terça-feira, 30 de setembro de 2008

7 teses sobre a crise atual: parte 2

O capitalismo está em pane geral. Mesmo assim, como no Titanic, os músicos continuam tocando. Não nos enganemos dizemos que a crise atual é apenas financeira ou se remete apenas aos Estados Unidos. Essa crise tem, em sua gênese causal, uma forma global de atuação, circulação, produção e distribuição que impossibilita que essa crise seja apenas em algum lugar longínquo do mundo, principalmente porque o que entra em crise é o coração que bombeia os imperativos existenciais do capital, os Estados Unidos: a maior potência da história. Se a crise se instala no coração, o bombeamento para o resto do corpo torna-se descompassado buscando entrar de acordo com as fissuras desse coração que não consegue mais bombear direito, que não consegue acumular satisfatoriamente e, por conseqüência, se desloca para o uso intensivo de remédios paliativos como o capital financeiro.
Essa dinâmica da crise não está sendo frisada pelos ideólogos do capital que festejam essa crise pelos olhos da mídia como momento oportuno de expansão de notícias, mesmo que na maioria das vezes não ligue de forma alguma esse processo com sua causalidade histórica e social dentro de um plano global de existência do capitalismo global. São happenings que acontecem, e simplesmente acontecem...
Para nortear esse debate podemos sintetizar nosso entendimento sobre a crise atual com as seguintes teses:
1) A crise que os noticiários clamam está ligada diretamente com um processo que se torna dominante, principalmente na década de 1990: a financeirização da economia mundial. Esse processo é, conhecendo a dinâmica de desenvolvimento do capital historicamente, resposta a uma crise muito mais profunda. É a crise estrutural do capital global que afeta a capacidade de reprodução material da economia real, fazendo com que, numa tentativa de atender as demandas intrínsecas por expansão e acumulação, se desloque em massa para o campo financeiro que não é produtivo para a sociedade já que vive da produção de dinheiro por dinheiro, a tautologia última da alienação do capital. Esse processo foi possibilitando o capital financeiro tomar o comando das estratégias econômicas e políticas sob um enorme espectro de especulação e liquidez, também no âmbito mundial. Em outras palavras, o processo de financeirização já é uma resposta para uma crise estrutural do capital que afeta a capacidade de produção de riqueza social global.
2) A crise que desponta atualmente é a crise do capital em si. Sua tendência histórica anda nesse sentido desde meados de 1970: produção destrutiva sem a mínima consideração com as necessidades humanas. O aumento da pobreza, do desemprego e da precarização do trabalho não é mais um sintoma dos países subdesenvolvidos. O centro do capitalismo global já está infectado com essa forma de desenvolvimento cancerosa. É sob esse esgotamento do metabolismo global do capital é que se encontram as crises do final do século XX – crise energética, crise de alimentos, crise financeira, crise do Estado, crise social. Agora os antigos liberais de plantão clamam pela volta do Estado já que, o que está acontecendo agora não faz parte da “lógica do mercado”. O que pode assustar alguns é que exatamente essa lógica é a causadora dessa crise que, momentaneamente, é apenas a ponta do iceberg.
3) Zizek enfatiza que a pergunta que deve ser feita agora é: “qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos? Muito está sendo mistificado nesse sentido. “A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão. Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar. É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento”.
