O capitalismo está em pane geral. Mesmo assim, como no Titanic, os músicos continuam tocando. Não nos enganemos dizemos que a crise atual é apenas financeira ou se remete apenas aos Estados Unidos. Essa crise tem, em sua gênese causal, uma forma global de atuação, circulação, produção e distribuição que impossibilita que essa crise seja apenas em algum lugar longínquo do mundo, principalmente porque o que entra em crise é o coração que bombeia os imperativos existenciais do capital, os Estados Unidos: a maior potência da história. Se a crise se instala no coração, o bombeamento para o resto do corpo torna-se descompassado buscando entrar de acordo com as fissuras desse coração que não consegue mais bombear direito, que não consegue acumular satisfatoriamente e, por conseqüência, se desloca para o uso intensivo de remédios paliativos como o capital financeiro.
Essa dinâmica da crise não está sendo frisada pelos ideólogos do capital que festejam essa crise pelos olhos da mídia como momento oportuno de expansão de notícias, mesmo que na maioria das vezes não ligue de forma alguma esse processo com sua causalidade histórica e social dentro de um plano global de existência do capitalismo global. São happenings que acontecem, e simplesmente acontecem...
Para nortear esse debate podemos sintetizar nosso entendimento sobre a crise atual com as seguintes teses:
1) A crise que os noticiários clamam está ligada diretamente com um processo que se torna dominante, principalmente na década de 1990: a financeirização da economia mundial. Esse processo é, conhecendo a dinâmica de desenvolvimento do capital historicamente, resposta a uma crise muito mais profunda. É a crise estrutural do capital global que afeta a capacidade de reprodução material da economia real, fazendo com que, numa tentativa de atender as demandas intrínsecas por expansão e acumulação, se desloque em massa para o campo financeiro que não é produtivo para a sociedade já que vive da produção de dinheiro por dinheiro, a tautologia última da alienação do capital. Esse processo foi possibilitando o capital financeiro tomar o comando das estratégias econômicas e políticas sob um enorme espectro de especulação e liquidez, também no âmbito mundial. Em outras palavras, o processo de financeirização já é uma resposta para uma crise estrutural do capital que afeta a capacidade de produção de riqueza social global.
2) A crise que desponta atualmente é a crise do capital em si. Sua tendência histórica anda nesse sentido desde meados de 1970: produção destrutiva sem a mínima consideração com as necessidades humanas. O aumento da pobreza, do desemprego e da precarização do trabalho não é mais um sintoma dos países subdesenvolvidos. O centro do capitalismo global já está infectado com essa forma de desenvolvimento cancerosa. É sob esse esgotamento do metabolismo global do capital é que se encontram as crises do final do século XX – crise energética, crise de alimentos, crise financeira, crise do Estado, crise social. Agora os antigos liberais de plantão clamam pela volta do Estado já que, o que está acontecendo agora não faz parte da “lógica do mercado”. O que pode assustar alguns é que exatamente essa lógica é a causadora dessa crise que, momentaneamente, é apenas a ponta do iceberg.
3) Zizek enfatiza que a pergunta que deve ser feita agora é: “qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos? Muito está sendo mistificado nesse sentido. “A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão. Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar. É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento”.
4) O golpe cleptocrata de transferência de renda (US$ 700 bi) não pode sustentar as necessidades de reprodução ampliada do capital. Aqui o fim da globalização é eminentemente uma questão de data próxima, pois com o desenvolvimento dos fatos, a necessidade estrutural da volta do Estado como regulador das trocas (passando das trocas financeiras pelas trocas simbólicas) torna-se um imperativo. A tendência para uma hibridização entre o capital e o Estado, já apontado por Mészáros há anos, é o que está em jogo. Perguntemos então: como poderia ser o perfil de um Estado afundado numa guerra, com a maior dívida do mundo historicamente, sob uma grave crise social e de legitimidade, a substância do valor de sua moeda comprometida? Não me parece pessimismo pensar a introdução esquemática e racionalista do Estado como aquele que assegurará a “liberdade”, mesmo que sejam à custa de uma total privação dela. A democracia liberal precisa entrar em xeque para impossibilitar essa mudança. O envenenamento dessa crise num nível global não mostra o fim do capitalismo, mas o fim de uma forma de regulação baseada na desregulamentação generalizada. Como PODERÁ o Estado agir agora, sem fundos e crédito, em relação a seus súditos? A classe-que-vive-do-trabalho, sob o prisma de uma crise global, pode aceitar passivamente ver suas economias se fragmentando junto com as receitas bancárias? Não seria agora o momento de uma ofensiva?
