Desafios
estratégicos do PSOL e os limites do programa democrático-popular: que
programa? que estratégia? Que socialismo?
Parte 1
O
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apareceu na cena política brasileira em
2005 reivindicando os objetivos que o Partidos Trabalhadores (PT) abandonou ao
longo de sua trajetória histórica. Seria um partido construído com o objetivo
de reconstruir a estratégia socialista encontrando tanto os limites do projeto
petista de transformação social como impulsionando lutas políticas que visassem
à reorganização da esquerda com o esgotamento do PT como partido socialista no
Brasil. Mas poderia o PSOL articular, organizar e construir uma trajetória
alternativa voltada à construção do socialismo no Brasil? Que socialismo está
em questão neste projeto? Que formato organizativo pode orientar as tarefas
necessárias para esta empreitada? Afinal, existe no PSOL alguma estratégia que
una as tendências e agentes do partido? O PSOL está repetindo a trágica tática
anti-estratégica do PT? No que sua estratégia e programa superam o petismo
realmente existente? Qual é o projeto de Brasil instigado pelo PSOL? Neste
momento histórico marcado pelo lulismo e pela repolitização da direita, o PSOL
está deixando ou já deixou de ser um partido anticapitalista convertendo-se num
partido disposto a conviver indefinidamente com o capitalismo? Qual é o papel
do PSOL no próximo período? Como o PSOL poderá dar um salto de qualidade e
reelaborar sua estratégia de poder? O PSOL ainda possui as energias necessárias
para enfrentar suas múltiplas tarefas de curto prazo e dar conta dos desafios
políticos e teóricos de médio e longo prazo? Enfim, o PSOL seria capaz, como
sugeriu Plínio de Arruda Sampaio, de “refundar a estratégia do socialismo”? Se
o socialismo é nosso objetivo, qual socialismo seria? Seria o socialismo do
desenvolvimento econômico e uma melhora na distribuição de renda? Seria o
socialismo para criar as bases de uma nova expansão do capitalismo? Ou seria o
socialismo baseado na nacionalização e estatização dos meios de produção? Ou
seria um socialismo de mercado com características latino-americanas?
Neste momento de encruzilhada histórica no Brasil – entre o
sucesso do governo Lula-Dilma em avançar no capitalismo total e a repolitização
da direita de espírito legalista com programas sociais - ou a Esquerda
se reconstrói ou não conseguirá responder as lutas político-sociais que emergem
no atual tempo histórico. Ainda prevalece na esquerda brasileira a lei do
mínimo esforço teórico – o que piora ainda mais as condições de entendimento da
situação das coisas atual.
Os antagonismos do PSOL parecem evidenciar que 1) o partido
ainda não consolidou sua prática política, nem assimilara corretamente as
transformações do Brasil sob a égide do lulismo; 2) enfrenta crises e
confrontos ideológicos por não ter qualquer previsão programática dos eixos de
luta interna; 3) sofre o fracionamento pela incapacidade de construir uma
estratégia de poder e da revolução brasileira condizente com nossos desafios
históricos. Os impasses que deram origem ao PSOL continuam operantes hoje, em
2011: nascido para superar a fragmentação da esquerda, o PSOL se dispôs a
encontrar novas sínteses para reconstruir um projeto de poder e de superação do
desastre lulista-petista. Infelizmente, as vésperas do III Congresso em 2011,
constatamos que se o PT se transformou num partido que sonha em “humanizar o
capitalismo” e que muitas vezes a “oposição de esquerda” se reduz ao desejo de
humanizar o lulismo. Superar esta condição é crucial.
Neste difícil panorama, talvez o que una hoje todas as
tendências do PSOL seja a urgência de uma estratégia numa escala de tempo extensa
que consiga lidar com os enormes desafios que temos pela frente. A
cada passo dado pelo PSOL, aumenta sua responsabilidade em apresentar um
programa socialista plural e ousado capaz de avançar na orientação geral das
forças sociais da nova esquerda.
O PSOL precisa avançar em sua unidade nacional em
torno de um projeto, de modo que as ações do partido sejam compreendidas como
parte de um processo mais amplo. Para todas as tendências é claro que o partido
carece de uma política que unifique as atuações no parlamento, nas
universidades, nos sindicatos, nos bairros, fábricas, hospitais e de
instrumentos que viabilizem a intervenção qualificada da militância com
jornais, panfletos e campanhas. Para todos é claro que falta uma espinha dorsal
que unifique programaticamente o partido. O PSOL nasceu para superar o vazio
estratégico da nova esquerda socialista e ainda não conseguiu desenvolver uma
estratégia revolucionária para uma situação contra-revolucionária criando um
espaço à esquerda que se diferencie tanto do PT como na velha e da nova
direita.
