O tempo da decrescente experiência, ou, vivendo a reificação (por uma realização positiva das potencialidades do ser social diante da barbárie histórica e suas contradições alienantes)
I - A história dá os sinais dos tempos. Ela avisa sobre o desastre, sobre a catástrofe. Ela toca seus sinos com toda a força. Parece não se importar com a explosão dos tímpanos. Walter Benjamin estava certo sobre conceber o progresso como um mito já que “a vida da humanidade é um processo de realização e não simplesmente do devir, ao tempo infinitamente vazio (leere Unendlichkeit der Zeit), característico da ideologia moderna”. Se suas proféticas antecipações sobre o caminho da história e da humanidade se vêem certas, a hora é de “cortas o estopim que queima antes que a faísca atinja a dinamite”. Porém, a mudança qualitativa não é, e nem pode ser, natural. Ela é processo. E um processo que envolve, inexoravelmente, a violência. Institucionalizada ou não. Mesmo assim, ela contém profundamente um vazio que necessita de uma direção contrária a si mesmo já que, se a forma é colonizada, o conteúdo pode ser facilmente esvaziado.
II – Separação contraditória é alienação, seja da materialidade ou da consciência de existência e destino. Arte e vida. Vida e autômato. Autômato e religioso. Religioso e cotidiano. Cotidiano e política. Política e economia. Economia e lazer. Quanto mais separação e estratificação específica desses aspectos com diferentes leis e ímpetos, maior é a experiência de choque (Chockerlebnis) baseada na imediatidade da vivência. Aqui se encontra o tão bem visto progresso da modernidade: inautentização da experiência onde, além de aceitar sua condição, o sujeito está além de qualquer desejo para sua autodeterminação. Pode-se ainda complementar o trabalho tecnológico na mediação ou virtualização das experiências. A necessidade de visar objetivos de vida estranhos causa, portanto, diminuir o sujeito que irá tentar procurar sua particularidade apenas em si mesmo. Uma nicht mehr partikulare Persönlichkeit [personalidade não mais particular] como fator de existência entra num crescente declínio já que até mesmo imaginário sobre as possibilidades em-si tentar perpassar as expectativas reais e simbólicas do para-si. Cruel falsidade que cria cruéis vetores da história.
III – Se o ser social determina sua consciência, o ser que tenta constantemente solapar suas possibilidades de consciência pela construção simbólica que é pública e conseqüentemente social, terá como resultado uma crescente angústia sobre os caminhos da história. A barbárie já é o pressuposto. Se os outros não são mais a oposição para a criação do eu, o eu se despedaça. Inicia-se o reino da ética burguesa e daí vem o cinismo como forma ideológica tardia da classe capitalista onde a prática e a moral tornam-se esferas completamente separadas e que, por essa mais-alienação, a transgressão direta torna-se um empecilho em nome da legitimação que conserva a máscara mesmo sabendo que ela não funciona mais.
IV- A civilização capitalista não tem sujeito e nem objeto humano. É claro que é o ser social que possibilita as transformações e as constrói. Entretanto, o capital é transhumano assim como é transpolítico e transmoral. Sua realidade totalizante alimenta a acumulação e expansão de capital a fim de ir além das percepções imediatas que, inexoravelmente, deixam a mercê às potencialidades humanas. Esse ciclo espiral é de crescente destituição das potencialidades humanas. Se o sujeito é aquele que pode ter múltiplas escolhas sob o comando de sua consciência, apenas a sociedade comunista idealizada por Marx é que detêm essa síntese histórica de tornar o homem tanto sujeito como objeto da história. Talvez seja, principalmente para as personificações do capital, algo impossível. Talvez não valha a pena por estar supostamente distante ou não existir mais a disposição necessária que nos remete a um passado nostálgico. Porém, o que vale mais, nesse momento, do que perder os grilhões que destituem o ser social de sua humanidade e o transformam, sem opção alguma, em mais um item da promoção? Se a resposta diz respeito ao espírito natural do capitalismo e seus progressos ilimitados, o lamento das gerações futuras que poderão não existir é máximo. Elas dizem: olhe o desejo que vocês desejam ser, quer queira ou não. Presta mais atenção, pois o para-si ainda é uma resposta de classe e que possibilita, sim, a não-classificação como superação da alienação do ser social produtor da riqueza do sentido sob o signo do capital. Um ser que volta constantemente contra si mesmo e seu gênero pela falta de controle sob seu meio de vida, seus ideais e luta cotidiana. Em outras palavras, um desequilíbrio que sustenta apenas o valor.
V- Sim, a formidável poder do capitalismo dá medo. Sua época estável foi pelos ares tornando cada vez mais insegura a insistência revolucionaria. Os freios de emergência ainda estão nos imperativos existenciais do capital, porém quando a própria existência é relativizada num bazar mercadológico, a dificuldade aumenta exponencialmente. Se a imagem já constitui o nosso Outro, até o inconsciente pode ser facilmente levado ao Shopping Center sem sair de casa. Além de tudo, se na esquerda o pessimismo é privado, o otimismo fica para o público já não-existente. Que fazer? A resposta é a mesma: agir antes de pensar e antes de pensar, duvidar.
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