domingo, 31 de maio de 2009

Já que amamos o sistema, está tudo bem

Hoje, domingo, 31 de maio de 2009, a Folha de São Paulo resolveu publicar diversas matérias sobre a “realidade chinesa”. Sem discutir a hipocrisia do jornal em frisar como os dissidentes da praça da paz celestial buscavam democracia e liberdade, numa matéria intitulada “Escolas públicas investem em educação pública” o jornal escreve sobre como o Partido Comunista emprega representantes para cooptar os melhores alunos. O mais sintomático e interessante é que o melhor estudante chamando Han Xing-chen de 17 anos quer ingressar no Partido Comunista. No imaginário ocidental isso só pode ocorrer pela manipulação da ditadura chinesa que impôs ao menino tal desejo. Entretanto, lendo a própria matéria percebemos claramente que a educação chinesa é exponencialmente melhor do que a dada no Brasil: lá os alunos têm aulas sobre patriotismo, o Partido Comunista, fazem redações sobre o Hino Chinês, participam de concursos de poemas e canções sobre heróis nacionais etc. Em cada escola pública são selecionados os melhores alunos onde participam de uma semana de treinamento militar: aprendem a marchar, fazer escaladas, são surpreendidos por corridas noturnas, uma evacuação com apitos nos dormitórios. Han diz que “são provas duras, que exigem disciplina”. Os quatro melhores alunos da escola de Han (incluindo ele) estudam, em média, 12 horas por dia, das 7h40 às 17h, em sala de aula, com uma hora de almoço. Mais quatro horas de lição de casa, inclusive aos sábados. Quando perguntado sobre o que acha das aulas de patriotismo respondeu: “é bem relaxada. Não precisamos estudar ou decorar fórmulas complicadas. É só ficar recitando slogans em voz alta, “Nós amamos a Pátria, nós amamos o socialismo”. Contanto que amemos o sistema, está tudo bem”. A sinceridade do rapaz deixaria estupefatos alguns, mas não é exatamente isso que temos no mundo ocidental, só que com o detalhe de não existir a educação que sustenta essa sinceridade tornando-nos completos cínicos? Diríamos, portanto, "já que amamos o sistema, está tudo bem!"

Micro-Manifesto

A razão cínica reina sobre nosso mundo. Sabemos que a motivação de lucro submeteu quaisquer outras motivações tradicionais e que a cobiça pode agora ser agora identificada como força fundamental na natureza humana. Sabemos que a corrupção no governo é absoluta e que nenhum governo representativo algum dia cumprirá as promessas feitas com os argumentos tradicionais a favor da democracia. Sabemos na pele que o sistema vigente está levando todos nós para um profundo caos social, ambiental, cultural e político de pobreza, miséria, violência, fome e morte porém, o que se está fazendo a respeito? Se ninguém faz nada a respeito por que as coisas mudariam? Esperar a boa vontade de alguém? Ou dar dinheiro para manter o sofrimento dos outros a uma distância segura permitindo nos satisfazer emocionalmente sem colocar em perigo nosso isolamento seguro de sua realidade. Nossa sociedade está cada vez mais aceitando silenciosamente a estabilidade do modelo capitalista mesmo que a conseqüência direta disso seja um crescente nível de miséria, pobreza, desigualdade e polarização social. O que piora as coisas é que grande ala da esquerda (eformista) colabora ativamente nesse processo onde assina em baixo o dito do "fim da história" sob a democracia liberal. Prefere-se ser politicamente corretos para não interferir em nada no final das contas.
Não queremos ser tolerados ou apoiados pelo sistema. Queremos transgredir o limite que se impõem a interpassividade de fazer coisas não para conseguir algo, mas para impedir que algo realmente aconteça. Somos contra a neutralidade: numa luta histórica concreta, a atitude de “inocência” (“Não quero sujar minhas mãos ao me envolver na luta, só quero levar uma vida modesta e honesta”) personifica a máxima culpa. Em nosso mundo, não fazer nada não é algo desprovido de sentido; já tem um significado – significa dizer “sim” às relações de dominação existentes.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A religião financeira

