quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O que fazer? as razões e alternativas para a crise global

Provavelmente esse será o último texto que vou fazer sobre a crise para o blog. Aqui eu sintetizo bem algumas idéias e desenvolvo outras. Sim, esse post é bem longo mas, como escrevi, provavelmente será o último postado aqui sobre a crise.

Hoje em dia o imaginário dominante se remete duas fantasias ideológicas que necessitam ser desconstruídas se ainda pensamos num projeto radical de emancipação diante da crise estrutural do capital:
1) É mais fácil pensar a destruição total da Terra por algum motivo ecológico ou místico do que uma mudança radical no sistema do capital contemporâneo. É como se o capitalismo liberal fosse indestrutível e que de algum modo ele poderá sobreviver mesmo na eventualidade de uma catástrofe ecológica global...
2) O capitalismo é eterno e natural. Essa fantasia a-histórica nos remete até a encontrar um “gene capitalista” em toda a história. Esse teor naturalizador da ordem estabelecida é um pressuposto teórico nas mais variadas análises sobre o mundo. No capitalismo tardio essa fantasia se dá sob a forma do que foi chamado por Peter Sloterdijk de razão cínica que não é resultado da ignorância ou de uma falsa-consciência, mas sim do conhecimento (agora globalizado) enquanto tal. Sabemos que a motivação pelo lucro submeteu quaisquer outras motivações tradicionais e que a cobiça pode ser identificada como a força fundamental na natureza... Sabemos que a corrupção no governo é absoluta e que nenhum governo representativo algum dia cumprirá as promessas feitas com os argumentos tradicionais a favor da democracia... Sabemos que existe um desastre ecológico acontecendo ao vivo... Entretanto, o conhecimento aqui é impotente, não leva a mudança radical, subjetiva ou objetiva; ao contrário, encoraja, legitima e reforça a desesperança na natureza humana e na possibilidade de uma política coletiva de mudança radical da sociedade. Não seria dessa falência ética, então, que o capitalismo se reproduz?
Buscando ir além dessas fantasias ideológicas que permeiam o mundo contemporâneo vamos tentar fazer uma análise do sistema do capital incluindo sua dinâmica, suas potencialidades e limites para então conjugar essa análise com a crise que vemos nos noticiários. Estranho fato esse: capitalismo e crise voltaram a se combinar nas manchetes das grandes imprensas. Isso não significa um sintoma de nosso tempo? Vou tentar destrinchar esse sintoma tomando uma perspectiva teórica que busque as razões estruturais que possibilitaram o seu aparecimento. Para isso vamos nos remontar a história do capital como relação social dominante fazendo primeiramente uma diferenciação necessária entre capital e capitalismo para depois adentrar nas razões da atual crise.
Vamos fazer uma distinção pontual entre capital e capitalismo já que são fenômenos distintos. O capitalismo é uma fase particular da produção do capital onde a produção para troca é dominante; a própria força de trabalho, tanto qualquer outra coisa, é tratada como mercadoria; a motivação do lucro é a força reguladora fundamental da produção; o mecanismo vital de extração de mais-valia, que é a separação radical entre meios de produção de produtores, assume a forma inerentemente econômica que é apropriada privadamente pelos membros da classe capitalista; e de acordo com seus imperativos econômicos de crescimento e expansão, a produção de capital tende a integração global por intermédio do mercado internacional, com um sistema totalmente interdependente de dominação e subordinação econômica.
O capitalismo é assim uma forma específica de funcionamento do capital como relação social onde bens e serviços, inclusive as necessidades mais básicas da vida, são produzidas tendo como fim a troca lucrativa; os requisitos da competição e da maximização de lucro são regras fundamentais da vida social e, devida a essas regras, é um sistema voltado singularmente para o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produtividade do trabalho através de mudanças tecnológicas e organizativas. Esse é, ao mesmo tempo, o norte de seu desenvolvimento e seu fardo já que necessita transformar-se constantemente para adequar-se a suas mudanças.
Por ser um sistema composto, em sua grande maioria, por trabalhadores livres sem posses e obrigados a vender sua mão-de-obra por um salário a fim de subsistir, vemos que toda a produção de bens e serviços está subordinada à produção de capital e não a qualquer tipo de organização e distribuição de riqueza para os seres sociais que trabalham. Dessa forma é mais entender que o objetivo básico do sistema capitalista é a produção e auto-expansão do capital.
Com o capital conseguindo libertar-se dos constrangimentos dos sistemas orgânicos anteriores, superando principalmente as proibições da compra e venda de terra e trabalho, ele pode afirmar-se como sistema orgânico oniabrangente que visa à auto-expansão reduzindo e degradando os seres humanos à condição de meros “custos de produção” como “força de trabalho necessária” podendo tratar o trabalho vivo como “mercadoria comercializável”. Se os sistemas orgânicos anteriores eram orientados para a produção de valores de uso e tinham um alto grau de auto-suficiência,
O capital pôde emergir e triunfar sobre seus antecessores históricos como um sistema de controle sociometabólico pelo abandono de todas as considerações da necessidade humana vinculada às limitações dos valores de uso não-quantificáveis, sobrepondo-lhes – como pré-requisito absoluto de sua legitimação para se tornarem alvos aceitáveis de produção – os imperativos fetichistas do valor de troca quatificável e sempre expansivo. Eis como a forma historicamente específica do sistema do capital: sua variedade burguesa capitalista, passou a existir. Teve de adotar o modo esmagadoramente econômico de extrair trabalho excedente pela mais-valia estritamente quantificável.
Aqui já podemos discutir o que aconteceu nas experiências do “socialismo real” na União Soviética e no Leste Europeu. Nessas sociedades que, assim como István Mészáros, denominaremos de sociedades pós-capitalistas ou pós-revolucionárias, a diferença central em relação ao capitalismo estava na forma com que a extração de trabalho excedente era feita de maneira dominantemente política e não econômica. Nesse sentido, não houve uma superação do capital em nenhum sentido. O capital ainda permaneceu dominante nessas sociedades por meio dos imperativos materiais que circunscrevem as possibilidades da totalidade do processo vital; da divisão social do trabalho herdada, que, apesar das suas significativas modificações, contradiz o “desenvolvimento das livres individualidades”; da estrutura objetiva do aparato produtivo disponível (incluindo instalações e maquinaria) e da forma historicamente limitada ou desenvolvida do conhecimento científico, ambas originalmente produzidas na estrutura de produção de capital e sob as condições da divisão social do trabalho; a dos vínculos e interconexões das sociedades pós-revolucionárias com o sistema global do capitalismo, quer estes assumam a forma de “competição pacífica” (intercâmbio comercial e cultural), quer assumam a forma de oposição potencialmente mortal (desde a corrida armamentista até maiores ou menos confrontações reais em áreas sujeitas a disputa).
Nesse sentido as sociedades pós-revolucionárias se mostraram incapacitadas de superar o metabolismo social do capital, isto é, o complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. No século XX o capitalismo como uma das possíveis configurações de existência do capital caracterizada pela subsunção real do trabalho de maneira estritamente econômica teve seu excesso obsceno na figura do stalinismo que acabou sendo a forma de reprodução do capital só que sobre uma subordinação do trabalho de maneira estritamente política.
Para Robert Kurz, o colapso da URSS significa a existência de uma falha no sistema produtor de mercadorias e seus mecanismos de funcionamento. Ele situa a experiência soviética sob o prisma da modernização das regiões ainda pouco desenvolvidas tendo um caráter “de um desenvolvimento recuperador, particularmente forçado, em que não apenas se repetia o estatismo dos inícios da época moderna, mas que também se apresentava numa forma muito mais puta, conseqüente e rigorosa que as dos originais ocidentais esquecidos há muito tempo” (p. 35). Kurz propõem entender as formas supostamente não capitalistas do socialismo estatal soviético (e de todos os regimes semelhantes) como experiências históricas necessárias e pré-formuladas pelo próprio capitalismo. O processo de modernização do sistema global do capital envolve sua expansão podendo, dessa forma, considerar as experiências ditas socialistas do século XX como uma forma de modernização tardia rumo à possibilidade de interligação constitutiva de todo o globo como um sistema de produção generalizada de mercadorias. Segundo sua análise, o fim da URSS mostra um sintoma fundamental de nossa época histórica contemporânea: a crise estrutural do sistema global produtor de mercadorias.
Nesse sentido, o colapso da modernização capitalista é a incapacidade do capital atender seus imperativos existenciais de acumulação e expansão por já chegar a um estágio global de seu desenvolvimento histórico. Por atingir esses limites, podemos dizer que essa crise estrutural está diretamente relacionada com o desenvolvimento do próprio capital global. Seu sucesso como relação global totalizante e expansiva tem seu limite na impossibilidade de reproduzir seu ímpeto globalizante intrínseco.
Considerando essa diferenciação inicial é que podemos pensar essa crise e as políticas alternativas a condição atual das coisas.
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Existe um relativo consenso sobre o surgimento do que vamos denominar aqui de “crise estrutural do metabolismo global do capital”. Essa crise é comumente relacionada com o declínio do Estado de Bem-Estar Social e com o fim da experiência soviética do “socialismo real” sendo esta mais uma manifestação da crise global que se universaliza no final do século XX. As diversas crises que desembocaram no final do século como a mexicana e a asiática estão também estreitamente ligadas com essa crise estrutural cuja causalidade unifica tais manifestações particulares e seu impacto global. Entretanto, como podemos definir essa crise?
Todas as crises do capital são crises de superprodução de valores de troca. Marx já indicava que a lei geral da produção de capital é sempre impulsionada para a expansão, sem considerar os limites do mercado ou as necessidades humanas, o que acarreta periodicamente um desequilíbrio entre produção e circulação ou, em termos marxistas, um desequilíbrio entre o crescimento da taxa de lucro e a realização da mais-valia. O Estado de Bem-Estar Social instaurado no pós-II Guerra Mundial (1945) fez parte do último longo expansivo do capital: foi a forma mais adequada de extração da mais-valia por o Estado ter tomado o papel auxiliador do padrão de acumulação fundado sob o binômio fordismo/keynesianismo exigindo, concomitante a produção de massa, o correspondente consumo de massa. A injeção de recursos públicos na economia visando aumentar o consumo possibilitou, dessa forma, a consolidação de um período de expansão imperturbada: os trinta anos gloriosos do capitalismo. Nesse período a tendência de crise do capital rebuscada pelas altas taxas de crescimento, pelo aumento no padrão de vida dos trabalhadores com o antivalor ou fundo público que possibilitava o desenvolvimento dos salários indiretos compostos por investimentos na educação, saúde, moradia...
Esse modelo entra em crise em meados de 1970. O atendimento dos “imperativos existenciais” do capital de expansão e acumulação encontra seus limites por não conseguir mais se valer do crescimento dos mercados e da ocupação de novos territórios para colocar a crescente produção de mercadorias. Visando a ampliação do consumo diante dessas impossibilidades objetivas a produção volta-se para a redução progressiva da taxa de utilização dos produtos com a redução da vida útil das mercadorias tentando dar vazão a superprodução numa circulação acelerada. É dessa forma que deve ser entendida a atual “sociedade de consumo” onde o desperdício e o descartável reinam. É aqui que se instaura o pós-modernismo como lógica cultural do capitalismo tardio.
(Se o modernismo foi à experiência e o resultado de uma modernização incompleta, inacabada e inacabável pela impossibilidade de atender as demandas burguesas fundamentais de liberdade, igualdade e fraternidade, o pós-modernismo surge quando o processo de modernização não tem mais de desembaraçar das características arcaicas e não tem mais obstáculos diante dele fazendo com que sua própria lógica possa reinar triunfalmente...)
Com o desequilíbrio a superprodução de mercadorias (que é um efeito do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade capitalista) e a eliminação de seus potenciais consumidores instalam-se uma crise. Maio de 1968 foi exatamente o transbordamento desse limite...

