domingo, 8 de março de 2009

Notas sobre o conto “Casa Tomada” de Júlio Cortasár

Aquilo que ambos não sabiam e que os forçaram traumaticamente a sair da casa não é o Real? Não podemos interpretar o conto como a volta traumática das recordações das bisavós, do avô paterno e dos pais diante da falta de resolução do relacionamento entre os irmão e irmão? Não foi o retorno do impossível “simples e silencioso matrimônio de irmãos” que parecia ser o fim necessário para a genealogia fundada pelos bisavôs na casa? Ou ainda, essa aparição do Real não é efeito direto da inexistência de metalinguagem entre o masculino e o feminino? Não é esse Real exatamente o distúrbio inevitável da relação impossível entre os dois?
Fui pelo corredor até chegar à porta de carvalho, que estava entreaberta, e dava a volta ao cotovelo que levava à cozinha quando ouvi alguma coisa na sala de jantar ou na biblioteca. O som vinha impreciso e surdo, como o tombar de uma cadeira sobre tapete ou um abafado murmúrio de conversação. E o ouvi, também, ao mesmo tempo ou um segundo depois, no fundo do corredor que vinha daquelas peças até a porta.
Depois de ferver água na cozinha e trazer a badeja de mate para Irene diz solenemente: “tive que fechar a porta do corredor. Tomaram a parte dos fundos”. Sob o implícito conhecimento de ambos do “eles” que tomaram a parte dos fundos da casa, tiveram que viver no lado que sobrou. O que possibilitaria tal calmaria? Diante da mudança que a priori foi incomoda já que os livros franceses estavam na biblioteca e algumas peças de roupa de Irene estavam na parte tomada da casa, as coisas voltaram ao normal: “eu andava um pouco desorientado por causa dos livros, mas, para não afligir minha irmã, comecei a examinar a coleção de selos de papai, e isso me serviu para matar o tempo. Nós nos divertíamos muito, cada qual em suas coisas, quase sempre reunidos no quarto de Irene, que era mais confortável”. Quando os ruídos voltaram, ambos não precisavam nem olhar para iniciar uma nova corrida contra o inominável. “Os ruídos ficavam mais fortes, mas sempre abafados, às nossas costas. Fechei de um golpe a porta e ficamos no saguão. Não se ouvia nada agora”. O espectro do som não é a causa do desejo transgeracional de seus bisavôs perturbando a aparente normalidade da relação entre os dois? Será que se olhassem diretamente para o que produziu o som veriam alguma coisa no nível da realidade? O que o conto deixa implícito é que não eram pessoas reais que entraram na casa e sim uma paradoxal materialização do desejo de reprodução da família e da casa – e como o desejo não tem substância não poderia passar de um som (ou um olhar) que simboliza a falta central da castração. Essa aparição espectral dependeu diretamente da fantasia que ambos compartilhavam – os ruídos foram o encontro com o Real. Infelizmente o Ato em sua dimensão ética não foi feito por ambos já que foram envolvidos pela potencia desse espectro e jogados para fora da casa.

Nenhum comentário: