sábado, 24 de dezembro de 2011


Vale a pena dar uma olhada na retrospectiva de 2011 organizada pelo Correio da Cidadania.

www.correiocidadania.com.br

Nesta edição de fim de ano existe uma entrevista com o geógrafo Ariovaldo Umbelino, artigos de Leo Lince, Luiz Antonio Magalhães, Wladimir Pomar, Frei Betto, Raimundo Araújo, Gilvan Rocha, Waldemar Rossi, Guilherme Delgado, Paulo Passarinho entre outros - como Plínio de Arruda Sampaio com um belo texto materialista cristão sobre o Natal e Alex Alves sobre alarmante conjuntura européia.

Abaixo posto uma parte do texto que fiz para esta retrospectiva, fazendo uma balanço do pós-neoliberalismo e os desafios estratégicos de construção do socialismo hoje no Brasil.



Uma estratégia do pós-neoliberalismo ao socialismo
Fernando Marcelino


http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6671:politica231211&catid=25:politica&Itemid=47


[...]



Uma estratégia socialista para o pós-neoliberalismo lulista é essencial para superar o capitalismo brasileiro contemporâneo. Estas transformações apontam para a necessidade de atualizar a estratégia e a tática socialista. Os socialistas têm de considerar que estão numa situação inesperada e precisam se reconstruir encontrando estratégias que não estão previstas em nenhum dos manuais marxistas.

A nova esquerda tem o desafio de formulação de uma estratégia para encontrar a forma adequada de luta e de organização, com um caminho e suas alianças de classe para a revolução brasileira. O pós-neoliberalismo é uma transição de uma forma de capitalismo para outra e uma mutação na configuração do bloco de poder. No momento certo deve estar articulada uma estratégia socialista que inviabilize o retrocesso sócio-econômico e político pela saturação do modelo, com capacidade de reduzir radicalmente os direitos dos proprietários capitalistas e possibilitando uma ofensiva socialista que torne irreversíveis as transformações pós-neoliberais. Sem este tipo de ofensiva, é uma grande ingenuidade acreditar que é possível a superação do neoliberalismo apenas na linha de menor resistência do lulismo.

Infelizmente, a aceitação do consenso pós-neoliberal lulista – e seus limites estratégicos e programáticos - ainda impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-popular pós-neoliberal é cúmplice dos fenômenos que ela condena, além de desconsiderar qualquer tentativa séria de construir uma ordem sócio-política pós-neoliberal, orientada por restringir a autonomia do capital e fomentar reformas amplas que visem criar rupturas com o capitalismo. A forma lulista de pós-neoliberalismo depende para sua estabilização (a “governabilidade”) de um crescente distanciamento de qualquer tipo de disposição de impulsionar transformações pós-capitalistas. Como partido da ordem, ao PT seria catastrófico para a “governabilidade” uma luta verdadeira contra o capital e entre as frações do capital. O PT não pode avançar do pós-neoliberalismo ao socialismo, preso aos seus próprios “aliados políticos” e pela relativa unidade da burguesia em torno do crescimento econômico.

Agora o desafio passa de superação do neoliberalismo para uma batalha contra o capitalismo – e provavelmente apenas a “crise dos emergentes” abrirá um novo panorama que supere as ilusões do pacto lulista. O pós-neoliberalismo produziu uma ilusão generalizada de melhora lenta, gradual e segura na “democratização do capital”. Em meio a este processo, a nova classe proletária brasileira (produto da expansão capitalista recente), junto com segmentos do subproletariado sem voz política, mobilizações camponesas, movimentos populares urbanos na periferia, igrejas de base, povos indígenas, os desempregados e um novo movimento estudantil progressista, deverão renovar e formular sua estratégia, suas organizações, métodos de luta e programa político.

Apenas um salto qualitativo neste processo pode empurrar o pós-neoliberalismo ao precipício da história junto com o capitalismo. Nossa tarefa é derrotar as forças contra-revolucionárias que defendem o capitalismo (neoliberal e pós-neoliberal). Ainda pode demorar um tempo, mas é a reorganização da esquerda sob novas bases que pode forçar o esgotamento do pós-neoliberalismo a se transformar num caminho ao socialismo com capacidade de construir uma força hegemônica, impulsionando projetos pós-neoliberais em escala mundial.

Está claro que, dadas as condições de crise internacional e os impasses do pós-neoliberalismo lulista, este é um ótimo momento para a retomada do socialismo como estratégia de luta política no Brasil e na América Latina. Se não avançarmos nesta perspectiva estratégica em nossas lutas, talvez terminemos tragados por uma inflexão histórica que aniquile o que foi conquistado. Este é um dos desafios estratégicos da nova esquerda socialista.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Uma nova Guerra Fria? A China como alvo principal da nova ofensiva imperialista dos Estados Unidos