Voltando... com o esgotamento desse ímpeto político-transformador de 1968 começou a reação do capital no sentido de construir uma ofensiva neoliberal que já havia sido preparada por Hayek e Popper desde a década de 1940, mas que somente em meados de 1970 encontrara condições objetivas para sua propagação. O objetivo principal dessa ofensiva foi restabelecer a acumulação e a expansão de capital com novas formas de extração do trabalho excedente com (1) mudanças no processo produtivo, na gestão das empresas e da força de trabalho, (2) no cerceamento das atividades políticas dos trabalhadores, (3) o crescimento do desemprego estrutural (4) a globalização, (5) as políticas neoliberais, (6) o desenvolvimento de novas tecnologias. Não vou percorrer, nem rapidamente, cada uma delas. Vamos ao ponto que parece mais importar hoje: a financeirização da economia.
Um dos meios para a superação dessa crise estrutural por parte do capital foi à criação de formas totalmente artificiais de reprodução. Aqui deve ser entendida a gênese da crise do sistema financeiro atual, como uma resposta fenomênica a crise estrutural do metabolismo global do capital.
Marx indicava na fórmula D – M – D’ a forma de atendimento material dos imperativos existenciais do capital. Sob a financeirização a fórmula transforma-se em D – D’, isso é, uma porção de dinheiro é transformada em mais dinheiro sem a mediação da mercadoria. É a “valorização do valor” em sua etapa mais desenvolvida e predatória. Para poder aprofundar essa perspectiva vou fazer uma citação que parece cair muito bem: “o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e sua valorização que constituem o ponto de partida e sua meta, o motivo e fim da produção”. Não podemos encontrar, portanto, na financeirização um limite histórico do capital? Ou melhor, quais foram os problemas da financeirização como via de saída?
O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor de valor já criado. Pode criar lucro, mas não cria valor – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Visto que os lucros não se baseiam na criação de valor novo ou agregado, as operações de investimento resultam extremamente voláteis e os preços das ações, as obrigações e de outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real: por exemplo, as ações de empresas incipientes de Internet, que se mantiveram por um tempo em alta, sustentadas principalmente por valorações financeiras em espiral, para logo arruinarem-se. Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens por movimento de preços que divergem da alta do valor das mercadorias, para vender oportunamente antes de que a realidade force a “correção” para baixa, a fim de ajustar-se aos valores reais. A alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se chama de formação de uma bolha. Como podemos resumir esse processo atualmente, portanto? O desabamento de Wall Street não se deve apenas à cobiça e à falta de regulação estatal do setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise estrutural do capital global que, desde meados dos 70, abarca a totalidade do sistema sob a incapacidade de que seus fatores consigam resolver a sua própria crise. Minha tese é que existem limitações estruturais para o processo de acumulação de capital que estão, desde a década de 1970, atuando como um frio para o funcionamento do sistema. Temos que viver essas situações no cotidiano. Pensemos, então, a ligação dessa crise com alternativas.
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A crise financeira não é, de forma alguma, um desequilíbrio. A crise, a que temos de nos acostumar, não é nem uma crise do capitalismo e sim do sistema do capital em sua totalidade que, afim de que a humanidade sobreviva demanda mudanças fundamentais no modo de controle do metabolismo global do capital. A necessidade de uma mudança estrutural radical e abrangente na ordem estabelecida carrega consigo a exigência da redefinição qualitativa das determinações sistêmicas da sociedade como a perspectiva geral de transformação. Ajustes parciais não são suficientes para cumprir o desafio histórico posto: somente a instituição e a consolidação de uma alternativa hegemônica ao controle sóciometabólico do capital pode oferecer saída para as contradições e antagonismos de nosso tempo. Como sugere Mészáros, “transformar a crise sistêmica do capital em sua “crise final” dependerá da habilidade do movimento revolucionário em se reorientar radicalmente para enfrentar esse imenso desafio histórico”.
Numa declaração recente da ATTAC da Europa é apontado que para responder a esta crise não basta moralizar o capitalismo ou atribuir culpa aos agentes dos mercados financeiros. Uma regulação superficial ou uma gestão da crise em curto prazo teriam como resultado salvar o sistema e conduzir-nos a novos desastres. A resposta a essa crise seria sair do neoliberalismo e por fim ao domínio das finanças sobre o conjunto da sociedade. Pensemos: se essa é a alternativa de esquerda para a crise estamos perdidos. Nesse ponto é necessário superar a herança da experiência soviética ou reluz sobre as demandas impossíveis, ou histéricas diria Lacan, que nunca vão ser atendidas pelo sistema do capital. Vale aqui o recado de István Mészáros:
A matriz das aspirações de emancipação não pode em hipótese alguma estar no sistema do capital. Se estivermos seriamente interessados na realização completa do mandato emancipador, com suas dimensões formais e informais, teremos de imaginar uma ordem metabólica social da qual se removam todas as determinações e defeitos incorrigíveis do capital. Evidentemente é preciso ter em conta o fato de que são necessários muitos passos até que se chegue àquele estágio, e que eles não podem ser dados num futuro hipotético. É preciso começar imediatamente, no presente, assumindo o controle das alavancagens e mediações práticas pelas quais deve passar o progresso, desde o presente realmente existente até o futuro esperado. É fundamental ter uma boa avaliação das nossas forças e recursos, tal como definidos pelas restrições do presente e pelas mediações mais ou menos limitadas ao nosso alcance. Mas nem mesmo um progresso reduzido será possível se não tivermos uma estrutura estratégica de orientação: um 'objetivo geral' que pretendemos atingir. O convite a se deixar orientar pela defesa estratégica da "mudança gradual" pode superficialmente parecer tentador. Mas na realidade essa proposta é enganadora e desorientadora, pois tende a permanecer cega se não se integrar numa estrutura estratégica abrangente, o que equivale a cancelar a nossa autodefinição retórica e geradora de slogans.
O capital faz parte de uma relação incontrolável que usurpa o tempo, força de trabalho, matérias-primas, o meio-ambiente e desenvolve uma tecnologia aliada aos imperativos existenciais de acumulação e expansão de capital sem considerar as necessidades humanas, sociais e naturais. Precisamos de óculos ou uma tela de TV para o entendimento desse processo? Estamos nesse início de século XXI reproduzindo, pelas relações sociais dominantes, a desigualdade num sentido altamente destrutivo sob a relação estruturalmente hierárquica do capital sob o mundo do trabalho e, nesse ponto, a crítica de Walter Benjamim a o que foi denominado de progresso tem sua força. Vale à pena ler com calma a IX tese “sobre o conceito de história” de 1940.
Existe um quadro de Klee intitulado de “Angelus Novus”. Nele está representado um anjo, que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estriadas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele tem seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe, que se cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos e progresso é essa tempestade (Benjamin, 87).
Benjamin trata de desmistificar o progresso por meio das ruínas catastróficas que ele produz numa crítica contra aqueles que consideram “natural” esse processo e, dessa forma, inevitável. Propõem que o trem da história seja freado antes que seja tarde. Nesse sentido, na VII tese Benjamim escreve que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ no qual vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de instaurar o real estado de exceção” (p. 83). Benjamim nos convida aqui a pensar sobre o real significado desse progresso que, para os conformistas, significa a evolução das sociedades no sentido de mais democracia, liberdade e paz. Ele nos evoca para a criação de um “real estado de exceção” que desvie a regra da história (opressão de classe, barbárie, violência dos vencedores) rumo a uma sociedade sem classes baseada na rememoração universal de todas as vítimas sem exceção.
Desde a época de Benjamin a história continuou rumo ao “progresso” e, nesse empreitada extremamente exploradora e opressiva, viu a explosão das bombas atômicas, uma diversidade de guerras, ditaduras, mortes: em outras palavras, o aviso de Benjamim continua válido só que sob uma urgência muito maior já que o potencial destrutivo da sociedade capitalista só aumentou desde lá. Principalmente desde meados de 1970, o capital em seu constante movimento de expansão começa a circular livremente pelas mediações sociais criando um curto-circuito estrutural onde o valor se autodestrói no sentido de seu próprio desenvolvimento: é o limite de reprodução do capital exatamente sob a sua “totalização” no tempo e espaço da vida social do âmbito relacional do sujeito. Nesse ponto A Catástrofe (extinção do ser humano ou da natureza) torna-se uma potencialidade positiva para a reprodução ampliada do capital e, nesse sentido, é preciso cortar o pavio que queima antes que a faísca atinja a dinamite. Numa época em que o incompreensível virou rotina, para evitar a catástrofe, primeiro é necessário acreditar na sua possibilidade. É preciso acreditar que o impossível é possível. Considerá-las improváveis ou nem mesmo pensar nelas é a desculpa para não fazer nada contra elas antes que atinjam o ponto em que o improvável vira realidade.
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Zizek enfatiza que a pergunta que deve ser feita agora é: “qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos? Muito está sendo mistificado nesse sentido. “A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão. Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar. É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento”....
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A crise estrutural do capital global pode se tornar um Significante-Mestre para a articulação de um novo projeto radical de emancipação humana? Ou ainda, segundo Zizek: hoje a única verdadeira questão é: nós endossamos essa naturalização do capitalismo ou o capitalismo global de hoje contém antagonismos fortes o suficiente para impedir sua infinita reprodução?
Existe um poder didático de caráter político nessa crise que devemos prestar atenção rapidamente.
Os últimos acontecimentos que envolvem uma transferência de renda na casa dos trilhões por parte dos Estados do centro capitalista para uma paradoxal maior liquidez no sistema financeiro internacional desnuda a forma-política que está por trás desses atos cleptocratas: a democracia-liberal. É ela que sustenta a possibilidade dessas ações que passam por cima da burocracia buscando incondicionalmente o salvamento do mercado capitalista. Dessa forma cai por terra o imaginário liberal da separação entre capital e o Estado que, sob essa crise estrutural, necessita recorrer urgentemente a uma hibridização. Esse processo já é corrente faz décadas, mas só agora toma proporções explícitas que fariam até o Sr. Milton Friedman e seus colegas serem advogados do Estado intervencionista. Como já era um pressuposto em Marx, a economia capitalista não consegue passar nem alguns segundos sem a força mediadora e de controle do Estado. Nesse sentido temos que ser radicais e perturbar o consenso político dominante: “Fidelidade ao consenso democrático significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar, que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-liberal é cúmplice nos fenômenos que ela oficialmente condena, e, é claro, qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sociopolítica diferente. Em suma significa: diga e escreva o que quiser – desde que não se questione ou perturbe, na prática, o consenso político dominante... Hoje, a verdadeira liberdade de pensamento significa liberdade para questionar o consenso democrático-liberal “pós-ideológico” dominante – ou não significa nada”. Devemos abandonar a democracia como Significante-Mestre: “a democracia é hoje o principal fetiche político, a rejeição dos antagonismos sociais básicos: na situação eleitoral, a hierarquia social é momentaneamente suspensa, o corpo social é reduzido a uma multidão pura passível de ser contada, e aqui também o antagonismo também é suspenso”. Volto à pergunta: a crise estrutural do capital global pode se tornar um Significante-Mestre para a articulação de um novo projeto radical de emancipação humana? Considerando que essa crise é estrutural, global e multidimensional ela pode ser uma ótima escolha.