4) O golpe cleptocrata de transferência de renda (US$ 700 bi) não pode sustentar as necessidades de reprodução ampliada do capital. Aqui o fim da globalização é eminentemente uma questão de data próxima, pois com o desenvolvimento dos fatos, a necessidade estrutural da volta do Estado como regulador das trocas (passando das trocas financeiras pelas trocas simbólicas) torna-se um imperativo. A tendência para uma hibridização entre o capital e o Estado, já apontado por Mészáros há anos, é o que está em jogo. Perguntemos então: como poderia ser o perfil de um Estado afundado numa guerra, com a maior dívida do mundo historicamente, sob uma grave crise social e de legitimidade, a substância do valor de sua moeda comprometida? Não me parece pessimismo pensar a introdução esquemática e racionalista do Estado como aquele que assegurará a “liberdade”, mesmo que sejam à custa de uma total privação dela. A democracia liberal precisa entrar em xeque para impossibilitar essa mudança. O envenenamento dessa crise num nível global não mostra o fim do capitalismo, mas o fim de uma forma de regulação baseada na desregulamentação generalizada. Como PODERÁ o Estado agir agora, sem fundos e crédito, em relação a seus súditos? A classe-que-vive-do-trabalho, sob o prisma de uma crise global, pode aceitar passivamente ver suas economias se fragmentando junto com as receitas bancárias? Não seria agora o momento de uma ofensiva?
5) A crise deslegitima as estratégias neoliberais. O endividamento generalizado (seja nos EUA, seja no Brasil, seja de populações, seja de Estados) foi à forma de pressionar a continuidade dessa estratégia. Como está sendo visto, essa estratégia possibilitou prolongar sua duração, mas não desviar a trajetória do processo. O que as elites podem fazer? O chamado por uma intervenção do Estado no sentido de atender as necessidades do capitalismo torna-se uma questão de vida ou morte. O conhecido “aparato burocrático” não tem sentido aqui, pois a chamada do capital é instantânea e, nesse sentido, o socorro também precisa ser. A troca de postura dos liberais já é flagrante. A abertura das torneiras da política monetária terá limites? Será que a impressão de dólares não será a resposta mais factível? Os planos de resgate, cada vez mais internacionalizados, poderão dar conta dessa crise global? Os mercados se estabilizaram até as eleições em novembro? Independente do resultado, a bolha está estourando junto com uma bomba-relógio. Quem será que vai segura-la? A prática histórica nos diz que crises como essa levam consigo a busca pelo conservadorismo das elites econômicas e políticas com suas conseqüências sociais: polarização, violência institucionalizada e desemprego.
6) Sob esse processo de expansão da polarização, da violência institucionalizada e do desemprego, praticamente todo o tecido social nos Estados Unidos deve perder sua capacidade de integração, principalmente devida às condições objetivas vindas da elite econômica e política. Até mesmo aqueles com empregos ditos estáveis começam a perder a confiança. Aqui, para as forças socialistas, a urgência é dramática, pois se encontra um grande desafio histórico: como organizar todos esses setores sobre algum determinado denominador comum de luta? A guerra do Iraque toma espaço nesse sentido. A demanda interna para acabar com o conflito também pode significar uma demanda contra a orientação imperialista do Estado e do mercado. Apenas sob a junção estruturalmente necessária entre as classes dominantes sob o espectro do Estado capitalista é que se torna possível acabar com o véu que estrutura a realidade social: a mídia está fazendo de tudo para encobertar esse processo sob a esquizofrenia pós-moderna. Podemos fazer diferente?
7) As quebradeiras não podem parar. O pacote de US$ 700 bilhões só pode dar início à recuperação dessa crise sem construir uma alternativa real para esse estado de coisas. Muitos analistas duvidam que esse pacote pode até mesmo surtir algum tipo de efeito. Preparemos-nos para a forma de regulação do Estado neoliberal falido: ele não pode ter as características positivas do Estado de Bem-Estar, pois esgotou sua capacidade de compra insinuante sob o consumo generalizado. Resta o aparato da força, usado tão facilmente por quem o tem. Em outras palavras podemos dizer que os planos econômicos (feitos de até mesmo de forma bipartidária) não afetam de modo algum as causas dessa crise, seja no nível “específico” dos Estados Unidos ou no sistema-mundo. O dólar tem papel crucial nesse processo: esse dinheiro verde precisa circular, com confiança ou não, independentemente de um desejo de algum capitalista em especial. O tamanho das trocas globais desse dinheiro já passa dos sete dígitos diariamente. Será possível reconstruir todo esse mercado ou devemos pensar seriamente sobre as alternativas a esse metabolismo global do capital, de uma vez por todas?