Com a retirada das guerras no Oriente Médio, agora o alvo estratégico dos Estados Unidos é a Ásia, em particular a China. Recentemente Obama afirmou que os cortes orçamentários do Pentágono não vão atingir a zona asiática: "Disse à minha equipe de segurança nacional que encerradas as guerras atuais, ou seja, a saída do Iraque e do Afeganistão, as missões na região Ásia Pacífico serão nossa prioridade". Hillary Clinton declarou que na seqüência do Iraque e do Afeganistão, "o centro de gravidade estratégico e econômico do mundo está se mudando para o leste, e que [os EUA] estão se focando mais na região da Ásia e Oceania". Um dos focos de tensão é o Mar da China Meridional que abriga as ilhas Spratly e Paracel que se acredita ser uma das maiores reservas mundiais de petróleo ainda não exploradas. Os EUA também deslocaram a maior parte de seus porta-aviões do Atlântico para Pacífico, que recentemente fortaleceram acordos militares com Cingapura e Austrália. Está mudança do alvo estratégico dos Estados Unidos provavelmente marcará profundamente os conflitos geopolíticos da próxima década representando não apenas uma enorme drenagem dos recursos imperialistas, mas também uma potencial carga explosiva extremamente instável para as relações internacionais contemporâneas.    
Mesmo com o declínio da hegemonia dos Estados Unidos não se pode falar da perda de seu poder militar. A capacidade estadunidense de intervenção militar é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas pela extensão de suas bases pelos quatro cantos do mundo encorpando também seu poder ao ciberespaço, ao espaço sideral e utilizando novas formas de intervenção em conflitos com as empresas militares privadas. Esta capacidade bélica, entretanto, não assegurou a vitória incisiva dos Estados Unidos e de seus aliados no Oriente Médio. Pior, em meio a este processo, presenciou a acelerada e crescente ascensão da China como um dos centros econômicos, políticos e militares do mundo.
De qualquer forma, é certo que os Estados Unidos continuam sem uma política coerente com a China. Giovanni Arrighi listou três razões principais para isso. Primeiro que o governo Bush via a guerra do Iraque como a batalha decisiva para conter o poder crescente da China. Como o sonho de uma vitória fácil que permitiria aos Estados Unidos lidar com a China de uma posição vantajosa azedou, restou o objetivo de sair do Iraque com o mínimo de perda para a credibilidade norte-americana. A segunda razão para a constante inexistência de uma política norte-americana coerente para a China é a dificuldade para se definir o interesse nacional dos Estados Unidos e a terceira é a dificuldade de perceber as tendências atuais e futuras da economia política chinesa. Agora o primeiro ponto está sendo reformulando. O fracasso no Oriente Médio está obrigando o salto estratégico rumo a China, sem o acúmulo de poder que seria propiciado pela guerra do Iraque. Isso é: a mudança estratégica dos Estados Unidos agora acontece num contexto de enfraquecimento político e maior dependência econômica da China. A alternativa militar parece ser a única forma de conter o poder chinês diante do aprofundamento de sua crise – por mais irracional que seja.   
Mas como e porque os Estados Unidos iriam aumentar seu engajamento militar na Ásia? Afinal, se a questão de Taiwan for deixado de lado, é difícil construir uma hipótese realista para um conflito entre China e Estados Unidos. Uma das justificativas dadas pelo Pentágono para o novo enfoque estratégico é o crescimento do poder militar chinês. Entende-se que a China já há algum tempo começa a se apresentar como a maior desafiadora em potencial da hegemonia norte-americana devido ao seu crescimento econômico e, principalmente, militar. Em 2011 o orçamento chinês de defesa chegou a US$ 93,5 bilhões, algo muito pequeno comparado ao orçamento de US$ 553 bilhões aprovados para o ano fiscal de 2012 dos Estados Unidos. É certo que a China tem uma base territorial e demográfica imensa, dispõe de armas nucleares, forças militares sofisticadas, diversos satélites de monitoração e relativa preparação para as ciberguerras. Possui tecnologia militar de ponta em vários setores e seu poder diplomático é grande, inclusive com assento no Conselho de Segurança da ONU. As forças armadas chinesas já são capazes de defender seu país de uma invasão do exterior e podem projetar poder na região, especialmente frente a Taiwan. Mesmo assim, elas não são uma ameaça à supremacia militar americana no mundo. Peng Guanggian, General do Exército Popular de Libertação, declarou que a menção freqüente da “ameaça militar da china” tem pelo menos três objetivos verdadeiros: uma desculpa para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos manter sua escalada militar e seus exorbitantes gastos, ajudar a venda de armas e ajudar os Estados Unidos a interferir na política regional da Ásia. 
Talvez o que mais assuste aos Estados Unidos é a aproximação entre China e Rússia. Esta última herdou todo o poderio bélico da extinta União Soviética, recuperou-se beneficiada, em larga medida, pela alto dos preços de energia e matérias primas tornando-se uma das principais economias do mundo. Ambos os países não estão dispostos a permitir que os Estados Unidos ampliem sua presença na Ásia Central e no Cáucaso ameaçando sua segurança. Provavelmente a experiência mais intrigante neste processo seja Organização de Cooperação de Xangai, organização que não é dirigida contra nenhum país ou bloco e aparece como uma entidade institucionalmente flexível capaz de conjugar diversos interesses de seus participantes da Ásia Central. A OCX adentra numa área de mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, um contingente humano de cerca de 25% da população mundial – sem contar os membros observadores. Na parte econômica essa cooperação ganha dinamismo, impulsionada pela riqueza de hidrocarbonetos, recursos minerais e agrícolas. Em termos de “capital humano” das forças armadas, desenvolvimento tecnológico da área militar e máquina econômica capaz de sustentar conflitos, é possível que a OCX coloque em jogo, no médio prazo, a liderança dos Estados Unidos como a única superpotência militar do mundo. Como notou argutamente Pepe Escobar, “o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida, que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar”. A estratégia para dominar a China pode ser a mesma que procura conter a Rússia: cercar, cobrar explicações sobre gastos militares, oferecer “proteção” contra a China, apoio informal a disputas internas. Ao que parece esta estratégia se concentra em integrar os exércitos do Sudeste Asiático pela via da OTAN. Busca-se enquadrar as relações com a China nos marcos da Guerra Fria, por mais que a China não seja a União Soviética. Essa ambigüidade foi bem expressa por Obama: “A China não é nem nossa inimiga e nem nossa amiga”. Seria uma nova Guerra Fria?
            No Brasil estas transformações caminham de maneira extremamente confusa. Muitos “nacionalistas” e órgãos de imprensa culpam hoje a China pela desindustrialização brasileira, falam que o gigante asiático é uma “ameaça a soberania” de nossos recursos naturais. Como bem salientou Wladmir Pomar, estes “nacionalistas” entendem que a China possui uma estratégia neocolonizadora que busca tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos. Com isso, a China passa a ser o inimigo principal para esses nacionalistas. Dócil e obediente aos interesses do império norte-americano, a elite brasileira incorpora a sinofobia para escamotear sua falta de compromisso com os interesses nacionais. Em meio às novas e turbulentas transformações geopolíticas mundiais, combater a sinofobia é urgente. Ela esconde o conservadorismo e a ignorância além de dar carta branca às novas estratégias imperialistas dos Estados Unidos e da OTAN. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Estratégias Imperialistas Contemporâneas: ciberguerra e empresas militares privadas

http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6536:submanchete211111&catid=72:imagens-rolantes


As questões relativas à “segurança” tomam uma dimensão cada vez mais central na resolução dos conflitos nacionais e internacionais em nossos dias. Desde o início do contexto pós-Guerra Fria, no final dos anos 1980, a noção de “segurança” tomou uma proporção cada vez maior ao englobar uma enorme diversidade de processos além da clássica preocupação com a soberania das nações: segurança energética, segurança migratória, segurança urbana, segurança alimentar, biossegurança, segurança humanitária, ciber-segurança, segurança ecológica, segurança das propriedades intelectuais e genéticas, segurança privada etc. É possível dizer que uma das principais marcas deste período é uma generalizada securitização desigual do sistema mundial da dimensão mais micro (biogenética e cibernética) a macro (órgãos de defesa e segurança internacional, atividades extra-militares em diversos países, satélites de segurança).

Enquanto que, grosso modo, no período da Guerra Fria cada Estado – dentro de cada bloco respectivo – tinha sua soberania subsumida pela potência militar e econômica a que se vinculava, Estados Unidos ou União Soviética, com o fim desse período ocorre uma desarticulação das tensões internacionais em torno desta dualidade e os Estados Unidos aparecem como a única superpotência militar mundial capaz de derrotar qualquer “ameaça a segurança internacional”.

Assim, o contexto pós-Guerra Fria emerge com os Estados Unidos detendo a maior capacidade militar regular da história da humanidade, ao mesmo tempo que passa a perder progressivamente a legitimidade sócio-econômica para o uso irrestrito da violência diante da queda dos “inimigos vermelhos”, sinalizando o início de uma fase de crise e transição na luta pelo estabelecimento de uma nova ordem mundial.

É este vácuo criado na arquitetura da segurança mundial pós-Guerra Fria que impulsiona, em especial pelos Estados Unidos, o processo de privatização e internacionalização das forças militares (a criação das Empresas Militares Privadas - EMP) em conjunto com a transformação das guerras de dimensão global em conflitos de baixa intensidade e reduzida expressão estratégica.

Estas empresas passam a cumprir um papel fundamental na estratégia norte-americana de “salvar-se da crise hegemônica” com a ampliação do novo paradigma de segurança que agora já inclui a possibilidade de intervenção militar global utilizando agentes de segurança privada. Podem-se encontrar serviços destas empresas militares em diversos pontos, como assistência humanitária, nas guerras, operações de reconstrução nacional, guarda, movimentação financeira, serviços de alarme, segurança eletrônica, aérea, proteção executiva, diplomática, de bens, plantas industriais, embaixadas, centros de organizações internacionais e instalações de empresas multinacionais, construção de presídios, transporte, policiamento, logística e serviços de inteligência, treinamento de tropas e, em algumas ocasiões, no combate de fato – como no caso do Iraque e da Colômbia.

Seus clientes são Estados, ONGs, empresas multinacionais, organizações internacionais, executivos, jornalistas, políticos, entre outros, que estimulam um crescimento acelerado da demanda para este tipo de “serviço” no mercado internacional de segurança privada. Com estas empresas militares tomando a cena da “resolução de conflitos”, o Estado terceiriza sua soberania, perdendo a responsabilidade sobre os indivíduos que atuam por tais empresas e criando situações normativamente insustentáveis.

Os chamados “Neomercenários”, sujeitos empregados pelas Empresas Militares Privadas, se encontram numa zona de indiferença jurídica, sendo inimputáveis segundo qualquer padrão normativo internacional. Essa situação precipita situações de impunidade dando poder a agentes militares privados de decidir qual vida pode ser morta sem que se cometa homicídio, além de tantas outras infrações aos direitos humanos mais básicos.

Funcionários das EMPs não se encaixam na categoria de soldados regulares e assim não podem ser punidos pelos códigos militares tradicionais. Como também não existem diretrizes que orientem a direção, gestão, controle e punição das companhias e seus empregados, esta situação generaliza a insegurança nos territórios e recria a natureza bélica dos novos conflitos e lutas extra-parlamentares.

Além deste processo de privatização das formas de segurança, encontramos outra tendência decisiva sobre a reorganização do imperialismo: a ciberguerra. Como ficou claro na recente “Nova Estratégia Internacional para o Ciberespaço” encabeçada pelos Estados Unidos de Obama, a partir de agora serão usados “todos os meios necessários – diplomáticos, informativos, militares e econômicos – que sejam apropriados e consistentes com a legislação internacional” contra aqueles que ameaçarem o ciberespaço global com “atos agressivos”. Conforme o documento, “certos atos hostis conduzidos no ciberespaço podem obrigar a tomada de ações pelos compromissos que temos com nossos sócios de tratados militares. Quando seja justificado, os Estados Unidos responderão aos atos hostis no ciberespaço como responderíamos a qualquer outra ameaça a nosso país”.