domingo, 19 de outubro de 2008

A expansão do capital é correspondente a expansão da idiotia liberal?

"Não é o predomínio de motivos econômicos na explicação da história que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. A categoria da totalidade, o domínio universal e determinante do todo sobre as partes constituem a essência do método que Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de uma ciência inteiramente nova. A sepração capitalista entre produtor e processo global de produção, a fragmentação do processo de trabalho em partes que deixam de lado o caráter humano do trabalhador, a atomização da sociedade em indivíduos que produzem irrefletidamente, sem planejamento nem coerência, tudo isso devia ter também uma influência profunda sobre o pensamento, a ciência e a filosofia do capitalismo" (Georg Lukács, História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista, Martins Fontes, São Paulo, 2003, p.105).
Existe algo mais verdadeiro do que isso quando os ideólogos do capital debatem o mundo contemporâneo? Pode ser o desastre ecológico ou a dita "crise do sistema financeiro". Não importa: os OPORTUNISTAS de plantão, seja na Veja, na Globo ou na Academia, não se cansam de apontar sua própria racionalidade obtusa pela incapacidade de apontar a causalidade dos fatos. Isso não é mera coincidência: é uma necessidade (!!!) já que essa causalidade simplesmente faria desmoronar qualquer argumentação liberal sobre o caráter natural ou eterno que existe no modo de produção, de consumo e de circulação capitalista. Em uma discussão recente escutei (e saibam que não era de alguém que o senso comum pequeno-burguês chamaria de idiota ou despolitizado) até que existe um gene capitalista em todo ser humano historicamente e que essa condição é inexorável.
Paradoxalemente na aclamada sociedade da informação o que existe é uma incapacidade geral de legitimar o status quo recorrendo amplamente para teorias primárias (assim como seus autores e propagadores que enfestam as universidades) concebendo o fim da história, o choque de civilizações, a pacificação dos conflitos sociais, a democracia como salvadora da humanidade... Parece até brincadeira... Brincadeira que nos remete as mudanças estranhas (diria patológicas) no pensamento liberal dominante devida as necessidades estruturais de legitimação das atuais condições históricas que o capitalismo vive: a nova moda agora é considerar o Estado como salvação dos problemas. Provavelmente até o Sr. Milton Friedman, com seu oportunismo exacerbado, iria se identificar com a necessidade da volta do Estado como um ente regulação das relações sociais capitalistas.
Marx chamava o capital de "a contradição viva": obviamente não poderíamos esperar mais de suas personificações. Entrementes, a pergunta que fica é: até quando vamos ratificar essa condição?

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Vamos desconstruir o fetichismo da mercadoria?

Quando Marx descreveu os mecanismos de reprodução sócio-histórica do capital, pelos quais existe uma abstração social generalizada que rege progressivamente a vida social capitalista, ele denominou de fetichismo das mercadorias. Em seu tempo, entretanto, ele não poderia construir uma crítica-positiva das necessidades sociais dominantes sob a superação da ordem global do capital. Mesmo considerando que o socialismo estava próximo, na verdade Marx cometeu o erro de considerar as crises de expansão de sua época como a crise estrutural que abalaria as condições objetivas de atendimento dos imperativos existenciais do capital. Essa crise - de cunho estrutural, global e multidimensional – se inicia, entretanto, em meados de 1970. Paradoxalmente, conjuntamente com essa crise se iniciou também uma implacável luta pela Verdade para a qual as forças revolucionárias deveriam se nortear. Essa Verdade se distanciou da crítica-positiva sobre o complexo de alienações e fetichismos compostos pelo metabolismo social do capital em sua divisão estrutural e objetivamente hierárquica do trabalho sobre o capital e parece se acomodar perto dos ideais da democracia-liberal. É o fim da história diria um filósofo do Departamento do Estado norte-americano, mas será que a razão revolucionária que luta por uma mudança qualitativa na organização da sociedade rumo à emancipação individual e social no sentido de possibilitar o livre desenvolvimento das potencialidades e capacidade humanas, rumo ao ser, ao valor de uso, à circulação da dádiva deve aceitar isso?
Vale o lembrete de István Mészáros: A matriz das aspirações de emancipação não pode em hipótese alguma estar no sistema do capital. Se estivermos seriamente interessados na realização completa do mandato emancipador, com suas dimensões formais e informais, teremos de imaginar uma ordem metabólica social da qual se removam todas as determinações e defeitos incorrigíveis do capital. Evidentemente é preciso ter em conta o fato de que são necessários muitos passos até que se chegue àquele estágio, e que eles não podem ser dados num futuro hipotético. É preciso começar imediatamente, no presente, assumindo o controle das alavancagens e mediações práticas pelas quais deve passar o progresso, desde o presente realmente existente até o futuro esperado. É fundamental ter uma boa avaliação das nossas forças e recursos, tal como definidos pelas restrições do presente e pelas mediações mais ou menos limitadas ao nosso alcance. Mas nem mesmo um progresso reduzido será possível se não tivermos uma estrutura estratégica de orientação: um 'objetivo geral' que pretendemos atingir. O convite a se deixar orientar pela defesa estratégica da "mudança gradual" pode superficialmente parecer tentador. Mas na realidade essa proposta é enganadora e desorientadora, pois tende a permanecer cega se não se integrar numa estrutura estratégica abrangente, o que equivale a cancelar a nossa autodefinição retórica e geradora de slogans.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Viva o esquecimento!

"Quanto mais esquecido de si mesmo está quem escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa escutada" (Walter Benjamin). Para os lacanianos de plantão, essa não seria a posição de objeto pequeno a do analista durante a tranferência? Essa não seria a ética psicanalítica/aikidoísta? Talvez...
Esse esquecimento, porém, não tem nada a ver com a desistorização pós-moderna do sujeito nem com o relativismo tolerante multiculturalista que, por estar no plano da dessimbolização geral do cultura e do corpo, não tolera excessos. Esse esquecimento ético só funciona sobre a possibilidade do plano do excesso já que, por tornar-se o suposto objeto de desejo fluído para o entendimento da alteridade inscrita no Outro é possível a circulação de dádiva, de significantes, de vida. Se o pensar e o existir não estão no mesmo plano, diferentemente do que considerava Descarte por exemplo, esquecer e lembrar também não estão.

Ato ou Angústia?

