sábado, 21 de janeiro de 2012

Notas sobre uma Política Nacional de Desenvolvimento Pós-Neoliberal no Brasil e os desafios socialistas: dialogando com Wladimir Pomar





Como sustenta Wladimir Pomar, nas condições em que foi eleito, o governo Lula tinha como suas principais tarefas domésticas utilizar as forças capitalistas predominantes no país para desenvolver a indústria, a agricultura e os serviços, reconstruir a infra-estrutura de energia, transportes e comunicações e a infra-estrutura urbana, estimular a criação de novos empregos, criar mecanismos de redistribuição de renda e de democratização da propriedade agrária além de dar maior musculatura ao mercado interno brasileiro. Essas tarefas, feitas muito parcialmente, não consolidaram uma reversão completa do caminho trilhado pelos governos neoliberais, por mais que algumas mudanças importantes tenham ocorrido. Por exemplo, passamos da estagnação para o crescimento econômico. Saímos da privatização das empresas públicas para a consolidação das empresas estatais, que sobraram do processo de privatização, e para as parcerias público-privadas, com concessões ao setor privado. O desmantelamento do planejamento estatal foi deixado de lado e há um processo de tímida retomada do planejamento macroeconômico e macro-social. Considera-se importante a estratégia governamental de estimular o desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo em que aproveita essa aliança com setores da burguesia nacional e internacional para adotar mecanismos de “democratização do capital”, multiplicação das formas de propriedade e produção (estatais, públicas, solidárias, etc.) e instrumentos mais efetivos de redistribuição constante da renda e de elevação do poder de compra e da educação das camadas mais pobres da população. Para a esquerda que encampa este projeto democrático-popular, isso ocorre porque a luta pelo socialismo na América Latina não podia minimizar as chamadas “tarefas pendentes” da inconclusa revolução democrático-burguesa. Seu papel seria a saída para estimular o capital desenvolver forças produtivas ao conseguir ampliar espaços de acumulação, diversificar a propriedade dos meios de produção, ampliar os destinos do comércio exterior, reorganizar a capacidade de planejamento do estado e a efetivação de políticas que combinam a crescente inserção de camadas pauperizadas da população no mercado com o acréscimo do crédito e do consumo. Entretanto, como contingência (ou necessidade?) deste caminho, junto com outras implicações sociopolíticas, a “linha de menos resistência” retrai progressivamente o projeto estratégico socialista a políticas públicas voltadas ao atendimento parcial de algumas demandas do programa democrático-popular. Talvez seja por isso que Pomar saliente que:

Diante das crises passadas e da atual, talvez tenha chegado o momento de o PT retomar o conceito da luta de classes como parte da realidade e tirar daí todas as conseqüências. Sua perspectiva de se manter à frente do governo para, pelo menos, implantar as reformas democráticas e sociais demandadas pela maior parte da sociedade brasileira depende de os petistas não abrirem flancos para os ataques dos representantes burgueses. A aliança com uma parte da burguesia continua sendo indispensável para derrotar os setores mais reacionários e inimigos principais do povo brasileiro. Mas a esquerda não pode confundir seus métodos com os métodos da burguesia, seja aliada ou não. O grande esforço atual da direita burguesa consiste em fazer o povo acreditar que os métodos do PT não diferem em nada dos métodos dos seus representantes, tema que já esteve presente com muita força na última campanha eleitoral. Se conseguirem sucesso nesse convencimento, terão dado o primeiro passo sério para retirar o PT e a esquerda do governo.

Mas como se antecipar a este processo e avançar no programa democrático-popular? Continuando com Pomar: 

para o governo Dilma não bastará a consolidação da política ou do sistema de planejamento, resgatado pelo governo Lula. É preciso transformá-lo, além disso, numa política ou num sistema de elaboração de projetos estruturantes. Isto é, projetos que influenciem positivamente o desenvolvimento do conjunto das forças produtivas, a exemplo da educação e dos setores energético, de transportes, telecomunicações, indústrias básicas e ciências e tecnologias [...] O desafio seria injetar no planejamento estatal brasileiro um conteúdo que seja o oposto do planejamento do período ditatorial.