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

a crise estrutural do capital: parte 1

(uma investigação sobre as razões da crise)

Como podemos entender a atual crise que ocorre nos Estados Unidos? Podemos fazer uma ligação com sua crise hegemônica ou, mais ainda, podemos procurar na incapacidade de acumulação e expansão de capital sua profunda raiz? Será uma crise estrutural ou uma crise que apenas mostra algumas imperfeições do sistema capitalista avançado? O que significa, hoje, uma crise no coração do metabolismo global do capital? Quais podem ser as conseqüências? O que podemos fazer?
Essas não são perguntas fáceis para se responder, principalmente devida à instantaneidade com que os fatos estão ocorrendo. É um processo em tempo real, ao vivo como diriam os comentaristas do espetáculo. O grande problema é que, assim como a mídia hegemônica em geral, costuma-se apresentar os fatos desconexos de suas bases causais numa esquizofrenia constante: a subida nos preços dos alimentos em escala mundial não tem absolutamente nada a ver com os processos globalizantes do capital ou a atual crise nos Estados Unidos tem escala apenas nacional não tendo impactos severos na construção mundial da economia com seus processos de exploração do trabalho sob uma divisão internacional. A busca é por não contextualizar os fatos, mas sim apenas fazer acontecer happenings nas notícias buscando por mais espectadores.
Em última análise, não poderia ser diferente. A Verdade é postada ali e é entendida mundialmente por ali também. Ela busca mostrar uma crise que afeta a possibilidade de reprodução de capital em escala global como um corriqueiro mal-estar... Mas será que a crise que se esta noticiando, às vezes até com otimismo para as oportunidades que podem ser criadas nos países menos desenvolvidos, não envolve a totalidade do metabolismo global em que vivemos, ou ainda, será que podemos encarar essa crise como uma simples arritmia ou como o limite do capital como relação social global dominante?
Primeiramente, vamos esclarecer alguns pressupostos de entendimento. Em Marx podemos encontrar a concepção de capitalismo como um sinônimo de crise: o capitalismo seria uma crise constante. Mas por quê? Porque detém um potencial de “revolucionamento” das forças produtivas como nunca na história. Sob o signo do capital foram instauradas transformações tão radicais sob a vida social que olhamos para nossos avôs com estranheza. Eles poderiam até ter nascido em outro mundo.
É nessa mutação viva que se desenvolve o capitalismo, mesmo que não linearmente. É pelas contradições que abalam a vida material que é possível existir essa supressão/superação das normas tradicionais, dos empecilhos de comunicação, da família. Marx até mesmo costumava rechaçar os ataques que viam no comunismo uma dilaceração da família: é só olhar o que o capitalismo está fazendo até nossos dias para entender melhor o que realmente acontece.
Voltemos à crise: sob esse contínuo processo de crise, no sentido de possibilitar atender suas demandas de acumulação e expansão, o capital extrai do trabalho sua “substância”: a mais-valia. Essa é a forma de extração do trabalho excedente sob o controle estrutural do capital. Para assegurar esse processo, o Estado moderno toma a frente e constrói um arcabouço normativo e legalizado perante os servos. Sob o espectro desse Estado constitui-se a força extra-econômica que impõem aos sujeitos sua posição perante a divisão social do trabalho e faz de tudo para reproduzir esse processo. Nesse sentido, o documetário The Corporation é notável. Ali mostra-se como soldados armados asseguram o trabalho precário (feitas, na sua maioria, por mulheres e crianças) feito para empresas transnacionais que fazem pela marca seu diferencial de preço. Isso demonstra como a “sustância” do capital (extração constante e ampliada do trabalho assalariado) é que aquele que dá o motor para que essas empresas (em sua praticamente absoluta propriedade dos países do centro capitalista). Entretanto, isso mostra mais: o monopólio dessas empresas transnacionais possibilita a terceirização do trabalho para lugares remotos do mundo a fim de poder extrair o máximo do trabalho alheio e, nesse mesmo sentido, possibilita um desvario dos preços objetivamente necessário ao capital hoje. No documentário provasse esse diferencial sob o pagamento na escalas de centavos para a hora trabalhada em comparação ao preço de centenas de dólares por uma simples unidade de vestimenta produzida.
