Neste blog regurgito minhas posições sobre diferentes aspectos da realidade/fantasia social, política e econômica do mundo atual.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Notas filosóficas sobre o amor - parte 2
Um dos conceitos mais importantes de Lacan é o de objeto pequeno a: ele não é o bjeto de desejo do sujeito, é exatamente o desejo de desejar o desejo do Outro. O objeto a é o objeto-causa do desejo, o X insondável "a mais que si mesmo". É o excesso de vida que perpassa a finitude, que volta a si pela repetição. É o "a mais" não integrável ao processo de simbolização, é o ponto metafísico próprio do materialismo, o não-senso do sentido negativo: o Vazio. Ele é não-substâncial e caminha pelo vazio de uma lacuna imsimbolizável que possibilita o movimento sendo um obstáculo a jouissance total, sonho daqueles que consideram o sujeito uma mônada. O objeto a surge de uma aproximação do Real por alguma automutilação. Nesse sentido é que, para Lacan, "amar é dar o que não se tem... para quem não quer". O amor mutila, pois possibilita que esse excesso inumano se aflore pelo subentendido desestruturando as coordenadas simbólicas. O amor é não-Todo já que aceita o inominável do ser amado. O amor é ético já que possibilita suspender a própria ética para que se trabalhe a verdade do desejo do amado. O amor não é politicamente correto já que também atua fora do campo do sentido: é necessariamente anti-multiculturalista já que não significa "eu amo você por inteiro" e sim uma identificação com a fatansia que impossibilita se conhecer o desejo do Outro em seu núcleo traumatic, a falta que sempre retorna.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Notas filosóficas sobre o amor
Para Alain Badiou, existem quatro dimensões possíveis de existência de um Evento-Verdade: a ciência, a arte, a política e o amor. Como nota Zizek, os três primeiros seguem a lógica do Verdadeiro-Belo-Bom - a ciência da verdade, a arte da beleza e a política do bem. Entretanto, temos que pensar a topologia do amor dentro desse procedimento filosófico de Badiou. Ele não pode ser encarado como o sinthoma que dá a ligação entre os três demais elos? Ou ainda, sua caracterização como sinthoma não pode ser considerada a constituição diferencial do ser humano ao animal? Vemos aqui um interessante paradoxo construtivo em relação a posição zizekiana do sujeito vazio em relação ao amor: ele considera que o amor é mau já que desestrutura o mundo simbólico do sujeito ao mesmo tempo que considera o amor, diferenciando-se dos outros Eventos-Verdade, como aquele que não força o X inominável do Outro amado, o próprio mau na teorização de Badiou. Paradoxo que o leva a dizer que o amor designa o respeito do amante ao que deve permanecer inominável ao amado - "onde não se pode falar, deve-se permanecer, portanto, em silêncio", talvez seja essa a receita fundamental do amor. O que podemos dizer sobre isso? Os outros três Eventos-Verdade estão dentro da lógica do Todo, enquanto o amor na do não-Todo e, nesse sentido é que o verdadeiro amor tem um caráter infinito e ilimitado já que nunca está presente por completo. O amor busca o não-fechamento ontológico fazendo com que arrisquemos dizer que para amar é necessária a alienação (no sentido estritamente lcaniano) já que torna-se um imperativo a passagem para o nível do desejo incognicível do Outro. Por isso que HOJE O AMOR É UMA TAPEAÇÂO. Se a identificação imaginária, especular, imediata, (líquida) é apenas o suporte para a perspectiva escolhida pelo sujeito no campo do Outro, de onde "a identificação pode ser vista sob um aspecto satisfatório, onde o ponto do ideal do eu é o de onde o sujeito se verá, como se diz, como visto pelo outro", sob essa miragem especular, hoje dominante nas trocas "intersubjetivas" faz com que o amor tenha essência de uma tapeação já que situa no campo onde é instituído ao Outro apenas a forma em que me agrada ser visto: novamente, uma tapeação. Podemos comprovar essa tese em relação a "forma-olhar" de hoje que, nos casos mais radicais, é considerado um estupro visual pelo medo de identificação com o Outro. Se o olhar é um vazio, objeto minúsculo a surgido de alguma automutilação induzida pela aproximação do Real, hoje mais do que nunca temos medo de olhar no olho pela admnistração generalizada do capitalismo tardio dos excessos erráticos (obviamente não só por isso, mas também pela transformação radical das forças de socialização, sexuação etc). Essa é a biopolítica da vida cotidiana que afeta diretamente a capacidade do sujeito amar.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
A esquerda diante da crise hoje - parte 1
Hoje, com a crise estrutural do metabolismo global do capital, a centralidade do trabalho como sujeito revolucionário volta ao cenário da esquerda. Muito do que vimos nos últimos trinta anos foi uma tentativa desesperada da direita (e muito da esquerda, diga-se de passagem) de destituir o trabalho como sujeito revolucionário portando-se a explicações como “a tecnologia está ganhando o lugar do trabalho”, “o trabalhador fabril como Marx idealizará se foi com a sociedade pós-industrial”, “a classe trabalhadora está muito fragmentada e perdeu seu poder de barganha” etc.
