sábado, 25 de fevereiro de 2012

Uma breve análise marxista da classe C






Provavelmente, a principal marca do governo federal do PT no Brasil foi o fortalecimento da chamada “classe C”, mal entendido por alguns como uma nova classe média, composta nas estatísticas oficiais por famílias que tem uma renda mensal domiciliar entre R$1.064,00 e R$ 4.561,00. Se em 1992 a classe C representava 34% da população, em 2011 passou a 54% e, segundo estimativas, alcançará 58% da população em 2014. Isso significa que o perfil sócio-econômico do país e suas classes estão mudando.

Durante a última década, a chamada classe C – composta, sobretudo, por jovens negros com emprego formal, alto potencial de consumo e características altamente heterogêneas ligadas ao campo político e religioso – teve um aumento superior a 40% em sua renda familiar, o que permitiu maior poder de compra, acesso à tecnologia e ingresso em faculdades. Na última década, 31 milhões de pessoas entraram na classe C – ela já responde por cerca de 47% do consumo do país, metade dos cartões de crédito emitidos, 60% dos acessos à internet, 42% das despesas com educação. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são os jovens da classe C que alimentam a expansão de quase 77% no número de pessoas que declaram “freqüentar” ou “ter freqüentado” cursos de educação profissional entre 2004 e 2010. O Nordeste é a região onde a classe C mais cresceu recentemente e a região Sul soma a maior proporção de pessoas neste grupo. Espera-se que esta classe C será a principal fornecedora da força de trabalho mais qualificada para o desenvolvimento industrial nos próximos anos.

É claro que uma classe não pode ser definida em termos de renda ou pelo padrão de consumo. É sua experiência prática que diz como ela é. Como assinala Jessé de Souza, esta “nova classe trabalhadora” em formação convive com o antigo proletariado fordista – ou o que restou dele – e possui uma trajetória de ascensão por meio do trabalho duro, com fé em Deus para suportar a dor de viver, ter força de vontade e conseguir vencer os obstáculos que aprecem pela frente. Seus integrantes possuem uma narrativa sem tempo linear, previsível ou estável. Sua reprodução se constitui como um desafio permanente. Seu risco não é de proletarização, pois sua condição já é proletarizada, produto de trabalho duro todos os dias. Não é uma condição que se alcançou e se tem medo de decadência, mas uma condição que deve ser buscada em todo momento da vida.

Como podemos fazer uma interpretação marxista da classe C? Ela demonstraria que o aparato marxista é anacrônico diante destas transformações da composição de classe no Brasil? Naturalmente ela é parte do proletariado, mas qual parte? Para André Singer, poderíamos denominá-la de “subproletariado”, aqueles “que oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais”. A nosso ver, seria mais correto caracterizar a classe C como integrante do exército industrial de reserva – que Marx sempre frisou ser parte do proletariado. Marx identifica três formas deste exército nas quais “todo trabalhador dela faz parte durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente desempregado”:

1)                A parte flutuante representa aqueles trabalhadores que, acompanhando o ciclo da economia capitalista, oscilam no emprego tendendo a serem despedidos numa crise e esperar por uma época de prosperidade para serem incorporados ao exército ativo de trabalhadores. Eles flutuam no circuito empregatício de acordo com o estágio do ciclo econômico. Nas palavras de Marx, esses que são despedidos tornam-se elementos da superpopulação flutuante que aumenta ao crescer a indústria. Parte deles emigra e, na realidade, apenas segue o capital em sua emigração. Em suma, essa parte flutuante do exército industrial de reserva é constituída pelos trabalhadores que, por certo tempo, perdem seus empregos em conseqüência da queda na produção, no avanço de produtividade, no emprego de novas máquinas ou fechamento de empresas. Uma parte desses desempregados volta a se empregar numa potencial prosperidade industrial.

2)                A parte latente surge “quando a produção capitalista se apodera da agricultura, ou nela vai penetrando, diminui, à medida que se acumula o capital que nela funciona, a procura absoluta da população trabalhadora rural” (2009, p. 746). Geralmente, os operários agrícolas estão fadados a enxertar as fileiras das indústrias nos grandes centros urbanos, pois “dá-se uma repulsão de trabalhadores, que não é contrabalançada por maior atração, como ocorre na indústria não-agrícola. Por isso, parte da população rural encontra-se sempre na iminência de transferir-se para as fileiras do proletariado urbano ou da manufatura e na espreita de circunstâncias favoráveis a essa transferência. Está fluindo sempre esse manancial da superpopulação relativa. Mas, seu fluxo constante para as cidades pressupõe no próprio campo uma população supérflua sempre latente, cuja dimensão só se torna visível quando, em situações excepcionais, se abrem todas as comportas dos canais de drenagem. Por isso, o trabalhador rural é rebaixado ao nível mínimo de salário e está sempre com um pé no pântano do pauperismo” (idem, p. 746).