5) A crise deslegitima as estratégias neoliberais. O endividamento generalizado (seja nos EUA, seja no Brasil, seja de populações, seja de Estados) foi à forma de pressionar a continuidade dessa estratégia. Como está sendo visto, essa estratégia possibilitou prolongar sua duração, mas não desviar a trajetória do processo. O que as elites podem fazer? O chamado por uma intervenção do Estado no sentido de atender as necessidades do capitalismo torna-se uma questão de vida ou morte. O conhecido “aparato burocrático” não tem sentido aqui, pois a chamada do capital é instantânea e, nesse sentido, o socorro também precisa ser. A troca de postura dos liberais já é flagrante. A abertura das torneiras da política monetária terá limites? Será que a impressão de dólares não será a resposta mais factível? Os planos de resgate, cada vez mais internacionalizados, poderão dar conta dessa crise global? Os mercados se estabilizaram até as eleições em novembro? Independente do resultado, a bolha está estourando junto com uma bomba-relógio. Quem será que vai segura-la? A prática histórica nos diz que crises como essa levam consigo a busca pelo conservadorismo das elites econômicas e políticas com suas conseqüências sociais: polarização, violência institucionalizada e desemprego.
6) Sob esse processo de expansão da polarização, da violência institucionalizada e do desemprego, praticamente todo o tecido social nos Estados Unidos deve perder sua capacidade de integração, principalmente devida às condições objetivas vindas da elite econômica e política. Até mesmo aqueles com empregos ditos estáveis começam a perder a confiança. Aqui, para as forças socialistas, a urgência é dramática, pois se encontra um grande desafio histórico: como organizar todos esses setores sobre algum determinado denominador comum de luta? A guerra do Iraque toma espaço nesse sentido. A demanda interna para acabar com o conflito também pode significar uma demanda contra a orientação imperialista do Estado e do mercado. Apenas sob a junção estruturalmente necessária entre as classes dominantes sob o espectro do Estado capitalista é que se torna possível acabar com o véu que estrutura a realidade social: a mídia está fazendo de tudo para encobertar esse processo sob a esquizofrenia pós-moderna. Podemos fazer diferente?
7) As quebradeiras não podem parar. O pacote de US$ 700 bilhões só pode dar início à recuperação dessa crise sem construir uma alternativa real para esse estado de coisas. Muitos analistas duvidam que esse pacote pode até mesmo surtir algum tipo de efeito. Preparemos-nos para a forma de regulação do Estado neoliberal falido: ele não pode ter as características positivas do Estado de Bem-Estar, pois esgotou sua capacidade de compra insinuante sob o consumo generalizado. Resta o aparato da força, usado tão facilmente por quem o tem. Em outras palavras podemos dizer que os planos econômicos (feitos de até mesmo de forma bipartidária) não afetam de modo algum as causas dessa crise, seja no nível “específico” dos Estados Unidos ou no sistema-mundo. O dólar tem papel crucial nesse processo: esse dinheiro verde precisa circular, com confiança ou não, independentemente de um desejo de algum capitalista em especial. O tamanho das trocas globais desse dinheiro já passa dos sete dígitos diariamente. Será possível reconstruir todo esse mercado ou devemos pensar seriamente sobre as alternativas a esse metabolismo global do capital, de uma vez por todas?
Essa dinâmica da crise não está sendo frisada pelos ideólogos do capital que festejam essa crise pelos olhos da mídia como momento oportuno de expansão de notícias, mesmo que na maioria das vezes não ligue de forma alguma esse processo com sua causalidade histórica e social dentro de um plano global de existência do capitalismo global. São happenings que acontecem, e simplesmente acontecem...
Para nortear esse debate podemos sintetizar nosso entendimento sobre a crise atual com as seguintes teses:
1) A crise que os noticiários clamam está ligada diretamente com um processo que se torna dominante, principalmente na década de 1990: a financeirização da economia mundial. Esse processo é, conhecendo a dinâmica de desenvolvimento do capital historicamente, resposta a uma crise muito mais profunda. É a crise estrutural do capital global que afeta a capacidade de reprodução material da economia real, fazendo com que, numa tentativa de atender as demandas intrínsecas por expansão e acumulação, se desloque em massa para o campo financeiro que não é produtivo para a sociedade já que vive da produção de dinheiro por dinheiro, a tautologia última da alienação do capital. Esse processo foi possibilitando o capital financeiro tomar o comando das estratégias econômicas e políticas sob um enorme espectro de especulação e liquidez, também no âmbito mundial. Em outras palavras, o processo de financeirização já é uma resposta para uma crise estrutural do capital que afeta a capacidade de produção de riqueza social global.
2) A crise que desponta atualmente é a crise do capital em si. Sua tendência histórica anda nesse sentido desde meados de 1970: produção destrutiva sem a mínima consideração com as necessidades humanas. O aumento da pobreza, do desemprego e da precarização do trabalho não é mais um sintoma dos países subdesenvolvidos. O centro do capitalismo global já está infectado com essa forma de desenvolvimento cancerosa. É sob esse esgotamento do metabolismo global do capital é que se encontram as crises do final do século XX – crise energética, crise de alimentos, crise financeira, crise do Estado, crise social. Agora os antigos liberais de plantão clamam pela volta do Estado já que, o que está acontecendo agora não faz parte da “lógica do mercado”. O que pode assustar alguns é que exatamente essa lógica é a causadora dessa crise que, momentaneamente, é apenas a ponta do iceberg.