Assim, os Estados Unidos não se limitam a garantir a segurança de seu próprio território, mas de todo o ciberespaço global diante das ameaças dos “terroristas cibernéticos” que podem se encontrar em qualquer lugar do mundo. Com isso, “os Estados Unidos assegurarão que os riscos associados a atacar e explorar nossas redes pesem mais que os potenciais benefícios”.

O Pentágono considera a partir de agora que qualquer “ciberataque” de outro país pode ser considerado um ato de guerra, uma agressão virtual que pode desencadear um ataque militar “tradicional”. Não seria esta estratégia uma espécie de “doutrina Bush no ciberespaço”? Esta não seria a tentativa do governo Obama de dar um passo a mais no controle progressivo da rede, uma espécie de militarização da segurança global sobre a propriedade intelectual e a organização coletiva? Estamos presenciando uma espécie de Imperialismo Virtual, etapa superior do capitalismo global.

Nesta doutrina estratégica, aparece como necessidade imperial a dominação defensiva e ofensiva do espectro completo do mundo – espaço, mar, terra, ar e ciberespaço. Em maio de 2010 o Pentágono estabeleceu seu novo Ciber Comando dos Estados Unidos, que completa seus outros comandos. Até agora os Estados Unidos têm resistindo a todas as tentativas de estabelecer tratados internacionais sobre a ciberguerra. Mesmo assim, tem sido declarado publicamente que qualquer ataque cibernético a sua infra-estrutura será considerado um ato de guerra e provocará represália física.

Já houve propostas em setores de defesa dos Estados Unidos de criação de empresas militares privadas para lidar com o “ciberterrorismo”. Esta seria a mescla das duas tendências do imperialismo contemporâneo e que parece aprofundar a capacidade de dominação militar e social em ampla escala. Estamos entrando numa nova era do imperialismo, com novas guerras – privadas e cibernéticas. Por mais que sejam novas, continuam sendo guerras, só que agora com um caráter muito mais nebuloso sobre suas intenções e objetivos, pois é muito mais difícil definir o que é um ataque de guerra e como se lutará.

Encontramo-nos no limiar de transformações radicais no exercício da violência que passa a se desdobrar em novos poros, cada vez mais privados e imateriais, com novos inimigos imaginários e reais. É muito provável que o próximo período será marcado por tentativas cada vez mais escabrosas de censura virtual em larga escala e controle social por segurança privada. Mas o que fazer quando os agentes e os espaços de luta se transformam? Novos desafios surgem.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma estratégia do pós-neoliberalismo ao socialismo



Parte 2 -
Na década de 1990, os países latino-americanos, em sua grande maioria, adotaram práticas de cunho neoliberal em seus sistemas socioeconômico, político e ideológico.  Além do Chile, Bolívia, México, Argentina e Venezuela, países pioneiros na implantação do regime, o neoliberalismo surge no Brasil em momento crítico à política nacional-desenvolvimentista. Após a crise da dívida, diversas tentativas de estabilização inflacionária, fracassos dos planos econômicos, o projeto neoliberal vai ganhando espaço político no país. No Brasil, o neoliberalismo nasce associado à abertura econômica e à democratização, culminando com a derrota do protecionismo e com a diminuição dos direitos trabalhistas provenientes do populismo. As orientações neoliberais foram acolhidas por amplos setores da sociedade brasileira, de governantes e empresários a lideranças do movimento popular e sindical e intelectuais.  Embora desde a década de 1980, as medidas neoliberais tenham sido aplicadas no Brasil, a ofensiva maior ocorreu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em especial depois da crise de 1999, o governo FHC abriu um momento de deslegitimação generalizada do sistema político que forçava uma circulação de elites ou uma revolução. Havia na reserva, entretanto, uma contra-elite política que representava potencialmente essa circulação de elites sem revolução, pois sua base social havia erodido durante os anos 1990, suas linhas programáticas democrático-populares já tinham a simpatia de alguns setores da burguesia e Delfim Netto tinha garantido que um governo Lula seria viável para o capitalismo brasileiro. Quando Lula venceu as eleições muitos à esquerda e à direita acharam que o que estava em jogo não era uma simples “circulação de elites pós-neoliberal”, mas uma revolução social. No final de contas não era uma revolução e nem forçava a organização contra-revolucionária.
Do desenvolvimento deste impasse começou a se configurar melhor na América Latina, como escreve Emir Sader – importante expoente do petismo -, duas vertentes do campo pós-neoliberal: Brasil, Argentina, Uruguai por um lado e Venezuela, Bolívia, Equador por outro. Na primeira existiriam governos antineoliberais cujas políticas buscam a superação desse modelo e no segundo existiriam governos também com a pretensão de ser anticapitalista. Para ambas vertentes, o principal eixo político da América Latina seria o enfrentamento entre o neoliberalismo e o pós-neoliberalismo. Comentando este processo a partir do Brasil, Sader escreve:

Sem uma estratégia pré-definida, Lula buscou avançar pelas linhas de menor resistência. Centrou seu governo em dois eixos fundamentais, que o diferenciou dos governos neoliberais e o aproximou dos novos governos latino-americanos. Eixos que representam os elos mais frágeis do neoliberalismo: a prioridade das políticas sociais ao invés da do ajuste fiscal e a prioridade dos processos de integração regional em lugar dos Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos. São essas as duas características comuns aos governos latino-americanos que podemos caracterizar como pós-neoliberais. É o caso da Venezuela, do Brasil, da Argentina, do Uruguai, da Bolívia e do Equador, que em seu conjunto mudaram a fisionomia do continente e se constituem no único núcleo regional atual de resistência ao neoliberalismo (p. 125)

No caso brasileiro ocorre uma forma de pós-neoliberalismo que aponta para profundas transformações no desenvolvimento do capital e na estrutura de classes no Brasil recente. É verdade que o termo “pós-neoliberal” corre o risco de centralizar as discussões se algo é “pós” ou “neo”, mas é crucial lembrar que o “pós-neoliberal” continua tendo profundas determinações do “neoliberal” e não constitui nem um programa coerente contra o neoliberalismo e nem uma estratégia positiva para além do capitalismo. As experiências pós-neoliberais se caracterizam ao mesmo tempo pela recusa retórica do neoliberalismo e por conter muitos de seus traços fundamentais. O pós-neoliberalismo é baseado em continuidades e descontinuidades que configuram um novo contexto histórico que não tem nada de parecido com a forte intervenção na economia dos tempos do pós-guerra, seja do keynesianismo ou do desenvolvimentismo, mas que reconfigura a ação estatal em relação à sociedade civil e deixa de lado a retórica dos livres mercados como o único horizonte da condução das políticas econômicas. É correto caracterizar o pós-neoliberalismo como um período de transição, com duração variável, para a reorganização da economia, a articulação de um novo papel do Estado, emergência de novos atores sociais e superação da retórica dos livres-mercados.
O “pós-neoliberalismo lulista” representa uma saída com sucesso para o capital desenvolver forças produtivas ao conseguir ampliar espaços de acumulação e expropriação das frações da burguesia com a crescente desmobilização política da sociedade civil pela inserção de camadas pauperizadas da população no mercado com o acréscimo do crédito e do consumo. É a estabilidade política da esquerda no governo sustentando o crescimento econômico e vice-versa. Estes processos envolvem o desenvolvimento das forças produtivas pela indução de políticas econômicas governamentais voltadas à acumulação monopolista do capital. Por isso que a experiência do lulismo demonstra como a crise da ideologia neoliberal não resulta necessariamente numa ordem pós-neoliberal que tenha como alvo formas sociais pós-capitalistas. Em suma, a “linha de menos resistência” utilizada pelo lulismo retraiu o projeto estratégico socialista a políticas públicas voltadas ao atendimento parcial de algumas demandas do programa democrático-popular. Ao se distanciar cada vez mais do horizonte socialista, o lulismo passa a se transformar em partido da ordem incapaz de favorecer a transformação do pós-neoliberalismo num caminho ao socialismo. Mas como construir esta mediação? Que tipo de instrumento político é necessário para forçar estas transformações? Qual seria o horizonte programático desta estratégia do pós-neoliberalismo ao socialismo?
Como nota Wladimir Pomar - outro importante expoente do petismo - muitas vezes esquerda peca quando supõe que

seja possível realizar, sem revolução, um projeto que aproprie socialmente os excedentes econômicos provenientes das rendas, com controle público sobre o petróleo, telecomunicações, potenciais hidráulicos e terra, não passa de ilusão de classe. Não existe qualquer experiência histórica de controle público do patrimônio nacional e apropriação dos excedentes econômicos para fins públicos que tenha sido efetivada sem uma revolução. A social-democracia européia, que realizou uma parte ínfima de um programa desse tipo, só o fez, por um lado, pressionada pelo impacto da revolução soviética e, por outro, facilitada pela expropriação das riquezas produzidas pelos povos dos países coloniais e semi-coloniais. Condições que, ao se esfumarem, afundaram a social-democracia em profunda crise existencial.
           