3)                Diante do aumento da acumulação de capital, duas porções do proletariado tendem a ter uma participação menor diante do aumento da dimensão estagnada do exército industrial de reserva. Como diz Marx, “a superpopulação estagnada se amplia à medida que o incremento e a energia da acumulação aumentam o número dos trabalhadores supérfluos. Ela se reproduz e se perpetua, e é o componente da classe trabalhadora que tem, em seu crescimento global, uma participação relativamente maior que a dos demais componentes” (idem, p. 747). A superpopulação relativa estagnada “constitui parte do exército de trabalhadores em ação, mas com ocupação totalmente irregular. Ela proporciona ao capital reservatório inesgotável de força de trabalho disponível. Sua condição de vida se situa abaixo do nível médio normal da classe trabalhadora, e justamente por isso torna-se base ampla de ramos especiais de exploração do capital. Duração máxima de trabalho e mínimo de salário caracterizam sua existência. Conhecemos já sua configuração principal, sob o nome de trabalho a domicílio. São continuamente recrutados para suas fileiras os que se tornam supérfluos na grande indústria e na agricultura, e notadamente nos ramos de atividade em decadência (idem, p. 746, 747). Esses trabalhadores não deixam de fazer parte do exército industrial de reserva, tampouco deixam de ter lugar na divisão social do trabalho no modo de produção capitalista. É parte cada vez mais importante do proletariado. Longe de ser inútil, a porção estagnada do exército industrial de reserva se reproduz com os trabalhos mais degradantes, com mais riscos à integridade física e moral, remuneração mais baixa sob vínculos empregatícios precários, ou seja, enfrentam um contato com o que Marx se refere como “ramos especiais de exploração do capital” baseados na “duração máxima de trabalho e mínimo de salário”.

Na classe C brasileira encontramos elementos das três formas de exército industrial de reserva. Em termos quantitativos, a classe C é uma conseqüência da neoliberalização da década de 1990, marcada pelas privatizações, precarização do trabalho e o aumento do desemprego. O resultado foi uma reorganização do proletariado baseada na redução do proletariado fabril e no progressivo crescimento da classe C, um fenômeno que decorre desde 1992, por mais que sua expansão aconteça de maneira mais acentuada desde 2003. Ela não é assim tão nova. Hoje, são 105,4 milhões de pessoas, ou 55,05% da população nesta faixa. Segundo um estudo da FGV, esse processo ocorre junto com o encolhimento das classes D e E. Em 1992 elas representavam juntas 62,13% da população. Em 2003 eram 54,85% dos brasileiros. Hoje, somadas, as classes D e E representam 33,19% dos 191,4 milhões de habitantes do país. É um fenômeno inédito na história do país. Ainda assim, são 16,2 milhões de pessoas vivendo com até R$ 70 mensais.

Para a classe C a estabilidade econômica é algo extremamente valorizado, pois é o caminho da ascensão social, por mais que ela seja composta por uma camada social altamente heterogênea em termos de valores, crenças políticas e comportamentos. É uma fração da classe trabalhadora emergente no Brasil, diferente daquela do ABC no final dos anos 1970, vivendo um processo de recomposição, ainda com pouca experiência de luta, mas que ainda não mostrou sua potencialidade. Os empregos da classe C são muito variados: telemarketing, feirantes, pequenos empreendedores, autônomos, trabalhadores da construção civil, caixas de supermercado, motoboys, secretariado, serviços de reparo em geral, parte do funcionalismo público, pequenos comerciantes, trabalhadores em domicílio etc. Em suma, são empregos altamente flexíveis e irregulares, por mais que alguns tenham uma formalidade oficial. Fazem parte dessa porção do proletariado os “desempregados ativos” que estão numa lacuna entre o trabalho atípico, parcial, desregulamentado, informal ou temporário e as agruras do não-trabalho. Alguns têm dupla jornada de trabalho e outros tantos são trabalhadores completamente informais. Todos lutam para pagar suas contas e costumam morar nas periferias das grandes cidades. Muitas vezes seu acesso a formas de mínimas de auto-organização e ao espaço público se dá por meio de igrejas evangélicas e neopentecostais.

Esta transformação da composição social do proletariado resulta, agora, em novas lutas de classe – só que, até agora, sem muita organização, representação e visibilidade política. O que fazer? Qual é o futuro político da classe C? Ser cooptada pelos ideais do livre-mercado, típicos da classe média? Ou pelas milícias e empresas religiosas privadas? Ou poderia ser tomada pelo ideal de uma sociedade calcada no trabalho duro e uma sociedade justa e socialista?

A necessidade de ascensão política de massas da “classe C” será provavelmente o mais importante norteador da nova dinâmica da luta de classes no Brasil no próximo período. Aquela parte da população que passou a ter mais acesso aos bens de consumo, mas ainda é muito conservadora, impede que projetos “socialistas” sejam aceitos facilmente, por mais que se coloque em movimento num novo ciclo de lutas das classes populares. Mostra-se que a inclusão no mercado por si só não garante o aumento da organização popular da classe C nem um desenho claro de uma consciência de classe.