Para dar conteúdo a esse sistema de planejamento, Pomar salienta que a sociedade brasileira necessita atualizar o projeto democrático-popular apontando de forma mais consistente, no âmbito econômico, “para maior participação das empresas estatais, em especial nos setores estratégicos, e deve estimular a ampliação massiva do capitalismo democrático, isto é, das micros e pequenas empresas privadas, urbanas e rurais. O que não significa abandonar a política de reforço das empresas privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o mercado mais caótico do que normalmente é”. O raciocínio de Pomar nos leva a crer que o desafio do governo Dilma é a criação de uma espécie de “Plano de Desenvolvimento Nacional Pós-Neoliberal” – cujo PAC é apenas um ensaio geral. Esta seria uma transformação estratégica que apontaria para uma superação do neoliberalismo definitivamente. Sem a efetivação desse plano a indução do Estado no caos do mercado terá apenas efeitos conjunturais, nunca conseguindo superar as determinações do neoliberalismo e sua correlação de classes.
Tentaremos esboçar uma pequena lista de iniciativas que poderiam ser adotadas caso se firme a vontade de abandonar definitivamente o neoliberalismo no Brasil considerando a atual correlação de forças e possibilidades econômicas, burocráticas e administrativas. Ela se propõe apenas a identificar alguns pontos prioritários no qual requerem medidas.