Entretanto, o aceitamento generalizado dessas verdades não-verdades pós-modernas não foi à derrocada da classe trabalhadora como sujeito revolucionário, e sim a derrocada do pensamento de esquerda que via seu sujeito se esfacelar diante do fim da história, também aceito hegemonicamente pelo pensamento de esquerda pós-moderno. Aqui cabe muito bem uma intervenção de Fredric Jamenson: hoje é mais fácil pensar a destruição total da Terra por um desequilíbrio natural ou cósmico do que uma mudança radical no capitalismo como modo de organização social. Daqui podemos entender a ascensão do pensamento ecológico como grande fetiche político hoje.
Como já enfatizamos em outros textos desse blog, o que vivemos hoje não é simplesmente uma crise no sistema financeiro devido à posição subjetiva de determinados investidores que cobiçam demais a acumulação fictícia e sim uma crise estrutural da globalização capitalista. Em termos marxistas, é uma crise da realização do valor. Com a expansão global do número de trabalhadores, principalmente com a entrada da China e da Índia no mercado de trabalho mundial, a realização de mais-valia é impossibilitada. Segundo recente entrevista de Francisco de Oliveira para a Agência Carta Maior ele coloca esse processo nos seguintes termos: “isso produziu uma revolução na medida em que dobrou ou triplicou a oferta de mão-de-obra oferecida ao capitalismo, dilatando a fronteira da mais-valia, sem contudo propiciar uma expansão equivalente da capacidade de realizá-la”... porque “o custo de reprodução de mão-de-obra nas sociedades onde se expande a nova fronteira da mais-valia, casos da China e da Índia, principalmente, é muito baixo, ainda que a exploração esteja aliada à tecnologia de ponta. Estamos diante de uma crise clássica de realização do valor, amplificada; uma crise da globalização capitalista. O colapso das hipotecas nos EUA é a manifestação disso. De um lado, a produção na China e na Índia barateou o consumo norte-americano; propiciou também sobras de capital na periferia para financiar o Tesouro dos EUA. A China sozinha tem mais de US$ 1 trilhão aplicado em papéis do governo Bush. De onde saiu esse dinheiro? Certamente não foi geração espontânea. É mais-valia extraída do operário chinês que não se realiza lá porque o custo de reprodução da mão-de-obra local é baixíssimo”.
Vale algumas reflexões: hoje vivemos numa época-limite. O processo de reprodução do capital global entrou em parafuso devido sua impossibilidade material de produzir entrando num processo radical de produção destrutiva, como assinalou Mészáros a mais de 20 anos. O processo de financeirização e sua crise é apenas um epifenômeno desse processo da qual a esquerda pós-moderna considera natural, como o curso normal do capitalismo. Entretanto, aqui o grande desafio histórico, como Marx sempre enfatizou para a infelicidade de muitos radicais hoje, o capitalismo se supera e não se autodestrói. Nesse sentido as divisões teóricas dentro da esquerda são seu fracasso. Enquanto se pensa o capitalismo como limite intransponível, é claro que dentro do campo da esquerda só vão brotar neokeynesianos que buscam por mais regulações dentro do aparelho do Estado e das trocas de capitais a superação da atual crise. Triste verdade essa.
Como também frisa Jameson, ainda não temos hoje o “mapeamento cognitivo” para o entendimento do tempo histórico que estamos vivendo. Para a esquerda isso é mais problemático ainda, pois ela acaba se prendendo na validade dos pensamentos New Age pós-políticos ou na tentativa desesperada em buscar um melhoramento das condições reais do capitalismo hoje.