Longe disso, ela parece estar atualmente mais próxima das diversas formas de individualismo possessivo do tempo presente e das grandes empresas de evangelização do que de qualquer “ideologia socialista”, muitas vezes demonizada, sendo vista como uma desculpa apenas para “instabilidade social” ou “politicagem”.

Para adentrarmos na consciência da classe C, devemos evocar a fórmula do lulismo feita por André Singer. O lulismo seria “a execução de um projeto político de redistribuição de renda focado no setor mais pobre da população, mas sem ameaça de ruptura da ordem, sem confrontação política, sem radicalização, sem os componentes clássicos das propostas de mudanças mais à esquerda”. O lulismo "expressa um fenômeno de representação de uma fração de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as próprias formas de organização". Essa fração de classe é caracterizada por uma expectativa de Estado forte, que reduz a desigualdade, mas sem ameaçar a ordem estabelecida.

Portanto, ao contrário do que pensa o próprio Singer, essa fração de classe não apresenta afinidades partidárias de qualquer tipo ou intensas rejeições a partidos, e tampouco identificações personalistas fortes. Segundo Singer, as constantes declarações de Lula a favor da manutenção da estabilidade satisfizeram não só os banqueiros e investidores, nacionais e estrangeiros, como também o eleitor pobre e conservador, que teme a ruptura da ordem, embora deseje a redução da desigualdade e pobreza. O lulismo representa uma nova orientação ideológica, marcada pela preferência por redução da desigualdade, mas com manutenção da estabilidade, algo que não é “nem de direita, nem de esquerda e nem de centro”.

Nosso desafio é desenvolver uma verdadeira alternativa política para a classe C, trabalhar na base dessa classe e de outras classes populares da sociedade brasileira, vivenciando e contribuindo para sistematizar suas pequenas experiências de luta, elevando sua consciência de classe. Esse processo não é imediato. É uma missão estratégica, de longo prazo, orientando essas classes no momento que decidirem lutar. Devemos urgentemente reorganizar a esquerda sob este marco, pois ela se encontra muitas vezes alheia a tal processo, sem saber como tratar adequadamente as transformações. Nossa disputa começa ao colocar a classe C em movimento como um setor da classe trabalhadora, fazê-la agir e pensar como parte substancial da classe trabalhadora e seu destino na luta política.

Um primeiro passo neste sentido seria entender que diante da enorme dificuldade do movimento sindical em organizar no espaço de trabalho este segmento crescente de trabalhadores, principalmente da classe C, o espaço em que milhões de trabalhadores no Brasil tem se organizado e lutado é o território, em especial na periferia e nas favelas das grandes cidades. A politização destes territórios é parte integrante do processo de politização da classe C. Nosso dever é saber transformar suas reivindicações em ações massivas, independentes do governo e seus correligionários. Isso só surgirá, entretanto, se retomarmos a velha lição de organização junto à base popular, em seu dia a dia, em lutas diárias e miúdas, em especial da classe C. Somente as grandes mobilizações, o estímulo a todas as formas de luta de massa por necessidades imediatas e o trabalho de base podem alterar nossa situação diante da nova dinâmica da luta de classes.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Bo Xilai e o Neomaoísmo