3) Zizek enfatiza que a pergunta que deve ser feita agora é: “qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos? Muito está sendo mistificado nesse sentido. “A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão. Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar. É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento”.
4) O golpe cleptocrata de transferência de renda (US$ 700 bi) não pode sustentar as necessidades de reprodução ampliada do capital. Aqui o fim da globalização é eminentemente uma questão de data próxima, pois com o desenvolvimento dos fatos, a necessidade estrutural da volta do Estado como regulador das trocas (passando das trocas financeiras pelas trocas simbólicas) torna-se um imperativo. A tendência para uma hibridização entre o capital e o Estado, já apontado por Mészáros há anos, é o que está em jogo. Perguntemos então: como poderia ser o perfil de um Estado afundado numa guerra, com a maior dívida do mundo historicamente, sob uma grave crise social e de legitimidade, a substância do valor de sua moeda comprometida? Não me parece pessimismo pensar a introdução esquemática e racionalista do Estado como aquele que assegurará a “liberdade”, mesmo que sejam à custa de uma total privação dela. A democracia liberal precisa entrar em xeque para impossibilitar essa mudança. O envenenamento dessa crise num nível global não mostra o fim do capitalismo, mas o fim de uma forma de regulação baseada na desregulamentação generalizada. Como PODERÁ o Estado agir agora, sem fundos e crédito, em relação a seus súditos? A classe-que-vive-do-trabalho, sob o prisma de uma crise global, pode aceitar passivamente ver suas economias se fragmentando junto com as receitas bancárias? Não seria agora o momento de uma ofensiva?
5) A crise deslegitima as estratégias neoliberais. O endividamento generalizado (seja nos EUA, seja no Brasil, seja de populações, seja de Estados) foi à forma de pressionar a continuidade dessa estratégia. Como está sendo visto, essa estratégia possibilitou prolongar sua duração, mas não desviar a trajetória do processo. O que as elites podem fazer? O chamado por uma intervenção do Estado no sentido de atender as necessidades do capitalismo torna-se uma questão de vida ou morte. O conhecido “aparato burocrático” não tem sentido aqui, pois a chamada do capital é instantânea e, nesse sentido, o socorro também precisa ser. A troca de postura dos liberais já é flagrante. A abertura das torneiras da política monetária terá limites? Será que a impressão de dólares não será a resposta mais factível? Os planos de resgate, cada vez mais internacionalizados, poderão dar conta dessa crise global? Os mercados se estabilizaram até as eleições em novembro? Independente do resultado, a bolha está estourando junto com uma bomba-relógio. Quem será que vai segura-la? A prática histórica nos diz que crises como essa levam consigo a busca pelo conservadorismo das elites econômicas e políticas com suas conseqüências sociais: polarização, violência institucionalizada e desemprego.
6) Sob esse processo de expansão da polarização, da violência institucionalizada e do desemprego, praticamente todo o tecido social nos Estados Unidos deve perder sua capacidade de integração, principalmente devida às condições objetivas vindas da elite econômica e política. Até mesmo aqueles com empregos ditos estáveis começam a perder a confiança. Aqui, para as forças socialistas, a urgência é dramática, pois se encontra um grande desafio histórico: como organizar todos esses setores sobre algum determinado denominador comum de luta? A guerra do Iraque toma espaço nesse sentido. A demanda interna para acabar com o conflito também pode significar uma demanda contra a orientação imperialista do Estado e do mercado. Apenas sob a junção estruturalmente necessária entre as classes dominantes sob o espectro do Estado capitalista é que se torna possível acabar com o véu que estrutura a realidade social: a mídia está fazendo de tudo para encobertar esse processo sob a esquizofrenia pós-moderna. Podemos fazer diferente?
7) As quebradeiras não podem parar. O pacote de US$ 700 bilhões só pode dar início à recuperação dessa crise sem construir uma alternativa real para esse estado de coisas. Muitos analistas duvidam que esse pacote pode até mesmo surtir algum tipo de efeito. Preparemos-nos para a forma de regulação do Estado neoliberal falido: ele não pode ter as características positivas do Estado de Bem-Estar, pois esgotou sua capacidade de compra insinuante sob o consumo generalizado. Resta o aparato da força, usado tão facilmente por quem o tem. Em outras palavras podemos dizer que os planos econômicos (feitos de até mesmo de forma bipartidária) não afetam de modo algum as causas dessa crise, seja no nível “específico” dos Estados Unidos ou no sistema-mundo. O dólar tem papel crucial nesse processo: esse dinheiro verde precisa circular, com confiança ou não, independentemente de um desejo de algum capitalista em especial. O tamanho das trocas globais desse dinheiro já passa dos sete dígitos diariamente. Será possível reconstruir todo esse mercado ou devemos pensar seriamente sobre as alternativas a esse metabolismo global do capital, de uma vez por todas?