          Por isso ele crítica uma parte da esquerda que aparentemente não entende as dificuldades de fazer um governo majoritariamente de esquerda num país em que predomina o modo capitalista de produção e em que a revolução socialista não está na ordem do dia. 

uma parte da esquerda brasileira cobrou do governo Lula e, agora, cobra do governo Dilma, a execução de medidas e ações típicas de governos e Estados resultantes de revoluções. É provável que alguns participantes dessa parte da esquerda acreditem que a eleição de um governo de esquerda, mesmo de coalizão, seja capaz de transformar uma vitória eleitoral numa revolução pacífica. Se acreditavam nisso, ficaram frustrados e, agora, encaram os resultados do governo como uma traição.


Para Pomar, o governo Lula não teve como tarefa liquidar o capitalismo e erigir o socialismo. Nas condições em que foi eleito, suas principais tarefas domésticas consistiram em utilizar as forças capitalistas predominantes no país para desenvolver a indústria, a agricultura e os serviços, reconstruir a infra-estrutura de energia, transportes e comunicações e a infra-estrutura urbana, estimular a criação de novos empregos, criar mecanismos de redistribuição de renda e de democratização da propriedade agrária, dar maior musculatura ao mercado interno brasileiro e ampliar os direitos democráticos. Como conseqüência, agora o fundo da situação brasileira tem, por um lado, a necessidade de uma verdadeira revolução para realizar as transformações reclamadas pela sociedade. Por outro lado, a burguesia brasileira vive uma crise política que a dividiu e permitiu que socialistas chegassem ao governo (não ao poder). E, embora o socialismo continue internacionalmente em crise, o mesmo ocorre com o capitalismo e com as potências hegemônicas. Nessa situação, mesmo sendo governo, os socialistas ainda não tem condições de romper com a hegemonia das relações capitalistas e o capital também se encontra enredado em suas próprias contradições e sem condições de restabelecer seu antigo domínio. Vive-se um imbróglio. Emergem agora profundos desafios quanto à capacidade de o governo ampliar sua agenda pós-neoliberal.   

para o governo Dilma não bastará a consolidação da política ou do sistema de planejamento, resgatado pelo governo Lula. É preciso transformá-lo, além disso, numa política ou num sistema de elaboração de projetos estruturantes. Isto é, projetos que influenciem positivamente o desenvolvimento do conjunto das forças produtivas, a exemplo da educação e dos setores energético, de transportes, telecomunicações, indústrias básicas e ciências e tecnologias [...] O desafio seria injetar no planejamento estatal brasileiro um conteúdo que seja o oposto do planejamento do período ditatorial.

Como nota Pomar, ainda não ocorreu uma reversão completa do caminho trilhado pelos governos neoliberais, por mais que algumas mudanças importantes tenham ocorrido. Por exemplo, passamos da estagnação para o crescimento econômico. Saímos da privatização dos ativos das empresas públicas para a consolidação das empresas estatais, que sobraram da privataria neoliberal, e para as parcerias público-privadas, com concessões ao setor privado. O desmantelamento do planejamento estatal foi deixado de lado e há um processo, ainda não consolidado, de retomada do planejamento macroeconômico e macro-social. Para Pomar a esquerda precisa considerar positiva a estratégia governamental de estimular o desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo em que aproveita essa aliança com setores da burguesia nacional e internacional para adotar mecanismos de “democratização do capital”, multiplicação das formas de propriedade e produção (estatais, públicas, solidárias, etc.) e instrumentos mais efetivos de redistribuição constante da renda e de elevação do poder de compra e da educação das camadas mais pobres da população.

O Estado terá, por um lado, que concentrar seus investimentos naquelas áreas estratégicas, seja através das estatais ainda existentes, seja através da mobilização de investimentos privados nacionais e externos. E, no caso de áreas não estratégicas no momento atual, ele terá que mobilizar fundamentalmente capitais privados que possam arcar sozinhos com os investimentos necessários, e que elevem as taxas nacionais de investimentos para 25% a 30% do PIB. 
O governo democrático e popular terá que fazer, de forma mais consciente e planejada, a transformação da política de crescimento em política de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico. Precisará discutir com o movimento sindical e o movimento popular seu apoio explícito à política de apoio à existência das formas econômicas capitalistas e, ao mesmo tempo, à política de reforço das formas capitalistas democráticas, a exemplo das micros e pequenas empresas privadas, e de reforço da propriedade estatal e pública.
A política de reforço das atuais estatais e de constituição de novas estatais nos setores estratégicos merece uma discussão mais profunda com os setores populares, em especial porque ela enfrenta uma resistência feroz. Não são apenas os oligopólios capitalistas, transnacionais e nacionais, que resistem ao aumento do poder das estatais na economia. Outros setores capitalistas, mesmo médios e pequenos, não vêem com bons olhos as estatais.
É preciso desnudar a estrutura da indústria existente no Brasil e adotar um programa eficaz, que leve as empresas estrangeiras a internalizarem novas e altas tecnologias, e que recrie ou crie empresas genuinamente nacionais que compitam com as estrangeiras tanto no mercado interno, quanto no mercado internacional.

Pomar afirma que “a sociedade brasileira precisa de um projeto democrático popular” que, “no âmbito econômico, deve apontar, de modo mais consistente, para maior participação das empresas estatais, em especial nos setores estratégicos, e deve estimular a ampliação massiva do capitalismo democrático, isto é, das micros e pequenas empresas privadas, urbanas e rurais. O que não significa abandonar a política de reforçamento das empresas privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o mercado mais caótico do que normalmente é”. Esta linha chinesa pós-capitalista do pensamento de Pomar conclui que

Tudo isso implica em adotar políticas macroeconômicas coerentes, que tratem não só de manter a inflação baixa, mas também de praticar juros favoráveis para aquele desenvolvimento, e tratem o câmbio como instrumento de política de desenvolvimento industrial. Deixar juros e câmbio à mercê das forças desbragadas do mercado é o mesmo que atravessar estradas de alta velocidade fora das passarelas [...]. Se o governo Dilma demorar demais na configuração de um projeto desse tipo, que possa unificar mais firmemente as classes e setores sociais contraditórios que a levaram ao governo, a tendência pode ser um processo de desgaste constante em torno de problemas de corrupção, reais ou fictícios, ou em torno de divergências de porte menor [...] sem um projeto unificador, o governo Dilma pode ser apanhado no contrapé.