Para a surpresa de muitos, na China ainda existem conflitos em torno do legado de Mao Zedong. Um dos principais responsáveis por reviver este antigo fantasma é Bo Xilai, um dos candidatos ao Politburo do Partido Comunista da China em 2012. Sua ênfase no retorno dos valores revolucionários de Mao mobilizou diversas técnicas de propaganda, como o estímulo aos cantos vermelhos da revolução cultural e a proliferação de milhões de mensagens de texto por celular com máximas do Grande Timoneiro.
            Bo Xilai, assim como Xi Jinping (provavelmente o próximo presidente chinês), faz parte de um grupo de filhos de fundadores do partido comunista. Filho de Bo Yibo, um dos “Oito Imortais” que junto com Deng Xiaoping articularam as reformas pós-Mao, Bo Xilai fez licenciatura em história mundial e pós-graduação em jornalismo internacional. Começou sua carreira no Partido na província de Liaoning para depois mover-se ao governo nacional (ministro do comércio) e assumir a secretaria geral do partido em Chongqing, a maior das quatro municípios autônomos do país (juntamente com Pequim, Shangai e Tianjin). Sua designação para Chongqing coincidiu com uma visita de Hu Jintao orientando que a região deveria converter-se num pólo econômico no interior da China, ser o ponto de produção mais importante ao longo do rio YangTze e consolidar-se como primeiro lugar a conseguir efetuar uma integração entre as zonas rurais e urbanas. Além disso, Bo Xilai também tinha a difícil tarefa de articular medidas contra a corrupção, a deterioração ambiental e as enormes disparidades sociais. Apesar das dificuldades, Bo Xilai conseguiu articular cinco grandes frentes de políticas públicas para transformar Chongqing: Chongqing segura, Chongqing habitável, Chongqing accessível, Chongqing saudável e Chongqing verde - este último voltado para o desenvolvimento sustentável da cidade. Foram feitas casas acessível para população mais pobre, aumento na oferta de emprego, proteção ambiental, infraestrutura moderna e acessível, programas de saúde pública, grande estímulo a atividades esportivas e medidas contundentes de segurança para prevenir crimes e desarticular células de crime organizado – com mais de 3 mil prisões que incluem juízes e membros do Partido Comunista. Estas políticas foram acompanhadas por chamados a mobilização popular com canções maoístas (“chang hong”) em conjunto com grupos de ópera e outras instituições educativas da cidade, através de discursos de Bo que fazem referência ao papel da cidade na história da luta comunista contra os nacionalistas, com a Chogqing Mobile e outras operadores de telefonia celular enviando milhões de mensagens com citações do livro vermelho de Mao fazendo retornar o fantasma revolucionário da Revolução Cultural dos anos 60. A estação de TV também apresenta filmes feitos logo após a vitória comunista em 1949 relatando a vida e as batalhas de antigos revolucionários e as propagandas foram substituídas por “programas vermelhos” com novelas narrando histórias revolucionárias. Quando houve uma greve de taxistas e professores seu método de encontrar uma solução não foi enviando a polícia para reprimi-los. O Partido Comunista de Chongqing convidou as lideranças para encontrar um acordo num estúdio de TV onde ao vivo debateram a questão para todos os cidadãos da cidade.
            Para o susto de muitos, a batalha em torno do legado maoísta simboliza mudanças ideológicas importantes na China, principalmente entre aqueles que advogam uma liberalização maior da economia e do sistema político e aqueles que rejeitam qualquer coisa parecida com o modelo ocidental falido de democracia-liberal procurando novos caminhos para o socialismo com características chinesas. Como disse recentemente um professor chinês, o modelo Chongqing é a única esperança para a China, somente ele pode salvar o comunismo.  

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Quatro lições sobre a nova dinâmica da luta de classes no Brasil