Esse desvario dos preços mostra uma realidade mais profunda e sinistra: a incapacidade do capital de se reproduzir e, dessa forma, buscando pelo preço e não pelo valor sua expansão e circulação em escala global. Isso significa que o trabalho humano despedido chega a um limite da completa desvalorização, mesmo que, paradoxalmente, o capital dependa do trabalho para se reproduzir. Esse processo que se inicia em meados de 1970 chega a sua radicalidade após sua maturação: apenas hoje, nesse início de século, é possível entender a crise atual como a crise do metabolismo global do capital.
Muito já se falou sobre a sociedade contemporânea: o neoliberalismo como ofensiva do Estado e do capital contra o espaço público, a crise do antivalor, a privatização generalizada da vida social, o crescimento da violência como código de conduta, o acirramento do medo nas grandes metrópoles, a favelização global, o capital financeiro no comando das estratégias dos mais diversos cantos do mundo, o crescimento do círculo vicioso da dívida externa dos países menos desenvolvidos, etc. O que todos esses fatos têm em comum é que todos fazem parte de uma dinâmica regressiva da sociedade baseada na relação social chamada capital.
O capital financeiro é o aspecto mais explícito nesse sentido: sob as práticas de liberalização do comercio mundial postas pelo neoliberalismo, é possível existir uma expansão exponencial da reprodução do capital financeiro. Entretando, o que é o capital financeiro? É aquele que é expulso do terreno da produção, da economia real, da produção. Como Marx já havia explicado, é capital fictício que pode flutuar sem sua substância, seu sentido. Lembremos aos desavisados que essa medida para expandir o setor financeiro, entretanto, não é uma opção que o capital buscou rumo à emancipação do setor produtivo. Muito pelo contrário. Na verdade a financeirização da economia é uma necessidade objetiva para a contínua expansão do dinheiro. Para Marx, a reprodução do capital se dá pela fórmula D – M –D’. Sob a dominância do capital financeiro, a fórmula corta o aspecto socialmente positivo do capital e reproduz dinheiro a partir de dinheiro: D – D’. A aparência passa a dominar: o dinheiro que passa pelo processo de valorização sob a exploração do excedente do trabalho vivo entra num processo de fictícização já que representa trabalho não produtivo. Dessa forma o capital vive de crédito futuro para sustentar o presente; a produção passou a ser um apêndice do capital fictício. Nessa mesma fórmula, as pessoas também vivem a crédito tentando sustentar o presente endividado. Até quando? Ou melhor, por quê?
A ascensão da financeirização econômica é assim uma resposta fenomênica a uma crise maior, se cunho estrutural que destrói as bases materiais da vida em sociedade. Ela pode criar o crescimento da economia capitalista global, mas não desenvolver as forças produtivas, aquelas que possibilitam a expansão dos valores de uso pela sociedade.
Convenhamos, quando um capital fictício toma as rédeas do crescimento, algum problema está nascendo. São meados dos anos 80: estávamos aqui sob o espectro do neoliberalismo e seus imperativos de liberalização do comércio mundial rumo a uma aldeia global. Em 2008 a ideologia neoliberal que estrutura a realidade econômica atesta sua ineficácia óbvia suspendendo da realidade seus imperativos liberalizantes como um tiro que acabou saindo pela culatra. O capitalismo em sua crise estrutural não deixa dúvidas acerca à ligação cleptocrata entre o Estado e a necessidade de fazer continuar essa odisséia que afeta, em última análise, a classe-que-vive-do-trabalho em nível global.
Essa últimas semanas são calorosas nesse sentido!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O ESTADO DE EXCEÇÃO É A REGRA?