Pensando sobre a estética de leitura desse blog vou variar minha escrita e tornar as coisas mais breves e mesmo técnicas. Explicações pela ligação das idéias ao vivo.
O ideário naturalizante do binômio capitalimo e democracia está chegando a um fim: uma mudança bate nas portas da história desse início de século XXI: o mercado não tem mais tempo (capacidade) para estabelecer os mecanismos mais eficientes para o funcionamento das relações sociais sociais capitalistas estabelecidas: isso mostra o caráter do "capitalismo de desastre" direcionado para o atendimento de seus imperativos existenciais de acumulação e expansão de capital, completamente disconexo, diga-se de passagem, das necessidades humanas. Essa etapa do desenvolvimento do capital global se caracteriza pela chegada de seus limites absolutos diante da incapacidade de elimitar suas contradições internas... Vale a pena lembrar Marx: "a produção de novas necessidades constitui o primeiro ato histórico".
Pulando a assertativa das novas necessidades vamos passar para o significado do ato, entretanto, o que seria um Ato?
Psicanaliticamente lembremos que um Ato (um Evento diria Badiou) significa um gesto paupável que torna possível atravessar a fantasia fundamental que estrutural a realidade social a partir de uma contradição (antagonismo) essencial: o conflito entre capital global e trabalho trabalho num nível do significante social. Esse não é o caso da revolução?
Zizek envoca Lêcan ou Lanin (Lênin + Lacan) para nos lembrar que a questão da revolução é autorizada por si mesmo: "deveríamos arriscar o ato revolucionário sem o aval do grande Outro - o medo de tomar o poder "prematuramente", a busca da garantia, é o medo do abismo de agir... aqueles que esperam pelas condições objetivas da revolução vão esperar para sempre..." O Ato causa um impasso diante de todo o histórico do saber inconsciente ultrapassando o sujeito no sentido de estar atrelado com uma Verdade.
Temos que aceitar esse capitalismo naturalizado ou esse sistema global tem contradições que transbordam a condição progressita da utopia liberal?
A democracia te ensina a votar... então quem decida afinal?

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Mais, ainda

Vamos sintetizar algumas outras impressões sobre a crise atual. Como demonstraram os fatos, três tendências apontadas anteriormente em outros textos já se mostram evidencias reais: a necessidade de queda do dólar após atingir seu ápice (deve ir para R$ 1, 50 em poucos dias pela necessidade de circulção desse dólares que estão sendo despejados na economia norte-americana...), a queda do preço do petróleo (pela necessidade de maior consumo mundial que está em queda...) e a extensão dos “circuit breakers” (interrupções dos negócios nas bolsas de valores, normalmente por meia hora) pelo mundo. Além disso, o crédito (o sistema circulatório do capital) está prestes do colapso. Não acredito que seja necessário apontar as razões, pois elas já tentaram ser desnudadas em outros textos desse blog! Pois bem...
A razão econômica pode resolver atual crise? Não! Ela só aprofunda a crise no sentido de que, por seu uma crise fenomênica de liquidez, qualquer injeção de mais liquidez no sistema financeiro só pode cavar mais o seu buraco... a Lógica não esteve presente nas aulas dos economistas de plantão...
Vou desenvolver novamente algumas teses que sintetizam meu entendimento sobre os últimos fatos...
1) A crise atual abre as portas para uma longa recessão na economia mundial. A crise de 1929 ocorreu como um processo que teve seu ponto culminante apenas em 1933. A atual crise, entretanto, tem especificidades que englobam uma complexidade e uma globalizadade extensivamente e intensamente maior do que em 1929. Por isso, concordo com Chesnais e Mészáros (!!!) que diriam que estamos a viver as primeiras etapas, mas realmente primeiras, primeiríssimas etapas de um processo que está muito além da crise de 1929 tanto em amplitude quanto em temporalidade. Dessa forma, a crise atual pode ser comparada com a de 1929, entretanto, com radicais mudanças de contexto. A atual crise financeira mundial não passa de um aspecto que deve ser interpretada com uma multiplicidade de outros processos históricos que desembocam nos dias de hoje como a inserção no mercado mundial de pólos como a Índia, a China, a Rússia e os satélites soviéticos, a próprio processo de financeirização econômica, a reestruturação neoliberal, a globalização, a liberalização e desregulamentação global para o capital efetuar sua extração de mais-valias ...etc...
2) Os limites históricos da produção capitalista estão nus novamente. O que será que diria Marx nesse momento? Provavelmente algo que já disse! “O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e a sua própria valorização que constituem a ponto de partida e a meta, o motivo e o fim da produção; o fato de que aqui a produção é só produção para o capital e, inversamente, não são os meios de produção simples meios pra ampliar cada vez mais a estrutura do processo de vida da sociedade dos produtores. Daí que os limites dentro dos quais tem de mover-se a conservação e a valorização do valor-capital, a qual descansa na expropriação e na depauperção das grandes massas de produtores, choquem constantemente com os métodos de produção que o capital se vê obrigado a empregar para conseguir os seus fins e que tendem para o aumento ilimitado da produção, para a produção pela própria produção, para o desenvolvimento incondicional das forças produtivas do trabalho. O meio ‘empregado – desenvolvimento incondicional das forças produtivas – choca constantemente o fim perseguido, que é um fim limitado: a valorização de capital existente. Por conseguinte, se o regime capitalista de produção constitui um meio histórico para desenvolver a capacidade produtiva material e criar o mercado mundial correspondente, envolve ao mesmo tempo uma contradição constante entre essa missão histórica e as condições sociais de produção deste regime”...
3) A atual crise que mostra seu estado embrionário nos principais jornais diários. Ali ainda se mostra os fatos de maneira esquizofrênica em relação à histórica ou, em outras palavras, assim como os ideólogos do capital, não existe nenhuma relação de causalidade desses fatos. Eles simplesmente acontecem...
4) Estamos chegando a uma crise única na história: ao mesmo tempo em que afeta o coração do sistema capitalista colocando limites imanentes para a expansão do capital global, também se desenvolve como uma crise múltipla (crise do preço dos alimentos, de energia, ecológica) que se envolve com as tendências do capitalismo tardio de desemprego estrutural e precarização generalizada da força de trabalho. “Entramos numa fase em que se coloca realmente uma crise da humanidade, dentro de complexas relações nas quais incluem também os acontecimentos bélicos, mas o mais importante é que, mesmo excluindo a explosão de uma guerra de grande amplitude que, no presente momento, só podia ser uma guerra atômica, estamos confrontados com um novo tipo de crise, com uma combinação desde crise econômica, que começou, com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menos contemplação e atacada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal. Isto é uma coisa quase excluída das nossas discussões, mas que vai impor-se como um fato central”.
5) O que os Estados Unidos podem fazer? O recado de Mészáros parece soar nos ouvidos: todas as suas relações mundiais se modificaram no sentido de partilhar seu poder. Entretanto, essa reordenação de suas relações de base serão pacíficas? A história do capital nega essa possibilidade. E o mundo atual? A China expandiu nas últimas décadas as relações de produção do capitalismo principalmente com base em processos internos. Entretanto, paralelo com esse processo, a China transferiu para os Estados Unidos uma enorme parte do Setor II da economia, isso é, o setor de meios de consumo. O déficit comercial e fiscal dos EUA encontra-se primordialmente aqui. Isso nos leva a concluir que novas relações entre essas potências terão início. Pensemos nisso no processo de nacionalização de empresas como a Fannie Mae e a Freddy Mac onde a banca da China tinha 15% dos seus fundos nessas entidades e comunicou ao governo dos EUA que não iria aceitar a sua desvalorização.
6) O que temos então? Parece-me que a conjugação de uma crise mundial na economia (a maior nos últimos 80 anos da qual ainda está num período embrionário mostrando apenas o cume do iceberg) com a impossibilidade de revolvê-la de forma pacífica transformando radicalmente as relações internacionais. Como o concebemos, o mundo está iniciando seu fim. Será o fim de todos ou o fim dos limites da produção capitalista? Apenas tendo a certeza de que uma catástrofe incalculável a priori vai nos atingir com certeza absoluta é possível criar meios para sua resistência... enquando o ideário do progresso possível continuar as coisas estaram fadadas ao fracasso geral.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Apesar da crise... um pouco de amor...