O crescimento exponencial das dívidas públicas mostra tanto o esgotamento potencial da “ajuda externa” do Estado ao capital quanto a dimensão religiosa da crença em seu pagamento futuro. Em proporção do PIB, a dívida pública dos Estados Unidos está passando de 44% para 77% chegando a mais de US$ 10 trilhões. No Reino Unido, o débito está passando de 49% do PIB para 97%. Quanto maior a dívida mais profunda é a crença em seu eventual pagamento. Não é a toa que o maior temor da economia mundial hoje é a potencial desvalorização da classificação da dívida dos Estados Unidos do nível “AAA”, o patamar mais seguro para investimento.

sábado, 23 de maio de 2009

Era do Acesso: a utopia liberal hoje

Para Jeremy Rifkin, autor do best-seller A Era do Acesso, as bases da vida moderna estão começando a se desintegrar. O sistema capitalista esta desmantelando seu modus operandi se reinventando na forma de redes e começando a deixar os mercados para trás. Essa seria uma daquelas “estranhas guinada da História”(?). Estranha mesmo! “O ato de alienação da propriedade – a troca negociada entre vendedor e comprador – que é o cerne do que constituiu um sistema de mercado, é menos freqüente. Transformar um relacionamento entre partes em commodity para acessar e partilhar propriedades tangíveis e intagíngeis é a essência da abordagem baseada em rede à vida comercial” (p. 47). A alienação dos meios de produção ficou numa história arcaica de uma era em que o capitalismo ainda era baseado na materialidade de suas relações. Agora, nada mais disso existe já que a força propulsora seria o acesso.

Por isso, as batalhas ideológicas, as revoluções e a guerra estão esmorecendo lentamente na aurora de uma nova constelação de realidades econômicas que estariam nos levando a repensar os tipos de vínculos e limites que irão definir as relações humanas no século XXI. Nessa realidade os mercados cedem lugar às redes e a propriedade é substituída rapidamente pelo acesso. A propriedade, mesmo continuando existindo, seria bem menos trocada em mercados. Os mercados permanecem, mas seu papel é cada vez menor nos negócios humanos. O coração da vida industrial, a posse de capital fixo, torna-se cada vez mais marginal sendo uma mera despesa operacional, algo que é emprestado em vez de adquirido. Os verdadeiros itens de valor de troca (sua força propulsora) passam a ser conceitos, idéias e imagens. Nessas transformações os detentores do capital intelectual exercem o controle sobre as condições e os termos pelos quais os usuários asseguram o acesso a idéias, conhecimento e experiências críticas, deixando para trás a era dos mercados onde as instituições que detinham o controle do capital fixo exerciam um controle crescente sobre a troca de bens entre vendedores e compradores. O processo de concentração e centralização ficou na historia da era moderna do desenvolvimento material do capitalismo. Rifkin ainda enfatiza que a propriedade é lenta demais para se ajustar a nova velocidade de uma cultura veloz onde praticamente tudo é acessado. Essa abordagem necessita de um mínimo aporte marxista: a propriedade não se desmaterializa com o acesso contínuo. A propriedade expande radicalmente seu campo de ação para a esfera “imaterial” pelo bloqueio objetivo de sua expansão “material”. Nesse processo, o campo “imaterial” se estabiliza entrando numa dialética com o “material”.

