlados pelo Estado. Também estimulou o crescimento de uma classe de camponeses ricos e de uma burguesia comercial. Para os bolcheviques, tratava-se de um encorajamento das tendências capitalistas, de um recuo estratégico em virtude do atraso da revolução européia e das condições calamitosas de construção do socialismo na Rússia. Ao promover mecanismos de mercado, propriedade privada, competição e integração na economia capitalista externa, a NEP evidenciou os problemas inerentes da construção do socialismo numa região altamente atrasada, em guerra e com pouca capacidade tecnológica. Muitos foram aqueles descontentes com o recuo da NEP apontando que a revolução teria traído seus princípios, por mais que para Marx fosse impossível um país atrasado pular a etapa do capitalismo para o comunismo. Hoje isso se repete, especialmente se encararmos o Socialismo de Mercado da China como uma gigantesca NEP. 

9 comentários:

Maju disse...

Comparar el capitalismo chino con la NEP es extremadamente ingenuo. Desde la muerte de Mao al menos China ha seguido el camino de la decadencia burguesa de la mano de USA. Practica el colonialismo interior, explota a los trabajadores, no tiene siquiera sanidad pública (qué menos?!) y usa el pretexto del "comunismo" para ejercer el totalitarismo más brutal y arbitrario. En el mejor de los casos se puede considerar un bonapartismo pragmático y ambiguo, en el peor: fascismo puro y duro (reacción bajo la bandera roja, como en Corea).

Fernando Marcellino disse...

Infelizmente você faz parte da esquerda que abordo no texto, que iguala a experiência chinesa a uma espécie de fascismo-comunismo-capitalismo. Obrigado pelo comentário.

Maju disse...

Pero es que es así: como puedes pretender ser comunista y permitir la explotación de la clase obrera, la presencia de burgueses en los órganos de dirección de un partido que es más confuciano que marxista hoy día e incluso ni molestarte en promover una sanidad gratuita, lo que debería ser un pilar de cualquier realidad no ya "comunista" sino "socialista" e incluso "social-demócrata".

Por no mencionar la total ausencia de internacionalismo de ningún tipo: a las neocolonias de África o donde sea se les deja hacer sin siquiera demandar concesiones para la clase obrera como el derecho a la huelga. Claro que esto sería contradictorio con el interés burgués imperialista de la China burguesa, que sólo busca materias primas y mano de obra baratas.

Si bien el desarrollo de China es parte sin duda de la dialéctica marxista y de la lucha de clases, el régimen chino no está para nada del lado de la clase obrera. Ni en China ni fuera. Si el estalinismo soviético era criticable, el post-estalinismo burgués chino es simplemente inaceptable.

Fernando Marcellino disse...

Concordo com você que a experiência chinesa é contraditória, que ela não é perfeita. Você poderia até mandar uma carta para os comunistas chineses falando que eles não enxergam estas coisas que você relata, provavelmente serão novidades para eles.

Maju disse...

Hace año y medio un grupo de viejos líderes comunistas chinos emitieron un manifiesto demandaba (sin aparente efecto) que el PCCh y el estado chino apoyara a los trabajadores en lucha contra las empresas extranjeras en cumplimiento de la constitución: que establece (nominalmente) el estado de clase y propiedad pública o colectiva de los medios de producción.

La realidad es que bajo la bandera roja en China hay un estado burgués autoritario aunque en algunos aspectos un poco híbrido (pero bueno los fascismos clásicos también eran vagamente "socialistas", con planificación central y control público de sectores estratégicos).

Según algunos autores trotskistas, la traición de clase en China ocurrió más temprana y radicalmente porque no existía realmente una clase obrera, ni siquiera minoritaria, al contrario que en Rusia. Me superan un poco estas sutilezas pero no creo que China se un modelo a imitar por nadie, al contrario que Cuba o incluso igual algunos aspectos de la URSS o Checoslovaquia en sus mejores tiempos.

Sí que creo sin embargo que al pasar las revoluciones nacional-burguesas a tener una ideología socialista aunque sólo sea de boca, se aprecia una evolución con respecto a las revoluciones burguesas del s. XIX, donde la clase obrera, los sans-culottes, luchaban las batallas de la burguesía sin siquiera un horizonte de conquistas propio. Pero de ahí a decir que la R.P. China es el ideal comunista o nada parecido hay un abismo.

Fernando Marcellino disse...

ai ai, esses trotskystas...

Maju disse...

Puedes meterte con los troskos, con la izquierda que critica a China y yo qué sé pero te falta un discurso que apoye tus ideas: no hay que criticar a China pero ni siquiera pones por delante un argumento que defienda a la R.P.

Me suscribí a este blog pensando de que me iba a enterar de lo que pasaba en Brasil y así a través de él pero veo que fue una decisión poco acertada.

Fernando Marcellino disse...

socialismo numa só pessoa. Provavelmente você iria fazer bem melhor com essas idéias sectárias e reacionárias que igualam a China ao fascismo. Sua experiência socialista deve ser bem mais rica, parabéns.

Maju disse...
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