A era da complacência política está chegando ao fim. Afinal, o nos ensina os acontecimentos em Jirau, a greve dos bombeiros e policiais pelo país, a greve dos servidores das Universidades Federais e a barbárie do Pinheirinho (dentre tantos outros despejos, ocupações de terra, greves e repressões massivas menos divulgadas) sobre a atual situação da luta de classes e sua dinâmica no Brasil? Ao menos quatro lições podem ser extraídas dos eventos citados:
1) Estamos presenciando uma retomada das lutas sindicais exigindo aumentos salariais e dignidade do trabalho. Talvez a mobilização mais importante neste sentido sejam as revoltas dos trabalhadores da construção civil – uma nova vanguarda? -, como na usina hidrelétrica de Jirau (RO), onde se escancarou a condição intensa de exploração do trabalho nas obras do PAC. Uma explosão dos trabalhadores acabou por incendiar, conforme as parcas informações disponíveis, cerca de 45 ônibus e 15 carros administrativos, além de destruir e danificar 30 instalações e 35 alojamentos. Os ideólogos do capital não entenderam nada. O que aconteceu? Um enigma que começou uma briga internacional entre grandes capitais: o consórcio, a seguradora e o BNDES. O consórcio quer ser assegurado pelo prejuízo que vai de R$ 400 milhões a R$ 1,5 bilhão. A seguradora fala que no contrato não existe algo que assegure o risco de “destruição generalizada” por partes dos funcionários. O BNDES entra nessa ação como um dos financiadores da construção da hidrelétrica, parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com cerca de R$ 3,6 bilhões investidos na construção têm como origem o banco, com verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Não é a toa que durante os explosivos levantes foram enviadas para “contenção dos trabalhadores” a Força Nacional, Policia Militar, Comando de Operações Especiais, bombeiros, agentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Essa foi a forma de conter essa intensa explosão da classe trabalhadora que, ao que parece, não tinha uma liderança organizada e nem reivindicações claras. Jirau é uma incógnita. A primeira lição a tirar é que o Brasil vive um momento de radicalização na base da sociedade que é abortada pela falta de canais e instrumentos que organizem politicamente este tipo de rebelião popular fruto das contradições do capitalismo recente, em especial pelo fortalecimento da chamada “classe C”, historicamente furtada do trabalho da esquerda por seu caráter “lumpém”, mas que hoje se cresce e rebela com uma atitude corajosa e explosiva de ruptura com o modelo conciliatório da transição social “lenta, gradual e segura”. Esta é uma transformação de médio prazo: o inchaço da classe C é um fenômeno crescente desde 1992, mas sua expansão acontece de maneira mais acentuada desde 2003. Hoje, são 105,4 milhões de pessoas, ou 55,05% da população nesta faixa. Segundo um estudo da FGV, esse processo ocorre junto com o encolhimento das classes D e E. Em 1992 elas representavam juntas 62,13% da população. Em 2003 eram 54,85% dos brasileiros. Hoje, somadas, as classes D e E representam 33,19% dos 191,4 milhões de habitantes do país. Ainda assim, são 16,2 milhões de pessoas vivendo com até R$ 70 mensais. Esta transformação da composição social do proletariado resulta, agora, em novas lutas de classe – só que sem muita organização, representação e visibilidade política, mas que potencialmente pode colocar em jogo o grande pacto de poder vigente no Brasil. A necessidade de ascensão política de massas da “classe C” é um importante norteador da nova dinâmica da luta de classes no Brasil.
 2) Abril de 2011: início da batalha do movimento dos bombeiros do Rio de Janeiro, dando início a uma transformação da conjuntura política e sindical, influenciando diversas categorias e corporações em todo o Brasil. O movimento começou reivindicando reajuste de seu salário de miséria e vale transporte. Diante do fracasso das vias de diálogo com a Assembléia Legislativa, no dia 3 de junho os bombeiros ocuparam o Quartel General numa expressão de radicalização, inclusive com momentos de solidariedade como quando a tropa de choque se recusou a reprimir os colegas fazendo com que policiais selecionados do BOPE efetivassem a invasão do local com disparos de fuzil e fortes focos enfrentamento. Depois da operação foram presos 439 bombeiros. Aí se espalharam diversas mobilizações da população pelo direito de anistia aos presos, dando visibilidade nacional para a causa. Depois da conquista da anistia aos heróis, no dia 3 de agosto, dois meses depois do episódio, os bombeiros fizeram um ato que começou nas escadarias da Alerj e seguiu ao Palácio Guanabara junto com professores do movimento da educação, policiais militares, civis e parlamentares de esquerda. Durante o ano de 2011 houveram diversas paralisações de bombeiros e policiais pelo país. Já em 2012, no dia 31 de janeiro, a Polícia Militar da Bahia e o Corpo de Bombeiros decidiram entrar em greve. Eles reivindicam a criação de um plano de carreira, pagamento da URV e melhores condições de trabalho. Depois de alguns dias de greve, os militares ocuparam a Assembléia Legislativa e o Exército foi chamado para conter a situação. A “Justiça” decretou a ilegalidade do movimento e expediu 12 mandados de prisão. Policiais do Batalhão da Policia Militar de Camaçari decidiram aderir a greve em solidariedade aos colegas. Deste processo tiramos nossa segunda lição: a atuação de policiais e bombeiros é crucial na nova dinâmica da luta de classes ao expor as inconsistências das políticas de segurança, demonstrar a grande capacidade de mobilização dos militares na luta por melhores condições de trabalho e vida, sua capacidade de politização diante das divisões de classe internamente além de seu importante papel na classe trabalhadora. A tensão social está subindo e bombeiros, policiais e militares estão em luta podendo articular até uma Greve geral, um estopim ainda incalculável na dinâmica da luta de classes no Brasil.
3) O baixo salário, as políticas de terceirização e as precárias condições de trabalho estimularam a greve dos servidores das Universidades Federais no final de 2011, um estalo que ainda terá diversas conseqüências importantes no mundo do trabalho. Com uma base renovada e corajosa, fruto da expansão dos concursos públicos recentes, muito descontente com os projetos federais de privatização dos Hospitais Universitários, congelamento de salários, implantação da previdência privada e ameaça da PL de demissões do funcionalismo, os servidores buscaram a greve como forma de exigir suas demandas de dignidade. Depois de diversas atitudes do governo buscando dissolver a greve, a posição pelo fim da greve foi revertida nas bases nas universidades, especialmente na UFRJ, UFMG, UnB, FURG, UFPR, contra a direção das correntes Tribo/CSD/CTB (ligadas ao PT e PC do B), sendo um importante espaço para formação de novas lideranças. No ato em Brasília, os quase 2 mil técnicos, eles se juntaram numa marcha com os bombeiros. Por mais que ainda não tenha sido possível uma greve nacional da educação pública, a lição deste processo é o verdadeiro impulso para o enfrentamento contra a burocracia sindical da CUT e da CTB diante da mobilização dos trabalhadores afirmando a construção de uma nova vanguarda que tem o desafio de superar a divisão das categorias da educação (seja estudantes, técnicos administrativos e professores de universidades públicas e privadas) e recompor um movimento forte e consistente que traga unidade para as lutas sociais mais amplas – do movimento sindical com o movimento estudantil passando pelo movimento popular. O desafio agora é a disputa sobre os caminhos da FASUBRA. Hoje ela é composta por cinco grupos: a TRIBO, a CSD, CTB, o Vamos à Luta e a Frente Base. A Tribo e a CSD são CUTistas e a CTB é uma central sindical criada recentemente ligada ao PCdoB; já Vamos a Luta e a Frente Base fazem parte de um bloco anti-governista, com participação de muitos ativistas e de partidos como PSOL, PSTU e PCB.  A última diretoria (eleita em 2009) é composta por 11 diretores da chapa Tribo/CSD, 3 da chapa da CTB, 5 do do Vamos a Luta e 6 da Frente Base. Dependendo dos encaminhamentos do próximo congresso, podemos viver o início de uma guerra política interna que pode ser um importante tensionador dos caminhos da nova dinâmica da luta de classes. Boa sorte aos companheiros que tem o desafio de agregar os novos militantes resultantes da mobilização da greve e se organizar sob a base de um Fórum de Esquerda. Existem novos ativistas que querem derrotar a Tribo. O grande desafio hoje é construir no Congresso uma forma generosa de UNIDADE, dentro da multiplicidade da militância existente na FASUBRA. O prazo é até dia 10 de abril, quando começará o Congresso em Poços de Caldas, Minas Gerais.