Peço desculpas por essa postagem, mas acho que sempre existe espaço para reflexões diárias sobre o amor...
Quando amamos? Quando existe uma pessoa que proteja as fantasias que estruturam a nossa realidade. É o amor que se ama e não determinado objeto...
Quem amamos? Amamos aquele supostamente conhece nossa verdade e nos ajuda a suportá-la...

O que é amar? É crer que amando é possível chegar a uma verdade sobre si mesmo sob uma constante ajuda para responder a pergunta crucial: "quem sou eu?". Nesse sentido, saber amar faz parte de uma confissão primordial: a falta do outro. Para Lacan, amar é dar o que não se tem. É uma promessa de reciprocidade transferêncial...
Para os homens é mais difícil amar? Sim! A moral hegêmonica masculina é aquela que não possibilita uma posição de incompletude, de dependência. Talvez seja por isso que o homem pode desejar as mulheres que não ama: uma busca por sua virilidade suspensa (não estou dizendo que as mulheres também não façam isso muito menos legitimando a posição masculina!)...
E nas mulheres? As mulheres estão tomando a posição dos homens no sentido de buscar um amor onde não exista uma co-dependência. Em outras palavras, uma degradação dos sentidos amorosos, uma fragilização dos laços humanos...

Existe solução para o amor? Absolutamente não. Estamos condenados a aprender a lingua do outro que acessa nosso desejo sabendo que qualquer tipo de responta definita é uma falsidade ontológica...

Existe alguma relação do amor com a morte? A chegada de ambos é única, defintiva, não suporta repetição, não tem recurso e nem promete prorrogação. Como diz Zigmunt Bauman, "o amor e a morte não têm história própria. São eventos que ocorrem no tempo humano - eventos distintos, não conectados (muito menos de modo causal) com eventos "similares", a não ser na visão de instituições àvidas por identificar retrospectivamente essas conexões e compreender o incompreensível. Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer"...
Lembro-me de uma passagem do livro "Fragmentos de um discurso amoroso" do elegante Roland Barthes que ele nos fala, baseado incoscientemente em Nietzche, sobre as duas afirmações do amor: inicialmente, quando o amante encontra o outro, há afirmação imediata (psicologicamente: deslumbramento, entusiasmo, exaltação, louca projeção de um futuro pleno: sou devorado pelo desejo, pelo impulso de ser feliz): digo sim a tudo (cegando-me). Em seguida vem um longo túnel: meu primeiro sim é corroído por dúvidas, o valor amoroso é incessantemente ameaçado de deprecição: é o momento da paixçao triste, do surgimento do ressentimento e da oblação. Desse túnel, entretanto, posso sair: posso "superar", sem liquidar; o que afirmei uma primeira vez, posso novamento afirmar, sem repetir, pois, agora, o que afirmo é a afirmação, não sua contingência: afirmo o primeiro encontro na sua diferença, quero seu retorno, não sua repetição. Digo ao outro (antigo ou novo): recomeçemos...

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Tudo que você quer saber sobre a crise mas tem medo de não entender

Essa postagem é uma colagem pós-moderna, um pastiche diria Fredric Jameson. O que é isso? Usarei um texto base de um rapaz chamado Walden Bello para fazer alguns desvios teóricos pessoais a lá Debord. Quem o ler vai encontrar um texto sem citações minhas ou dele, mas sim um texto único com uma construção de pensamento duplo (sem o consentimento dele, diga-se de passagem). Pena!, diria meu amigo Urso.
Nas notícias diárias vemos que estamos numa crise. Entretanto, o que ela significa? Tentando responder essa complexa pergunta, vamos fazer uma viagem no tempo! Uhuw! Para os mais entusiasmados, cuidado. Para os mais céticos, uma mirada. Para os pessimistas, algumas premissas teóricas. Para alguns pensadores como István Mészáros, Robert Brenner, David Harvey, Robert Kurz, Anselm Jappe, Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi, Walden Bello, etc, temos apenas algumas conclusões óbvias. Por ser um blog independente, vamos fazer diferente essa postagem: vou criar perguntas e desenvolver algumas respostas que acredito serem pertinentes com uma concisão máxima para que os leitores possam refletir sobre cada afirmação dada.

O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? O pior já passou? O que a crise de superprodução dos anos 70 tem a ver com os acontecimentos recentes? Qual a relação entre a política de reestruturação neoliberal, adotada para superar a crise de superprodução, e o colapso de Wall Street? Como se formam, crescem e explodem as bolhas e como se formou a atual bolha imobiliária?