Infelizmente, essas duas posições de esquerda hoje fazem um pêndulo que perpassam o mesmo centro: a impossibilidade de pensar, dentro dos marcos da crise estrutural do metabolismo global do capital (e seus efeitos claros como a precarização do mundo do trabalho, a destruição ecológica generalizada, a produção destrutiva e seu consumo generalizado, a posição crescente do Estado de Força como mediador das lutas sociais) a superação radical dessa relação social e internacional conhecida como capital. Paremos com a indulgencia da interpassividade e lembremos entre essas duas esquerdas pós-modernas uma lacuna permanece, mesma que seja baseada numa mínima diferença. Essa mínima diferença que permanece é ter como pressuposto que o Real do capital, o Verdadeiro antagonismo social que sobredetermina no sentido althusseriano todos os outros antagonismos é a luta de classes, ele é o “universal concreto” de todo o campo de luta que, vale lembrar, torna-se cada vez mais internacionalizado.
Podemos dizer que essa posição está dentro dos marcos teóricos proporcionados por István Mészáros, Slavoj Zizek, Alain Badiou, Ricardo Antunes, David Harvey, Fredic Jameson, Giorgio Agamben, etc. Podemos dizer que o pressuposto teórico dessa gama poderia ser um clássico dito de Zizek, vindo de Badiou, sobre o que não fazer hoje: é melhor não fazer nada do que participar de atos localizados cuja principal função é fazer o sistema funcionar mais azeitado (atos como dar espaço à miríade de novas subjetividades etc.). Hoje, a ameaça não é a passividade, mas a pseudo-atividade, a ânsia de “ser ativo”, de “participar”, de mascarar a Nulidade do que acontece. Todos intervêm o tempo todo, “fazem alguma coisa”, os acadêmicos participam de “debates” sem sentido e assim por diante, mas a verdadeira dificuldade é dar um passo para trás, é se afastar disso tudo. Os que estão no poder muitas vezes preferem até a participação “crítica”, o diálogo, ao silêncio – só para nos envolver num “diálogo”, para garantir o rompimento da nossa agoureira passividade (Zizek, A visão em paralaxe, p. 437). Em outras palavras, a expectativa angustiada de revolucionar o capitalismo com a exigência desesperada de fazer alguma coisa é falsa.
Entretanto, o aceitamento generalizado dessas verdades não-verdades pós-modernas não foi à derrocada da classe trabalhadora como sujeito revolucionário, e sim a derrocada do pensamento de esquerda que via seu sujeito se esfacelar diante do fim da história, também aceito hegemonicamente pelo pensamento de esquerda pós-moderno. Aqui cabe muito bem uma intervenção de Fredric Jamenson: hoje é mais fácil pensar a destruição total da Terra por um desequilíbrio natural ou cósmico do que uma mudança radical no capitalismo como modo de organização social. Daqui podemos entender a ascensão do pensamento ecológico como grande fetiche político hoje.
Como já enfatizamos em outros textos desse blog, o que vivemos hoje não é simplesmente uma crise no sistema financeiro devido à posição subjetiva de determinados investidores que cobiçam demais a acumulação fictícia e sim uma crise estrutural da globalização capitalista. Em termos marxistas, é uma crise da realização do valor. Com a expansão global do número de trabalhadores, principalmente com a entrada da China e da Índia no mercado de trabalho mundial, a realização de mais-valia é impossibilitada. Segundo recente entrevista de Francisco de Oliveira para a Agência Carta Maior ele coloca esse processo nos seguintes termos: “isso produziu uma revolução na medida em que dobrou ou triplicou a oferta de mão-de-obra oferecida ao capitalismo, dilatando a fronteira da mais-valia, sem contudo propiciar uma expansão equivalente da capacidade de realizá-la”... porque “o custo de reprodução de mão-de-obra nas sociedades onde se expande a nova fronteira da mais-valia, casos da China e da Índia, principalmente, é muito baixo, ainda que a exploração esteja aliada à tecnologia de ponta. Estamos diante de uma crise clássica de realização do valor, amplificada; uma crise da globalização capitalista. O colapso das hipotecas nos EUA é a manifestação disso. De um lado, a produção na China e na Índia barateou o consumo norte-americano; propiciou também sobras de capital na periferia para financiar o Tesouro dos EUA. A China sozinha tem mais de US$ 1 trilhão aplicado em papéis do governo Bush. De onde saiu esse dinheiro? Certamente não foi geração espontânea. É mais-valia extraída do operário chinês que não se realiza lá porque o custo de reprodução da mão-de-obra local é baixíssimo”.
