Cuidado, esse depoimento ficou mais agressivo que os outros.
Estou em Campinas passando a semana. Para alguém que mora em Curitiba o susto foi grande. Aqui o trânsito é altamente desorganizado com mínimas indicações, ruas centrais com enormes buracos, muita violência e medo. O processo de crescimento da cidade não acompanhou uma revitalização pública das ruas e dos próprios cidadões e motoristas. Fazendo uma análise mais macro, parece que a reestruturação produtiva ocasionou grandes perdas para a cidade. Se antigamente Campinas era um dos centros da metalurgia nacional, agora o capital da preferencia para lugares aonde a organização sindical é menor e com mais facilidade de flexibilização e precarização do trabalho. No ABC paulista, região que englobava grande parte da produção automobilistica, existiu uma redução de 240 mil operários em 1980 para 100 mil em 2007. Em Campinas específicamente, reduzi-se de 70 mil operários para pouco mais de 40 mil. O que podem fazer essa reserva de mão-de-obra designada não mais para esperar um novo emprego e sim engrossar o desemprego estrutural que varre nosso país? Em São Paulo a taxa de desemprego é de 17% e em Porto Alegre é de 14,5%. Infelizmente por razões ideológicas, bem explícitas, o filme Tropa de Elite, por exemplo, não pode explicar isso.
Tornando mais calmo meu depoimento...
Como não agüentava mais pagar por táxis até a UNICAMP (que também é longe de tudo) resolvi ver os ônibus que levam até lá. Conversei com algumas pessoas e a primeira resposta foi: tem um ônibus que você pode pegar ali na rodoviária, mas você tem que ver os horários que passam, pois se você ficar mais de 5 min no ponto a chance de você ser assaltado é grande. Isso me lembrou uma outra coisa que me assustou: quando perguntei para algumas pessoas o que tem de bom para fazer aqui a resposta foi unânime: tem vários shoppings. A história de uma cidade foi diminuída a uma construção artificial a atende interesses privados.
Em outras palavras a cidade cresceu tanto e de forma tão alvoroçada que os processos de exclusão e violência foram correlatos de tal forma que o único lugar aonde se pode ter segurança é o shopping. A não-existência de políticas públicas para revitalizar o centro (principalmente) fez com que ele se tornasse um lugar incabível de andar e conseqüentemente de se socializar. Claro, em tempos sombrios de neoliberalismo político, por que deveriam ser feitas tais políticas? Os teatros que haviam lá fecharam, os cinemas foram para os shoppings, não tem aonde estacionar com segurança e os lugares de comércio tem uma vida útil de dois anos normalmente (foi o que um dono de uma bar me falou).
O que isso significa? Que os lugares públicos foram privatizados. O respostas dos problemas criados socialmente foram apenas alocados para uma segregação maior ainda, isso é, foram privatizados para o shopping (não apenas ele, óbvio, mas acho que ele encarna bem esse processo). As formas de criação de pobreza, miséria e violência não são mais contrabalanceadas e sim foram renegadas a sua sorte. Não é esse o espírito mais puro de nosso Estado mínimo neoliberal? Políticas públicas são gastos e não servem para nada.
Sabemos que nos shoppings existem três formas de segregação social: econômica (quem não tem dinheiro se sente meio perdido diante desse templo de mercadorias), simbólica (conhecemos bem como os seguranças barrar de forma explícita o acesso a pessoas mal vestidas e que aparentam segundo eles algum risco) e espacial (os grandes shoppings normalmente são feitos em lugares isolados para o acesso seja estrito de carro e para que exista uma valorização do terreno próximo – o exemplo mais clássico em Curitiba é o Park Shopping Barigui e a supervalorização do ecoville). Além disso, algumas lojas têm o despautério de colocar em suas vitrines algo como “30% Off” ou “For Sale” criando um imaginário social de que aquelas que tem algo em inglês são a vanguarda e separando aqueles que falam inglês como língua universal dos negócios e os simples mortais. Para quem quiser conhecer uma crítica sociológica sobre os shoppings o livro da Valquiria Padilha é muito bom.
Bem, continuando minha odisséia ontem meu celular deu problema e fiquei fora de acesso como diria Jeremy Riftin. Normalmente acho que não me incomodaria, mas a saudade da minha namorada falou mais alto. Como no centro é altamente confuso e confesso que fiquei com um pouco de medo depois de que todos falaram, me rendi e fui até o shopping (confesso que tive um pouco de curiosidade em conhecer o shopping).
Não era qualquer shopping, é o shopping X que esqueci o nome que é o maior da América Latina. Fui até a Tim e eles não conseguiram resolver meu problema. Mas isso é de menos. Fiquei impressionado. Conversando com um rapaz que trabalha lá ele me falou que quando enche tem mais de 30 mil pessoas.
Fazendo uma análise do shopping percebi algumas coisas. Sua forma arquitetônica-funcional é feita exatamente para lembrar uma cidade: tem cachoeiras, pracinhas, árvores, lugar para se alistar no exército, um cartório (!!!), supermercado, táxis, hiperlojas. A cidade, que naturalmente é pública, foi esvaziada de seu potencial para que outra fosse construída artificialmente de forma privada. Lá não sentimos medo, estamos seguros dos problemas sociais que varrem a cidade. Não se precisa mais da cidade (para a classe mais alta, óbvio). Pode-se deixa-la de lado e recluir-se num shopping híbrido.
Quem ganha com isso? Aqueles grandes conglomerados que podem pagar um lugar junto aos shoppings agradecem essa mudança na relação entre público-privado. Esses são os grandes privilegiados a curto prazo, porém, a longo prazo não somos todos, sem exceção, os grandes prejudicados dessas práticas?