Todos nós fazemos as seguintes perguntas sobre a atual crise financeira: O pior já passou? O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? Foi a cobiça? Foi Wall Street um caso de "alguacil endemoniado"? Foi falta de regulação? Não há nada mais? Não há nada sistêmico? O que a crise de superprodução dos anos 70 tem a ver com os acontecimentos recentes? Então, o que aconteceu? Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução? Em que consistiu a reestruturação neoliberal? Em que medida a globalização dos 80 e 90 foi uma resposta à crise dos 70? Por que a financeirização é tão volátil? Como se formam, crescem e explodem as bolhas? E como é possível que os titãs de Wall Street desabem como um castelo de cartas? O que acontecerá agora? Com efeito, todos nós fazemos essas perguntas.
O desmoronamento de Wall Street não se deve somente à cobiça e à falta de regulação estatal de um setor hiperativo. Procede, sobretudo, da crise de sobreprodução que vem minando o capitalismo remundializado desde meados dos anos 70: a crise estrutural do metabolismo global do capital. Entre 1 e 3 bilhões de dólares de ativos financeiros evaporados. Wall Street, nacionalizado, com o Banco Central e o Departamento do Tesouro tomando todas as decisões estratégicas importantes no setor financeiro e tudo isso com um governo que, por trás do resgate da AIG, passa a dirigir a maior companhia seguradora do mundo. O maior resgate desde a grande depressão, com 700 milhões de dólares levantados desesperadamente para salvar o sistema financeiro. As explicações habituais já não bastam. Os acontecimentos extraordinários precisam de explicações extraordinárias. Mas, antes...O pior já passou?Não! Se algo ficou claro com os movimentos contraditórios dessas últimas semanas, em que, no momento em que se permitia a quebra do Lehman Brothers se nacionalizava a AIG e se programava a tomada de controle da Merril Lynch pelo Bank of America, é que não há uma estratégia para enfrentar a crise. Há, em resumo, respostas táticas, como bombeiros que pisam na mangueira, atrapalhados com a magnitude do incêndio. O resgate de 700 milhões de dólares das obrigações hipotecárias respaldadas pelo poder dos bancos não é uma estratégia, senão basicamente um esforço desesperado para restaurar a confiança no sistema, para prevenir a erosão da fé nos bancos e em outras instituições financeiras e para evitar a afluência massiva de retirada de fundos dos bancos, como a que desencadeou a Grande Depressão de 1929. Entretanto, antes de nos empolgarmos, vamos responder algumas perguntas...
1) O que significa crise para o capitalismo?
O estado natural do capital é de crise. A incapacidade de resolução dessas crises é que constitui a dinâmica de seu desenvolvimento histórico rumo ao atendimento de seus imperativos existenciais de acumulação e expansão, independentemente das necessidades humanas. O que diferencia a atual crise é que ela um dos “pontos de culminância” da crise estrutural do metabolismo global do capital, desde meados de 1970. Em que consiste essa crise? Basicamente na incapacidade de expansão do capital por chegar a um limite tanto histórico quanto lógico de seu desenvolvimento: a globalização é uma resposta última desse processo que Rosa Luxemburgo já havia detectado no início do século XX. É o desenvolvimento máximo das forças produtivas capitalistas, dizendo num linguajar marxista.
Em meados de 1970 também ocorre uma crise de superprodução de mercadorias (insolúvel, diga-se de passagem). Para os Estados Unidos, as crescentes porções do Japão e da Alemanha nos mercados mundiais aprofundaram (senão também causaram) a perda da capacidade concorrencial jogando para baixo as taxas de lucro possíveis. Durante a época de ouro do capitalismo, entre 1945 e 1970, existiu um crescimento rápido propiciado pela massiva reconstrução da Europa e do Leste Asiático e pela configuração social dada pelo binômio keynesianismo/fordismo. Nesse processo o Estado tornou-se o mediador per excellence dos conflitos sociais criando uma regulação dos mercados com o ímpeto de criar políticas fiscais e monotárias de minimizavam as possibilidades de recessão e, ainda, criava formas de salários indiretos para estimular a demanda por mercadorias. Esse foi o Walfare State e, na sua versão subdesenvolvida, o Estado desenvolvimentista.
Com o esgotamento desse padrão, seja simbolicamente pelos eventos de 1968 ou pelos atos políticos reacionários do neoliberalismo encabeçado por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, começa a existir uma inversão no desenvolvimento do capitalismo que, antes baseado no desenvolvimento das forças produtivas, agora é baseado no desenvolvimento de forças destrutivas. Por que? O fim do crescimento das economias do centro capitalista se viu coexistente com a necessidade de expansão do capital. Entra em cena a superprodução de mercadorias (nesse sentido é que deve ser entendida a sociedade de consumo e o pós-modernismo!) buscando novos setores para a acumulação (inclusive a natureza e o inconsciente).
Sob um crescimento depressivo, o capital encontra quatro formas de responder a essa crise estrutural: a globalização, a reestruturação produtiva e política neoliberal, a financeirização e o desenvolvimento das novas tecnologias. Não vou percorrer, nem rapidamente, cada uma delas. Vamos ao ponto que parece mais importar hoje: a financeirização.
Com a tendência do capitalismo de produzir uma enorme capacidade produtiva, o resultado é rebaixar a capacidade de consumo da população, devido às desigualdades que limitam o poder de compra popular, o qual termina por erodir as taxas de lucro. Mas o que a crise estruural que envolve a superprodução de mercadorias tem a ver com os acontecimentos recentes? Muitíssimo!
2) Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução?
O capital tentou três vias de saída do atoleiro da superprodução: a restruturação neoliberal, a globalização e a financeirização. Em que consistiu a reestruturação neoliberal?A reestruturação neoliberal tomou a forma do reaganismo e do thatcherismo no Norte e do ajuste estrutural no Sul. O objetivo era a revigorização da acumulação de capital, o que foi feito: 1) removendo as restrições estatais ao crescimento, ao uso e aos fluxos de capital e de riqueza; 2) redistribuindo a renda das classes pobres e médias dentre os ricos, de acordo com a teoria de que assim os ricos seriam motivados a investir e a alimentar o crescimento econômico. O problema dessa fórmula era que, ao redistribuir a renda em favor dos ricos, estrangulava-se a renda dos pobres e das classes médias, o que provocava a restrição da demanda, sem necessariamente induzir os ricos a investir mais em produção. De fato, a reestruturação neoliberal, que se generalizou no Norte e no Sul ao longo dos anos oitenta e noventa, teve resultados pobres em termos de crescimento: o crescimento global prometido foi de 1,1% nos 90 e de 1,4 nos 80, enquanto a média nos 60 e nos 70, quando as políticas intervencionistas eram dominantes, foi, respectivamente, de 3,5% e de 2,54%. A reestruturação neoliberal não pôde terminar com a “estagflação”.