Vale algumas reflexões: hoje vivemos numa época-limite. O processo de reprodução do capital global entrou em parafuso devido sua impossibilidade material de produzir entrando num processo radical de produção destrutiva, como assinalou Mészáros a mais de 20 anos. O processo de financeirização e sua crise é apenas um epifenômeno desse processo da qual a esquerda pós-moderna considera natural, como o curso normal do capitalismo. Entretanto, aqui o grande desafio histórico, como Marx sempre enfatizou para a infelicidade de muitos radicais hoje, o capitalismo se supera e não se autodestrói. Nesse sentido as divisões teóricas dentro da esquerda são seu fracasso. Enquanto se pensa o capitalismo como limite intransponível, é claro que dentro do campo da esquerda só vão brotar neokeynesianos que buscam por mais regulações dentro do aparelho do Estado e das trocas de capitais a superação da atual crise. Triste verdade essa.
Como também frisa Jameson, ainda não temos hoje o “mapeamento cognitivo” para o entendimento do tempo histórico que estamos vivendo. Para a esquerda isso é mais problemático ainda, pois ela acaba se prendendo na validade dos pensamentos New Age pós-políticos ou na tentativa desesperada em buscar um melhoramento das condições reais do capitalismo hoje.
Infelizmente, essas duas posições de esquerda hoje fazem um pêndulo que perpassam o mesmo centro: a impossibilidade de pensar, dentro dos marcos da crise estrutural do metabolismo global do capital (e seus efeitos claros como a precarização do mundo do trabalho, a destruição ecológica generalizada, a produção destrutiva e seu consumo generalizado, a posição crescente do Estado de Força como mediador das lutas sociais) a superação radical dessa relação social e internacional conhecida como capital. Paremos com a indulgencia da interpassividade e lembremos entre essas duas esquerdas pós-modernas uma lacuna permanece, mesma que seja baseada numa mínima diferença. Essa mínima diferença que permanece é ter como pressuposto que o Real do capital, o Verdadeiro antagonismo social que sobredetermina no sentido althusseriano todos os outros antagonismos é a luta de classes, ele é o “universal concreto” de todo o campo de luta que, vale lembrar, torna-se cada vez mais internacionalizado.
Podemos dizer que essa posição está dentro dos marcos teóricos proporcionados por István Mészáros, Slavoj Zizek, Alain Badiou, Ricardo Antunes, David Harvey, Fredic Jameson, Giorgio Agamben, etc. Podemos dizer que o pressuposto teórico dessa gama poderia ser um clássico dito de Zizek, vindo de Badiou, sobre o que não fazer hoje: é melhor não fazer nada do que participar de atos localizados cuja principal função é fazer o sistema funcionar mais azeitado (atos como dar espaço à miríade de novas subjetividades etc.). Hoje, a ameaça não é a passividade, mas a pseudo-atividade, a ânsia de “ser ativo”, de “participar”, de mascarar a Nulidade do que acontece. Todos intervêm o tempo todo, “fazem alguma coisa”, os acadêmicos participam de “debates” sem sentido e assim por diante, mas a verdadeira dificuldade é dar um passo para trás, é se afastar disso tudo. Os que estão no poder muitas vezes preferem até a participação “crítica”, o diálogo, ao silêncio – só para nos envolver num “diálogo”, para garantir o rompimento da nossa agoureira passividade (Zizek, A visão em paralaxe, p. 437). Em outras palavras, a expectativa angustiada de revolucionar o capitalismo com a exigência desesperada de fazer alguma coisa é falsa.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Notas sobre Ética
Quando não se pensa está no vazio do sentimento. Para que isso não seja abstrato, o que significa esse vazio? Esse vazio significa a possibilidade de se despender da materialidade que nos prende a determinados tipos de relação humana. Não algo dado a priori, mas um trabalho contínuo. Esse vazio não significa estar fora do fluxo social ou qualquer coisa do tipo. Ao contrário, significa estar apto a responder a sua condição humana sob uma vulnerabilidade absoluta. Obviamente esse processo não é nada abstrato ou ocorre por meio de bonitas palavras ou que possam dar ao sujeito um ar de superioridade inexistente ou que só mascaram o real estado das coisas: um real desinteresse e desengajamento do contato e um cuidado com o outro. Tudo isso passa (para o pesadelo dos pós-modernos) por uma técnica rigorosa. Não está ligada ao “seja o que você realmente é interiormente” dentro “das mudanças contínuas do ser humano rumo a mais mudanças” provavelmente rumo a ligar nenhum. Também não está ligada ao individualismo possessivo que dominantemente perpassa essa conduta. Essa técnica perpassa obviamente uma autotécnica, mas mediada necessariamente pelo Outro da qual, em tempos de interpassividade pós-moderna, temos medo de nos identificar e, dessa forma, mantendo o narcisismo imaginário no topo das prioridades históricas.
