sábado, 24 de dezembro de 2011


Vale a pena dar uma olhada na retrospectiva de 2011 organizada pelo Correio da Cidadania.

www.correiocidadania.com.br

Nesta edição de fim de ano existe uma entrevista com o geógrafo Ariovaldo Umbelino, artigos de Leo Lince, Luiz Antonio Magalhães, Wladimir Pomar, Frei Betto, Raimundo Araújo, Gilvan Rocha, Waldemar Rossi, Guilherme Delgado, Paulo Passarinho entre outros - como Plínio de Arruda Sampaio com um belo texto materialista cristão sobre o Natal e Alex Alves sobre alarmante conjuntura européia.

Abaixo posto uma parte do texto que fiz para esta retrospectiva, fazendo uma balanço do pós-neoliberalismo e os desafios estratégicos de construção do socialismo hoje no Brasil.



Uma estratégia do pós-neoliberalismo ao socialismo
Fernando Marcelino


http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6671:politica231211&catid=25:politica&Itemid=47


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Uma estratégia socialista para o pós-neoliberalismo lulista é essencial para superar o capitalismo brasileiro contemporâneo. Estas transformações apontam para a necessidade de atualizar a estratégia e a tática socialista. Os socialistas têm de considerar que estão numa situação inesperada e precisam se reconstruir encontrando estratégias que não estão previstas em nenhum dos manuais marxistas.

A nova esquerda tem o desafio de formulação de uma estratégia para encontrar a forma adequada de luta e de organização, com um caminho e suas alianças de classe para a revolução brasileira. O pós-neoliberalismo é uma transição de uma forma de capitalismo para outra e uma mutação na configuração do bloco de poder. No momento certo deve estar articulada uma estratégia socialista que inviabilize o retrocesso sócio-econômico e político pela saturação do modelo, com capacidade de reduzir radicalmente os direitos dos proprietários capitalistas e possibilitando uma ofensiva socialista que torne irreversíveis as transformações pós-neoliberais. Sem este tipo de ofensiva, é uma grande ingenuidade acreditar que é possível a superação do neoliberalismo apenas na linha de menor resistência do lulismo.

Infelizmente, a aceitação do consenso pós-neoliberal lulista – e seus limites estratégicos e programáticos - ainda impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-popular pós-neoliberal é cúmplice dos fenômenos que ela condena, além de desconsiderar qualquer tentativa séria de construir uma ordem sócio-política pós-neoliberal, orientada por restringir a autonomia do capital e fomentar reformas amplas que visem criar rupturas com o capitalismo. A forma lulista de pós-neoliberalismo depende para sua estabilização (a “governabilidade”) de um crescente distanciamento de qualquer tipo de disposição de impulsionar transformações pós-capitalistas. Como partido da ordem, ao PT seria catastrófico para a “governabilidade” uma luta verdadeira contra o capital e entre as frações do capital. O PT não pode avançar do pós-neoliberalismo ao socialismo, preso aos seus próprios “aliados políticos” e pela relativa unidade da burguesia em torno do crescimento econômico.

Agora o desafio passa de superação do neoliberalismo para uma batalha contra o capitalismo – e provavelmente apenas a “crise dos emergentes” abrirá um novo panorama que supere as ilusões do pacto lulista. O pós-neoliberalismo produziu uma ilusão generalizada de melhora lenta, gradual e segura na “democratização do capital”. Em meio a este processo, a nova classe proletária brasileira (produto da expansão capitalista recente), junto com segmentos do subproletariado sem voz política, mobilizações camponesas, movimentos populares urbanos na periferia, igrejas de base, povos indígenas, os desempregados e um novo movimento estudantil progressista, deverão renovar e formular sua estratégia, suas organizações, métodos de luta e programa político.

Apenas um salto qualitativo neste processo pode empurrar o pós-neoliberalismo ao precipício da história junto com o capitalismo. Nossa tarefa é derrotar as forças contra-revolucionárias que defendem o capitalismo (neoliberal e pós-neoliberal). Ainda pode demorar um tempo, mas é a reorganização da esquerda sob novas bases que pode forçar o esgotamento do pós-neoliberalismo a se transformar num caminho ao socialismo com capacidade de construir uma força hegemônica, impulsionando projetos pós-neoliberais em escala mundial.