3) Em que medida a globalização foi uma resposta à crise?
A segunda via de escape global tentada pelo capital para enfrentar a estagflação foi a “acumulação extensiva” ou globalização, quer dizer, a rápida integração das zonas semi-capitalistas, não-capitalistas e pré-capitalistas à economia global de mercado. Rosa Luxemburgo, a celebrada economista e revolucionária alemã, percebeu este mecanismo há muito tempo, vendo-o nas economias metropolitanas. Como? Com o acesso de novas fontes de produtos agrícolas e de matéria-prima baratos; e criando novas áreas para investimento em infra-estrutura. A integração se produz através da liberalização do comércio, removendo obstáculos à mobilidade do capital e abolindo as fronteiras para o investimento no exterior. Nem é o preciso lembra que a China é o caso mais destacado de uma área não-capitalista integrada na economia capitalista global nos últimos 25 anos. Para compensar seus lucros declinantes, um considerável número de corporações empresariais situadas entre as primeiras 500 do ranking da revista Fortune deslocaram uma parte significativa de suas operações para a China, a fim de aproveitar as vantagens do chamado “preço chinês” (as vantagens de custos derivadas de um trabalho barato e aparentemente inesgotável). Em meados da primeira década do século XXI, entre 40 e 50% dos lucros das corporações estadunidenses procediam de suas operações e vendas no exterior, marcadamente na China.
4) Por que a globalização não pôde superar a crise?
O problema com esta via de saída do estancamento é que se exacerba o problema da superprodução, porque aumenta a capacidade produtiva. A China dos últimos 25 anos acrescentou um tremendo volume de capacidade manufatureira, o que teve por efeito deprimir os preços e os lucros. Não por acaso, os lucros das corporações estadunidenses deixaram de crescer até 1997. De acordo com um índice estatístico, as taxas de lucros das 500 maiores da Fortune passou de 7,15 em 1960-69 a 5,3 em 1980-1990, a 2,29 em 1990-99 e a 1,32 em 2000-02. Dados os limitados ganhos obtidos para conter o impacto depressivo da superprodução, seja através da reestruturação neoliberal, seja com a globalização, a terceira via de saída tornou-se vital para manter e para elevar a rentabilidade. A terceira via é a financeirização. No mundo ideal da teoria econômica neoclássica, o sistema financeiro é o mecanismo a mercê do qual os poupadores, ou quem se encontra na posse de fundos excedentes, juntam-se com os empresários que têm necessidade de seus fundos, para investir em produção. No mundo real, da crise estrutural do metabolsimo gloabl do capital, com o investimento na indústria e na agricultura gerando lucros magros, por causa da superprodução, grandes quantidades de fundos excedentes circulam e são investidas e re-investidas no setor financeiro. Quer dizer, o sistema financeiro gira sobre si mesmo: uma tautologia, assim como o espetáculo. O resultado é que se aumenta o hiato aberto entre uma economia financiera hiperativa e uma economia real estancada. Como bem observa um executivo financeiro: “tem havido uma crescente desconexão entre a economia real e a economia financeira nos últimos anos. A economia real cresceu, mas nada comparável à financeira...até que explodiu”. O que este observador nos diz é que a desconexão entre a economia real e a financeira não é acidental: que a economia financeira se distanciou precisamente para fazer frente ao estancamento gerador da superprodução da economial real. Um dos limites do capital pode ser entendido exatamente nesse ponto: o desligamento total do elo material que liga o sistema de produção com o sistema produtivo em vias de desaparecimento...
5) Quais foram os problemas da financeirização como via de saída?
O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor de valor já criado. Pode criar lucro, de acordo, mas não cria valor – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Visto que os lucros não se baseiam na criação de valor novo ou agregado, as operações de investimento resultam extremamente voláteis e os preços das ações, as obrigações e de outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real: por exemplo, as ações de empresas incipientes de Internet, que se mantiveram por um tempo em alta, sustentadas principalmente por valorações financeiras em espiral, para logo arruinarem-se. Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens por movimento de preços que divergem da alta do valor das mercadorias, para vender oportunamente antes de que a realidade force a “correção” para baixa, a fim de ajustar-se aos valores reais. A alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se cama de formação de uma bolha. Como podemos resumir esse processo, portanto?
O desabamento de Wall Street não se deve apenas à cobiça e à falta de regulação estatal do setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise de superprodução que foi a praga do capitalismo global desde meados dos 70.
A financeirização do investimento tem sido uma das vias de escape para sair do estancamento, sendo as outras a da reestruturação neoliberal e da globalização. Tendo resultado de pouco alívio a reestruturação neoliberal e a globalização, a financeirização pareceu atrativa como mecanismo de restauração da rentabilidade. Mas o que agora ficou demonstrado é que a financeirização é uma trilha perigosa que leva à formação de bolhas especulativas, capazes de oferecer uma efêmera prosperidade a uns quantos, mas que terminam no colapso empresarial e na recessão da economia real. Até quando?
Ficam as questões: Quão profunda e duradoura será esta recessão? A economia dos EUA necessitará criar outra bolha especulativa para sair dessa recessão? E se isso for o caso, onde se formará a próxima bolha? Alguns dizem que a próxima surgirá no complexo militar-industrial ou no “capitalismo de desastre” sobre o qual escreve Naomi Klein (livro de urgente leitura!). Mas isso não é farinha do mesmo saco