Pomar parece acreditar ingenuamente que existem atualmente os instrumentos políticos necessários para impulsionar esse “reformismo revolucionário” voltado para aplicação de linhas macroeconômicas coerentes, uma crescente intervenção estatal e a multiplicação das formas de propriedade, unificação das classes “aliadas” por um projeto que coloque em risco a hegemonia do poder político da burguesia, desenvolvimento de uma política industrial que acentue os avanços científicos e técnicos, etc. Se parte do capital aderiu ao lulismo por sua política contra qualquer tipo de intervenção na “autonomia dos capitalistas”, o que forçaria uma mudança de rota tão grande? Seria a crise internacional que forçaria esta transformação?  
O raciocínio de Pomar nos leva a crer que o desafio do governo Dilma é a criação de uma espécie de “Plano de Desenvolvimento Nacional Pós-Neoliberal” – cujo PAC é apenas um ensaio geral. Esta seria uma transformação estratégica que apontaria para superação do neoliberalismo definitivamente. Mas para isso não seria necessário uma revolução social e que o PT fosse um partido revolucionário de massas? Ou poderia seria feito por um “governo de coalizão dirigido pela esquerda” orientado pelo “crescimento econômico com distribuição de renda”? O lulismo seria capaz de dar o salto estratégico para aumentar o controle dos capitalistas e do mercado impulsionando novas polarizações políticas e sociais rumo ao encontro com a revolução socialista? E não seria o transformismo do PT e a renegação da revolução socialista na direção deste partido que contribui para o fortalecimento da organização política conservadora e reacionária? Afinal, é compatível articular estas transformações sem fazer mudanças que limitem o poder dos capitalistas e sem instigar ainda mais a raiva dos monopólios contrários a política petista? Haveria disposição política a fazer isso e colocar em jogo a conciliação de classes lulista para impulsionar este tipo de reformas pós-neoliberais? Teria o petismo capacidade de enfrentar os monopólios e oligopólios capitalistas e dar um salto estratégico do pós-neoliberalismo ao socialismo? Muito difícil.  
É verdade que um dos problemas da esquerda socialista é que continua não distinguindo neoliberalismo de pós-neoliberalismo. É verdade que ambas são políticas oriundas do capitalismo, mas esta última ingressa na vertente desenvolvimentista aberta pelos países emergentes, embora ainda sofrendo a pressão neoliberal. É destas contradições que deve ser gestada uma estratégia socialista com reformas que tocam na propriedade e o controle efetivo dos meios de produção. Sem isso a indução do Estado no caos do mercado terá apenas efeitos conjunturais, nunca conseguindo superar as determinações do neoliberalismo e sua correlação de classes.
Uma estratégia socialista para o pós-neoliberalismo lulista é essencial para superar o capitalismo brasileiro contemporâneo. Estas transformações apontam para a necessidade de atualizar a estratégia e a tática socialista. Os socialistas têm que considerar que estão numa situação inesperada e que precisam se reconstruir encontrando estratégias que não estão previstas em nenhum dos manuais marxistas.
       Ainda nos falta uma estratégia que deve favorecer a transformação do pós-neoliberalismo no socialismo, caracterizando-se com um programa de transição ao socialismo. A nova esquerda tem o desafio de formulação de uma estratégia para encontrar a forma adequada de luta e de organização, com um caminho e suas alianças de classe para a revolução brasileira. O pós-neoliberalismo é uma transição de uma forma de capitalismo para outra e uma mutação na configuração do bloco de poder. No momento certo deve estar articulada uma estratégia socialista que inviabilize o retrocesso socioeconômico e político com a saturação do modelo com capacidade de reduzir radicalmente os direitos dos proprietários capitalistas e possibilite uma ofensiva socialista que torne irreversível as transformações pós-neoliberais. Sem este tipo de ofensiva é uma grande ingenuidade acreditar que é possível a superação do neoliberalismo apenas na linha de menor resistência do lulismo.
Infelizmente, a aceitação do consenso pós-neoliberal lulista – e seus limites estratégicos e programáticos - ainda impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrática-popular pós-neoliberal é cúmplice nos fenômenos que ela condena além de desconsiderar qualquer tentativa séria de construir uma ordem sociopolítica pós-neoliberal orientada por restringir a autonomia do capital e fomentar reformas amplas que visem criar rupturas com o capitalismo. A forma lulista de pós-neoliberalismo depende para sua estabilização (a “governabilidade”) de um crescente distanciamento de qualquer tipo de disposição de impulsionar transformações pós-capitalistas. Como partido da ordem, para o PT seria catastrófico para a “governabilidade” uma luta verdadeira contra o capital e entre as frações do capital. O PT não pode avançar do pós-neoliberalismo ao socialismo, preso aos seus próprios “aliados políticos” e pela relativa unidade da burguesia em torno do crescimento econômico.
Agora o desafio passa de superação do neoliberalismo para uma batalha contra o capitalismo – e provavelmente apenas a “crise dos emergentes” abrirá um novo panorama que supere as ilusões do pacto lulista. O pós-neoliberalismo produziu uma ilusão generalizada de melhora lenta, gradual e segura na “democratização do capital”. Em meio a este processo, a nova classe proletária brasileira - produto da expansão capitalista recente - junto com segmentos do subproletariado sem voz política, mobilizações camponesas, movimentos populares urbanos na periferia, igrejas de base, dos povos indígenas, dos desempregados e um novo movimento estudantil progressista – deverá renovar e formular sua estratégia, suas organizações, métodos de luta comum e programa político. Apenas um salto qualitativo neste processo pode empurrar o pós-neoliberalismo ao precipício da história junto com o capitalismo. Nossa tarefa é derrotar as forças contra-revolucionárias que defendem o capitalismo (neoliberal e pós-neoliberal). Ainda pode demorar um tempo, mas é a reorganização da esquerda sob novas bases que pode forçar o esgotamento do pós-neoliberalismo se transformar num caminho ao socialismo com capacidade de construir uma força hegemônica impulsionando projetos pós-neoliberais em escala mundial. Está claro que, dada as condições de crise internacional e os impasses do pós-neoliberalismo lulista, é um ótimo momento para a retomada do socialismo como estratégia de luta política no Brasil e na América Latina. Se não avançarmos nesta perspectiva estratégica em nossas lutas talvez terminemos tragados por uma inflexão histórica que aniquile o que foi conquistado.  Este é um dos desafios estratégicos da nova esquerda socialista.

Para terminar, cito as palavras de Ademar Bogo,  

O período da “esquerda negociadora” e das disputas institucionais, isoladas, para acumular forças aproveitáveis para o processo revolucionário, por si só, está superado; já não há o que negociar a não ser a manutenção das conquistas anteriores, nem o que disputar no campo da institucionalidade, quando o objetivo não for a ruptura com a ordem. Essas práticas, firmadas no degrau da luta política, se desatualizam e converteram-se em fórmulas que, além de conter as transformações, empurram o movimento das mudanças para trás [...]. A mudança de conteúdo na composição das forças sociais exige a criatividade para reinventar as formas organizativas. A estratégia doravante em articulação deve a ser de combinar a ação da classe (onde estiver organizada) com a ação das massas populares e setores médios existentes [...] O sujeito da história, constituído pelas diversas forças organizadas, garantirá que no futuro se tenha não apenas uma sociedade socialista, mas a certeza de que ela é apenas a transição para o comunismo, quando tudo ficará melhor.    

                 

quinta-feira, 3 de novembro de 2011


Desafios estratégicos do PSOL e os limites do programa democrático-popular: que programa? que estratégia? Que socialismo?