Está claro que, dadas as condições de crise internacional e os impasses do pós-neoliberalismo lulista, este é um ótimo momento para a retomada do socialismo como estratégia de luta política no Brasil e na América Latina. Se não avançarmos nesta perspectiva estratégica em nossas lutas, talvez terminemos tragados por uma inflexão histórica que aniquile o que foi conquistado. Este é um dos desafios estratégicos da nova esquerda socialista.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Uma nova Guerra Fria? A China como alvo principal da nova ofensiva imperialista dos Estados Unidos




Com a retirada das guerras no Oriente Médio, agora o alvo estratégico dos Estados Unidos é a Ásia, em particular a China. Recentemente Obama afirmou que os cortes orçamentários do Pentágono não vão atingir a zona asiática: "Disse à minha equipe de segurança nacional que encerradas as guerras atuais, ou seja, a saída do Iraque e do Afeganistão, as missões na região Ásia Pacífico serão nossa prioridade". Hillary Clinton declarou que na seqüência do Iraque e do Afeganistão, "o centro de gravidade estratégico e econômico do mundo está se mudando para o leste, e que [os EUA] estão se focando mais na região da Ásia e Oceania". Um dos focos de tensão é o Mar da China Meridional que abriga as ilhas Spratly e Paracel que se acredita ser uma das maiores reservas mundiais de petróleo ainda não exploradas. Os EUA também deslocaram a maior parte de seus porta-aviões do Atlântico para Pacífico, que recentemente fortaleceram acordos militares com Cingapura e Austrália. Está mudança do alvo estratégico dos Estados Unidos provavelmente marcará profundamente os conflitos geopolíticos da próxima década representando não apenas uma enorme drenagem dos recursos imperialistas, mas também uma potencial carga explosiva extremamente instável para as relações internacionais contemporâneas.    
Mesmo com o declínio da hegemonia dos Estados Unidos não se pode falar da perda de seu poder militar. A capacidade estadunidense de intervenção militar é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas pela extensão de suas bases pelos quatro cantos do mundo encorpando também seu poder ao ciberespaço, ao espaço sideral e utilizando novas formas de intervenção em conflitos com as empresas militares privadas. Esta capacidade bélica, entretanto, não assegurou a vitória incisiva dos Estados Unidos e de seus aliados no Oriente Médio. Pior, em meio a este processo, presenciou a acelerada e crescente ascensão da China como um dos centros econômicos, políticos e militares do mundo.
De qualquer forma, é certo que os Estados Unidos continuam sem uma política coerente com a China. Giovanni Arrighi listou três razões principais para isso. Primeiro que o governo Bush via a guerra do Iraque como a batalha decisiva para conter o poder crescente da China. Como o sonho de uma vitória fácil que permitiria aos Estados Unidos lidar com a China de uma posição vantajosa azedou, restou o objetivo de sair do Iraque com o mínimo de perda para a credibilidade norte-americana. A segunda razão para a constante inexistência de uma política norte-americana coerente para a China é a dificuldade para se definir o interesse nacional dos Estados Unidos e a terceira é a dificuldade de perceber as tendências atuais e futuras da economia política chinesa. Agora o primeiro ponto está sendo reformulando. O fracasso no Oriente Médio está obrigando o salto estratégico rumo a China, sem o acúmulo de poder que seria propiciado pela guerra do Iraque. Isso é: a mudança estratégica dos Estados Unidos agora acontece num contexto de enfraquecimento político e maior dependência econômica da China. A alternativa militar parece ser a única forma de conter o poder chinês diante do aprofundamento de sua crise – por mais irracional que seja.   