sábado, 4 de outubro de 2008

A insustentável violência do ser

Sob algumas reflexões acerca a violencia podemos chegar a algumas conclusões sobre nosso tempo. Me amparo aqui principalmente em algumas reflexões feitas por Slavoj Zizek, antigo parceiro de guerra interna de idéias, que expoêm por esse viés uma das grandes contradições do capitalismo tardio.
Primeiramente, vamos fazer uma distinção seminal entre violência e autoridade partindo do pressuposto de que quando existe autoridade a violência é apenas um excesso que, em última instância, não é necessária para o funcionamento correto de determinado sistema de poder. O uso da violência é um sintoma da perda da autoridade então. O que Zizek nota é que a ascensão da violência na pós-modernidade está relacionada com um tipo específico de "violência subjetiva" que prima pelo medo da aproximação do Outro como conduta hegemônica. Sob o espectro dessa violência subjetiva existe a redução de qualquer tipo de problema a sua particularidade não conseguindo acessar o sofrimento do Outro, o excesso constitutivo das trocas inter-humanas que possibilitam a reprodução do ser como ser incompleto permeado por uma falta, por uma troca de significantes. Essa forma de "violencia subjetiva" pode ser entendida sob as novas normas contra os fumantes e os usuários de drogas que, na verdade, são os únicos que tem acesso ao prazer do excesso.
Essa violência subjetiva, por ser uma arma necessária quando existe uma impotência da autoridade dominante das estruturas modernas-simbólicas, atende as demandas do capital sob um investimento do superéu ao consumo desenfreado como resposta à falta-a-ser. Os produtos do mercado entram como substitutos dessa falta que tem um novo imperativo: Goza! Goza! Goza!
Nesse sentido perguntamos: será que a violencia subjetiva que está sendo investida é a resposta apropriada para nossa condição pós-moderna de "tolerância", "multiculturalismo" e "democracia-liberal"? Zizek responderia que não. Devemos nos voltar para a Ética que nos faz aceitar ser responsáveis pela "violência objetiva" que ganha as ruas, os prédios, as cidades, o campo, as favelas, etc. O processo de liberalização dos mercados globais foi feito pelo uso esquemáico da violência, entretanto, por ser uma violência sistemática já simbolizada a priori, pôde tornar-se anônima ou sob o revestimento de uma ordem natural das coisas. Esse é o mestre permissivo pós-moderno que deu uma lição radical nos histéricos de 1968.
O paradoxo é esse, portanto: a sensibilidade a violência subjetiva crescente é diretamente relacionada com a violencia objetiva na sociedade capitalista contemporanea. Aqui devemos nos voltar para a produção contínua dessa violência objetiva já que, a violência subjetiva é, de certa forma, um pleonasmo já que em sua própria constituição existe um sentido inexorável de violência pela palavra que só tem signficado sob determinda dimensão simbolica. A violência não é a mal interpretada, diga-se por sinal, noção marxista de fogo e pedras na rua. A violência é precisamente estabelecida sob determinada dinâmica entre as dimensões imaginárias, simbólicas e reais e, nesse sentido, não pode ser reduzida a nenhuma. Essa é uma das grandes lições lacanianas. Podemos ver uma crítica ao multiculturalismo e a tolerancia aqui? Obviamente.
Para Zizek a tolerância faz parte do ideário da sociedade pós-política baseada na neutradidade. Encontra-se aqui o deslocamento da "forma-política" para a "forma-cultural", típica do isolacionsimo pós-moderno. Esse processo, por ser circunstrito de contradições, trabalha objetivamente como seu contrário: a "tolerância" torna-se intolerância exatamente por sua IMPOSSIBILIDADE de existência. Por não existir meios de comunicação neutros no que diz respeito a possibilidade de acesso ao Outro, a tolerância como imperativo moral pode levar a seu extremo oposto. Aqui entendemos porque Habermas é um filósofo pós-moderno per excellance: ele aceita a idéia da tolerância como a superação da não-aceitação de uma diferença cognifica entre convicções e atitudes que se reproduzam de forma racional. Aqui a democracia entra de sopetão: esse não é exatamente o limite da democracia-liberal? A existencia compartilhada de fissuras em competição que não podem travar uma relação baseada em grandes atos coletivos.
Citando Zizek em sua obra sobre a atualidade de Lênin: "Fidelidade ao consenso democrático significa a aceitação do atual consenso liberal-parlamentar, que impede qualquer questionamento sério da forma como essa ordem democrático-liberal é cúmplice nos fenômenos que ela oficialmente condena, e, é claro, qualquer tentativa séria de imaginar uma ordem sóciopolítica diferente. Em suma, significa: diga e escreva o que quiser - desde que não se questione ou perturbe, na prática, o consenso político dominante". Cabe a todos agora refletir sobre isso, mesmo que o resultado seja a desestruturação de fantasias fundamentais. Sim, a depressão é necessária para poder ver com entusiasmo um pôr-do-sol. Se ele passar desapercebido, o que continuará a abstração do seu sentido mais puro: fim da história.
O capitalismo global é suficiente, mesmo com sua violência objetiva? Enquanto a resposta for positiva, qualquer tipo de alternativa radical será desacreditada. Mesmo que suas tendências sejam catastróficas, social e ecologicamente, o capital não pode permitir existir uma positividade radical para esse processo que envolve a superação desse metabolismo global. Esse é um dos grandes desafios da esquerda do século XXI: aceitaremos de forma fukuyamista o sistema vigente ou apelaremos, pela necessidade, por uma construção de um novo tempo-espaço?