1)    Adotar políticas macroeconômicas coerentes, que mantenham a inflação baixa, utilize os juros para incentivar os investimentos e trate do câmbio como instrumento de política de desenvolvimento industrial. A política de crescimento necessita se transformar em política de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico junto com políticas de apoio à existência de formas econômicas capitalistas, micro e pequenas empresas além do reforço da propriedade estatal e pública.
2)    Concentração dos investimentos estatal em áreas estratégicas e elevação da taxa nacional de investimentos para 25% a 30% do PIB levando em conta a criação de empresas que possam aplicar as terras-raras brasileiras em processos e produtos em cadeias produtivas do mais alto valor agregado aeronáutica, automobilística, energias renováveis, tablets, entre outras, além do desenvolvimento de áreas relacionadas a biogenética, biotecnologia, computação, etc.
3)    Políticas de construção de uma infra-estrutura moderna e de instalação de plantas de fabricação dos setores produtivos estratégicos em conjunto com distribuição da riqueza, cujos ramos principais são a poupança para a reprodução ampliada do processo produtivo, os salários, a educação, a saúde e as demais demandas sociais.
4)  É necessário elaborar políticas que guiem os investimentos estrangeiros, impulsionando o adensamento das cadeias produtivas industriais e apenas aceitando os empreendimentos com novas ou altas tecnologias associando-se em joint venture com empresas estatais ou cooperativas. Também é crucial uma política de importações que facilite a entrada de mercadorias que contribuam ao desenvolvimento industrial. Sem regras claras para investimentos e importações que busquem elevar as cadeias produtivas nacionais, as empresas brasileiras não conseguiram disputar os caminhos competitivos do mercado mundial. Sem o adensamento das cadeias produtivas e da infra-estrutura, maior participação das empresas nacionais nos setores monopolizados por empresas estrangeiras e investimentos na construção de parques industriais de alta tecnologia, o Brasil será tragado pela crise internacional no primeiro tropeço.  
5)    Ampliação de ações anti-monopolistas visando o aumento da produtividade e competitividade brasileira. O capital não pode ficar dominantemente personificado por capitalistas individuais e coletivos. Este plano depende da articulação competitiva entre os capitais estatais, associações público-privadas, público-público, público-cooperativas e cooperativas. Esse processo deve acabar deixando claro que a propriedade privada capitalista dos meios de produção não é necessariamente aquela mais produtiva e dinâmica. Quanto mais dinâmicas forem as iniciativas da propriedade coletiva, pública e associativa melhor. Isso com políticas macroeconômicas com capacidade de remediar as distorções do mercado pelo poder dos meios de produção públicos e estatais que devem estar a prova de constantes reformas modernizadoras para ganharem eficiência econômica e servir como instrumentos chaves para um planejamento macroeconômico capaz de dirigir e regular o mercado.
6)    Expansão de corredores para melhorar a logística da exportação de commodities e utilizar o excedente comercial para políticas industriais, inclusive para os assentamentos da reforma agrária que iriam frear o aumento da inflação puxada pelo aumento do preço dos alimentos.
7)    Um novo modelo agrícola. Desde 2002 estamos vendo o aumento do preço de diversas commodities no mercado mundial. Por trás desse aumento encontra-se o inter-relacionamento de diversas causas como a maior demanda por parte de grandes países asiáticos – China e Índia – e o deslocamento da produção de algumas culturas, como do milho para a produção de biocombustíveis. O Brasil entrou surfando nessa onda. Entre 2000 e 2007, por exemplo, as exportações brasileiras de soja passaram de 11,5 milhões para 25,5 milhões de toneladas. A exportação de milho passou de 700 mil toneladas para 11 milhões. A partir do início da crise hipotecária norte-americana em agosto de 2007 houve uma grande fuga de capitais das aplicações relacionadas aos derivativos dos contratos hipotecários em direção aos mercados internacionais de commodities, em busca de ganhos ou redução de perdas. As commodities tornaram-se investimentos atraentes ante a menor rentabilidade dos ativos financeiros, resultante tanto dessa depreciação como das turbulências dos mercados financeiros das economias centrais. Assim com a eclosão da crise financeira a partir da deterioração do mercado de hipotecas subprime nos Estados Unidos em meados de 2007, e seu espraiamento para os demais segmentos do mercado financeiro, doméstico e internacional, os fundos de investimento especulativos (os chamados hedge funds) e outros investidores institucionais (como os fundos de pensão) direcionaram suas apostas para os mercados de commodities e seus derivativos. Os recursos alocados pelos investidores institucionais nos mercados futuros de commodities saltaram de US$ 13 bilhões para US$ 260 bilhões entre o final de 2003 e março de 2008, enquanto os preços das 25 commodities subiram, em média, 183% nesses cinco anos. Essa crescente "financeirização" gerou hiperinflação nos preços dos ativos financeiros nesses mercados internacionais, em especial petróleo e alimentos. As pressões inflacionárias tomaram as cotações de soja, milho e trigo, como forte impacto no preço de carnes, ovos e leite. Neste próximo período, portanto, os preços das commodities podem continuar superando até as ações de empresas de grande porte, como JBS, Petrobrás e Vale. As principais commodities cotizadas são café, boi gordo, algodão, açúcar, milho, trigo e soja, além do pico do petróleo. A situação, por sua gravidade, complexidade e emergência, exige estratégia ambiciosa para a agricultura brasileira tendo como foco uma maior oferta de alimentos, equilibrada com a procura crescente, e um combate as oligarquias transnacionais que fixam o alto preço dos alimentos. Conforme o Dieese, durante os últimos anos, a alimentação fora do domicílio registrou expressivo aumento de preços devido a dois fatores: (1) aumento do emprego, da massa de salários e consequente elevação na demanda por refeições fora de casa e (2) aumento no preço dos alimentos, fato que também provocou aumento custo da alimentação no domicílio. A alimentação no domicílio registrou grande aumento de preços devido, basicamente, ao aumento no preço dos alimentos e, de forma colateral, à elevação do preço do gás de botijão, derivado do petróleo. Por isso que precisamos de um novo modelo agrícola baseado na pequena e na média propriedade, na prioridade à produção de