4) A barbárie ocorrida em São José dos Campos, no Pinheirinho, que resultou no desejo de 9.000 pessoas, nos faz repensar a forma que desenvolvemos nosso acúmulo de forças diante da nova dinâmica da luta de classes. Uma das principais contradições da esquerda hoje é que a organização de classe trabalhadora pelo território demonstra combatividade, capilaridade popular real e muita coragem ao mesmo tempo em que vive sofrendo de profundo desdém dos setores da esquerda organizada (sindical e partidária), talvez porque não seja tão glamouroso ou se lide com pessoas que não são letradas, etc. Nossa lição é que o acúmulo de forças da “esquerda negociadora” e das disputas institucionais está superado, a não ser quando o objetivo for a ruptura com a ordem. Essas práticas institucionais passam a conter as transformações empurrando o movimento popular para trás. A questão é que diante da enorme dificuldade do movimento sindical organizar no espaço de trabalho um segmento crescente de trabalhadores (desempregados, temporários, terceirizados, trabalhadores por conta própria, etc.), o espaço em que milhões de trabalhadores no Brasil e em outros países tem se organizado e lutado é o território, em especial na periferia das grandes cidades. Na atual dinâmica da luta de classes, o local das verdadeiras lutas contra a ordem social não é no campo ou na selva, mas na periferia, o território da nova classe trabalhadora. É por isso que desenvolver formas mínimas de auto-organização nas periferias é nosso grande desafio urgente.
Estas quatro lutas, aparentemente desconexas, são sintomas da nova dinâmica da luta de classes no Brasil. Outros sintomas estão pipocando em vários lugares. O que eles tem em comum? Paradoxalmente estes conflitos estão ligados ao desenvolvimento recente do capitalismo brasileiro, mas lutas sociais pós-petistas. É claro que o desenvolvimento do capitalismo gera o crescimento da classe operária criando condições para sua conformação como força social ativa, mas o que fazer quando as novas lutas não se adéquam o “paradigma do governo de coalizão democrático”, que não os representa e nem os organiza, mas, ao contrário, por hora procura dissolvê-los e contê-los? Mas de que tipo de organização precisam? De que tipo de líderes precisamos? Afinal, o que fazer quando estas explosões estouram?
Nosso trabalho de maratona está no começo, e deve-se começar assim mesmo. Para aqueles que haviam desistido da luta, que davam as mais variadas desculpas para se eximir do trabalho de formiguinha (seja pela “cooptação dos movimentos”, as “direções traidoras”, uma “conjuntura terrível” ou qualquer coisa desse tipo…), não existem mais tantas razões para não reiniciar a organização do combate de classes. Claro, estamos mais fracos do que gostaríamos, mas uma parte considerável vem do cansaço de ficar tanto tempo fora da luta de classes extra-parlamentar. Quer queria ou não, uma nova combinação da esquerda – no governo, partidos, movimentos, sindicatos, igrejas, etc – surgirá e deve ter no norte as ações extra-parlamentares de massa. Vamos dar boas vindas à nova dinâmica da luta de classes no Brasil!
Em meios a todas estas contradições, necessitamos de uma idéia positiva para unir as explosões sociais de forma duradoura. Estamos em uma fase de transição e incerteza, mas uma coisa é clara: existem rachaduras na moldura da conciliação de classes no Brasil e as negociações nas quais o Estado é o interlocutor entre a luta social e o capital se mostra completamente insuficiente e limitadora para o avanço das lutas. Entretanto, ao que parece, somente quando as opções dadas pelo consenso capital-parlamentarista se esgotarem é que podemos esperar por uma virada para uma solução radicalmente diferente. Talvez demore algum bom tempo, mas é necessário estar preparado se preparando. Quando bater o teto do programa “neodesenvolvimentista” sob a estrutura do “presidencialismo de coalizão” de inserção a-social via mercado da classe C, a ofensiva socialista deve estar organizada. A nova classe proletária brasileira – produto da expansão capitalista recente e impulsionada pelas obras de infra-estrutura, Copa e Olimpíadas – junto com segmentos do subproletariado sem voz política, infoproletariado, mobilizações camponesas, bombeiros e militares, servidores públicos, movimentos populares urbanos na periferia, igrejas de base, povos indígenas, desempregados e um novo movimento estudantil progressista deverá renovar e formular sua estratégia, suas organizações, métodos de luta comum e programa político. A combinação explosiva desses sujeitos históricos tem seu próprio ritmo e mobilização. Seu dever é saber transformar suas reivindicações em ações massivas, independentes do governo e seus correligionários. Isso só surgirá, entretanto, se retomarmos a velha lição de organização junto a base popular, em seu dia a dia, em lutas diárias e miúdas. Somente as grandes mobilizações, o estímulo a todas as formas de luta de massa por necessidades imediatas e o trabalho de base podem alterar nossa situação diante da nova dinâmica da luta de classes.
Esse processo também depende da capacidade de renovação e atualização da agenda do projeto socialista. Novas demandas, urgências e necessidades foram geradas no último período e se elas não forem encaradas adequadamente com políticas concretas o socialismo ficará despojado de todo conteúdo prático sendo apenas um ideal abstrato típico do “revolucionarismo retórico e comportamental”. Será necessário elaborar vagarosamente aquilo que seria um projeto socialista, considerando que não existem modelos ideais para imitar. Na elaboração desse projeto, a esquerda deve demonstrar sua capacidade de sintetizar a enorme diversidade de reivindicações – econômicas, sociais, culturais e identitárias – da heterogênea classe trabalhadora, em uma fórmula integral que leve em consideração a pluralidade de situações que caracterizam as distintas classes e formações sociais subalternas. A partir daí temos que lidar algumas perguntas realmente difíceis: como se daria a conjugação de agentes parlamentares e extra-parlamentares? Como integrar uma verdadeira perspectiva latino-americana neste processo? Como neutralizar as forças contra-revolucionárias, as empresas de segurança privada e o crime organizado? Como construir novos órgãos legislativos? Quem são os aliados, os inimigos e os falsos amigos? Qual seria o papel das organizações socialistas? Que tipo de trabalho de base é necessário consolidar para cumprir esse papel adequadamente? Que nova explosiva combinação de agentes (movimentos sociais e populares, coletivos políticos, partidos de esquerda, sindicatos, igrejas, etc) colocará a revolução social na ordem do dia no Brasil?