Tudo isso só pode ser levado em conta se considerarmos o sujeito transcendental é exatamente esse sujeito negativo vazio, puramente formal, des-substanciado e sem nenhum tipo de agenciamento positivo. Sua autonomia é baseada na mesma lógica do não-Todo de Lacan, expressada por Zizek: sua posição “não é o “sou responsável por tudo”, mas antes o “não há nada pelo qual eu não seja responsável”, cuja contrapartida é o “não sou responsável por Tudo”: exatamente porque não posso ter a visão geral do Todo, não há nada de cuja responsabilidade eu possa me isentar. (E vice-versa, é claro: se sou responsável por tudo, então tem de haver alguma coisa pela qual não posso ser responsável.)”. Fazendo essas considerações sobre o sujeito transcendental, que para a psicanálise vai ser o sujeito do inconsciente, podemos trazer algumas notas sobre a Ética.
A Ética deve ser colocar em três termos da estrutura lacaniana: a ética imaginária, ética simbólica e a ética do Real. O primeiro nível delas, a ética imaginária, é aquela que o sujeito visa atender um Bem Supremo tendo em vista a completude de seu desejo. Como sabemos esse Bem Supremo não existe, assim como a completude do ser e seu desejo. Essa ética sustenta-se apenas baseada no imaginário mesmo e se desestrutura quando tentar ir além de suas prerrogativas. Em termos lacanianos, a impossibilidade de essa ética imaginária ser suportada pelo sujeito barrado é por que não existe o Outro, nem o Outro do Outro e nem a Coisa. Vale à pena enfatizar também que essa ética é predominante hoje. Para sustentarmos isso temos que recorrer à noção de interpassividade de Robert Pfaller interpretada por Zizek: ela ocorre quando sujeito é freneticamente ativo deslocando para outro sua passividade fundamental. Essa não é a busca pós-moderna: mais e mais ação diante da inexistência de o que fazer? Se hoje o que vivemos é a ascensão da interpassividade como relação social dominante onde meu distanciamento dos outros se legitima por jogar ao outro minha inexpressão ativa, é claro que a ética é baseada hoje no nível mais fundamental, no nível imaginário. Talvez seja esse o significado real da sociedade do espetáculo de Guy Debord onde “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens”. O espetáculo representa o modo de vida dominante, pois é um reflexo dos modos de produzir e consumir. O mundo se torna uma relação de imagens que se tornam à realidade. Como indica Maria Rita Kehl, “o reconhecimento social depende inteiramente da visibilidade. O principio de diferenciação se da pela imagem. Dependemos do espetáculo para confirmar que existimos e para nos orientar no meio a nossos semelhantes dos quais nos isolamos”. Lembremos como Lacan, que a identificação com a imagem (o espelho) é a identificação mais primária existente: será que é essa pela qual devemos lutar?
Lembremos que entre o imaginário e o simbólico está o Sentido. Esse terreno pode nos dar mais explicações sobre os processos sociais que estão levando a ascensão dessa ética do imaginário em detrimento da ética do simbólico e do Real. Como sabemos, o capital como metabolismo global tem imperativos existenciais que precisa atender para se reproduzir. Um deles é a auto-expansão constante, independente das conseqüências humanas postas em jogo. Para que essa expansão tenha sucesso, podemos dizer, como Zizek, que o capitalismo destotaliza o Sentido, podendo haver um capitalismo com valores hindus, budistas, cristãos etc. O que estamos vendo sob o desenvolvimento histórico do capital é um processo de fragilização da ligação entre o imaginário e o simbólico que, além de possibilitar uma sociedade onde a diferença de dá pela imagem orgânica, destitui de sentido o próprio desenvolvimento histórico. Também é por esse viés que deve ser entendido o processo de fragilização dos laços sociais, o amor líquido de Zigmunt Bauman. Passemos a ética simbólica.