            Parte 1
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apareceu na cena política brasileira em 2005 reivindicando os objetivos que o Partidos Trabalhadores (PT) abandonou ao longo de sua trajetória histórica. Seria um partido construído com o objetivo de reconstruir a estratégia socialista encontrando tanto os limites do projeto petista de transformação social como impulsionando lutas políticas que visassem à reorganização da esquerda com o esgotamento do PT como partido socialista no Brasil. Mas poderia o PSOL articular, organizar e construir uma trajetória alternativa voltada à construção do socialismo no Brasil? Que socialismo está em questão neste projeto? Que formato organizativo pode orientar as tarefas necessárias para esta empreitada? Afinal, existe no PSOL alguma estratégia que una as tendências e agentes do partido? O PSOL está repetindo a trágica tática anti-estratégica do PT? No que sua estratégia e programa superam o petismo realmente existente? Qual é o projeto de Brasil instigado pelo PSOL? Neste momento histórico marcado pelo lulismo e pela repolitização da direita, o PSOL está deixando ou já deixou de ser um partido anticapitalista convertendo-se num partido disposto a conviver indefinidamente com o capitalismo? Qual é o papel do PSOL no próximo período? Como o PSOL poderá dar um salto de qualidade e reelaborar sua estratégia de poder? O PSOL ainda possui as energias necessárias para enfrentar suas múltiplas tarefas de curto prazo e dar conta dos desafios políticos e teóricos de médio e longo prazo? Enfim, o PSOL seria capaz, como sugeriu Plínio de Arruda Sampaio, de “refundar a estratégia do socialismo”? Se o socialismo é nosso objetivo, qual socialismo seria? Seria o socialismo do desenvolvimento econômico e uma melhora na distribuição de renda? Seria o socialismo para criar as bases de uma nova expansão do capitalismo? Ou seria o socialismo baseado na nacionalização e estatização dos meios de produção? Ou seria um socialismo de mercado com características latino-americanas?
Neste momento de encruzilhada histórica no Brasil – entre o sucesso do governo Lula-Dilma em avançar no capitalismo total e a repolitização da direita de espírito legalista com programas sociais - ou a Esquerda se reconstrói ou não conseguirá responder as lutas político-sociais que emergem no atual tempo histórico. Ainda prevalece na esquerda brasileira a lei do mínimo esforço teórico – o que piora ainda mais as condições de entendimento da situação das coisas atual.
Os antagonismos do PSOL parecem evidenciar que 1) o partido ainda não consolidou sua prática política, nem assimilara corretamente as transformações do Brasil sob a égide do lulismo; 2) enfrenta crises e confrontos ideológicos por não ter qualquer previsão programática dos eixos de luta interna; 3) sofre o fracionamento pela incapacidade de construir uma estratégia de poder e da revolução brasileira condizente com nossos desafios históricos. Os impasses que deram origem ao PSOL continuam operantes hoje, em 2011: nascido para superar a fragmentação da esquerda, o PSOL se dispôs a encontrar novas sínteses para reconstruir um projeto de poder e de superação do desastre lulista-petista. Infelizmente, as vésperas do III Congresso em 2011, constatamos que se o PT se transformou num partido que sonha em “humanizar o capitalismo” e que muitas vezes a “oposição de esquerda” se reduz ao desejo de humanizar o lulismo. Superar esta condição é crucial.
Neste difícil panorama, talvez o que una hoje todas as tendências do PSOL seja a urgência de uma estratégia numa escala de tempo extensa que consiga lidar com os enormes desafios que temos pela frente. A cada passo dado pelo PSOL, aumenta sua responsabilidade em apresentar um programa socialista plural e ousado capaz de avançar na orientação geral das forças sociais da nova esquerda.
O PSOL precisa avançar em sua unidade nacional em torno de um projeto, de modo que as ações do partido sejam compreendidas como parte de um processo mais amplo. Para todas as tendências é claro que o partido carece de uma política que unifique as atuações no parlamento, nas universidades, nos sindicatos, nos bairros, fábricas, hospitais e de instrumentos que viabilizem a intervenção qualificada da militância com jornais, panfletos e campanhas. Para todos é claro que falta uma espinha dorsal que unifique programaticamente o partido. O PSOL nasceu para superar o vazio estratégico da nova esquerda socialista e ainda não conseguiu desenvolver uma estratégia revolucionária para uma situação contra-revolucionária criando um espaço à esquerda que se diferencie tanto do PT como na velha e da nova direita.   
Mas qual seria a estratégia socialista hoje para a revolução brasileira? É evidente que a referência estratégica formulada pelo PT não é suficiente para orientar as linhas gerais de ação estratégica do PSOL nesta década. Em termos de programa, também não basta apresentar como programa uma soma de reivindicações parciais. Nos falta descobrir seis ou setes temas que podem ser transformados em referência para a população colocando novamente a luta socialista como pauta política central no Brasil. Se o PSOL se omitir novamente da necessidade de construir perspectivas estratégicas corremos o risco de navegar rumo ao oportunismo. Estamos numa encruzilhada: ou damos um salto ou seremos tragados pela história. Por isso é tão importante a renovação e a atualização da agenda concreta do projeto socialista.
Um ponto crucial para ser levantado é que para construir uma nova hegemonia o PSOL tem que ter coragem de trabalhar com as forças políticas que são capazes de se aliar em torno da superação do projeto democrático-popular. Por mais que existam tendências que reivindiquem o programa “democrático-popular”, deve ficar claro que a estratégia socialista numa ampla escala de tempo tem como desdobramento construir o mundo do trabalho nas mãos dos trabalhadores livremente associados – e não uma nova etapa capitalista com maior autonomia do capital – como é o caso do pós-neoliberalismo lulista. Por isso que é uma nova esquerda necessita de uma readequação entre programa e estratégia socialista.  
O que está colocado como estratégia do programa democrático-popular é o “socialismo petista”. O “socialismo petista” é fundamentado na idéia da progressiva radicalização da democracia e pela adoção de uma política de acúmulo de forças, combinando a construção do próprio PT pela ocupação de espaços institucionais. É uma estratégia que defende uma aliança com setores do capital contra o neoliberalismo capaz de “acumular forças” para que, num momento longínquo, houvesse uma correlação que tornaria possível recolocar o socialismo na agenda política do partido e do país. Menos que acusar o PT de “traição” ou nos prender a uma simples negação do petismo, devemos compreender que as escolhas estratégicas feitas pelo petismo devem levar em conta a hegemonia burguesa no partido que deixou o socialismo pelo “crescimento econômico democrático” como matriz estratégica da transformação da sociedade brasileira. É este socialismo que perseguimos? Por isso é preciso ficar claro quais são as diferenças estratégicas em relação ao PT. Não é possível apenas reduzir este debate as coisas que o PT não fez do programa democrático-popular no poder – reforma agrária, democratização da comunicação, politização social, saúde e educação pública universal, restrição ao capital financeiro, auditoria das privatizações e da dívida pública, etc.
A inviabilidade objetiva de construção do socialismo por estes marcos deveria nos alertar sobre os limites programáticos do projeto democrático-popular. O capitalismo brasileiro lulista colocou para trás o programa democrático-popular. Agora, sob a égide do capitalismo monopolista, o programa democrático-popular torna-se o imaginário da nação sendo um enclave no avanço da luta socialista. Ao que tudo parece, não é a toa que o lulismo é incapaz de dar este salto estratégico para expropriação de um grupo central de grandes empresas monopolistas. Seu gigantesco pacto de poder inviabiliza o horizonte socialista com o aprofundamento das contradições do desenvolvimento recente do capitalismo brasileiro. É por isso que quando bater o teto do lulismo a ofensiva socialista deve estar pronta para não retrair posições do poder estatal e, ao mesmo tempo, avançar em reformas substanciais como a nacionalização de setores estratégicos, aumento da tributação dos mais ricos, ampliação dos serviços públicos, criação de novas empresas estratégicas que disputem com o capital privado nacional, ofensiva contra as milícias e para-militares, socialização da comunicação, industrialização dos assentamentos, entre outras medidas.
Isso é, o programa democrático-popular, se num período teve um caráter subversivo, foi completamente reformulado a partir das orientações burguesas que passaram a encontrar em seus objetivos novas formas de acumulação de capital. Na realidade, “fidelidade ao consenso democrático-popular” significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar lulista já que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem é cúmplice nos fenômenos que ela condena além de oficialmente condenar qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sociopolítica socialista. O lulismo posterga ao infinito um novo ascenso de massas. O programa democrático-popular de programa mínimo, capaz de dialogar com a classe trabalhadora, passou para o consenso das transformações políticas “possíveis”. O papel do PSOL é construir uma superação programática, política e organizativa do PT, mesmo do PT das origens, para não ficar preso ao seu esgotamento.
Os limites do programa democrático-popular devem revelar os pontos iniciais de uma orientação geral da nova esquerda no Brasil. O programa democrático-popular foi elevado ao limite do pensamento possível de esquerda da geração petista. Talvez deveríamos estar mais preocupados – como abordaremos no próximo texto – a superação radical do programa democrático-popular orientando o incipiente pós-neoliberalismo lulista rumo ao socialismo. 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Europa e os desafios da esquerda

É uma grande esperança que uma verdadeira esquerda esteja novamente se levantando na Europa. Entretanto, de forma geral, a esquerda européia passa por uma encruzilhada. As recentes mobilizações em países como Grécia, Espanha e Inglaterra estão dizendo em alto e bom som um “Basta!” às políticas de austeridade que tendem a destruir o Estado de Bem Estar Social construído a partir do pós-guerra - e, por ora, nada mais. Em última análise, tem-se muito a perder e não se sabe em que direção avançar. Tais mobilizações expressam uma autêntica raiva que não consegue se transformar num programa positivo de mudança sócio-política. É claro que estes movimentos estão dando uma contribuição decisiva na abertura de novos espaços de auto-organização, mas o que fazer quando o entusiasmo das multidões se esgotar está ainda completamente em aberto. O que agrava esta situação é ainda a repolitização da extrema-direita que, a cada manifestação popular, ganha novos adeptos. É um momento de novas polarizações.