Mas qual seria a estratégia socialista hoje para a revolução
brasileira? É evidente que a referência estratégica formulada pelo PT não é
suficiente para orientar as linhas gerais de ação estratégica do PSOL nesta
década. Em termos de programa, também não basta apresentar como programa uma
soma de reivindicações parciais. Nos falta descobrir seis ou setes temas que podem
ser transformados em referência para a população colocando novamente a luta
socialista como pauta política central no Brasil. Se o PSOL se omitir novamente
da necessidade de construir perspectivas estratégicas corremos o risco de
navegar rumo ao oportunismo. Estamos numa encruzilhada: ou damos um salto ou
seremos tragados pela história. Por isso é tão importante a renovação e a
atualização da agenda concreta do projeto socialista.
Um ponto crucial para ser levantado é que para
construir uma nova hegemonia o PSOL tem que ter coragem de trabalhar com as
forças políticas que são capazes de se aliar em torno da superação do projeto
democrático-popular. Por mais que existam tendências que reivindiquem o
programa “democrático-popular”, deve ficar claro que a estratégia
socialista numa ampla escala de tempo tem como desdobramento construir o mundo
do trabalho nas mãos dos trabalhadores livremente associados – e não uma nova
etapa capitalista com maior autonomia do capital – como é o caso do
pós-neoliberalismo lulista. Por isso que é uma nova esquerda necessita de uma readequação
entre programa e estratégia socialista.
O que está colocado como estratégia do programa
democrático-popular é o “socialismo petista”. O “socialismo petista” é
fundamentado na idéia da progressiva radicalização da democracia e pela
adoção de uma política de acúmulo de forças, combinando a construção do
próprio PT pela ocupação de espaços institucionais. É uma estratégia que
defende uma aliança com setores do capital contra o neoliberalismo capaz de
“acumular forças” para que, num momento longínquo, houvesse uma correlação que
tornaria possível recolocar o socialismo na agenda política do partido e do
país. Menos que acusar o PT de “traição” ou nos prender a uma simples negação
do petismo, devemos compreender que as escolhas estratégicas feitas pelo
petismo devem levar em conta a hegemonia burguesa no partido que deixou o
socialismo pelo “crescimento econômico democrático” como matriz estratégica da
transformação da sociedade brasileira. É este socialismo que perseguimos? Por isso é
preciso ficar claro quais são as diferenças estratégicas em relação ao PT. Não é
possível apenas reduzir este debate as coisas que o PT não fez do programa
democrático-popular no poder – reforma agrária, democratização da comunicação, politização
social, saúde e educação pública universal, restrição ao capital financeiro,
auditoria das privatizações e da dívida pública, etc.
A inviabilidade objetiva de construção do socialismo
por estes marcos deveria nos alertar sobre os limites programáticos do projeto
democrático-popular. O capitalismo brasileiro lulista colocou para trás o
programa democrático-popular. Agora, sob a égide do capitalismo monopolista, o
programa democrático-popular torna-se o imaginário da nação sendo um enclave no
avanço da luta socialista. Ao que tudo parece, não é a toa que o lulismo é
incapaz de dar este salto estratégico para expropriação de um grupo central de
grandes empresas monopolistas. Seu gigantesco pacto de poder inviabiliza o horizonte
socialista com o aprofundamento das contradições do desenvolvimento recente do
capitalismo brasileiro. É por isso que quando bater o teto do lulismo a
ofensiva socialista deve estar pronta para não retrair posições do poder
estatal e, ao mesmo tempo, avançar em reformas substanciais como a nacionalização
de setores estratégicos, aumento da tributação dos mais ricos, ampliação dos serviços
públicos, criação de novas empresas estratégicas que disputem com o capital
privado nacional, ofensiva contra as milícias e para-militares, socialização da
comunicação, industrialização dos assentamentos, entre outras medidas.
Isso é, o programa democrático-popular, se num
período teve um caráter subversivo, foi completamente reformulado a partir das
orientações burguesas que passaram a encontrar em seus objetivos novas formas
de acumulação de capital. Na realidade, “fidelidade ao consenso democrático-popular” significa a aceitação do atual consenso
liberal-parlamentar lulista já que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem é
cúmplice nos fenômenos que ela condena além de oficialmente condenar qualquer
tentativa séria de imaginar uma ordem sociopolítica socialista.
O lulismo posterga ao infinito um novo ascenso de massas. O programa
democrático-popular de programa mínimo, capaz de dialogar com a classe
trabalhadora, passou para o consenso das transformações políticas “possíveis”.
O papel do PSOL é construir uma superação programática, política e organizativa
do PT, mesmo do PT das origens, para não ficar preso ao seu esgotamento.
Os limites do programa democrático-popular devem
revelar os pontos iniciais de uma orientação geral da nova esquerda no Brasil.
O programa democrático-popular foi elevado ao limite do pensamento possível de
esquerda da geração petista. Talvez deveríamos estar mais preocupados – como abordaremos
no próximo texto – a superação radical do programa democrático-popular orientando
o incipiente pós-neoliberalismo lulista rumo ao socialismo.
2 comentários:
o que é pós-neoliberalismo? isso que deizer que pós 2008 o capitalismo estaria em outra forma de gestão?
não ficou claro: quer dizer que programa democrático popular é a mesma coisa que lulismo? o governo implementou ou descartou o programa?
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