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Fundos de pensão no capitalismo brasileiro: réquiem da privatização dos aeroportos


Os fundos de pensão voltam à cena em 2012. Depois de uma atabalhoada PL 1.992/2007 que visa à implementação urgente do regime de previdência complementar dos servidores públicos, denominada de Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP), os três maiores fundos de pensão do país - que já têm no seu portfólio de investimentos a concessão do Metrô do Rio de Janeiro, da Linha Amarela também no Rio, a rodovia Raposo Tavares em São Paulo e o Arco Rodoviário em Camaçari na Bahia - se uniram novamente para ganhar a privatização do aeroporto de Guarulhos, o maior do país.

Realizado na manhã de 6 de fevereiro de 2012, na sede da BM&F Bovespa, em São Paulo, o leilão nos fez relembrar as grandes privatizações da década de 1990, quando os fundos também tiveram um papel crucial sob fortes protestos sociais. Por mais que estivessem concorrendo na compra enormes empresas de infra-estrutura brasileira e da construção civil, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, os fundos de pensão foram a bola da vez. O consórcio Invepar-Acsa, formado pelos fundos Previ, Funcef e Petros e pela operadora sul-africana OAS, abocanhou o aeroporto de Guarulhos com uma oferta de R$ 16,21 bilhões e ágio de 373,5%, cerca de R$3,3 bilhões mais alto que o segundo melhor lance. O BNDES financia 80% desse investimento. A nova empresa que irá operar o aeroporto terá 49% de capital da Infraero e 51% da Invepar-Acsa – assim, a estatal e os fundos de pensão terão 63% das ações da companhia. Logo após serem anunciados os vencedores dos leiloes dos aeroportos, iniciaram-se as especulações sobre a segunda rodada de privatizações de grandes terminais, como o Galeão (RJ), Confins (MG), Congonhas (SP), além dos aeroportos internacionais de Recife e Manaus.

Uma importante conclusão desta retomada das “privatizações” no governo Dilma deve ser encarada a partir do papel dos fundos de pensão na estratégia de desenvolvimento do capitalismo recente no Brasil. Na verdade, com a mundialização financeira, desde meados da década de 1960, em conjunto com uma série de medidas – como a desregulamentação monetária, a expansão do mercado de câmbio, a abertura do mercado de títulos da dívida e a desintermediação bancária –, abriram-se as portas para que importantes instituições financeiras não-bancárias, como os fundos de pensão, ganhassem progressivamente maior relevância no cenário econômico e financeiro.

Sem dúvida, um dos traços mais importantes do desenvolvimento recente dos mercados financeiros é a emergência dos Investidores Institucionais – fundos de pensão, seguradoras e fundos mútuos –, que passaram a concentrar poupança e as aplicações financeiras, superando os bancos como principais detentores de liquidez. Este processo de expansão dos investidores institucionais pode ser explicado, em parte, pelo envelhecimento da população, pelos incentivos fiscais concedidos aos planos privados de previdência complementar num contexto de crise do Welfare State, pela liberalização financeira e a escala da concentração bancária, que impulsionaram a ascensão de novas formas financeiras não-bancárias.