É certo que o modelo neoliberal está numa profunda crise. Coloca-se em questão uma nova seqüência política para além do neoliberalismo como horizonte de ação sob novas formas de organização social. Porém, ao mesmo tempo em que a luta institucional é na maioria das vezes rechaçada, ainda não se vê como ligar a política com o povo. Tudo se passa como se a política fosse feita apenas por profissionais que estão enormemente distantes das ruas. Quando os manifestantes iniciam o debate sobre o que fazer depois do mero protesto, o consenso continua sendo que não é necessário um novo partido ou alguma disputa real com o poder estatal. No caso grego e espanhol, em especial, o movimento tem como objetivo criar uma pressão sobre os partidos políticos sem querer sujar as mãos com as disputas que podem se perder na política institucional dominante. Existe um medo de dar o passo crucial da politização, do risco inerente em querer modificar as regras do jogo.



Este medo de politização das manifestações sociais vem em parte do estado deplorável em que a esquerda institucional se encontrava bem antes da situação atual. A esquerda tenta se reconstruir a partir de um estado de bancarrota política. Ela vinha perdendo toda capacidade de representação das lutas sociais ou de organização dos movimentos de emancipação numa progressiva desintegração ideológica. Aqueles que a encarnavam nominalmente eram apenas espectadores e, pela falta de audiência popular, exerciam meramente um papel de comentaristas impotentes diante de uma crise para a qual não propõem nenhuma resposta coletiva. Em suma, estamos num momento dramático na esquerda, que muitas vezes se auto-enclausura em reivindicações como “mais tolerância”, “mais direitos humanos”, “mais democracia”, continuando nos horizontes da social-democracia clássica, ao mesmo tempo em que as novas mobilizações abrem espaço para políticas combativas, mas ainda sem forma e conteúdo.



Enfim, a crise da esquerda não diz respeito apenas ao declínio dos movimentos marxistas em todo o mundo, mas à falta de uma estratégia numa escala de tempo extensa que consiga lidar com os enormes desafios que temos pela frente. Essa estratégia passa por uma nova concepção de partido, pela superação do horizonte democrático, pelo fortalecimento dos agentes extra-institucionais, novas formas de organização de base e, não menos importante, uma luta ideológica rumo à reconstrução do projeto de emancipação no século XXI. Estamos num período em que o velho está morrendo aceleradamente (numa mutação sem precedentes) em conjunto com as dificuldades das dores do parto do novo que, aparentemente, não está tendo fôlego para lidar com os desafios históricos contemporâneos.



De qualquer forma, são momentos interessantes, que dão um refresco num continente tomado por governos de direita. Entretanto, o que vale frisar é a situação extremamente contraditória e reativa. É normal ser contra o estado de coisas, mas não se tem muita idéia sobre o que se é a favor. Por mais que por vezes se fale de “revolução” para caracterizar estes movimentos, ela só poderá ter um sentido real quando estiver vinculada à política.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma era pós-Osama Bin Laden? O que a esquerda tem a dizer?

Como atenta Susan Willis, logo após o 11 de setembro, quando a nação estadunidense ainda se recuperava dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, os meios de comunicação, aparentemente insatisfeitos com a catástrofe ocorrida, espalharam o medo de que terroristas, tendo fechado o tráfego aéreo e a Bolsa de Valores iriam continuar sua empreitada usando armas químicas e biológicas. Os temores se concretizaram com as correspondências com antraz, cinco verdadeiras e outras milhares fraudentas. A histeria se espalhou pelo país desde as áreas afastadas da zona rural até as grandes metrópoles – lugares que, até então, eram considerados de baixo risco como alvos terroristas em potencial. Agências de correio das faculdades mandaram para quarentena pacotes de biscoitos caseiros que recebiam; milhares de correspondências foram lacradas e armazenadas para testes futuros; diversos vôos comerciais foram redirecionados e forçados a pousar quando qualquer tipo de pó branco (na maioria das vezes, adoçante) era encontrado nas bandejas. Nas suas palavras, "substâncias triviais da vida cotidiana – pó para pudim de baunilha, açúcar, farinha, talco – conseguiram fechar escolas e fábricas, reter correspondências e emperrar o ritmo usual dos negócios. O país entrou em pânico. O pó branco aparecia e todo tudo. Os cidadãos tinham medo de receber e, sobretudo, de abrir suas correspondências. Órgãos governamentais, o serviço postal e os centros para controle de doenças demoraram em emitir recomendações preventivas. E quando a recomendação era feita, intensificava a preocupação pública. Ordenaram que procurássemos envelopes suspeitos: cartas sem remetente, combinações estranhas de selos, volumes injustificados, embrulhos inusitados e, sobretudo, o pó branco. Fomos avisados para lacrar a carta suspeita num saco plástico, bem como nossas roupas, e tomarmos banho imediatamente. Acompanhando o aviso, vieram centenas de outros trotes e alarmes falsos. As pessoas começaram a encomendar e estocar Cipro, o antibiótico então recomendado. Algumas pessoas, que nunca haviam sido expostas, começaram a tomar o remédio antecipadamente, apesar da advertência médica de que a droga produziria efeitos colaterais indesejados". A busca pela sensação de segurança é patente no mapa imaginário da pós-11 de setembro. Não é toa que essa histeria se espalhou rapidamente. Somente em Londres, no fim da terceira semana de outubro de 2001, os aliados ingleses já haviam recebido mais de quinhentas ameaças de contaminação por antraz. No meio dessa paranóia é tão estranho que, logo após os ataques de 11 de setembro, a aprovação presidencial de Bush tenha ficado em torno de 90%? E não haveria acontecido algo quase inverso agora com a morte de Osama Bin Laden? Todos estão satisfeitos com o assassinato do líder da Al Qaeda: é uma nova oportunidade para a expansão do “eixo da democracia” contra o terror e as rebeliões populares no mundo árabe.

Com o fim da Guerra Fria o antigo inimigo do Império (os comunistas) desapareceu. Entretanto, o fim da bipolaridade deixou um vácuo do poder preenchido pelos Estados Unidos com a única superpotência mundial. Sua atuação passou neste período da clássica guerra entre Estados para a expansão de bases aéreas e frotas por todos os continentes com intervenções “humanitárias” para desestabilização social ou estabilizar a democracia na marra – Bósnia, Yugoslávia, Somália, Honduras, Colômbia, Haiti, Iraque, Afeganistão, entre outros países. Mas como se legitimavam estas intervenções? Afinal, o velho inimigo desapareceu. Foi em 2001, nos ataques do 11 de setembro, que se encontrou um novo Inimigo: era o terrorismo. Emergiu um novo Significante-Mestre que unificou todos os males sociais: o terrorista com a figura de Osama Bin Laden. Seu rosto foi mostrado por todo o mundo como o inimigo principal a ser combatido. Nessa euforia foram iniciadas duas guerras que até hoje ninguém sabe ao certo por que existem. No Afeganistão foram para capturar Bin Laden. Depois ficou claro que o Afeganistão é um ponto militar que da fácil acesso tanto à Rússia e a China como ao Irã e outros países extratores de petróleo no Oriente Médio. Sendo um ponto de localização geopolítica privilegiada, em torno do Sul da Ásia, Ásia Central e o Oriente Médio, o Afeganistão também tem saídas pelo Mar Cáspio que facilitam enormemente os dutos de petróleo rumo ao Oceano Índico onde a empresa estadunidense Unocal tem negócios exclusivos para o gás natural do Turcomenistão pelo Afeganistão e Paquistão. Entretanto, sempre parecia que Osama estava sempre um passo na frente dos Estados Unidos. Agora que Obama declarou a morte de Obama por forças especiais num país independente que o jogaram no mar, qual é a razão de continuar em guerra? “O mundo sente alívio” disse Obama. Será mesmo? Parece mais que a gestão norte-americana e a CIA ficaram mais aliviadas. Como escreveu Atílio Borón,


Osama vivo era un peligro. Sabía (¿o sabe?) demasiado, y es razonable suponer que lo último que quería el gobierno estadounidense era llevarlo a juicio y dejarlo hablar. En tal caso se hubiera desatado un escándalo de enormes proporciones al revelar las conexiones con la CIA, los armamentos y el dinero suministrado por la Casa Blanca, las operaciones ilegales montadas por Washington, los oscuros negocios de su familia con el lobby petrolero norteamericano y, muy especialmente, con la familia Bush, entre otras nimiedades. En suma, un testigo al que había que acallar sí o sí, como Muammar Gadafi. El problema es que ya muerto Osama se convierte para los jihadistas islámicos en un mártir de la causa, y el deseo de venganza seguramente impulsará a las muchas células dormidas de Al Qaeda a perpetuar nuevas atrocidades para vengar la muerte de su líder.