A ética simbólica acontece quando a identificação imaginária começa a ser recortada e quando, conseqüentemente, é possível existir um aprofundamento para além da imagem. Ela surge pela necessidade do sujeito se sujeitar as normas, a Lei. Como escreve Lacan, “ética não é o simples fato de haver obrigações, um laço que encadeia, ordena e constitui a lei da sociedade”. Ela vai além da existência formal das obrigações e se estrutura também pela estrutura de parentesco, consangüinidade, etc. Essa ética simbólica tem sua eficácia devida à qualidade de introdução do significante-mestre no sujeito e é o que possibilita ao sujeito a intromissão de normas, regras, etiqueta, etc. Essa ética é que estabiliza os laços sociais no sentido de possibilitar uma transformação na cadeia significante. O simbólico aqui pode ser entendido como o Outro, como a cultura. Com as conseqüências do que ficou conhecido como pós-modernismo, estamos passando hoje por o que Eric Santner chamou de “crise de investidura” onde a eficácia simbólica começa a se perder fazendo com o sujeito tenha medo de exercer e assumir seu mandato de autoridade simbólica. Essa mudança se mostra pelas mudanças na figura paternal.
Como expressa Zizek, no registro simbólico quando o pai é “repressivo” diz a uma criança “Tem que a casa da sua avó e tem que se portar bem, por mais que isso signifique ser horrível para você – o que você sente não me interessa; é isso que você tem que fazer, e mais nada!”. A figura patenal hoje se conforma mais com a do supereu que diz a criança: “Embora saiba que sua avó gosta de te ver, só deveria ir se for isso que você querer de verdade – de outra forma, é melhor ficar em casa!”. Aqui está a astúcia do supereu: dar uma falsa aparência de livre escolha enquanto existe uma escolha forçada passando de “Tem que ir a casa da sua avó, e o que sente não conta nada” para “Tem que ir a casa da sua avó e, além disso, tem que se sentir encantado de poder fazer isso”: o supereu ordena que adoremos fazer o que temos que fazer. Essa é a desistegração do Nome-do-Pai (O Significante-Mestre) que tem duas conseqüências: as normas proibitivas simbólicas são cada vez mais substituídas por ideais imaginários (de sucesso social, beleza corporal...) e, pela ausência das proibições simbólicas são reforçadas as figuras do supereu. Nesse sentido que pode ser entendido o pós-modernismo. Se enquanto o imperativo moderno era a repressão da satisfação dos desejos, no pós-modernismo a lógica cultural se inverte com a indeferenciação entre economia e cultura: o novo imperativo é o do supereu dizendo expressamente Goza! Goza! Goza!
Pois bem. Estamos sob um paradoxo sócio histórico e lógico. Vamos propor a busca pela ética do Real hoje mesmo que estejamos regredindo a uma ética imaginária. O que parece mais impactante é que estamos regredindo e considerando natural. Deixando essa questão em suspenso, o que seria a ética do Real? A Ética do Real, colocada por Lacan como a ética da psicanálise, é aquela que está fora do terreno da Lei, da ordem. Podemos dizer que a ética do Real é uma ética do impossível. A ética de Wittgenstein está diretamente ligada a seu aforismo “sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se calar” propondo que o silêncio está entre o dito e não-dito. Para Lacan, a função da psicanálise é escutar a verdade, mesmo que ela seja indizível, vinda do Real, levando o sujeito a esquecer o seu dizer. Paradoxalmente, o indizível é o que leva o sujeito a falar, caminho ético em que o desejo está em sua raiz. Obviamente não é um desejo qualquer, mais uma ética de fidelidade ao desejo.
Para Lacan, dentro da cadeia que estrutura o sujeito (imaginário, simbólico e Real), o simbólico se articula com o Real por um furo de um núcleo não-simbolizável. Dessa forma, o simbólico é não totalizável na medida em que todo senso carrego consigo um não-senso indicando a impossibilidade de um saber pleno. Essa dimensão radical do significante recai sob o sob o sujeito como o Real. A ética do Real, portanto, como ética do desejo articula-se com referencia a esse Real onde se localiza a causa do desejo do sujeito, o objeto pequeno a. Esse é o plano ôntico do evasivo estatuto do inconsciente que é ético. Dessa forma, a ética do Real não uma ética por um Bem maior, mas por um Bem-dizer sobre o desejo. Infelizmente, enquanto as mínimas regras sociais simbólicas de convivência são completamente desobedecidas ou não-introjetadas, até mesmo falar é uma complicação. Sem uma escuta por excelência, a fala é tosca. Enquanto se escuta esperando para falar compulsivamente não dando o direito ao outro falar, que desejo pode desabrochar?