Para Rifkin, essa transformação da propriedade em acesso faz parte de um processo de transformação na natureza do sistema capitalista. Estamos passando da produção industrial para a produção cultural: “um comércio de ponta no futuro envolverá o marketing de um vasto arranjo de experiências culturais em vez de apenas tradicionais bens e serviços industriais. A viagem e turismo global, parques e cidades temáticos, centros de entretenimento, bem-estar, moda e culinária, esportes e jogos profissionais, música, filme, televisão e os mundos virtuais do cyberespaço e o entretenimento mediado eletronicamente de todo tipo estão se tornando rapidamente o centro de um novo hipercapitalismo que comercializa o acesso a experiências culturais” (2001, p. 6). Para quem é a era do acesso? Aonde nesse processo o capitalismo transformou sua natureza é uma pergunta que deve ser feita já que é exatamente o capitalismo que possibilita essa explosão onde economia e cultura não se diferenciam mais. Portanto, a visão de Rifkin não é a utopia liberal que liberta o capitalista da propriedade? Estaríamos fazendo a transição a uma economia da “experiência” onde a própria vida de cada pessoas se torna, de fato, um mercado comercial. Isso não mostra a incapacidade inexorável do capital em produzir qualquer tipo de planejamento social?


Para Rifkin, as redes eletrônicas onde um número crescente de experiências humanas é comprado são controladas por algumas empresas transnacionais de mídia que possuem as linhas de comunicação. É uma nova forma do monopólio comercial global onde as questões do pode institucional e liberdade se torna mais descartáveis do que nunca. Nesse panorama, a tarefa política no novo século é restaurar um equilíbrio entre o âmbito cultural e o âmbito comercial já que os recursos culturais sofrem o risco uma exploração excessiva. Seria necessário, portanto, encontrar um meio sustentável de preservar e incentivar a diversidade cultural para a sustentação da economia de rede global que é cada vez mais baseada no acesso pago a experiências culturais. Novamente, ao desconsiderar o caráter irreprimível do capital econômico, sua idéia de sustentação entre os pólos não passa de uma fantasia.

Para Rifkin, o produto cultural representa o estágio final do estilo de vida capitalista. Aqui Rifkin deve ser entendido numa tríade com Fukuyama e Huntington: o choque de civilizações é o fim da história já que o capitalismo na era do acesso faz com que a produção cultural seja o estágio final da civilização humana. O que sustenta essa tríade é, para Rifkin, a automatização da indústria onde máquinas inteligentes substituem a mão-de-obra humana, a verdadeira passagem a era do acesso.

Se acessar diz respeito a distinções e divisões, é necessário enfatizar que na divisão social e digital do trabalho existe um bloqueio estrutural do acesso ao controle dos meios de produção industrial e intelectual. A luta pelo acesso é a luta capitalista no século XXI. É daí que devem advir os conflitos interimperialistas do capitalismo digitalizado.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Os campos de concentração hoje

Hoje o debate sobre os campos de concentração voltam a girar: a dificuldade é que giram em torno de um problema falso. É necessário ligar diretamente a questão dos campos de concentração e seu caráter indizível com a necessidade de reprodução ideológica do capitalismo hoje. Além disso, muitas vezes consideram-se os campos um “assunto morto” de um passado do qual não se quer lembrar: será que essa não é a verdadeira questão? Os campos de concentração não são o significado real das políticas praticadas pelo excesso capitalista, o nazismo? Hoje, em tempos que os excessos do capitalismo já são praticamente integrados a sua lógica de reprodução, como suas práticas políticas já tem como pressuposto a criação de novos campos onde se articulam o antagonismo que estrutura a realidade social? Se no nazismo o excesso da qual se buscava o extermínio eram os judeus, quais são as práticas que hoje demonstram a necessidade estrutural do capital em exterminar do campo político seus excrementos? Não são essas políticas que tem como objeto os imigrantes prioritariamente no primeiro mundo e os favelados no terceiro – além dos refugiados? Não seriam eles, portanto, os elementos excedentes da sociedade global que se tornam objetos de políticas que os segregam e concentram sob a ordem da Lei? Nesse sentido a pergunta é: não seriam desses elementos excedentes da ordem global capitalista que poderiam formar novas formas de consciência social coletiva hoje?