A morte de Bin Laden reinstalaria a Al Qaeda no centro do cenário das grandes mobilizações do mundo árabe, por mais que até agora estivesse ausente. Seu líder morto brutalmente pelo líder do ocidente instigaria novamente o fundamentalismo islâmico. Como escreve, “probablemente su acción no hizo sino despertar a un monstruo que estaba dormido. El tiempo dirá si esto es así o no, pero sobran las razones para estar muy preocupados”.
E se este movimento for não para acabar com o terrorismo, mas impulsionar a saturação do imaginário ocidental pela Al-Qaeda? Agora ela volta à cena – no mesmo momento de ascenso de massas em países como Marrocos, Tunísia, Egito, Síria, Líbia, Iraque, Palestina, Irã, etc. Como escreveu Santiago Alba Rico na nota “Matar a Bin Laden, resucitar a Al-Qaida”: “no sabemos si realmente han matado a Bin laden; lo que está claro es que el esfuerzo por resucitar a toda costa a Al-Qaida pretende matar los procesos de cambio comenzados hace cuatro meses en el mundo árabe”. Assim como os ataques de 11 de setembro acabaram por impulsionar o descenso do movimento “antiglobalização”, a morte de Bin Laden não teria o mesmo efeito nas revoltas árabes? Não seria a tentativa de ascender a Al-Qaeda para a disputa pelo poder nestes países?

Por outro lado, para Jáled Harub em “Las revoluciones árabes acaban con la ideología y el discurso de Al Qaeda”, o efeito mais importante das revoluções árabes pacíficas sobre a lógica e a ideologia da Al Qaeda consiste em demonstrar a incapacidade do uso do recurso da violência pura para transformações internas nos regimes autoritários.

Los pueblos árabes y musulmanes no necesitan de organizaciones armadas ni violentas generadoras de los más altos niveles de terrorismo para hacer caer a regímenes que no quieren. La palabra clave que han aportado las revoluciones árabes pacíficas al diccionario del cambio político y social es «efectividad». Estas revoluciones que no se han apoyado en ningún tipo de armas ni en ninguna forma, por remota que sea, de violencia armada han sido «eficaces», han logrado todo lo que no habían conseguido el resto de medios de cambio. Los regímenes, confusos ante como responder ante estas revoluciones pacíficas, deseaban que éstas se inclinasen hacia la violencia para poder justificar el uso de sus aparatos sanguinarios de represión [...]. El fracaso de la «era de Al Qaeda» y de sus estrategias violentas consiste en que se basan en la destrucción, el caos y el derramamiento de sangre como único resultado, sin que tenga ningún proyecto que llevar a término. La táctica por excelencia para reclutar miembros y enrolarlos en sus filas eran las armas y el discurso de la «yihad», la creación de un romanticismo falso en torno a las armas, vanagloriándolas y creando cánticos sobre ellas. El manejo de las armas, como usarlas y como perpetrar acciones son su principal misión sin tener un objetivo más amplio o más importante, o una estrategia convincente. Si analizamos el esfuerzo para crear ideas, dar con nuevos métodos vemos que solo se concentran en como colar explosivos o suicidas a bordo de aviones civiles y estrellarlos [...]. La batalla se ha convertido en una caricatura ridícula de un combate de lucha por puntos entre Al Qaeda y los servicios secretos, a expensas de los pueblos de la región, su futuro y sus vidas. La segunda explicación sería la fascinación por la imagen. A pesar de toda la penuria que ha caído sobre los musulmanes como resultado del terrorismo del 11-S, Al Qaeda y sus líderes siguen extasiados por los medios de comunicación y la capacidad dramática.

Parece que a morte de Bin Laden é uma manobra. Está se procurando usar a morte de Bin Laden para aumentar as medidas de “segurança nacional” e redividir o mundo entre os lutadores contra o terrorismo e aqueles que o defendem. Procura-se retroceder numa nova polarização do campo político, não mais entre “forças populares contra regimes tirânicos”, mas a democracia contra o terrorismo (não é a toa que é a primeira vez que Israel parabeniza os EUA desde o início dos levantes árabes). Como disse David Cameron, a morte de Bin Laden “não significa o fim da ameaça do terror extremista”. Mas não era Bin Laden o Inimigo do Ocidente? O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, disse que “esse é um golpe importante e decisivo para o terrorismo global e demonstra, mais uma vez, que os terroristas, mais cedo ou mais tarde, sempre caem" [...] "Na luta global contra o terrorismo só existe um maneira: perseverar, perseverar e resistir" dando uma bela indireta sobre o trabalho da CIA militarizada contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Bin Laden havia se tornado uma espécie de sujeito imortal e, de repente, é morto por “elites da segurança nacional” dos Estados Unidos no Paquistão. Existe um nó que parece apontar como uma espécie de CIA altamente militarizada que atua “contra o terrorismo” por todo o mundo. Esta morte parece com a de Michel Jackson: cheio de interrogações e com poucas pessoas habilitadas a dizer os reais interesses em jogo. As perguntas iniciais ainda continuam em suspenso: onde estão as provas, fotos e relatos da missão de assassinato de Bin Laden? Como Bin Laden foi capaz de movimentar seu dinheiro durante este tempo? Qual era sua relação com a Al Qaeda? Como opera as operações da CIA nos países que “contra o terrorismo”? Por que esta morte parece tanto fazer parte do teatro da “guerra ao terror” assim como os ataques de 11 de setembro e a acusação de que no Iraque havia “armas de destruição em massa”? Já não aprendemos - um pouco até com o Wikileaks - que o terrorismo é fomentado pelos agentes da CIA? E agora a esquerda terá força para por fim a esta falsa polarização entre democracia e fundamentalismo islâmico para impor uma nova alternativa social ou retrocederá o pouco que avançou?

terça-feira, 26 de abril de 2011

Lula e teoria das elites

O governo Lula foi um período de "circulação de elites", em que novas camadas ascendentes desalojam parte da elite anterior, se acomodam com outra parte que se consegue manter no topo e criaram novos pontos de poder (como os gestores dos fundos de pensão e conselhos administrativos). Afinal de contas, sem a “circulação das elites” ocorre sua degeneração (o que por sinal já estava ocorrendo no final do governo FHC). A questão é que, no poder, a tendência natural é fazer de tudo para perpetuar-se nele. Maquiavel já havia percebido isso. Mas e agora? O governo Dilma é, em grande medida, uma reprodução das elites e não uma circulação. Como será o processo degenerativo das elites lulistas? O que se terá em troca? Que hegemonia estará em jogo, uma hegemonia as avessas ao quadrado?

sábado, 23 de abril de 2011

A irracionalidade da nova Direita

Uma nova forma de irracionalidade reacionária anticomunista está emergindo como sinal da senilidade da pós-política democrática. Ele é baseado no medo de imigrantes, de corruptos, da destruição da família e dos valores, dos sem educação, sem terra, do marxismo e do totalitarismo nazista-soviético (alguns até dizem que era Stálin que tramou a Segunda Guerra Mundial e que Hitler era apenas um personagem secundário). Eles clamam pela moralidade perdida da família e desdenham da falta de coragem liberal de “fazer o que deve ser feito” para privilegiar os interesses dos “homens de bem”, naturalmente contra um Mal obscuro que cresce na sociedade multiculturalista contemporânea. Esse tipo de pensamento representa o excesso de extrema-direita que esta num processo de repolitização num amplo transbordando do cenário pós-político das democracias liberais. Agora o processo de centramento da esquerda e a repolitização da extrema-direita retoma ritmo impulsionando novas irracionalidades ao processo sócio-político.