Mas como e porque os Estados Unidos iriam aumentar seu engajamento militar na Ásia? Afinal, se a questão de Taiwan for deixado de lado, é difícil construir uma hipótese realista para um conflito entre China e Estados Unidos. Uma das justificativas dadas pelo Pentágono para o novo enfoque estratégico é o crescimento do poder militar chinês. Entende-se que a China já há algum tempo começa a se apresentar como a maior desafiadora em potencial da hegemonia norte-americana devido ao seu crescimento econômico e, principalmente, militar. Em 2011 o orçamento chinês de defesa chegou a US$ 93,5 bilhões, algo muito pequeno comparado ao orçamento de US$ 553 bilhões aprovados para o ano fiscal de 2012 dos Estados Unidos. É certo que a China tem uma base territorial e demográfica imensa, dispõe de armas nucleares, forças militares sofisticadas, diversos satélites de monitoração e relativa preparação para as ciberguerras. Possui tecnologia militar de ponta em vários setores e seu poder diplomático é grande, inclusive com assento no Conselho de Segurança da ONU. As forças armadas chinesas já são capazes de defender seu país de uma invasão do exterior e podem projetar poder na região, especialmente frente a Taiwan. Mesmo assim, elas não são uma ameaça à supremacia militar americana no mundo. Peng Guanggian, General do Exército Popular de Libertação, declarou que a menção freqüente da “ameaça militar da china” tem pelo menos três objetivos verdadeiros: uma desculpa para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos manter sua escalada militar e seus exorbitantes gastos, ajudar a venda de armas e ajudar os Estados Unidos a interferir na política regional da Ásia. 
Talvez o que mais assuste aos Estados Unidos é a aproximação entre China e Rússia. Esta última herdou todo o poderio bélico da extinta União Soviética, recuperou-se beneficiada, em larga medida, pela alto dos preços de energia e matérias primas tornando-se uma das principais economias do mundo. Ambos os países não estão dispostos a permitir que os Estados Unidos ampliem sua presença na Ásia Central e no Cáucaso ameaçando sua segurança. Provavelmente a experiência mais intrigante neste processo seja Organização de Cooperação de Xangai, organização que não é dirigida contra nenhum país ou bloco e aparece como uma entidade institucionalmente flexível capaz de conjugar diversos interesses de seus participantes da Ásia Central. A OCX adentra numa área de mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, um contingente humano de cerca de 25% da população mundial – sem contar os membros observadores. Na parte econômica essa cooperação ganha dinamismo, impulsionada pela riqueza de hidrocarbonetos, recursos minerais e agrícolas. Em termos de “capital humano” das forças armadas, desenvolvimento tecnológico da área militar e máquina econômica capaz de sustentar conflitos, é possível que a OCX coloque em jogo, no médio prazo, a liderança dos Estados Unidos como a única superpotência militar do mundo. Como notou argutamente Pepe Escobar, “o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida, que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar”. A estratégia para dominar a China pode ser a mesma que procura conter a Rússia: cercar, cobrar explicações sobre gastos militares, oferecer “proteção” contra a China, apoio informal a disputas internas. Ao que parece esta estratégia se concentra em integrar os exércitos do Sudeste Asiático pela via da OTAN. Busca-se enquadrar as relações com a China nos marcos da Guerra Fria, por mais que a China não seja a União Soviética. Essa ambigüidade foi bem expressa por Obama: “A China não é nem nossa inimiga e nem nossa amiga”. Seria uma nova Guerra Fria?
            No Brasil estas transformações caminham de maneira extremamente confusa. Muitos “nacionalistas” e órgãos de imprensa culpam hoje a China pela desindustrialização brasileira, falam que o gigante asiático é uma “ameaça a soberania” de nossos recursos naturais. Como bem salientou Wladmir Pomar, estes “nacionalistas” entendem que a China possui uma estratégia neocolonizadora que busca tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos. Com isso, a China passa a ser o inimigo principal para esses nacionalistas. Dócil e obediente aos interesses do império norte-americano, a elite brasileira incorpora a sinofobia para escamotear sua falta de compromisso com os interesses nacionais. Em meio às novas e turbulentas transformações geopolíticas mundiais, combater a sinofobia é urgente. Ela esconde o conservadorismo e a ignorância além de dar carta branca às novas estratégias imperialistas dos Estados Unidos e da OTAN.