Tudo isso só pode ser levado em conta se considerarmos o sujeito transcendental é exatamente esse sujeito negativo vazio, puramente formal, des-substanciado e sem nenhum tipo de agenciamento positivo. Sua autonomia é baseada na mesma lógica do não-Todo de Lacan, expressada por Zizek: sua posição “não é o “sou responsável por tudo”, mas antes o “não há nada pelo qual eu não seja responsável”, cuja contrapartida é o “não sou responsável por Tudo”: exatamente porque não posso ter a visão geral do Todo, não há nada de cuja responsabilidade eu possa me isentar. (E vice-versa, é claro: se sou responsável por tudo, então tem de haver alguma coisa pela qual não posso ser responsável.)”. Fazendo essas considerações sobre o sujeito transcendental, que para a psicanálise vai ser o sujeito do inconsciente, podemos trazer algumas notas sobre a Ética.
A Ética deve ser colocar em três termos da estrutura lacaniana: a ética imaginária, ética simbólica e a ética do Real. O primeiro nível delas, a ética imaginária, é aquela que o sujeito visa atender um Bem Supremo tendo em vista a completude de seu desejo. Como sabemos esse Bem Supremo não existe, assim como a completude do ser e seu desejo. Essa ética sustenta-se apenas baseada no imaginário mesmo e se desestrutura quando tentar ir além de suas prerrogativas. Em termos lacanianos, a impossibilidade de essa ética imaginária ser suportada pelo sujeito barrado é por que não existe o Outro, nem o Outro do Outro e nem a Coisa. Vale à pena enfatizar também que essa ética é predominante hoje. Para sustentarmos isso temos que recorrer à noção de interpassividade de Robert Pfaller interpretada por Zizek: ela ocorre quando sujeito é freneticamente ativo deslocando para outro sua passividade fundamental. Essa não é a busca pós-moderna: mais e mais ação diante da inexistência de o que fazer? Se hoje o que vivemos é a ascensão da interpassividade como relação social dominante onde meu distanciamento dos outros se legitima por jogar ao outro minha inexpressão ativa, é claro que a ética é baseada hoje no nível mais fundamental, no nível imaginário. Talvez seja esse o significado real da sociedade do espetáculo de Guy Debord onde “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens”. O espetáculo representa o modo de vida dominante, pois é um reflexo dos modos de produzir e consumir. O mundo se torna uma relação de imagens que se tornam à realidade. Como indica Maria Rita Kehl, “o reconhecimento social depende inteiramente da visibilidade. O principio de diferenciação se da pela imagem. Dependemos do espetáculo para confirmar que existimos e para nos orientar no meio a nossos semelhantes dos quais nos isolamos”. Lembremos como Lacan, que a identificação com a imagem (o espelho) é a identificação mais primária existente: será que é essa pela qual devemos lutar?
Lembremos que entre o imaginário e o simbólico está o Sentido. Esse terreno pode nos dar mais explicações sobre os processos sociais que estão levando a ascensão dessa ética do imaginário em detrimento da ética do simbólico e do Real. Como sabemos, o capital como metabolismo global tem imperativos existenciais que precisa atender para se reproduzir. Um deles é a auto-expansão constante, independente das conseqüências humanas postas em jogo. Para que essa expansão tenha sucesso, podemos dizer, como Zizek, que o capitalismo destotaliza o Sentido, podendo haver um capitalismo com valores hindus, budistas, cristãos etc. O que estamos vendo sob o desenvolvimento histórico do capital é um processo de fragilização da ligação entre o imaginário e o simbólico que, além de possibilitar uma sociedade onde a diferença de dá pela imagem orgânica, destitui de sentido o próprio desenvolvimento histórico. Também é por esse viés que deve ser entendido o processo de fragilização dos laços sociais, o amor líquido de Zigmunt Bauman. Passemos a ética simbólica.