alimentos para o mercado interno, na criação de uma nova matriz produtiva no campo, na adoção de técnicas de produção que respeitem o ambiente, sem agrotóxicos, mas com industrialização. Qualquer dado confiável aponta que a agricultura familiar é responsável pela maioria da produção nacional voltada para alimentar a população e que, ao mesmo tempo, são os alimentos que representam o principal componente que impulsiona a inflação. O governo Dilma está procurando se antecipar em relação as eventuais altas nos alimentos durante o próximo período dando um reforço no caixa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para que em 2012 amplie fortemente as compras diretas e as aquisições da nova safra de grãos e cereais. Seu objetivo é adquirir alimentos diretamente do produtor a preços de mercado, garantindo boa remuneração no auge da colheita, e formar estoques estratégicos maiores para enfrentar uma eventual elevação das cotações ao longo da entressafra. Para o próximo período estas medidas anti-inflacionárias devem ser acompanhadas por outra frente crucial: uma política de industrialização dos assentamentos de Reforma Agrária que impulsionaria o aumento da produção para o mercado interno. Para isso também é necessário uma política de barrar a expansão da compra de terras pelo agronegócio, assentar milhares de acampados e sem-terra, estimular o crédito e o financiamento para dar início a produção de alimentos, retirar taxações pelo uso da terra e comercialização de produtos, levar estrutura básica e infra-estrutura a projetos dos assentamentos, assessoria técnica para desenvolvimento de pesquisas de sementes e instituir todas as terras devolutas do país como território de reforma agrária. 
Com certeza outras medidas seriam cruciais, como uma reforma tributária e da comunicação social, regulação regional dos mercados sul-americanos e uma política de segurança voltada contra as milícias e seu respaldo político-administrativo-jurídico, mas é mais importante ainda frisar que esse programa geral não exclui as limitações próprias a estratégia de poder contida na processualidade da aplicação deste programa “democrático-popular” que enfatiza o papel do Estado na condução da economia e despolitiza a organização popular e dos trabalhadores para o aprofundamento da luta de classes e amortece o povo por estabelecer somente negociações nas quais o Estado é o interlocutor entre a luta social e o capital. A revolução passa a ser desnecessária. Por mais que o governo “democrático e popular” possa desenvolver as forças produtivas, isto é, as ciências, tecnologias, cadeias industriais, infra-estrutura de transportes, energia e comunicações e a capacidade educacional e técnica da força de trabalho, e quanto mais ampliar a presença da propriedade estatal e pública na sociedade brasileira, estas condições exacerbam a situação paradoxal de tornar o período pós-revolucionário mais frutífero ao mesmo tempo em que submete toda a estratégia socialista aos limites da legalidade da democracia-liberal. É contraditório que a aplicação deste programa democrático-popular no quadro da democracia-liberal não leva necessariamente a uma elevação do padrão da luta de classes no Brasil por mais que faça avançar o capitalismo. Criam-se condições para um futuro socialista ao se desenvolver as forças produtivas, mas se amplia a inviabilidade da revolução socialista como um movimento em direção à socialização da produção, da propriedade e do poder político. Para lidarmos corretamente com esta contradição histórica temos o desafio de reconstruir a estratégia da revolução socialista brasileira. Isso corresponde, em primeiro lugar, ao desconfortável fato de que algumas formas de ação anteriores estão objetivamente bloqueadas, impondo reajustes profundos na estratégia como um todo. Como essas mudanças exigidas são muito drásticas, é mais provável que se prefira seguir a Realpolitik sem revolução ainda por um tempo considerável e que somente quando as opções dadas pelo consenso democrático-popular se esgotarem é que se pode esperar por uma virada para uma solução radicalmente diferente. Mas é necessário estar preparado. O processo revolucionário brasileiro vai se construir no interior das fissuras da prática e da ideologia democrático-popular, não é externo a ele como algo completamente novo que caia dos céus.
Agora, sob a égide do capitalismo monopolista, o programa democrático-popular torna-se progressivamente um enclave no avanço da luta socialista. Seu gigantesco pacto de poder inviabiliza o horizonte socialista, ainda mais com o aprofundamento das contradições do desenvolvimento recente do capitalismo brasileiro. É por isso que quando bater o teto do programa democrático e popular sob a estrutura do “presidencialismo de coalizão” a ofensiva socialista deve estar organizada – esperemos que com a ajuda de alguns setores do PT. A nova classe proletária brasileira (produto da expansão capitalista recente e impulsionada pelas obras de infra-estrutura, Copa e Olimpíadas) junto com segmentos do subproletariado sem voz política, mobilizações camponesas, servidores públicos, movimentos populares urbanos na periferia, igrejas de base, dos povos indígenas, dos desempregados e de um novo movimento estudantil progressista deverá renovar e formular sua estratégia, suas organizações, métodos de luta comum e programa político. A combinação explosiva desses sujeitos históricos tem seu próprio ritmo e mobilização e deverá saber transformar suas reivindicações em ações massivas, independentes do governo e seus correligionários. Isso só surgirá, entretanto, se retomarmos a velha lição de organização junto a base popular, em seu dia a dia, em lutas diárias e miúdas.   
Os socialistas têm que considerar que estão numa situação inesperada e que precisam se reconstruir encontrando estratégias que não estão previstas em nenhum dos manuais marxistas. Somente as grandes mobilizações, o estímulo a todas as formas de luta de massa por necessidades imediatas e o trabalho de base podem alterar essa situação. Como salienta Ademar Bogo, o período da “esquerda negociadora” e das disputas institucionais, isoladas, para acumular forças aproveitáveis para o processo revolucionário, por si só, está superado; já não há o que negociar a não ser a manutenção das conquistas anteriores, nem o que disputar no campo da institucionalidade, quando o objetivo não for a ruptura com a ordem. Essas práticas se desatualizam e converteram-se em fórmulas que, além de conter as transformações, empurram o movimento das mudanças para trás.
A aliança da esquerda em torno do projeto democrático popular está em crise, mas ainda não construímos nenhum projeto político que o supere.



sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Uma auto-lobotomia da esquerda em relação à China?




Poucos países despertam hoje tanta curiosidade quanto à China. Entretanto, como caracterizá-la melhor? Economia socialista de mercado? Socialismo com características chinesas? Capitalismo de Estado? Capitalismo Oriental? Capitalismo neoliberal? Super-capitalismo?

Se você reparar com cuidado, provavelmente irá perceber que a todo o momento a mídia oficial procura nos convencer que houve em algum momento X da história uma reconversão total da China ao capitalismo. O Muro da China teria caído assim como o Muro de Berlin. Alguns vêm isso até como uma conseqüência lógica do sentido da história: com o fim da URSS o “socialismo real” teria entrado numa crise irreversível que naturalmente transformaria Cuba e China em capitalismos reconvertidos.

Sobre a China é comum apresentar factóides que explicitariam a “óbvia” reconversão do capitalismo: existe trabalho assalariado, milhares de chineses passam fome, existem desigualdades, as empresas têm enormes lucros, existem capitalistas no partido, etc. Até mesmo setores mais a esquerda, que deveriam se preocupar menos com as informações da mídia capitalista, repetem sem fim essa máxima: na China existe um Estado capitalista burguês a todo vapor! Alguns falam que isso aconteceu por causa dos revisionistas chineses liderados por Deng Xiaoping. Outros atacam a burocracia do PC. Outros acusam Mao porque o capitalismo voltou na China pela equivocada aliança com os camponeses na Revolução de 1949. Também é normal evocar como sinal da capitulação chinesa a aproximação com os Estados Unidos visando atrair mais capital para as recém criadas “Zonas Econômicas Especiais”, onde empresas estrangeiras podiam se instalar em parceria com empresas chinesas. Daí se sugere que o “socialismo de mercado” não passa de um neologismo chinês para disfarçar a sua gradativa transição ao capitalismo global. Como resultado desta façanha a China iniciaria o século XXI como uma das principais economias capitalistas do mundo emergente, conservando do Comunismo apenas o regime autoritário stalinista de partido único. Supõe-se que as reformas de mercado na China não levaram à renovação socialista, mas a completa restauração capitalista. Os mais delirantes afirmam que o capitalismo já foi restaurado na China pela direção do Partido Comunista. O crescimento econômico chinês estaria totalmente subordinado aos interesses das empresas imperialistas e está assentado na produção e na exportação de equipamentos de baixa tecnologia e produtos têxteis. O país se transformaria a passos largos na maior e mais populosa colônia do imperialismo. Afinal, não seria óbvio que as chamadas “Quatro Modernizações”, impulsionadas por Deng Xiaoping (o Gorbachev chinês para alguns) não seriam uma espécie de “Perestroika chinesa” com a introdução generalizada de novas relações capitalistas de produção na China?

Infelizmente, atuando como FUKUYAMISTAS, essa esquerda considera a coisa mais natural do mundo a pressuposição de que a China segue um caminho capitalista sem outro objetivo, seja inovador ou subordinado ao centro capitalista, variando entre traidores do socialismo à irmão siamês do imperialismo norte-americano. Alguns até tentam explicar como que o preço de suas mercadorias é tão baixo por causa do trabalho escravo generalizado...outros atacam o comércio desleal chinês que utiliza-se da cópia de mercadorias infringindo a propriedade intelectual para ganhar espaço no mercado mundial. Realmente, a confusão é enorme. É uma verdadeira de auto-lobotomia no seio da esquerda.

Para Marx, o caminho do socialismo se abriria apenas quando as forças produtivas atingissem um nível que estouraria o invólucro capitalista e que daí poderiam se desenvolver apenas na econômica planificada socialista. Para Marx esse processo decorre da passagem da grande indústria capitalista a grande indústria socialista, e não uma passagem imediata da manufatura capitalista ao socialismo. Essa produção maquinal da grande indústria foi descrita por Marx em O Capital quando

cada máquina fornece à máquina seguinte mais próxima sua matéria-prima e, como todas elas atuam simultaneamente, o produto se encontra continuamente nas diversas fases de seu processo de formação, bem como na transição de uma para outra fase de produção. Assim como na manufatura a cooperação direta dos trabalhadores parciais estabelece determinadas proporções entre os grupos particulares de trabalhadores, também no sistema articulado das máquinas a contínua utilização das máquinas parciais umas pelas outras estabelece uma relação determinada entre seu número, seu tamanho e sua velocidade. A máquina de trabalho combinada, agora um sistema articulado de máquinas de trabalho individuais de diferentes espécies e de grupos das mesmas, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo for seu processo global, isto é, com quanto menos interrupções a matéria-prima passa de sua primeira à sua última fase, quanto mais, portanto, em vez da mão humana, o próprio mecanismo a leva de uma para outra fase da produção. Se na manufatura o isolamento dos processos particulares é um princípio dado pela própria divisão de trabalho, na fábrica desenvolvida domina, pelo contrário, a continuidade dos processos particulares.

Se Marx previu que a ocorrência do socialismo só ocorreria em estágios avançados da grande indústria, o que fazer quando o proletariado se vê obrigado a fazer a revolução social onde a grande indústria não esteja consolidada? Deveriam os socialistas no poder encaminhar até o final o desenvolvimento das forças produtivas possíveis pelas relações capitalistas de produção ou devolver o poder a burguesia para realizar o pleno desenvolvimento do capitalismo? Deveria os socialistas lutar para acabar com o monopólio imperialista da tecnologia e impulsionar a aceleração da socialização dos meios de produção ou esperar as condições perfeitas para a transformação socialista?

Lênin encontrou como solução a este impasse a NEP (Nova Política Econômica). A China encontrou o Socialismo de Mercado. A NEP substituíra o “comunismo de guerra”, que orientou a política econômica na União Soviética desde a Revolução Russa em 1917. Com a proposta da NEP, Lênin já destacava a situação contraditória de que um Estado Socialista se via obrigado a se apoiar em relações de produção capitalistas e, particularmente, no capitalismo de Estado para permitir a sobrevivência da revolução. Graças a esta nova política os camponeses podiam vender seus produtos ao mercado e não somente ao Estado com a iniciativa privada sendo tolerada em pequenas escalas. O que levou Lênin a dizer que “a NEP era um capitalismo de Estado, com conteúdo socialista, sob o controle dos trabalhadores”. A NEP permitiu um crescimento limitado do comércio e das concessões estrangeiras ao lado dos setores econômicos nacionalizados e controlados pelo Estado. Também estimulou o crescimento de uma classe de camponeses ricos e de uma burguesia comercial. Para os bolcheviques, tratava-se de um encorajamento das tendências capitalistas, de um recuo estratégico em virtude do atraso da revolução européia e das condições calamitosas de construção do socialismo na Rússia. Ao promover mecanismos de mercado, propriedade privada, competição e integração na economia capitalista externa, a NEP evidenciou os problemas inerentes da construção do socialismo numa região altamente atrasada, em guerra e com pouca capacidade tecnológica. Muitos foram aqueles descontentes com o recuo da NEP apontando que a revolução teria traído seus princípios, por mais que para Marx fosse impossível um país atrasado pular a etapa do capitalismo para o comunismo. Hoje isso se repete, especialmente se encararmos o Socialismo de Mercado da China como uma gigantesca NEP.