Estas instituições, originárias da economia norte-americana e britânica, figuram progressivamente entre as instituições mais decisivas do quadro das finanças mundializadas. Entre as décadas de 1990 e 2000, por exemplo, os investidores institucionais obtiveram um enorme crescimento. Em 1990, o trio formado por fundos mútuos, fundos de pensão e companhias de seguro gerenciavam, no conjunto das economias avançadas, cerca de 11 trilhões de dólares. Em 2005, este total passaria a 53 trilhões de dólares, em um crescimento de 381,8%. Em 2001, a proporção do patrimônio dos fundos de pensão em relação ao PIB chegou a 113% na Holanda, 71% nos EUA e 65% no Reino Unido. Mas os fundos de pensão ganharam destaque não só nas economias desenvolvidas, como também nos países periféricos. No Brasil, os ativos desses agentes cresceram vertiginosamente ao longo da década de 1990, atingindo R$ 239,7 bilhões em 2003, com um crescimento de 221% de 1996 a 2003. A evolução dos ativos dos fundos de pensão em proporção ao PIB chegou a 17,2% em 2007 ante 8,9% em 1996 – podendo chegar, segundo analistas, a 50% do PIB em 2020 e poucos.

Lembremos que a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 significou a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) e de sua principal base social e sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a ocupar posições estratégicas nos fundos de pensão e conselhos de administração das empresas estatais, além de outros órgãos de gestão direta do capital financeiro como o FAT e o FGTS. A ascensão de ex-sindicalistas a gestores de fundos de pensão no Brasil não representa apenas um novo gerenciamento da poupança acumulada, mas uma transformação de longo alcance no capitalismo brasileiro, que acompanha a reestruturação das finanças mundiais, as novas formas de expansão do capital e suas relações com as forças de trabalho e o Estado.

A importância desta “nova elite” só pode ser encarada pelo papel que os gestores dos fundos de pensão passam a exercer na economia capitalista nas últimas décadas e suas principais transformações, como o controle acionário majoritário de grandes grupos industriais, a incorporação da “governança corporativa” como horizonte de ação do sindicalismo e novas modalidades de financiamento da economia. Essa “nova elite” se conforma como os nepmans do capitalismo mundializado. Não é à toa que, por gerir investimentos de grandes massas de capitais, os fundos de pensão são atores muito bem cotados para as obras e operações em infra-estrutura articuladas pelo governo.

Para o governo nacional de Lula e Dilma, devido à ausência e à debilidade estrutural da “burguesia nacional” (que mais parece com máfias rentistas: veja os grandes monopólios da indústria, do agronegócio, dos serviços “especializados”, do latifúndio, da mídia etc.) em fazer “investimentos de longo prazo” e reformas estruturantes, os fundos de pensão seriam importantes fornecedores de recursos, um ótimo financiador para desenvolver a indústria, a agricultura e os serviços, reconstruir a infra-estrutura de energia, transportes e comunicações e a infra-estrutura urbana, estimulando a criação de novos empregos e criando mecanismos de redistribuição de renda. Em suma, os fundos de pensão, sob a ótica do governo nacional, seriam um dos motores do “neodesenvolvimentismo” no Brasil.

Para que isso ocorra, ainda existe uma dura luta a fim de conseguir direcionar estes recursos predominantemente para tal tipo de investimento. Afinal, os fundos de pensão costumam se comportar como investidores em busca de altos rendimentos, principalmente nos mercados financeiros. Ao contrário do que se costuma acreditar, esses fundos não investem necessariamente em setores produtivos ou na indústria nacional. Ao atuar como capital portador de juros, seu dever fiduciário é obter a maior rentabilidade para os investimentos dos participantes, normalmente vinculados ao mercado financeiro estimulado pelas altas taxas de juros. Além da poupança de milhares de brasileiros ficarem à mercê da lógica dos mercados especulativos de curto prazo, na mão dos gestores estes fundos se transformam em capital e os aposentados tornam-se, quer queiram ou não, em sujeitos interessados na maior exploração e precarização dos assalariados ativos. Os fundos de pensão fazem a própria classe trabalhadora atuar inconscientemente na sua exploração. É uma contradição própria do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, algo que tem cheiro de pós-capitalismo.

Logo teremos que fazer as perguntas realmente difíceis sobre estes processos: como a privatização da previdência dos servidores públicos, das jazidas de petróleo, dos aeroportos, rodovias, hospitais universitários, das florestas e segurança está relacionada com o “projeto de nação pós-neoliberal”? O que existe de comum em todas essas privatizações? O que devemos esperar da “privataria petista”? No que ela se diferencia da “privataria tucana” (e se diferencia, e muito!)?