A ética simbólica acontece quando a identificação imaginária começa a ser recortada e quando, conseqüentemente, é possível existir um aprofundamento para além da imagem. Ela surge pela necessidade do sujeito se sujeitar as normas, a Lei. Como escreve Lacan, “ética não é o simples fato de haver obrigações, um laço que encadeia, ordena e constitui a lei da sociedade”. Ela vai além da existência formal das obrigações e se estrutura também pela estrutura de parentesco, consangüinidade, etc. Essa ética simbólica tem sua eficácia devida à qualidade de introdução do significante-mestre no sujeito e é o que possibilita ao sujeito a intromissão de normas, regras, etiqueta, etc. Essa ética é que estabiliza os laços sociais no sentido de possibilitar uma transformação na cadeia significante. O simbólico aqui pode ser entendido como o Outro, como a cultura. Com as conseqüências do que ficou conhecido como pós-modernismo, estamos passando hoje por o que Eric Santner chamou de “crise de investidura” onde a eficácia simbólica começa a se perder fazendo com o sujeito tenha medo de exercer e assumir seu mandato de autoridade simbólica. Essa mudança se mostra pelas mudanças na figura paternal.
Como expressa Zizek, no registro simbólico quando o pai é “repressivo” diz a uma criança “Tem que a casa da sua avó e tem que se portar bem, por mais que isso signifique ser horrível para você – o que você sente não me interessa; é isso que você tem que fazer, e mais nada!”. A figura patenal hoje se conforma mais com a do supereu que diz a criança: “Embora saiba que sua avó gosta de te ver, só deveria ir se for isso que você querer de verdade – de outra forma, é melhor ficar em casa!”. Aqui está a astúcia do supereu: dar uma falsa aparência de livre escolha enquanto existe uma escolha forçada passando de “Tem que ir a casa da sua avó, e o que sente não conta nada” para “Tem que ir a casa da sua avó e, além disso, tem que se sentir encantado de poder fazer isso”: o supereu ordena que adoremos fazer o que temos que fazer. Essa é a desistegração do Nome-do-Pai (O Significante-Mestre) que tem duas conseqüências: as normas proibitivas simbólicas são cada vez mais substituídas por ideais imaginários (de sucesso social, beleza corporal...) e, pela ausência das proibições simbólicas são reforçadas as figuras do supereu. Nesse sentido que pode ser entendido o pós-modernismo. Se enquanto o imperativo moderno era a repressão da satisfação dos desejos, no pós-modernismo a lógica cultural se inverte com a indeferenciação entre economia e cultura: o novo imperativo é o do supereu dizendo expressamente Goza! Goza! Goza!
Pois bem. Estamos sob um paradoxo sócio histórico e lógico. Vamos propor a busca pela ética do Real hoje mesmo que estejamos regredindo a uma ética imaginária. O que parece mais impactante é que estamos regredindo e considerando natural. Deixando essa questão em suspenso, o que seria a ética do Real? A Ética do Real, colocada por Lacan como a ética da psicanálise, é aquela que está fora do terreno da Lei, da ordem. Podemos dizer que a ética do Real é uma ética do impossível. A ética de Wittgenstein está diretamente ligada a seu aforismo “sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se calar” propondo que o silêncio está entre o dito e não-dito. Para Lacan, a função da psicanálise é escutar a verdade, mesmo que ela seja indizível, vinda do Real, levando o sujeito a esquecer o seu dizer. Paradoxalmente, o indizível é o que leva o sujeito a falar, caminho ético em que o desejo está em sua raiz. Obviamente não é um desejo qualquer, mais uma ética de fidelidade ao desejo.
Para Lacan, dentro da cadeia que estrutura o sujeito (imaginário, simbólico e Real), o simbólico se articula com o Real por um furo de um núcleo não-simbolizável. Dessa forma, o simbólico é não totalizável na medida em que todo senso carrego consigo um não-senso indicando a impossibilidade de um saber pleno. Essa dimensão radical do significante recai sob o sob o sujeito como o Real. A ética do Real, portanto, como ética do desejo articula-se com referencia a esse Real onde se localiza a causa do desejo do sujeito, o objeto pequeno a. Esse é o plano ôntico do evasivo estatuto do inconsciente que é ético. Dessa forma, a ética do Real não uma ética por um Bem maior, mas por um Bem-dizer sobre o desejo. Infelizmente, enquanto as mínimas regras sociais simbólicas de convivência são completamente desobedecidas ou não-introjetadas, até mesmo falar é uma complicação. Sem uma escuta por excelência, a fala é tosca. Enquanto se escuta esperando para falar compulsivamente não dando o direito ao outro falar, que desejo pode desabrochar?
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